Vida Aflita. Fôlego Curto.
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Vida Aflita. Fôlego Curto. - Celso Florêncio
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Florêncio, Celso Aparecido
Vida aflita [livro eletrônico] : fôlego curto / Celso Aparecido Florêncio. -- Brasília, DF : Ed. do Autor,
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1.
ePub
ISBN 97
8
-65-00-1664
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1. Aflição
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. Angústia 3. Reflexões 4. Sociedade
5. Violência I. Título.
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1. Aflição
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5. Violência I. Título.
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Índices para catálogo sistemático:
1. Reflexões : Literatura
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Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-
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Dedico este livro a Juliana Florêncio e às memórias de Pedro e Flausina Florêncio.
Índice Página
Uma conversa com o pai de Deus 10
Falência múltipla 29
Relatividade 31
Notas de adeus 33
Teimosia 46
Contraditas 48
Quase nada 67
Uma vez. Outra vez. 69
Revolta no Entojo 89
O ovo do homem 157
Resolução 165
Uma conversa só na ideia 167
Resiliência 181
Outra conversa só na ideia 183
Prova 191
Adeus. Até breve. 192
Súplicas ao Altíssimo 195
Tormento 198
Som e ruído 200
Danação 202
Ente querido 205
Agradecimento.
Agradeço à Daniele pela ajuda na elaboração técnica deste livro.
Introdução
Os assuntos deste livro resultam de reflexões decorrentes de leituras realizadas pelo autor ao longo do tempo, entre as quais, Voltaire, Rousseau, Max Weber, Ulrich Beck, Sakai Sassem, Zygmunt Bauman, Michel Foucault, Elias Cannetti, Konrad Lorenz, Claude Lévi-Strauss, Junger Habermas, Werner Heisenberg, Erwin Schrödinger, Niels Bohr, Franz Kafka, Sylvia Plath, Florbela Espanca, Raimundo Faoro.
Por se tratar de uma obra de ficção, claro que há predominância de elementos subjetivos, por conta de experimentações que do autor com o mundo.
Celso Florêncio é paulista de São José do Rio Preto, formado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista, Unesp. Atualmente reside em Brasília, Distrito Federal.
Lecionou, com alegria, durante muitos anos. É pós-graduado em Inteligência Estratégica pela Universidade Gama Filho e em Violência pelo Laboratório de Estudos da Criança - Lacri/Ipusp/USP.
Uma conversa com o pai de Deus
A manhã daquele dia já se convertera em recordação.
A sala devia ter trinta e tantas carteiras. Apenas algumas estavam vagas. O velho badalador de sino já estava pronto para sair pelo longo corredor do piso superior da escola. Havia uma inquietação nas crianças, bem própria de momentos que antecedem saídas de aulas.
A professora era ainda uma jovem senhora, talvez trinta anos ou um pouquinho mais, e também se mostrava ansiosa pela saída. Tinha cabelos pretos não muito longos, presos na forma de rabo de cavalo, usava óculos de armação fina em aço claro de lentes pouco ovaladas.
O cansaço era visível em seu rosto fino bem tratado. Sua altura era cerca de um metro e setenta. A pele clarinha contrastava com as poucas pintinhas pretas no pescoço e no rosto. Os pés quase sempre vestiam sandálias abertas não muito altas e dava para ver que não eram muito afeitos a esmaltes, mas, sem dúvida, bem cuidados. Sempre cheirosa, usava brincos de prata discretos e um relógio pequeno de mostrador branco e ponteiros prateados. Na mão direita, uma aliança dourada, bem fina e discreta. Uma mulher bem bonita.
Seu jaleco branco de dois grandes bolsos laterais e aos joelhos, já repousava dobrado sobre seus materiais de trabalho: caderneta de chamada, estojo de madeira, lápis e canetas, cadernos, régua longa de madeira clara, a cartilha e uma caixinha também de madeira que abrigava os gizes.
As crianças a adoravam e, invariavelmente, lhe traziam flores que eram colocadas sobre a mesa. As aulas duravam quatro horas, com intervalo de quinze minutos. A escola pública era destinada para as quatro primeiras séries e recebia o nome de Grupo Escolar.
Foi então que a liberdade finalmente chegou. O sino dobrou forte, como de costume, nas mãos daquele velho senhor de cabelos grisalhos, um pouco corcunda e também muito querido pelas crianças.
A multidão, resultada da saída ao mesmo tempo das salas, se apertava no corredor na escada interna, e movia-se como se fosse um único corpo. Havia muito empurra-empurra e gritaria. Apesar da fome, a criançada ainda tinha energia, própria de momentos de libertação de corpos e mentes em longo período de disciplina ortopédica.
A dispersão começava a se dar já na descida da escada externa. O alvoroço, antes compacto, ia se desfazendo como sempre ocorre nas desconstituições de massas provisórias. As crianças tomavam seus rumos, em pequenos grupos ou mesmo sozinhas.
Algumas eram vistas de mãos dadas aos pais, mães ou outros adultos responsáveis. Vez por outra, ocorriam, nessas saídas, algumas brigas rápidas que não levavam a nada.
A inocência ainda habitava os pensamentos daquelas meninas e meninos.
Ele se orgulhava de ir até a uma certa altura do caminho com a Maria Lucinda. Ela chegava em casa e ele ainda tinha que caminhar muitos quarteirões até a sua. A fome sempre era enorme, desproporcional mesmo, para aquele corpinho esquelético de dez anos e alguns meses, ainda em formação.
A Maria Lucinda era mais baixa que ele, tinha cabelos escuros, sem ser pretos, longos, levemente cacheados, e permaneciam presos o tempo todo. Sua pele era clara, seus olhos castanhos eram grandões, mas proporcionais ao seu rosto bem bonitinho. Seu último nome, o sobrenome, era muito diferente e indicava decedência de povos gregos.
Ele tinha cabelos lisos, bem pretos e curtos, parecidos com cabelos de bugres. De vez em quando, os moleques gaiatos da escola diziam que ele tinha cara de índio. Mas não tinha não. Era por causa do cabelo. Era moreno claro, braços longos e magros e do mesmo modo, tinha olhos grandões e pretos.
Em pensamento, sempre agradecia a Deus por se sentar na carteira da frente a da Maria Lucinda. Adorava mesmo!
Conversavam, emprestavam um para o outro borrachas, gilete para apontar seus lápis e, quando possível, se ajudavam nos exercícios dados pela professora, principalmente, os de matemática. Enquanto estava ao seu lado, toda a atenção era para ela. Não havia concessões.
Usavam uniformes todos os dias porque a escola não permitia que as crianças entrassem nas suas dependências com outra roupa. Ela usava saia azul e blusa branca e ele short e camisa de mesmas cores que as dela. O bolso das blusas e das camisas das crianças traziam a estampa do nome da escola. Elas pareciam orgulhosas de usarem aqueles uniformes, principalmente, por causa do bolso.
Os dois iam sozinhos para casa e, quando chegavam na frente da casa dela, a tristeza lhe abatia. Ela ficava e ele ainda tinha que caminhar cerca de dois quilômetros para chegar em sua casa. Até uma certa altura havia asfalto na rua, depois era rua de terra bem vermelha, que sempre tinha barro ou poeira, a depender da época do ano. Sentia-se abandonado, mas ainda não tinha muita consciência desse sentimento dolorido. Mas tinha a sensação de que algo lhe faltava.
Durante o percurso solitário, sua mente se agitava além do normal. Caminhava sempre olhando para o chão, semelhante a porcos em andanças nos chiqueiros. Ele não sabia o motivo de tanta inquietação e também, às vezes, não se achava muito normal. Sentia desconforto, mal-estar, mas nunca comentava com ninguém. Na verdade, tinha medo de falar sobre isso e ficar pior. Tentava suportar a agonia sozinho. E sofria.
Então, foi naquela manhã que veio uma ideia muito esquisita na sua cabeça. Ele lembrou que sempre lhe diziam que Deus criou tudo, que Deus era muito bom, que Deus estava em todos os lugares, que Deus era isso, que Deus era aquilo… Mas o que mais lhe incomodava era que já sabia da impossibilidade de conversar com Deus, tinha que ser só no pensamento. Compreendia que não era possível ver Deus mas que, ainda assim, Deus existia. Era como o ar. Não via mas ele existia e, então, bastava conversar no pensamento que ele ouvia tudo. Não tinha como ser de outro jeito. Ele aceitava mas, naquele dia, algo lhe dizia na ideia que aquilo era esquisito.
Ele lembrou que conversara muito com Deus, que já lhe pedira muita coisa e não entendia o motivo da vida ser do jeito que ela é. Como era muito pequeno e medroso, sempre pedia para não ter mais medo de nada. O medo o perseguia, impiedosamente. Achava que alguém bem que podia inventar um remédio para acabar com o medo. Podia ser amargo, ardido, fedorento que ele tomaria do mesmo jeito. Queria é não ter medo.
O menino ouvia no rádio notícias da guerra. Não sabia direito onde era a guerra, mas quando passava um avião, com aquele barulho do motor, seu corpo tremia de medo. Sabia que não ia cair nenhuma bomba, mas não dava conta de não ficar com medo. Foi assim que, um dia, tomou coragem e começou a pedir para Deus acabar com o seu medo. E nada. Já estava começando a ficar com um pouco de raiva de Deus, mas morria de medo quando esse sentimento lhe ocorria. Pensava que Deus poderia ficar sabendo e, então, lhe mandar uma doença daquelas bem ruins.
Numa dessas conversas em pensamento com Deus, ele pediu para