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A Jornada De Um Assistente
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E-book804 páginas11 horas

A Jornada De Um Assistente

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Sobre este e-book

Nada inicia-se sem uma perturbação. Do que você seria capaz caso perdesse parte do que ama e tudo que tivesse como esperança fosse uma lenda antiga esquecida por muitos? Um jovem chamado Typson encontra-se numa situação semelhante, juntamente a Anabell e sua mãe. Juntos, evadem-se rumo ao estranho Norte confiantes no sonho de uma segurança contra os males que espreitam na escuridão da floresta; um lugar distante sob o manto de um curioso objeto, uma terra oculta na mais longínqua montanha. As aventuras começarão sob o brilho da lua crescente...
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de mai. de 2018
A Jornada De Um Assistente

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    A Jornada De Um Assistente - Erick De Oliveira

    A Jornada de um Assistente e a

    Esfera

    da Lua

    Autor: Erick de Oliveira Bessa Xavier

    Destinado àqueles que sempre acreditaram em mim.

    Obrigado a todos. Obrigado, Lua.

    ... E ele cavalgou para a floresta com fúria e represália, carregando a Esfera no ato de aniquilar o mal na grande e poderosa batalha.

    E os dias nasceram mais felizes sob a sombra da Montanha do Norte, cujo povo que da terra vivia não mais sofreria com a dor da tristeza da morte.

    As auroras brilharam douradas nas almas dos homens jubilosos.

    Mulheres e filhos cantaram e velhos clamaram para o sorriso da Lua em vitória a crueldade do mal sem idade.

    ... E ele cavalgou para a floresta com fúria e represália, carregando a Esfera no ato de aniquilar o mal na grande e poderosa batalha.

    E os dias nasceram mais felizes sob a sombra da Montanha do Norte, cujo povo que da terra vivia não mais sofreria com a dor da tristeza da morte.

    As auroras brilharam douradas nas almas dos homens jubilosos.

    Mulheres e filhos cantaram e velhos clamaram para o sorriso da Lua em vitória a crueldade do mal sem idade.

    Capítulo 01 – Orgtown

    Capítulo 02 – O Ataque

    Capítulo 03 – Uma Luz na Escuridão

    Capítulo 04 – A Cidadela

    Capítulo 05 – O Tempo Imperdoável

    Capítulo 06 – Herôon

    Capítulo 07 – Além do Muro

    Capítulo 08 – Códex dos Guerreiros

    Capítulo 09 – A Mais de Sete Palmos

    Capítulo 10 – A Companhia de um Mago

    Capítulo 11 – O Caldeirão de Clyddno Eiddyn

    Capítulo 12 – Não Muito Longe

    Capítulo 13 – Entre Fogo e Gelo

    Capítulo 14 – Voz de Outrora

    Capítulo 15 – A Torre de Pedra

    Capítulo 16 – A Primeira Rocha

    Capítulo 17 – A Espada

    Capítulo 18 – O Cetro

    Capítulo 19 – O Livro e o Cofre

    Capítulo 20 – Solstício de Inverno

    Capítulo 21 – Outro Dia

    Prólogo

    No princípio, foram criados os céus e a Terra.

    A Terra estava uniforme e vazia; e as trevas cobriam o abismo apenas com um Grande Ser a pairar sobre as águas.

    Faça-se a luz! – Fora-se dito. E a luz fora feita.

    E Ele viu que era bom, e separou a luz das trevas chamando a luz de dia e as trevas de noite.

    Assim seguiram-se os dias, assim seguiu-se a Criação. O eclodir dos astros, a glória das estrelas, o próprio infinito de vida e mudança amalgamado a um único elo inquebrável de suma harmonia universal. O sopro da vida no vazio. O brotar da nascente em árida terra, a verter-lhe água, a geminar, a proliferar, a crescer e multiplicar até nos findáveis do tempo. Foram acabados os céus, a Terra e todo o seu exército.

    Terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, Ele descansara de seu trabalho abençoando o sétimo dia e o consagrando, porque nesse dia repousara de toda a obra da Criação.

    Durante repouso, este Ser peregrinara por entre sua obra, amando-a, sentindo-a, vendo-a respirar. Viajara ausente de distância e movimento ou mesmo com ele. Uma presença sem forma, onipotente, onipresente e completamente onisciente. Não havia espaço sem o seu saber. Ele lá estava e mesmo não; sempre em único lugar e sempre em todos. Fizera a Criação; Ele próprio a era. Então, fora durante que, não muito longe da Terra, este Ser ouvira um módico lamento, não de tristeza, mas de essência. Tal essa era a Lua.

    – O que te perturbas, filha minha? – Falara o Grande Ser na língua da Criação. – Não estás tu contentes com a vida presenteada, fruto de meu Dom, de minha Criação?

    A grande face escura sentira-se honrada pela presença; e numa voz sem som, o respondera:

    – Partilho de tua felicidade, Alta Luz. Amo-a, sinto-a, respiro-a. Eu sou, estou a ser e sempre serei a mim fiel à unicidade de tua Obra.

    – Fale-me. – Ordenara.

    – Sou escura. Não tenho cor. Escondo-me na sombra de minha irmã até o fim e do fim voltar a ser e assim continuar; sem cor. Bichos não me conhecem, tampouco o céu, o mar e o homem. Qual o sentido de minha existência sem o saber dos demais sobre mim? Jamais me amarão ou me conhecerão. Estarei à sombra, sempre à sombra, na escuridão.

    – Minha jovem filha, pergunto-te: Tu conheces verdadeiramente teu ser? – Ponderara o supremo luminar.

    – Sim, meu Senhor. – Respondera-o.

    – Sabes com sincera benevolência o que te cabes? O espírito de tua existência?

    – Sim, meu Senhor.

    – Então, tu não és inútil. Criei a vida em um ciclo sem fim e tu fazes parte dela como o pássaro a cantar e o Sol a brilhar. O lar de minha imagem e semelhança pereceria na carência de tua presença. Tu não existirias sem a Terra, assim como a Terra não existirias sem ti.

    – Perdoe-me, Alta Luz.

    – Não há nada a ser perdoado. Apenas, não desejo ver-te assim.

    E a Lua conformara-se, na escuridão de sua existência.

    – Minha amada filha, diga-me: o que teu ser anseia?

    – Eu quero a minha luz.

    – O Equilíbrio existe. Não posso ofuscar a luz de teu irmão mais próximo.

    – Então, quero o que remanescer dele.

    Destarte, o Grande Ser, com um único e poderoso sopro seu, deslocara a Lua da sombra da vida, transmutando a sua cor esquecida ao fulgor do Sol irmão.

    Uma singular tênue luz óssea passara a brilhar na escuridão do espaço.

    – És agora, minha jovem dama e amada filha, o reflexo de teu irmão e, a partir desde exato momento, estarão ligados para todo o sempre até o ribombar do som da última trombeta.

    Em virtude de seu atendimento, tamanho júbilo fez com que a Lua sorrisse para o mundo; uma lembrança da sua felicidade nas outrora do tempo, do acolhimento recebido entre bilhões e bilhões espalhados pelo Cosmo.

    Característica alegria e ternura encandeceu-se direção à Terra, a cair por entre as estrelas e seus habitantes na forma de uma gota de luz, solidificando-se, enraizando-se: uma Esfera a brilhar e resplandecer cálida e alva.

    Tal é a história da criação dos céus e da Terra. Tal é a história do surgimento da Esfera da Lua e dos segredos contido no mundo das almas efêmeras.

    É nas velhas casas, onde parece flutuar ainda a penumbra dourada do passado,

    que se recebe, mais perdurável e mais viva, a impressão da família e do lar.

    Júlio Dantas

    É nas velhas casas, onde parece flutuar ainda a penumbra dourada do passado,

    que se recebe, mais perdurável e mais viva, a impressão da família e do lar.

    Júlio Dantas

    Capítulo I
    Orgtown

    O sol raiava.

    Pesadas nuvens cinzentas escorriam pelo claro céu azul, solitárias, carregadas por um vento distante, acima da terra, acima dos homens. Não muito longe, uma grande floresta crescia na plenitude de sua vivacidade. Pedras estadeavam. Afluentes cortavam a terra em uma água cristalina a descer dos montes, a nascer das fontes, para após juntarem-se e formarem em um único poderoso rio da qual o chamavam de O Grande não por um mero adjetivo. Animais lá viviam. Plantas lá cresciam. Um vilarejo lá perto existia.

    O dia escurecia-se e tornava-se claro ao piscar de olhos na ocasião de algumas nuvens esparsas cobrirem a face do sol, pintando a terra em chiaroscuro, surgindo e manchando, oscilando entre o dia e à noite, a luz e as trevas; o trespassar da batalha interminável ao espaço doutro, exercendo a inexistência de vencedores, mas apenas de jogadores a prol do necessário equilíbrio na ignorância humana.

    Perante cerúleo, a conjuntura concebida passava-se ao par de olhos de uma criança; um garoto como qualquer outro, sem artifícios exemplares ou virtudes sobre-humanas. Apoiado a base da janela estava observando despreocupado o esplendor matutinal, capturando no aspecto mais comum tudo o que considerava ser bom.

    Observava como o vento balançava os galhos, as folhas que resplandeciam o verde acentuado pela luz nas colinas ao horizonte elevado. Admirava a beleza do encurvar da floresta à graciosidade do tempo numa rítmica e inóspita faina natural, talvez no que seria uma harmonia onde os casais conheciam-se pela habitual experiência laboriosa ao mundo, criaturas intangíveis numa dança inteligível; a magistral Mãe observada por profundos olhos negros de uma criança fascinada com a energia da vida, contente em presenciar a reunião concomitante dos elementos.

    Este campesino sorria para o vento, cumprimentando os aldeões em suas carroças, tais que submergiam a curva da estrada onde se localizava o centro do vilarejo não muito distante.

    E assim, inconsciente sentimento cativava-o por horas, momentos que o levava a campos além da cerca sinuosa e das delimitações do terreno que cuidava e morava desde que se tinham lembranças. Admirava, mas havia algo que lhe chamava à atenção e logo seus sentidos envolveram-se numa memória familiar, uma característica exalação que se expandia no ar, silenciosa. O garoto, ao identificar do cheiro, descobriu derivar-se de seu quintal.

    Terra? – Estudava consigo mesmo, absorvendo melhor o aroma. As sementes! – Despertou-se.

    Lançando-se fora de casa em meio à relva de cobertura falha, sem muito esforço o jovem distinguiu-as sobre uma rocha ligeiramente plana; a face exterior coberta por um grosso e cinzento tecido cujas sementes encontravam-se sobre, secando a brisa, preparando-se para a plantação.

    Ao juntá-las em um pequeno saco de pano que trouxera, o pequeno camponês recordou-se de que modo às conseguira, orgulhando-se pomposamente por esse feito; o seu primeiro, ao que se lembrava.

    Orgtown era um vilarejo escondido no quase extremo do Sul de todo continente, sempre pequena e pacata. Este garoto nascera lá, crescera lá e de nada mais conhecia a não ser das pessoas que lá viviam.

    – Bom dia, Sra. Laterram! – Cumprimentava-a sempre a que via perambulando entre as casas. – Rabanetes e batatas mais uma vez?

    – Sopa de rabanete com batata é forte principalmente para velhos ossos como o meu, pequenino; e o gosto apura-se com os temperos certos. – Respondia a velha mulher em um sorriso alegre carregados de rugas. – Caso encontre meu neto sossegado em casa, mandarei que ele leve para sua mãe uma porção hoje mesmo.

    – Sopa de rabanete para o jantar. – Deliciava-se.

    As sementes provieram de um negócio. Há tempos plantara ervas e verduras a fim de, quando estivessem prontas para colher, trocá-las. Assim fora feito e assim conseguira as sementes. Ao fim da linha de seu raciocínio, uma voz surtiu distante:

    – Typson?! – Soara uma voz forte e feminina. – Typson, meu filho. Venha rápido! Não tenho o dia inteiro.

    – As sementes, mãe? – Anunciara mais como uma confirmação.

    – Traga-as para mim.

    Frente à ordem, Typson fechara bem o saco e correu até a plantação aos fundos da casa. Sentira a lama fresca da chuva da madrugada entrar-lhe pelos dedos dos pés, sensação que o fez observar as impressões de suas pegadas atrás de si.

    O chão estava frio perante o calor do dia e o ar repleto de aromas que se familiarizava aos anos de vivência contidos nas velhas e jovens almas valiosas. Folhas, terra, água, calor, o perfume das verduras que provinha de sua mãe; um cheiro característico impregnado por todas as vezes que cozinhara na vida.

    Quando percebera, Typson já a abraçava engolfando-se em um mar de negro cabelo, entregando-lhe as sementes a deliciar-se com um doce sorriso.

    – Oh! – Disse ela. – Pare com isso! Minhas mãos estão sujas e não há nada com que me defender – Ria a se equilibrar em um pequeno assento. – Vamos, vamos, basta! Tenho que terminar com isso. – Finalizara a dar seu costumeiro beijo na testa.

    Typson sentara-se ao lado dela, em cima de uma pedra provavelmente proveniente da aragem que sua mãe realizara.

    – Ora, não se sente aí! – Ralhara sem lhe direcionar o olhar, arrancando plantas intrusas da plantação. – É a segunda vez que limpo suas roupas nesta semana.

    Não mais se sentara, erguendo-se tão rápido quando a menção lhe era dada. Por um bom tempo Typson ficara ao lado dela, observando-a e admirando a maneira que aquelas mãos finas tocavam na terra com tamanha precisão.

    A terra é vida, meu filho. – Falara-lhe semanas atrás. – Por que então a lidar com frieza? Se tem vida, têm sentimentos; e se a tratarmos bem, bondade se é recebida na forma mais prazerosa. Vivemos, plantamos e colhemos. É preciso respeitar a terra de nosso sustento para que a eterna troca siga fiel pelas gerações. É a vida. Ela é boa para nós.

    Typson a via assim: uma mulher da terra, a dar-lhe carinho e a receber de volta. A via como a mulher mais sábia que existia.

    – Daqui a alguns meses estas deixarão de ser sementes e crescerão, meu filho. – Segurava o grão ao indicador e polegar em contraste ao olho verde, despertando Typson de seu devaneio. – Com o tempo, essa pequena semente dará existência a outras incontáveis pequenas sementes para que possamos ter a liberdade de colher e plantar outra vez. – Ao ritmo de seu trabalho conversava como se cada palavra fosse uma etapa de sua função.

    – E não tem fim? – Perguntou o filho.

    – Nunca. A não ser – corrigira-se rapidamente –, que o homem destrua este ciclo.

    – E se a destruirmos? – Olhava-a cada vez com mais avidez.

    – Bem, acredito que as coisas ficarão difíceis. – Refletira enviesando os lábios. – Não sei ao certo, mas eu sei que é errado intervir em coisas antigas.

    Typson assistiu sua mãe cavar um pequeno buraco com a ponta de seu dedo a terra, enterrando em feito a semente que trouxera a ela. Observava-a com cuidado e com copiosa repetição. Logo realizava mecanicamente o trabalho de sua mãe.

    – Uma semente para mais de uma. – Dizia a mulher ao murmúrio duma canção. Depois de plantada boa parte dos grãos, ambos limparam a terra das mãos, aparentemente satisfeitos. – Você já comeu, Typson?

    – Hum? – Pestanejou. – Ah, sim. – Assentira a olhar para o chão, a bater com sua mão no buraco feito. – Pão, leite, ovos, queijo e manteiga. – Listou orgulhoso. – Deixei o bastante para amanhã e para também para a senhora.

    – Comerei então. – Disse ao se levantar, enrijecendo-se ante o mecanismo. – Auth... maldito assento... – Alongara-se com dificuldade aprumando a tiara de pano branco, desamassando o simples vestido cinza avermelhado para em seguida retirar a lama de suas botas antes de entrar em casa.

    Logo a cozinha apareceu ou a ideia de uma. O leite fumegava, morno. A cesta com pães ao centro da mesa evidenciava a fome de certa criança. Ao lado, uma dispensa de madeira onde se guardava a pouca louça que se tinha; lugar donde se retirara um copo de cor amarronzado sem alça cujo com leite enchera-o em seguida. Ao lavar das mãos e sentar-se à mesa, a mulher de vermelho passara a manteiga no pão, iniciando sua refeição.

    – Não precisei mandar que tirasse o leite da vaca hoje ou mesmo os ovos. – Comentou em um ar neutro enquanto cortava outro pão. – Deu-as alimento?

    – Feno para a Lucinda. As sobras de ontem e a ração foram todas para as galinhas.

    – Não nomeou as galinhas ainda? – Expressara genuíno espanto. – Impressiona-me que não tenha o feito.

    – Elas são diferentes, mãe. – Contestou Typson cruzando os braços, amuado. – Há muitas delas e eu não consigo lembrar todas. Criar nomes é uma tarefa muito complicada. – Assentia como concordar-se consigo. – Elas precisam de nomes dignos de galinha.

    – Você sabe que isso não é algo com que se deve brincar, certo?

    – Como assim?

    – Eu quero dizer que tenha cuidado, pois pode se afeiçoar demais a um animal, ainda mais quando esse for tão...

    – Eu não vou comer as galinhas! – Gritou.

    – Muito bem, muito bem. – Os olhos verdes semicerraram de encontro com os de seu filho. – Mas não é só isso que você procura, não é? – Perguntara com humor. Typson sorriu. – O que tem a me dizer?

    – Como assim, mãe? – Envergara as sobrancelhas.

    – Typson, meu filho, não delongue.

    – Ela virá. – Respondeu contraído.

    – Outra vez, você quer dizer. – Completou em um ar cansado e surpreso. Typson não distinguiu qual tipo de surpresa seria. – Meu filho... Não possuo desavenças, mas ela, digamos... seja muito... aventureira. – Atrapalhara-se em seu tom, aparentemente não encontrando a palavra adequada.

    – Ela não é assim. – Retrucara em defesa cruzando, outra vez, os braços.

    – E o incidente com os porcos? – Perguntara em um claro tom de afirmação.

    – Pura má sorte.

    – E os pães doces do padeiro Philip?

    – Nada que possa ser comprovado.

    – E o sumiço dos ovos do galinheiro da Dona Arcem?

    – Ovos? – Confessou.

    – Olhe, eu não sei se...

    Interrompido a possível explicação, um bater repetitivo à porta da frente fora-se realizada ao ritmo de uma alegre cantiga:

    Toc... Toc, toc, toc... Toc... Toc, toc!

    – É ela?

    – Sim. – Acenara Typson com a cabeça freneticamente.

    – Chame-a aqui. – Ordenara a terminar de beber o leite.

    Typson disparou-se até a porta, abrindo-a e esbarrando-se a uma garota de mesma idade: doze anos. O cabelo ruivo lembrava uma grande esponja de cachos vermelhos, com fios a cair nos olhos com ela a soprar-lhes constantemente. O vestido, que um dia fora azul-escuro, desbotava-se ao branco como as flores amarelas costuradas a mão.

    Em soma, grandes olhos amendoados davam-na uma expressão atenta e indolente, uma convicção do que seria sua personalidade. Por fim, as sardas deixavam-na com um aspecto ainda mais sapeca, pintinhas negras salpicadas no rosto arredondado.

    – Por que demorou tanto? – Questionara a garota. – Eu tenho uma coisa importante a contar. – Segredou. – E eu estou com fome. É bom ter comida.

    – Anabell!? – Chamara a mãe de Typson com o incorporar de sua voz nos fundos da casa – Venha cá, arrepiada.

    – Sim, Sra. Atícia. – Respondeu a olhar para Typson com braveza e espanto, transmitindo apenas com aquela expressão o que acontecia. Typson unicamente dera os ombros observando o caminhar receoso da garota.

    – Bom dia, senhorita. – Disse pomposamente Atícia, a repartir o pão e a passar um bocado de manteiga. – Já comeu?

    Typson estava atrás da garota a empurrá-la quando ela respondeu:

    – Bom dia, senhora. E sim, já comi, senhora. Não estou com fome.

    Typson a olhou de relance. Atícia engolia o pão quando se virou para a menina com um olhar indagador e alegre.

    – O que faz uma garota em minha casa numa hora como essa? Não há mais nada para você fazer? – Typson observou o quanto Anabell enrijeceu-se ante os olhos de sua mãe. Ela estava vidrada, estática.

    – Não, senhora. Tudo já foi acabado. – Respondia rápida e orgulhosa, chocalhando a cabeça e a piscar. – Minha família acordou muito cedo hoje. É o dia especial do papai, por isso.

    – Ele ainda com essa superstição... – Deliciava-se Atícia. – Mas, diga-me então uma coisa: cortar lenha durante a madrugada deixa a madeira realmente mais rentável?

    – Apenas meu pai saberia responder. Eu acho que sim. Ele corta lenha deste que eu era pequena. Ele sabe como escolher as árvores e o tempo certo de cortá-las.

    – Compreendo. – Expirara a estudar a garota. – E seu pai sabe que você está aqui?

    – Sim, senhora.

    – E quanto a sua mãe?

    Na última pergunta, assentiu.

    – Pois bem, então. – Suspirara – Vão aonde, posso saber?

    Typson e Anabell entreolharam-se aos risos contidos. Atícia sorriu resoluta ao olhar das crianças.

    – O que eu faço com vocês? – Suspirou satisfeita. – Vão. – Ordenara. – Não sei o que veem lá, mas podem ir.

    Correram. Despediram-se abrindo a porta às pressas, atravessando a frente da casa aos saltos, percorrendo o caminho da porta de entrada até a estrada; um trajeto lamacento onde o capim não crescia pelo passar frequente da carroça e o pisar dos pés.

    Juntos empurraram a porteira e juntos olharam para a casa, para o telhado de capim e madeira cujo pontiagudo teto de um dourado fosco pelo marrom da palha suja brilhava com o sol matutino, banhando-se em luz. Havia apenas uma porta e uma janela pequena, e a esquerda um celeiro velho onde criavam os animais a próprio sustento.

    Sua casa parece um rosto de um só olho. – Dissera Anabell certa vez.

    É a minha casa de um olho só. – Respondera-a enquanto imaginavam formas engraçadas nas nuvens.

    Em Orgtown, nenhuma casa era distante doutra; e mesmo a casa de Typson sendo uma das mais distantes em relação, uma corrida de duas crianças no auge de sua energia em nada significava a palavra metros, cuja habilidade ajudava-os chegar ao centro do vilarejo numa sublime rapidez.

    O caminho da casa de Typson ao vilarejo em si dava-se por uma terra acidentada, onde no ponto de chegada um arco de galhos enlaçados caracterizava a passagem entre a floresta e a civilização. O avistar do símbolo era o sinal do quanto haviam percorrido.

    – Eu ganhei! – Clamava Typson vitorioso. – Rá! E não me venha com as suas desculpas esfarrapadas... eu... – ofegava aos risos – ...venci desta vez.

    Ana esbaforia aos risos a tomar controle, aos poucos, da respiração.

    – Eu tropecei... eu tropecei! – Exclamava pertinente. – E você me empurrou, covarde! Eu tropecei ali... – apontou – naquela maldita pedra. Mas isso... não faz nenhuma diferença. – Dera uma forte inspiração. – Eu ganhei três vezes seguida nesta semana, sendo EU ainda A melhor desde então.

    Typson revirara os olhos, imitando-a sarcasticamente.

    – Typson, pare com isso. Você sabe muito bem que não gosto! – Exclamara avançando contra dele.

    – Mi, mi, mi... EU venci... mi, mi, mi... A melhor... mi, mi, mi... Ganhei três vezes...

    – Faça isso mais uma vez e...

    – Mi... – pausara dramaticamente–... mi, mi.

    – Ora, seu...

    Começaram a correr um atrás do outro, com Typson a agarrá-la e fazer-lhe cócegas. Caíram na beira da estrada de terra, a rolar entre as urzes, a sentir o orvalho lhes encharcar, ouvir os galhos dos arbustos a quebrar, os grilos a cantar e sapos a coaxar.

    – Pare, pare, pare com isso! – Gargalhava em lágrimas. – Solte-me, Typson!

    – Eu a solto se parar de lutar.

    – Solte-me. Solte-me! – E Typson a soltara.

    Ana se recompôs, aprumando orgulhosamente seu cabelo atrás da orelha, a chamar-lhe impaciente de volta para a estrada.

    – A não ser que prefira ficar aí com os insetos e cobras venenosas. Talvez faça novas amizades, quem sabe? – Contrapôs ela, com Typson soltando uma risada desdenhosa.

    Fora ao ver o movimento nas ruas úmidas que Typson, ao caminhar e semicerrar seu cenho em uma tentativa de enxergar melhor à frente, usando como interrogação uma leve cotovelada, perguntou a sua companhia:

    – Como conseguiu convencer o seu pai? – Ana riu em resposta. – Disse algo engraçado?

    – Você me fez lembrar algo engraçado. – Corrigira-o. – Mas, eu tenho minhas estratégias. – Segredara-lhe falsamente.

    – Estratégias? Você? – Arqueara as sobrancelhas.

    – É claro que sim. – Enfatizara. – Olhe. Preste atenção. É bastante simples. – Inspirou pomposa, exercendo segundos de dramatização. – Eu apenas faço a mesma pergunta por horas a fio até ele permitir que eu vá. – Narrou naturalmente.

    – Você sempre faz isso?

    – Quase todo dia.

    – Admito. É ter muita paciência. – Admirara-se.

    – Não muita. – Respondera Ana suavemente. – Meu pai perde a mansidão depois que toma seu café e quer descansar em sua cadeira na varanda.

    Typson sorriu.

    – Não me referia ao seu pai; mas, sim, a você.

    Dito isso, Ana o empurrara com o ombro acelerando o passo, a começar a correr com Typson a persegui-la outra vez.

    No caminho, apenas o vislumbre das crianças era-se visto, velozes em energia e condescendentes aos gritos assustados dos rabugentos. Idosas, em maioria. Estas vociferavam numa ira tardia e cansada, geralmente aos pares, sempre a discutir assuntos banais das minúcias da rotina pacata.

    Mas, ainda que detestassem uma algazarra descomedida, sempre sentiam falta quando algum dos pequenos adoecia, conformando-se em velha vida de que sempre seria assim. Estavam acostumadas com a euforia juvenil, sendo que Typson e Ana não eram os únicos no vilarejo. Havia mais crianças e esses estavam à espera dos dois na rua consagrada da guerra premeditada.

    – Tu estás atrasada, Ana! – Erguera sumptuosamente uma voz após vê-la, um garoto esguio e de cabelo ralo de um louro acinzentado. Este vestia uma roupa tão gasta quantos aos dos demais, que eram no total seis e todos os meninos. – O mesmo serve para você Typson, o escudeiro.

    – Não estou – dizia Ana como se cada palavra fosse de suma importância – à vontade de guerrear hoje, ó grande Lucas, conquistador da pedra do Sr. Doules e planejador do sequestro dos ovos da Sra. Arcem!

    O garoto recebera as menções com grande satisfação, inflando-se com os supostos adjetivos. Então foi ele que pegou os ovos. – Pensara Typson consigo.

    – Tenho uma tarefa mais urgente a se tratar. – Finalizara Ana a puxar Typson pelo braço. – Vamos sair daqui. – Cochichara.

    – Com Typson? O escudeiro? – Rira Lucas. – O grudento carrapicho de Ana! – E os outros riram, contudo fracamente com olhares inquietos e temerosos.

    Typson sentira sua cabeça esquentar.

    – Calado, Lucas! – Sorrira a fitá-lo ironicamente. – Não sei se lembra de quem o derrotou na corrida e na escalada da árvore duas vezes? Sou o escudeiro de minha conquista, e por que gosto.

    O garoto contorcera os lábios a dar-lhe os ombros

    – Nada de grande. – Silvara indiferente. – Se vocês não guerrearão, então não passarão por minha rua que conquistei vencendo Oliver hoje mesmo. – Enquanto falava, apontara para um respectivo garoto, um rechonchudo cabisbaixo pela vergonha.

    – Desculpas, Ana. – Suplicara Oliver na sombra de sua testa. – Ele me acertou no ombro e no peito, assim como dita suas regras. Eu não consegui fazer nada. – Fungava a segurar o choro.

    – É esse o resultado quando se confia em alguém barrigudo. – Cuspira Anabell. – Devolva a rua, Lucas Estragado. Eu prometo que não chutarei aquela parte sua que dói muito.

    – Venha pegar então! – Desafiara-a em posição de ataque. Typson enrugara os lábios ao ver Ana fazer o mesmo.

    Oliver sempre fora o dono da Rua dos Três Carvalhos. Para cada criança que passasse na rua, era preciso dar um doce ou qualquer coisa que fosse mastigável, sendo que Oliver comia de tudo. Agora não mais. Lucas era encrenqueiro e, além disso, malicioso. Era difícil persuadi-lo ou mesmo ludibriá-lo. Ele gostava de guerrear e talvez de algo mais.

    – Então, o que vai ser? Sei para onde querem ir, mas terão que dar a volta a duas ruas daqui.

    – O que você quer, Lucas? – Perguntara Typson enfim.

    – Eu quero o esconderijo de vocês. – Respondera em desafio. – Seria legal ficar lá. – Olhara para cima com uma expressão de deleite. – Deem-me o esconderijo de vocês que eu devolvo a rua para o gorducho aqui.

    Ana bufara. A garota aprumou o vestido e o cabelo. Os olhos chisparam. Typson enxergou o óbvio que se sucederia.

    – Isso acontecerá no dia em que todas as folhas das árvores de toda a floresta cair, Sr. Lucas Mofado!

    Mediante exclamação, a jovem explodiu a avançar contra Lucas; e tudo a partir desse momento passou em flash.

    A primeira coisa que Ana fez fora pegar um punhado de lama e, como sempre tivera uma mira aguçada, faz com que a bola de lama viajasse pelo ar acertando em cheio o rosto do garoto, fazendo-o cair para trás com a força da pancada. Os demais, ao verem Lucas ao chão, fizeram o mesmo que Ana, não demorando em iniciar a guerra em si.

    Bolas de terra úmida ziziavam aos ouvidos, acertavam as costas das crianças onde urravam de dor e excitação. Lucas fora o mais atingindo e, aparentemente furioso, saíra na direção oposta da guerra – se é que se havia direção. Os garotos não riram muito de sua fuga, estavam ocupados demais em se proteger e atacar.

    Todos gargalhavam. As risadas eram de certa forma contagiante. Pessoas que perto passavam, apesar de dirigir olhares de reprovação, sorriam em visão logo ao se recordarem dos jovens tempos que se foram.

    Enquanto isso, Typson não era chamado futilmente de escudeiro, pois tinha habilidade para isso. Prontamente, agarrara uma tampa de barril já a apodrecer na lateral de uma casa qualquer, a fim de defende-se e proteger sua amiga. E funcionava. Era uma boa parceria. Ana com a mira e Typson com o escudo. Ela escondia-se atrás de Typson que avançava e, um por um, cada garoto na ambição ou na glória de ser o dono a rua, era abatido sem remorso. No fim, sobrara apenas Oliver a tremer as pernas, engolindo em seco.

    – Por favor, Ana. Não faça isso. – Suplicou, escorregando na lama em seus pés. – Não fiz por querer.

    – Não perca mais essa, Oliver. – Dissera em um ar imperialista a fitá-lo com a ponta do nariz. – Na próxima não deixarei que seja o dono dessa rua. Está bem entendido?

    – Claro como água.

    – Excelente. – Andara a passos largos para longe daquele tumulto de meninos e sujeira.

    Typson jogara seu escudo fora a acompanhar os passos largos da garota.

    – Essa foi boa, Ana. – Dissera a ela, vendo-a sorrir.

    – Eu sei! – Gargalhara com prazer. – Obrigado, Typson. – Respondeu em reverência, segurando a ponta de seu vestido.

    – Não há de quê, Dama Ana. – E riram ainda mais alto a correrem mais uma vez. Typson desejava correr todo tempo e entendia de certa forma que Ana sentia o mesmo.

    Era de se saber que estavam emporcalhados. Respingos de lama saturavam por todo o vestido, que no caso de Typson, na camisa e calça. Os cabelos estavam duros de terra, e quando chegaram ao destino mútuo, sentiram-se indispostos e um tanto envergonhados.

    – Da última vez não me senti assim. – Confessara Typson a Ana, que por ela assentiu de forma correlativa.

    – Eu pouco me importava, mas agora...

    – Estamos ridículos. – Completara a garota em um sorriso torto.

    – Sim, estamos.

    Subiram na varanda de uma casa, no fim da rua, no limite do pequeno vilarejo. Era uma casa pequena feita de uma simplicidade rústica tal qual como as demais casas, porém, em relação, melhor conservada. Juntos, caminharam para porta que dividia a casa. Havia duas janelas: uma à esquerda e outra à direita. Cada janela dividia-se em quatro painéis, perfeitos quadrados preenchidos por um fino vidro, turvo pelo passar do tempo. Essa mesma divisão existia no topo da porta, todavia acentuado ao retangular, na altura de encaixe para enxergar o que acontecia ao lado de fora. Ana estava prestes a bater à porta quando Typson segurou-lhe a mão em um aceno negativo.

    – Não podemos entrar assim. – Sussurrara entre dentes – Olhe para mim e para você!

    Assim ela fez, revirando os olhos em concordância.

    – Estou imunda. – Examinara-se.

    – O que vamos fazer? – Perguntara Typson. Não obtido a resposta, continuou: – Ana?! Vamos embora!

    – Ora, tenha calma! Deixe-me pensar! – Sua voz soara mais alto que o desejado. Quando o silêncio retornou, em conjunto viera uma terceira voz.

    – Quem está aí? – Bradara fortemente.

    – Santa estrela. O acordamos. – Desesperara-se Ana. – Va-vamos sair daqui.

    – Bem que te avisei. – Deliciara-se Typson.

    – Ora, fique calado e se esconda.

    Mas era tarde. O contorno da cabeça através do vidro baço apareceu. A maçaneta redonda de ferro girou em um rangido metálico. Pela brecha da porta um homem falou, mostrando sua cara para os jovens que tentavam sair de seu campo de visão, pé ante pé, quase escondidos por dois barris na frente da casa.

    – Mas o que... – uma pausa no ambiente seguida por uma entonação mais grave. – Anabell?

    Typson esbarrara em Ana com sua parada súbita.

    – E o Typson, de Atícia!?

    Vendo que não mais havia como se esconder, ergueram-se languidos e vergonhosos ao homem ereto na varanda.

    – Sim, Sr. Lucvan. Somos nós. – Disseram em um monótono uníssono. O homem alargara um sorriso atenuado.

    – Ah – disse o homem –, não são os meus pequenos ajudantes? Ótimo vê-los mais uma vez. Já faz tanto tempo. Deixe-me ver... um dia ou talvez menos? – O homem grisalho dera uma risada velha e pesada, a aprumar suas vestimentas inapropriadas de se mostrar aos convidados e ou mesmo de usar ao ar livre.

    – Santa madrugada, vocês se superaram desta vez. Olhem para esse cabelo e para essas roupas. – Estalara a língua contra os dentes. – Vamos, entrem de uma vez. – Ofereceu em um gesto convidativo repetitivo.

    Ao entrarem, um cheiro de madeira recentemente queimada e cortada circulou no ar. Tentaram tirar o máximo da lama grudada em suas botas, raspando-os na ponta dos degraus na tentativa de uma melhora. Ao menos o do sapato posso limpar – pensou Typson.

    – Isso mesmo. – Instruía o homem. – Agora tirem os sapatos e botas e os coloquem perto da porta, bem no canto. Pode ser atrás sim. Isso mesmo. Agora, venham comigo. Acabei de ferver leite para mim, mas acho que dará para todos ao menos um copo.

    Lucvan, aos olhos de Typson, era um bom homem. Ele fazia questão de manter uma harmonia entre os que conheciam bem, e mesmo com aqueles que não tinham muita simpatia. Era um antigo amigo de Typson e muito mais de sua mãe e de Ana e sua família.

    Desde muito pequeno, referido homem o acompanhava e Typson não recordava de nenhum momento em que ele não estivesse por perto. Das muitas vezes que sua mãe contava histórias, a maioria referia-se a Lucvan, em especial sobre a infância e da amizade que crescera entre os dois. Ele sempre prestava assistência quando algum momento difícil afligia a família de Typson. E quando o caso era o reverso, sua mãe, sendo uma pessoa boa em tratamento de feridas e ervas curativa, retribuía o favor cuidando de suas doenças ou ferimentos provindos de seu ofício. Era um homem educado de um espírito calmo e quieto.

    Sendo esse um de seus dons. Assim dizia Atícia em um humor carinhoso. Mas... Sempre exaltava quando o assunto decorria em casa. ... sua verdadeira habilidade está em suas mãos e cabeça. Não consigo imaginar o que passa naquela cachola. É divino. Ele é o melhor carpinteiro que qualquer um que eu tenha visto.

    Realmente é, pensava Typson. Não importava quantas e quantas vezes em que entrasse em sua casa, ele sempre a admirava – não apenas a casa em si, mas o que se havia nela. Eram inúmeras, todas em perfeita ordem e tamanho. Aquelas mãos encontravam forma na madeira de uma maneira não mera talentosa, tinha-se alma nelas; um irradiar mais forte que a luz que penetrava pela janela ao seu lado.

    A sua direita tinha-se um balcão de madeira lustroso que servia como um divisor entre quem via e o que era visto. Longas tábuas presas à parede atrás do balcão serviam como suporte para as inúmeras criações que Lucvan realizara durante sua vida; incontáveis animais de madeira, bichos inanimados onde muitos deles Typson tão pouco sabia da existência. Reconhecia apenas alguns, tais como: o urso, o cachorro, o peixe, o porco e o pássaro pelas asas e não por que sabia distinguir. Muito se fazia perguntas ao Sr. Lucvan, principalmente sobre os demais animais; mas, por uma vontade estranha, não quis fazê-lo hoje. Estava a admirar algo novo.

    Typson, como de costume, girava em seu eixo em um rodopio de imagens deslocadas. Gostava de fazer isso, dava-lhe uma sensação de explosão de conteúdo a ser digerido com as variedades de perguntas a serem feitas sobre tudo que acontecia ou o que o próprio Sr. Lucvan criava a cada dia que se passava. Gostava de olhar para o teto enquanto observava as criações de madeira penduradas nas estacas do teto e a serem sopradas pelo vento dando-lhe uma ilusão de movimento aos pássaros esculpidos. Typson jurou ver um dos pássaros ruflarem as assas certo dia junto ao seu chilrear característico. Todavia, não fora isso que o cativara.

    A esquerda, como previsto, era onde as esculturas maiores ficavam e eram as que mais vendiam entres os raros viajantes que passavam em busca de algo ou de oportunidades mais ao Norte; jovens que seguiam seus sonhos ou velhos e ricos senhores em busca por artesãos. Todas as obras eram grandes em tamanho e beleza, e a maior entre todas estava curiosamente coberta. Typson não se lembrava de ter o visto em dias passados peculiar escultura e muito menos escondida por um lençol branco. Lascas de madeira ao chão diagnosticava o seu recente feito. Fora nessa curiosidade que impulsivamente puxara o lençol, a inspirar surpresa e a tossir com a poeira que engolira.

    – Ficou aí outra vez, Typson? – A voz do senhor soou mais à frente, aparecendo na passagem da sala para a cozinha. – O que você descobriu hoje?

    Typson, que ainda tossia e enxugava as ardentes lágrimas, respondera-o em uma voz enguiçada:

    – Novo... cof, cof ...isso. – Apontado para a escultura, Ana aparecera atrás do homem a mastigar um pão com tremenda gula.

    – O que é isso? – Falara ela colocando todo o pão no canto de sua bochecha. – É Findo. – Andara a aproximar-se da estatuária.

    Sr. Lucvan semicerrara os olhos a tocar na superfície de madeira como lhe fazendo carinho, analisando em um olhar técnico alguma imperfeição.

    – Não o quê, mas quem. – Interpusera o senhor. – É um homem, a escultura de um homem.

    Estava claro o que era para Typson a sua frente e, ao olhar para o lado, Ana pareceu aborrecida com sua pergunta mal formulada. Sorrira ao ver Lucvan sorrir, acompanhando o seu olhar a deliciar-se com a obra que realizara.

    Não era apenas um homem, mas pela sua aparência, um lutador, um guerreiro; um formoso homem de expressões sérias, de fisionomia forte, voraz. Nenhum ser da terra poderia derrotá-lo. Era-se imbatível, completamente virtuoso. Em sua mão direita, fincada na base de madeira; uma espada. Em sua mão esquerda, levemente erguida; um livro aberto onde a escultura a lia com os olhos sem o flexionar do pescoço. Uma leitura rápida, instrucional e precisa. A luz do sol irradiava na superfície lustrosa, energizando-a com um brilho dourado amadeirado. Ficaram em silêncio por alguns instantes até Ana falar mais para si:

    – O senhor que o fez? – Typson a encarara enrugando a testa em um curto assentir negativo, dando-a tempo para corrigir sua própria pergunta: – Digo, o senhor fez tudo isso de ontem para hoje?

    O Sr. Lucvan não pareceu ouvir nenhuma das perguntas, limitando-se em apenas dizer:

    – Ontem... foi uma noite muito estranha. – Falara em um sussurro. – Acho que não dormi com aquele pensamento de que quanto... ou onde eu... – E enfiara a mão no bolso na túnica cinza, tirando dela um grosso anel de prata, que em superfície jazia uma grande pedra vermelha, triangular, lapidada e brilhosa a reluzir em feixes de sua cor a luz dourada do sol. Ao retirar do anel, o pôs em seu indicador esquerdo.

    – Sim... – Balbuciara a caminhar para cozinha a se sentar na cadeira, pesadamente. – Acho que não dormi nada fazendo... isso. – Bebericara o leite a esfregar a palma da mão em sua testa. – O que você havia perguntado, Ana?

    Ana escancarara os olhos a pôr o pão de volta no cesto.

    – Quem é ele? – Reformulara com leve rubor.

    – Ele? – Sorrira Lucvan cansadamente. – Um homem de uma história antiga que um dia ouvi quando criança.

    – E essa era a aparência dele? – Inclinara a cabeça para o lado, infantil.

    O senhor, que fitava o copo de leite em mãos com demasiado intento, prefigurou, confuso o que tinha em pensamento. Pestanejara várias vezes para que então recuperasse o contexto da conversa.

    – Sim! Er... digo... é claro que não. Apenas o imaginei de acordo com a descrição da história. – Bebera um gole do leite. – Uufff... Quente, quente, quente...

    Levantara-se a tirar estranho vasilhame do armário, destampando-a, oferecendo o que seria biscoitos às crianças.

    – A Sra. Laterram é uma boa pessoa. Alma gentil. – Disse a enfiar a mão no recipiente transparente. – E sabe fazer uns biscoitos deliciosos. – Mastigara e engolira. – Muito bons...

    Estavam murchos, mas pela escassez de guloseimas no vilarejo, os mesmos foram apreciados. Typson, por sua vez, enquanto mastigava, perguntou:

    – Nos contará a história?

    Lucvan bocejou, olhando-o de esguelha.

    – Qual delas, meu jovem?

    – O dele. – Apontou a uma forma nada sutil.

    – Neste momento? – Coçara sua barba. – Desculpem-me crianças, estou sonolento demais para... e eu... – bocejara mais uma vez – ... pela santa manhã, vou dormir mais um pouco.

    Ana soltara um suspiro de insatisfação, desapontada. Typson, ao perceber o cansaço do homem, levantara-se a chamar Ana para o quintal.

    – Irão para lá? – Perguntara Lucvan ao se levantar também. Ambos assentiram positivamente em resposta. – Hoje não ficarei de olho em vocês como pode ser claramente notado.

    – Sabemos como nos cuidar. – Respondera Typson com um sorriso de confiança.

    – Claro que sim. – Retribuíra o senhor o sorriso. – Podem ir.

    Existia uma distância da casa do Sr. Lucvan até a floresta, contígua, uma área aberta de delimitação alguma. Era livre, plana, verde. Mais à esquerda, escuro e marrom, a terra sobressaia-se, ervas e legumes cresciam vigorosas na fertilidade numa longa trilha de folhas características; batatas, nabos, cenouras belas ao verde resplandecente, que pelo conhecimento dos observadores, não tardaria para colheita. E no mais, não muito distante, pouco mais à direita, um galinheiro rústico e reforçado contra a gula de raposas famintas.

    Ainda assim, no centro desse campo o esconderijo ganhava forma, construído com a ajuda do próprio Lucvan e do pai de Ana após horas de suada persistência. Não demorara em Typson e Ana desfrutar da extensa sombra resultante de uma enorme e erma árvore. O refúgio encontrava-se nos seus espessos galhos.

    Era uma árvore enorme e incomum cujo nome ninguém sabia. Chamavam-na de Pai-Carvalho, por seu tamanho e estrutura, apenas. O resguardo, por sua vez, esconsa na ramagem superior da árvore, atribuía-se com significado o seu nome. Esta era apenas vista quando olhada por baixo, sobre raízes da árvore, ao lado da escada pregada ao seu grosso tronco áspero.

    – Você primeiro, Typson. – Oferecera, e ao instante que pusera os pés, Ana o alertou. – Não, espere. – Parara-o, puxando-o de volta pela roupa. – Olhe!

    Apontava para seus pés, para os pés de Typson, que por ele não entendeu.

    – Estão sujos, como era de se esperar. – Dera os ombros, lhano.

    – Não teus pés, tonto. É pelo nosso. Os meus sapatos. Tuas botas! – Retrucou aumentando a voz, cruzando os braços. – Não subirei sem elas. Não arriscarei escorregar e cair lá de cima.

    – Lá de baixo que não será. – Resmungou.

    – Cale-se. – Empurrara-o, sorrindo. – Pegue os sapatos e as botas e volte aqui. – Ordenara pomposa.

    – Por que eu? – Arqueara uma das sobrancelhas, zombeteiro.

    – Não foste tu o vencedor da corrida? Nada mais justo que o mais veloz busque as coisas esquecidas.

    Typson torcera o nariz ao correr até a casa. Lucvan ainda estava na mesa preparando alguma refeição quando chegou.

    – Voltastes rápido. – Dissera o senhor da casa, impressionado. – Vejo que trouxeras parte de minha terra consigo em teus pés.

    Typson, que vira a trilha de lama deixada por si, ruborizou-se.

    – Oh, não fiques chateado com um este velho resmungão. – Sorrira, porém cauteloso. – Não há motivos com que se preocupar quando a casa inteira já está imunda. – Vagara o olhar cansado em derredor. – Claro que um pouco mais pela chegada de vocês... mas esta não é a razão de teu retorno, não é? Devo presumir que esqueceste algo. – Pensou.

    – Nossos calçados. – Respondera, abatido.

    – Certamente.

    – Então... posso pegá-los?

    – Não tenha vergonha.

    Typson correu ainda com a lama impregnada, o desenho de seus pés carimbado na madeira escura e poeirenta. Sentira-se profundamente desconfortável em acentuar o comentário ao sujar a casa ainda mais. Todavia, por algum motivo, riu ao final. E quando retornou com os sapatos em mãos, Typson, parado na soleira na porta dos fundos, falou:

    – Eu queria falar mais com o senhor. – Voltara-se para a saída, observando sua amiga distraída com algo que caminhava no largo tronco da árvore enorme. – Ou melhor: fazer uma pergunta.

    – Dependerá. – Inclinara-se, confidente. – Se eu souber responder...

    – Não é nada. – Aliviara, ainda voltado para saída. – É sobre tua escultura, o homem que tu esculpiste.

    – O que queres saber?

    Em uma rápida olhadela, Typson avistou a singular obra, de longe, apenas o suficiente para saber que estava lá, no mesmo lugar. Typson olhava com o canto do olho quando falou, lentamente:

    – Esse homem... ele tem uma história? Digo, uma história ruim?

    – O que queres dizer com ruim?

    – Uma história triste. – Respondera-o.

    Lucvan, parecendo refletir com alguns segundos, exprimiu:

    – Uma das mais tristes que já ouvi.

    – Ele fez algo de importante? Ele ajudou alguém?

    Houve um breve silêncio. Logo, Lucvan ponderou.

    – Ele fez mais que ajudar, se queria saber.

    Typson não entendeu. Lucvan sorriu.

    – Posso lhe contar a história amanhã, depois do almoço, eu acho. Chame Anabell, se quiser.

    – Nos contará?

    – Sim. – Disse a uma profundidade curiosa. – É bom que saibas disto.

    Finalizado, erguera-se se aproximando do garoto, a emaranhar seu cabelo com uma só mão, ainda a bocejar.

    – Não sei o que deu em mim hoje. Que sono fora de tempo. – Questionava-se. – Não me olhe assim, jovem. Estou bem. – Piscou. – Mas, por favor, não fale nada para tua mãe. Promete?

    Typson assentira, obediente.

    – Agradeço por isso, mas agora vá. Só não se esqueça do tempo enquanto lá encima estiver. Quero que voltem para suas casas antes do anoitecer. – Frisara.

    – Sim, senhor. – Resmungara Typson. – Já faz tempo que não saímos mais a noite. – Comentara em um tom nebuloso. – O senhor sabe quando isso vai acabar?

    Lucvan, que já estava de costas a subir as escadas até seu quarto, respondera com sua voz abafada pelo corredor ascendente.

    – Logo, meu jovem. Assim espero.

    Typson saía da cozinha quando decidiu voltar e pegar mais alguns biscoitos. Calçara suas botas e correu até a frondosa árvore, entregando os sapatos a Ana para após subirem pelas tábuas em uma sincronia.

    – Por que demorou tanto? – Perguntara Ana enquanto subia, protegendo-se de um vento forte. – Ele falou alguma coisa a você?

    – O que disse? – Gritou, a voz abafada pelo vendaval. – Segure-se.

    – Estou bem segura. – Contestou a garota. – Ficaria melhor caso não engolisse terra de suas botas enquanto falo. – Typson riu, somente.

    Quando subiram – com Typson a ajudá-la – sentaram-se e deitaram-se logo, sem se incomodarem com as folhas caídas alfinetando as costas. Um ou dois vendavais passaram, fortes, porém curtos, carregando consigo partículas de pó e folhas secas.

    – Eu gostei da escultura do Sr. Lucvan. – Falara Anabell soando sem nenhuma admiração. – Ele é realmente talentoso.

    – E um pouco estranho. – Acrescentara Typson a sorrir. Ana sorrira junto, a falar em seguida.

    – O que ele te disse? – Abrira os olhos, curiosa.

    – Fui eu que perguntei, na verdade. – Confessou. – Perguntei sobre aquele homem de madeira, o que acabei de mencionar.

    – E o que há de especial? – Enviesara os lábios, desmerecida.

    – O que há de especial!? – Repetiu, irônico. – Não ficaste curiosa? Não querias saber como ele fez aquele rosto só em ouvir uma história antiga? Pois eu fiquei.

    – Pois eu não. – Respondera ela secamente. – É só um homem de madeira. Até formoso, não acha?

    – Ele... tem rosto de homem. – Limitou-se a dizer isso. Não queria usar o nome formoso em relação a outro homem ou escultura. – Mas, o que quero dizer é: eu perguntei sobre esse homem e o Sr. Lucvan afirmou que nos contaria a história amanhã depois do almoço.

    – Nos contará? – Ana pareceu surpresa – Difícil ele nos contar algo.

    – E você irá? – Perguntara sentando-se.

    – Não sejas um bobo. Não costumo perder uma boa história, Typson. Lembra-se da última que ele nos contou? Ainda imagino um urso branco e preto a me atacar caso olhar fixamente muito tempo para a floresta ao anoitecer.

    – Isso foi invenção. – Cortou Typson pegando uma folha no ar esfarelando-a em mãos. Ana dera os ombros em um ar impassível.

    – Mentira ou não, ele tem mais um dom entre muitos. – Ana fechara os olhos. – O Sr. Lucvan é um ótimo contador de histórias.

    Assim ficaram por muitos, com a floresta a orquestrar na quietude.

    Typson sempre gostou da casa na árvore. Parte pelo gosto de ter ajudado construí-la e ver cada parte da casa em sintonia de uma casa. Curioso como a madeira, outrora uniforme, tornava-se bela a um aspecto tão rústico e natural. As estrias em vários tons marrons, a firmeza de algo que fora apenas uma semente e que agora era tão dura quanto uma pedra qualquer recolhida do chão. Era-se seguro e confiável, além de temível e assustadora. Gostava da altura, a confiável, de como tudo parecia menor com a distância, do quanto o vilarejo era pequeno em relação à vastidão de terra pelo horizonte adiante. Um singelo grão marrom na imensidão verde da floresta. A notória vida do homem em terra.

    Todavia, para Typson, em relação de tudo que acumulava em seu prazer, nada se comparava com a sensação de se deitar ao chão da varanda da pequena casa, olhar para cima e sentir o vento encher-lhe a roupa com o sol a trespassar pelas folhas verdes e amareladas da árvore. Sentir, amar seu feito. Observar o esplendor do cair das folhas, deslizando no ar, dançando em rota com o chão. Graciosas e suaves elas eram. As folhas caídas aclimatizavam o ambiente com um tipo de mistério ingênuo que ele adorava. Typson não cansava da beleza da natureza.

    – A cada dia que se passa eu gosto ainda mais daqui. – Dissera para Ana ou para o nada, a espalhar as folhas ao seu redor ainda deitado, criando um anjo de neve sem neve. Sorriu. – Não consigo definir melhor que isso. Sinto-me bem, apenas.

    Ana observava-o com atenção.

    – Aqui é bom. – Respondera em um ar indiferente esmigalhando uma, duas folhas no ar. – Bom para brincar.

    Typson direcionara a atenção.

    – Você tem um triste mau hábito de simplificar as coisas. – Falara em um ar irônico e indiferente. – Brincar não é a palavra para tudo isso.

    – Mas é claro que é. – Retorquira. – Você que complica demais as coisas. Eu gosto daqui. Simples assim.

    – Não é tão simples. – Disse como o pensamento longe. – Do que você mais gosta daqui, Ana?

    Ana pareceu refletir por alguns segundos. Em seguida, respondeu:

    – Eu gosto de ir ao meu esconderijo. – Respondera a se deliciar com pensamento.

    – Já não estamos nele?

    Ana, numa negativa, apontou para cima.

    – Porque não o fazemos agora? – Desafiara-o.

    – O que você quer dizer?

    – Ora, vamos! Não estamos fazendo nada! Que tal subirmos?

    – Subir mais? – Levantara-se. – Eu não sei... eu nunca fiz isso. – Cruzara os braços. – E o Sr. Lucvan descobrir? Ele disse que...

    – Tu és um medroso, Typson! – Gritou. – A criança mais tediosa que existe. – Irritara-se a deitar-se outra vez. – É lindo lá em cima.

    Ana pareceu nostálgica. Typson viu seus olhos brilharem e os acompanhou para onde se direcionavam. Não eram para as folhas, mas para o que havia depois delas. O céu, talvez – pensou ele.

    Depois de segundos de silêncio, a expirar conformado, dissera:

    –Terei ajuda? – Perguntou oferecendo a mão; e Ana a segurou.

    – Vamos! – E subiram.

    Não era difícil. Primeiramente, por estarem no topo, os galhos mais resistentes encontravam-se à disposição. Eram grossos e cheios de limo, agora úmidos pela chuva que se passou. Ana instruía com cuidado, sendo comum escorregar nos limos quando molhados.

    – Agora que me diz isso! – Exclamara a olhar para o chão, para o teto da pequena casa.

    – Não olhe para baixo, Typson! Esqueci-me disso. – Admitira, franzindo a testa com o polegar e indicador. – Os limos geralmente ficam secos. Você acha que não sou cuidadosa também? Segure-se aí e suba nesse com o outro pé. Não nesse, no outro.

    Typson escorregara umas duas vezes para seu espanto. Vira-se caindo, espatifando-se, imaginando o quanto Ana ficaria culpada com sua morte. Pobre Typson, é minha culpa... só minha – Imaginara-a, espantando em seguida bizarro pensamento de sua mente. Odiava quando sentia pena de si mesmo. Focou-se a subir e não olhar para baixo. Repetia essas palavras em pensamento.

    Embora que outros escorregões tirassem Typson de sua concentração, Anabell o ajudava. Não tardou para que alcançassem o topo almejado. A princípio, Typson desacreditou na existência de peculiar forma, chegando a duvidar se o sol estivesse lhe fazendo mal ou coisa do tipo. Pestanejou ao ver naquela grande árvore uma singular curvatura na forma de um curioso assento.

    A grossa galha, ao furar a copa na busca por sol, entortara-se a um nível quase horizontal por onde outros pequenos galhos formavam o apoio e entrançados de visto artesanais. O sol queimava a pele quanto Typson assistiu Ana se equilibrar no galho e sentar no suposto apoio com toda sua naturalidade.

    – Venha, Typson. – Acenara. – É para sentar aqui e não . – Aos poucos Typson arrastara-se de encontro a ela, alcançando-a para segundos depois sentar-se ao seu lado. Sentindo o peso da altura, Typson respirara fundo a sorrir seriamente.

    – Como foi que achou esse lugar? – Perguntara extasiado. – É lindo.

    Typson a viu sorrir. E naquele momento não soube definir bem qual sentimento ela sentia. Mas não deixou de perceber um quê de orgulho e vergonha em expressão.

    – Tive curiosidade. – Falara a admirar o longe. – Descobri quando trouxemos o almoço para cá e você acabou dormindo como um porco. – Sorrira – Sabia que ronca?

    – Eu não ronco. – Afirmara inabalado. – Mas, por que não me disse desse lugar antes? Um esconderijo dentro de nosso esconderijo. – Ironizara com humor.

    – Nunca me perguntou. – Limitou-se a dizer. – Acho que, apesar de tudo, esse era... é o meu esconderijo, entende? Até mesmo de você.

    Typson, que a via com um olhar distante, emudecera-se.

    – Eu posso ir embora, se quiser. – Desviara o olhar. – Já sei como descer sozinho.

    – Não! – Exclamara mais alto que imaginado, segurando-o pela mão. – Quero dizer... ele é nosso agora, mas quero que não conte a ninguém. – Virara-se para ele, os olhos queimando um âmbar furioso. – A ninguém, Typson! Muito menos a sua mãe ou a Lucvan! Entendeu?

    – Entendi! Eu entendi! – Levantara-os braços em defensiva, recolhendo-os ao mesmo instante temendo se desequilibrar.

    – Jure! Eu quero que você jure na solenidade que criamos de nossa amizade.

    – Mas, Ana...

    – Faça-o. Agora! – Exclamara.

    Não era uma opção. Typson suspirou. Olhara para o horizonte, para a floresta sem fim, para o verde das folhas que cresciam, para a minúscula risca azul a Leste onde supostamente seria o mar ou um grande rio. Olhara para o céu, para as nuvens brancas a resplandecer a luz que recebia. Olhara para o vilarejo, ouvira a vida das pessoas, sentira o vento a pressionar-lhe para trás, sentira Ana a esperar sua resposta com seus poderosos olhos cor de mel a fitá-lo seriamente. Fechara os olhos a pôr sua mão direita sobre o peito, a abrir a boca com cuidado para que não tropeçasse nas palavras que viriam. Ao fim, disse então, com solenidade, em sua voz intercalada com a de Ana:

    A lenda da jura soou.

    A palavra cresceu.

    E àquele a quem jurou;

    Um segredo guardou.

    Um fardo ganhou

    Um dever a zelar.

    – Segredo confiado ao Escudeiro Reclamado. – Dissera ela.

    – Segredo recebido da Dama Atrevida. – Dissera ele.

    Eles ficaram em silêncio boa parte da manhã e da tarde, descendo apenas para comer. Estavam no topo da árvore quando Ana comentou olhando para o céu:

    – Tens razão, Typson. – Reconhecera a capturar sua atenção. – A cada dia que se passa eu gosto ainda mais daqui.

    (...) Depois, ao levantar a cabeça, viu que fazia escuro na casa. Tinha estado a ler sem a mínima luz, na escuridão. Agora, ao baixar os olhos para o livro, já não conseguia distinguir as runas. Mas, mesmo assim, o horror voltou a crescer dentro dele, parecendo que o deixava preso à cadeira. Sentia-se frio. Olhando por cima do ombro, viu qualquer coisa que se agachava junto à porta fechada, um coágulo informe de sombra, mais escuro que a escuridão. Parecia querer alcançá-lo e segredar e chamá-lo num sussurro, mas não conseguia entender as palavras.

    Ursula Kroeber Le Guin – Ciclo Terramar – O Feiticeiro e a Sombra

    (...) "Depois, ao levantar a cabeça, viu que fazia escuro na casa. Tinha estado a ler sem a mínima luz,

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