Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

1984: Nineteen Eighty-four: Edição bilíngue português-inglês
1984: Nineteen Eighty-four: Edição bilíngue português-inglês
1984: Nineteen Eighty-four: Edição bilíngue português-inglês
E-book754 páginas31 horas

1984: Nineteen Eighty-four: Edição bilíngue português-inglês

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Um livro para não esquecer. Um livro para despertar mentes. Uma sociedade hedionda, repugnante, desumana.

1984 : NINETEEN EIGHTY-FOUR oferece hoje uma descrição quase realista do vastíssimo sistema de fiscalização em que passaram a assentar as democracias capitalistas. A história se passa no ano de 1984, em um futuro distópico onde o Estado impõe um regime extremamente totalitário para a sociedade, através da vigilância do Grande Irmão, imposta pelo partido (Ingsoc), onde ninguém escapa do seu poder. Assim, o local do romance, Oceania, é dominado pelo medo e pela repressão, pois quem pensa contra o regime é acusado de cometer um crime (no livro, crimideia, ou crime de ideia, na tradução para a novilíngua, o idioma do futuro). O Grande Irmão já não é uma figura de estilo, mas sim, converteu-se numa vulgaridade quotidiana.

É neste mundo opressivo que a personagem principal, que representa o contraponto ao regime, Winston Smith, logo começa a questionar o modo como age o Estado. Winston faz parte do Ministério da Verdade, sua função é falsificar registros históricos, a fim de moldar o passado à luz dos interesses do presente tirânico.

Nesse cenário de submissão onde não há mais leis, mas sim inúmeras regras determinadas pelo Partido, ninguém nunca viu o Grande Irmão em pessoa. Uma sacada genial do autor: o tirano mais amedrontador é também aquele mais abstrato. Nos dias atuais, onde as fakenews imperam e o controle da sociedade nos mantém em perpétua vigilância, esta obra-prima da distopia torna-se cada vez mais atual.
IdiomaPortuguês
EditoraLandmark
Data de lançamento27 de abr. de 2022
ISBN9786599454622
1984: Nineteen Eighty-four: Edição bilíngue português-inglês
Autor

George Orwell

George Orwell (1903–1950), the pen name of Eric Arthur Blair, was an English novelist, essayist, and critic. He was born in India and educated at Eton. After service with the Indian Imperial Police in Burma, he returned to Europe to earn his living by writing. An author and journalist, Orwell was one of the most prominent and influential figures in twentieth-century literature. His unique political allegory Animal Farm was published in 1945, and it was this novel, together with the dystopia of 1984 (1949), which brought him worldwide fame. 

Relacionado a 1984

Ebooks relacionados

Clássicos para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de 1984

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    1984 - George Orwell

    O AUTOR

    GEORGE ORWELL, pseudônimo de Eric Arthur Blair, nasceu em Motihari, na então Índia Britânica, em 25 de junho de 1903, tendo-se mudado para a Inglaterra com a família, ainda durante a infância. Escritor compulsivo e um exímio jornalista, Orwell é uma das mais influentes figuras da literatua do século XX, lançando sobre a atualidade social e política do seu tempo um olhar implacável, seja através das suas obras de ficção, seja através dos seus ensaios.

    Defensor incondicional da liberdade humana e acérrimo opositor do totalitarismo, inscreveu-se no panorama literário com as obras Dias Birmaneses (1934) e Homenagem à Catalunha (1938), mas será, sem dúvida, com as suas duas principais obras de ficção política – A Revolução dos Bichos ou A Fazenda dos Animais (1945) e 1984 (1949) – duas narrativas com uma atualidade assombrosa que o autor alcançou o reconhecimento internacional.

    Orwell usou a palavra escrita, contundente e socialmente militante, a favor da democracia, do pensamento livre, para prever possibilidades sombrias e diagnosticar inclinações terrivelmente endêmicas da sociedade, através de uma linguagem marcada pela simplicidade e objetividade, associadas a um caráter ideológico, baseado na reflexão sobre a liberdade e a igualdade social. A sua obra ficcional, memorialística e teórica permite identificar as suas posições políticas como antinazista, antifascista e antitotalitarista, além de ser um crítico mordaz do capitalismo desmedido. Era favorável ao socialismo democrático; portanto, suas obras apresentam um dos maiores críticos do socialismo russo stalinista, de cunho totalitarista.

    Faleceu em Londres, de tuberculose, em 21 de janeiro de 1950.

    1.1

    Era um dia frio e claro de abril e os relógios marcavam treze horas. Winston Smith, com o queixo atarracado ao peito numa tentativa de escapar do impiedoso vento, esgueirou-se rapidamente pelas portas de vidro do Residencial Vitória, mas não rápido o suficiente para evitar que um rodamoinho de poeira cortante o acompanhasse.

    O saguão cheirava a repolho cozido e a tapetes velhos. Numa das suas extremidades, um cartaz colorido, grande demais para as dimensões do local, estava fixado à parede e retratava simplesmente um rosto enorme, com mais de um metro de largura: o rosto de um homem dos seus quarenta e cinco anos, com um farto bigode preto e traços grosseiros, porém atraentes. Winston seguiu para as escadas. Não adiantava tentar o elevador, pois mesmo nos melhores tempos raramente ele funcionava e no momento a energia elétrica fora cortada durante o dia como parte da campanha de economia em preparação à Semana do Ódio. O apartamento ficava a sete lances de escada e Winston, que tinha trinta e nove anos e uma ulceração acima do tornozelo direito, seguia devagar, descansando várias vezes pelo caminho. Em cada patamar, fixado na parede no lado oposto ao elevador, um cartaz com o rosto enorme fitava-o. Era uma das daquelas gravuras tão bem elaboradas que os olhos pareciam segui-lo ao se mover. O GRANDE IRMÃO ESTÁ ZELANDO POR VÓS¹, dizia a inscrição logo abaixo da imagem.

    Dentro do apartamento, uma voz adocicada estava lendo uma lista de cifras que tinham algo a ver com a produção de ferro-gusa. A voz vinha de uma placa de metal oblonga como um espelho embotado que fazia parte da superfície da parede direita. Winston girou um interruptor e a voz diminuiu um pouco, embora as palavras ainda fossem distinguíveis. O instrumento (a teletela, como chamada) podia ser escurecido, mas não havia como desligá-lo totalmente. Ele se dirigiu até a janela: era uma figura pequena e frágil, a magreza do corpo meramente enfatizada pelo macacão azul que era o uniforme do Partido. Seu cabelo era muito claro, o rosto naturalmente sanguíneo, a pele áspera devido ao sabão grosseiro e às lâminas de barbear sem corte e ao frio do inverno que mal acabara.

    Lá fora, mesmo com a vidraça fechada, o mundo parecia frio. Na rua abaixo pequenos redemoinhos de vento faziam com que a poeira e papel rasgado subissem em espirais, e embora o sol estivesse brilhando e o céu fosse de um azul agressivo, nada mais parecia ter cor, exceto os cartazes fixados em toda parte. O rosto que ostentava um bigode negro vigiava cada canto de comando. Havia um na fachada da casa imediatamente em frente. O GRANDE IRMÃO ESTÁ ZELANDO POR VÓS, dizia a legenda, enquanto os olhos escuros olhavam profundamente para dentro do próprio Winston. No nível da rua outro cartaz, rasgado num dos cantos, trapejava ao vento, ora cobrindo ora descobrindo a palavra INGSOC². Ao longe, um helicóptero deslizava por entre os telhados, pairou por um instante como uma varejeira, e afastou-se novamente num voo curvo. Era a patrulha policial, bisbilhotando as janelas das pessoas. Contudo, as patrulhas não importavam, apenas a Polícia do Pensamento importava.

    Atrás de Winston, a voz da teletela ainda estava balbuciando sobre o ferro-gusa e sobre a cumprimento do Nono Plano Trienal. A teletela recebia e transmitia simultaneamente. Qualquer som que Winston fizesse, acima do nível de um sussurro baixo, seria captado por ela, além disso, enquanto permanecesse dentro do campo de visão que a placa de metal comandava, podia ser visto tão bem quanto ouvido. Evidentemente não havia como saber se alguém estava sendo observado num certo momento. Saber com qual frequência e com qual periodicidade a Polícia do Pensamento se conectava com as linhas de transmissão de qualquer um era um trabalho de adivinhação. Era até concebível que observassem todo mundo o tempo todo. Mas de qualquer modo podiam se conectar com qualquer linha sempre que desejassem. Assim vivia-se – de fato, vivia-se com o hábito que se tornara instintivo – na suposição de que cada som era ouvido, e que, exceto na escuridão, cada movimento era examinado.

    Winston permaneceu de costas para a teletela. Era mais seguro, embora, como soubesse, até mesmo as costas podem ser reveladoras. A um quilômetro dali o Ministério da Verdade, o seu local de trabalho, erguia-se vasto e alvo acima da paisagem encardida. Esta, pensou com uma espécie de vaga repugnância – esta era Londres, a cidade-principal da Pista Um, a terceira entre as mais populosas das províncias da Oceania. Tentou extrair de alguma memória de infância algo que lhe dissesse se Londres sempre fora assim. Sempre houvera essas vistas de casas arruinadas do século XIX, com flancos apoiados com escoras de madeira, janelas remendadas com papelão, telhados de chapa, muros caídos tomados por mato em todas os lados? E os locais bombardeados onde o pó de reboco rodopiava pelo ar e a erva de salgueiro se espalhava nos montes de escombros; e os lugares onde as bombas eliminaram um trecho maior e havia surgido sórdidas colônias de moradas de madeira como galinheiros? Mas era inútil, de nada conseguia se lembrar: nada restava da sua infância, exceto uma série de imagens iluminadas sem um pano de fundo e na maioria das vezes ininteligíveis.

    O Ministério da Verdade – o Minivero, na Novilíngua [Novilíngua era a língua oficial de Oceania. Para um relato sobre a sua estrutura e etimologia ver o Apêndice] – era surpreendentemente diferente de qualquer outro objeto à vista. Era uma enorme estrutura piramidal de concreto branco e brilhante, erguendo-se terraço após terraço, a 300 metros no ar. De onde Winston se encontrava era possível de ser ler, destacados da sua fachada alva e em letras elegantes, os três lemas do Partido:

    GUERRA É PAZ

    LIBERDADE É ESCRAVIDÃO

    IGNORÂNCIA É FORÇA

    O Ministério da Verdade continha, segundo se dizia, três mil salas acima do nível do solo, e ramificações correspondentes abaixo. Espalhados por Londres havia apenas três outros edifícios de aparência e tamanho semelhantes. Eles dominavam tão completamente a arquitetura adjacente que do telhado do Residencial Vitória podia-se ver todos os quatro simultaneamente. Eram as sedes dos quatro Ministérios nos quais todo o aparato do governo estava dividido. O Ministério da Verdade, que se ocupava com as notícias, o entretenimento, a educação e as artes plásticas. O Ministério da Paz, que se ocupava com a guerra. O Ministério do Amor, que mantinha a lei e a ordem. E o Ministério da Fartura, que era o responsável pelos assuntos econômicos. Os seus nomes, em Novilíngua, eram Minivero, Minipax, Miniamo e Minifarto.

    O Ministério do Amor era realmente assustador. Não havia janelas em parte nenhuma. Winston nunca estivera dentro do Ministério do Amor, nem mesmo a meio quilômetro dele. Era um lugar impossível de se entrar exceto para assuntos oficiais, e assim mesmo só depois de penetrar por um labirinto de arames farpados, portas de aço e ninhos de metralhadoras escondidos. Mesmo as ruas que levam até as suas barreiras externas eram percorridas por guardas com cara de gorila em uniformes pretos, armados com cassetetes articulados.

    Winston voltou-se abruptamente. Colocara no rosto a expressão de tranquilo otimismo que era aconselhável diante da teletela. Atravessou o cômodo e entrou na minúscula cozinha. Ao deixar o Ministério àquela hora do dia, sacrificara o seu almoço na cantina, e estava ciente de que não havia na cozinha nada além de um pedaço de pão preto, que seria a sua refeição matinal no dia seguinte. Tirou da prateleira uma garrafa de um líquido incolor com um simples rótulo branco onde se podia ler Gim Vitória. Tinha um cheiro enjoado, oleoso, como o de vinho de arroz chinês. Winston serviu-se de quase uma xícara de gim, contraiu-se para o choque e engoliu-o de uma vez só como uma dose de remédio.

    Instantaneamente o seu rosto ficou escarlate e lágrimas verteram dos seus olhos. O material era como ácido nítrico, e além disso, ao engoli-lo, tinha-se a sensação de ser atingido na parte de trás da cabeça com um taco de borracha. No momento seguinte, no entanto, a queimação que sentia no ventre diminuiu e o mundo começou a parecer mais alegre. Pegou um cigarro de um pacote amassado dos Cigarros Vitória e imprudentemente segurou-o ereto, deixando o tabaco cair no chão. Com o próximo ele foi mais bem-sucedido. Voltou para a sala de estar e sentou-se numa pequena mesa que estava à esquerda da tela. Da gaveta da mesa tirou um porta-canetas, um frasco de tinta, e um livreto em branco, grosso, com a lombada vermelha e uma capa marmorizada.

    Por alguma razão, a teletela na sala estava numa posição incomum. Em vez de ser colocada, como era normal, na parede do fundo, onde poderia vigiar toda a sala, estava na parede mais longa, em frente à janela. De um lado, havia uma alcova rasa em que Winston estava agora sentado, e que, quando os apartamentos foram construídos, provavelmente tinha a intenção de servir de estante de livros. Sentando-se na alcova, e mantendo-se bem para trás, Winston era capaz de permanecer fora do alcance da teletela, até onde a visão alcançava. Podia ser ouvido, é claro, mas enquanto ficasse naquela posição não podia ser visto. Foi em parte a geografia incomum da sala que lhe sugerira a coisa que estava prestes a fazer. Mas também tinha sido sugerido pelo livro que acabara de tirar da gaveta. Era um livro peculiarmente bonito. Seu papel cremoso liso, um pouco amarelado pelo tempo, era de um tipo que não era fabricado há pelo menos quarenta anos. Era de se ver, no entanto, que o livro era muito mais velho do que isso. Ele o tinha visto largado na vitrina de uma pequena loja de quinquilharias de um bairro pobre da cidade (exatamente de qual ele não se lembrava agora) e fora atingido imediatamente pelo desejo esmagador de possuí-lo. Os membros do Partido não deveriam entrar em lojas comuns (negociação no mercado livre, dizia-se), mas a regra não era estritamente seguida, pois havia várias coisas, como cadarços e lâminas de barbear, que eram impossíveis de se conseguir de qualquer outra forma. Lançou uma rápida olhadela pela extensão da rua e, em seguida, deslizara para dentro e comprara o livro por dois dólares e cinquenta. Na época, não estava ciente de querer isso para qualquer propósito particular. Levara-o para casa, tomado pela culpa, dentro da sua maleta. Mesmo sem nada escrito nele, era uma posse comprometedora.

    O que ele estava prestes a fazer era iniciar um diário. Isso não era ilegal (nada era ilegal, já que não havia mais leis), mas se descoberto era razoavelmente certo de que seria punido com a morte, ou pelo menos com vinte e cinco anos num campo de trabalhos forçados. Winston pôs uma pena na caneta e sugou-a para retirar a graxa. A caneta era um instrumento arcaico, raramente usado até mesmo para assinaturas, e ele adquirira uma, furtivamente e com alguma dificuldade, simplesmente por causa de um sentimento de que o belo papel cremoso merecia ser escrito com uma pena de verdade em vez de ser arranhado com um lapispena. Na verdade, não estava habituado a escrever à mão. Além de notas muito curtas, era comum ditar tudo no falescreve o que era, naturalmente, impossível no caso atual. Mergulhou a caneta na tinta e depois vacilou por apenas um segundo. Um tremor tinha passado pelas suas entranhas. Marcar o papel era um ato decisivo. Com pequenas letras desajeitadas ele escreveu:

    4 de abril de 1984…

    Ele recostou. Um sentimento de completo desamparo tinha se apoderado dele. Para começar, não sabia com certeza se aquele ano era 1984. Devia ser por volta daquela data, já que ele tinha certeza de que a sua idade era trinta e nove, e ele acreditava que tinha nascido em 1944 ou 1945; mas nunca era possível, naqueles dias, fixar qualquer data com a precisão de um ou dois anos.

    De repente, ocorreu-lhe de se perguntar para quem exatamente estava escrevendo aquele diário? Para o futuro, para os não nascidos. A sua mente pairou por um momento em volta da data duvidosa na página, e depois cismou com a palavra em Novilíngua, duplipensar. Pela primeira vez a magnitude do que tinha empreendido tomou conta dele. Como poderia se comunicar com o futuro? Era, pela sua própria natureza, impossível. Ou o futuro se assemelharia ao presente, e, nesse caso, não o ouviria, ou seria diferente do dele, todo o seu dilema não faria nenhum sentido.

    Por algum tempo, sentou-se olhando estupidamente para o papel. A teletela tinha mudado para uma música militar estridente. Era curioso que lhe parecesse não apenas ter perdido o poder de se expressar, como até mesmo ter se esquecido do que originalmente tinha a intenção de dizer. Havia semanas que ele se preparara para este momento, e nunca tinha passado pela sua cabeça que não era necessário coisa nenhuma, exceto coragem. A escrita em si seria fácil. Tudo o que tinha que fazer era transferir para o papel o monólogo interminável e inquieto que corria dentro da sua cabeça, literalmente por anos. Neste momento, no entanto, até o monólogo secou. Além disso, a sua ulceração começara a coçar de modo insuportável. Não se atreveu a arranhá-la, pois sempre que o fazia inflamava. Os segundos estavam passando e não estava ciente de nada, exceto do vazio da página à sua frente, da coceira da pele acima do seu tornozelo, do barulho da música, e de uma leve bebedeira causada pelo gim.

    De repente, começou a escrever por puro pânico, mal percebendo o que estava colocando no papel. A sua letra miúda, porém infantil, vagava para cima e para baixo na página, esquecendo-se primeiro das letras maiúsculas e finalmente até mesmo dos pontos finais:

    4 de abril de 1984. ontem à noite, cinema. apenas filmes de guerra. um muito bom de um navio cheio de refugiados sendo bombardeado em algum lugar do Mediterrâneo. o público se divertiu muito com as tomadas de um homenzarrão gordo tentando nadar com um helicóptero atrás dele, primeiro você o via chafurdando na água como um boto, depois o via através das miras dos helicópteros, então ele estava cheio de buracos e o mar ao redor dele ficou rosa e ele afundou tão repentinamente como se os buracos tivessem deixado a água entrar, o público gargalhava enquanto ele afundava. então se via um bote salva-vidas cheio de crianças com um helicóptero pairando acima. havia uma mulher de meia-idade que podia ser uma judia sentada na proa com um menino de uns três anos de idade nos braços. o menino gritava com medo e escondia a cabeça entre seus seios como se tentasse se esconder nela e a mulher colocando os braços em volta dele e confortando embora também pálida de medo, o tempo todo cobrindo-o do melhor modo possível como se os seus braços pudessem manter as balas longe. em seguida, o helicóptero lançou uma bomba de 20 quilos neles, um clarão fantástico e o barco estraçalhou. então houve uma tomada maravilhosa do braço de uma criança subindo, subindo, até o ar um helicóptero com uma câmera no nariz deve ter seguido e houve um monte de aplausos dos lugares do partido, mas uma mulher dos proles de repente começou a chutar e fazer um barulho e a gritar que não deviam ter mostrado aquilo não na frente das crianças, não tinham direito, não na frente das crianças, até que a polícia a pôs para fora mas não acho que algo aconteceu a ela ninguém se importa com o que os proles dizem típica reação dos proles eles nunca...

    Winston parou de escrever, em parte porque estava sofrendo de cãibra. Não sabia o que o tinha feito derramar aquela torrente de bobagens. Mas o curioso era que, ao fazê-lo, uma recordação totalmente diferente tinha se apresentado a sua memória, ao ponto de quase se sentir capaz de colocá-la no papel. Ele agora percebera que foi por causa deste outro incidente que ele de repente decidiu voltar para casa e começar o diário naquele dia.

    Tinha sucedido naquela manhã no Ministério, se é que algo tão nebuloso pudesse ali ocorrer. Eram quase 11h00, e no Departamento de Registros, onde Winston trabalhava, estavam arrastando as cadeiras para fora dos cubículos e agrupando-as no centro do corredor em frente à grande teletela, em preparação para o Ódio de Dois Minutos. Winston ia tomando o seu lugar numa das fileiras do meio quando duas pessoas que conhecia de vista, mas com quem nunca falara, entraram inesperadamente na sala. Uma delas era uma jovem com quem cruzara frequentemente pelos corredores. Não sabia o nome dela, mas sabia que trabalhava no Departamento de Ficção. Presumivelmente – já que ele às vezes a via com as mãos oleosas e carregando uma chave inglesa – ela tinha algum trabalho mecânico numa das máquinas de escrever romances. Era uma jovem de aparência ousada, dos seus 27 anos, com cabelos grossos, um rosto sardento, e movimentos rápidos e atléticos. Uma faixa escarlate estreita, o emblema da Liga Juvenil Antissexo, dava várias vezes a volta na cintura do seu macacão, firme o suficiente para salientar a forma dos seus quadris. Winston não gostara dela desde o primeiro instante em que a viu. Sabia o porquê. Era por causa da atmosfera de campos de hóquei, banhos frios, caminhadas comunitárias e grande linha moral que ela conseguia inspirar. Não gostava de quase nenhuma das mulheres, e especialmente das jovens e bonitas. Eram sempre as mulheres, e acima de tudo as jovens, as mais fanáticas militantes do Partido, as engolidores de palavras de ordem, as espiãs amadoras e as alcaguetes da falta de ortodoxia. Mas esta jovem em particular deu-lhe a impressão de ser mais perigosa do que a maioria. Uma vez, quando se cruzaram no corredor, ela deu-lhe um rápido olhar de soslaio que parecia ter lhe perfurado até a alma e por um momento enchera-o de terror sombrio. A ideia que lhe passou pela cabeça era que ela poderia ser uma agente da Polícia do Pensamento. Isso, na verdade, era muito improvável. Ainda assim, continuou a sentir um mal-estar peculiar, que misturava tanto medo quanto hostilidade, sempre que ela estava em algum lugar perto dele.

    O outro era um homem chamado O’Brien, um membro do Partido Interior e detentor de algum cargo tão importante e remoto que Winston tinha só uma leve ideia da sua natureza. Um silêncio momentâneo passou sobre o grupo de pessoas em volta das cadeiras enquanto viam o macacão preto de um membro do Partido Interior se aproximando. O’Brien era um homenzarrão corpulento com pescoço grosso e rosto grosseiro, afável e brutal. Apesar da aparência formidável, tinha certos modos até distintos. Tinha um gesto de reposicionar os óculos no nariz que era curiosamente desarmador – de um modo indefinível e curiosamente civilizado. Era um gesto que, se alguém ainda pensasse em tais termos, poderia recordar o de um nobre do século XVIII ao oferecer a sua caixa de rapé. Winston viu O’Brien talvez uma dúzia de vezes em outros tantos anos. Sentiu-se profundamente atraído por ele, não apenas por estar intrigado com o contraste entre a urbanidade de O’Brien e o seu físico de lutador premiado. Era muito mais por uma crença secretamente mantida – ou talvez nem mesmo uma crença, só uma esperança – de que a ortodoxia política de O’Brien não era perfeita. Algo no rosto sugeria isso de modo irresistível. E, novamente, talvez não fosse nem mesmo isso estampado no rosto, mas simplesmente inteligência. Mas, de qualquer modo, tinha a aparência de alguém com quem se podia conversar se, de algum modo, pudesse enganar a teletela e falar-lhe a sós. Winston nunca fizera o menor esforço para testar tal palpite: na verdade, não havia como fazê-lo. Neste momento O’Brien olhou para o relógio de pulso, viu que eram quase onze e evidentemente decidiu ficar no Departamento de Registros até que o Ódio de Dois Minutos acabasse. Tomou uma cadeira na mesma fileira que Winston, a uns lugares de distância. Uma mulher pequena de cabelos arenosos que trabalhava ao lado de Winston estava entre eles. A jovem de cabelo escuro estava logo atrás.

    No instante seguinte, um discurso horrível, rangido, como de uma máquina monstruosa funcionando sem óleo, irrompeu da grande teletela ao fundo sala. Era um barulho de fazer os dentes ranger e de arrepiar os cabelos na parte de trás do pescoço. O Ódio tinha começado.

    Como de costume, o rosto de Emmanuel Goldstein, o Inimigo do Povo, surgira na tela. Houve assobios aqui e ali entre o público. A pequena mulher de cabelos arenosos deu um guincho que misturava medo e repugnância. Goldstein era o renegado e o traidor que uma vez, há muito tempo (exatamente quanto ninguém se lembrava), tinha sido uma das principais figuras do Partido, quase no mesmo nível que o próprio Grande Irmão, e depois de se envolver em atividades contrarrevolucionárias, tinha sido condenado à morte e misteriosamente escapado e desaparecido. Os programas do Ódio de Dois Minutos variavam de dia para dia, mas não havia nenhum em que Goldstein não fosse a figura principal. Ele era o traidor primevo, o mais antigo a conspurcar a pureza do Partido. Todos os crimes subsequentes contra o Partido, traições, atos de sabotagem, heresias, desvios, surgiram diretamente dos seus ensinamentos. Em algum lugar, ele ainda estava vivo, tramando suas conspirações: talvez em algum lugar além-mar, sob a proteção dos seus financiadores estrangeiros, talvez até mesmo – o que ocasionalmente se falava – num esconderijo na própria Oceania.

    O diafragma de Winston se contraiu. Não podia ver o rosto de Goldstein sem uma dolorosa mistura de emoções. Era um rosto judeu magro, com um grande tufo felpudo de cabelo branco e um pequeno cavanhaque – um rosto arguto, e ainda assim de certo modo inerentemente desprezível, com uma espécie de tolice senil no nariz longo e fino, no qual um par de óculos se empoleirava. Parecia o rosto de uma ovelha, e a voz, também, tinha uma qualidade semelhantes. Goldstein estava fazendo seu habitual ataque peçonhento às doutrinas do Partido – um ataque tão exagerado e perverso que uma criança poderia refutá-lo, e ainda assim plausível o suficiente para preencher alguém com um sentimento alarmado de que outras pessoas, menos obtusas pudessem ser tomadas por ele. Insultava o Grande Irmão, denunciava a ditadura do Partido, exigia a imediata conclusão da paz com a Eurásia, defendia a liberdade de expressão e de imprensa, a liberdade de reunião, a liberdade de pensamento, gritava histericamente que a revolução fora traída – tudo num rápido discurso polissilábico que era uma espécie de paródia do estilo habitual dos oradores do Partido e que até continha palavras na Novilíngua: mais palavras em Novilíngua, de fato, do que qualquer membro do Partido normalmente usaria na vida real. E o tempo todo, para que ninguém duvidasse do que realmente a verborreia enganosa de Goldstein encobria, atrás da sua cabeça na teletela, marchavam intermináveis colunas do exército eurasiano – fileiras após fileiras de homens de aparência sólida e rostos asiáticos sem expressão, que vinham à superfície da tela e desapareciam, para serem substituídos por outros exatamente iguais. O rítmico maçante das botas dos soldados formava um pano de fundo para a voz lamurienta de Goldstein.

    Antes de o Ódio ter chegado a trinta segundos, exclamações incontroláveis de raiva surgiam de metade das pessoas na sala. O rosto autossatisfeito como uma ovelha na tela, e o poder aterrorizante do exército eurasiano por trás dele, eram demais para serem suportados: além disso, a visão ou mesmo o pensamento de Goldstein produzia medo e raiva automaticamente. Era um objeto de ódio mais constante do que a Eurásia ou a Lestásia, uma vez que quando a Oceania estava em guerra com um desses Poderes, geralmente estava em paz com o outro. Mas o que era estranho era que, embora Goldstein fosse odiado e desprezado por todos, embora todos os dias e mil vezes por dia, nas plataformas, na teletela, nos jornais, nos livros, as suas teorias fossem refutadas, esmagadas, ridicularizadas, sustentadas pelo olhar geral pelo lixo lamentável que eram – apesar de tudo isso, a sua influência parecia nunca parar de crescer. Sempre havia novos idiotas esperando para serem seduzidos por ele. Não se passava um dia sequer sem que espiões e sabotadores sob suas ordens não fossem desmascarados pela Polícia do Pensamento. Ele era o comandante de um vasto exército sombrio, uma rede subterrânea de conspiradores dedicados à derrubada do Estado. Supunha-se que o seu nome fosse A Irmandade. Também havia histórias sussurradas sobre um livro terrível, um compêndio de todas as heresias, das quais Goldstein era o autor e que circulava clandestinamente em toda parte. Era um livro sem título. As pessoas se referiam a ele simplesmente como O LIVRO. Mas só se sabia disso através de vagos rumores. Nem a Irmandade nem o LIVRO eram assuntos que qualquer membro comum do Partido mencionasse se pudesse evitá-los.

    Em seu segundo minuto, o Ódio chegou ao frenesi. As pessoas pulavam nos lugares e gritavam a plenos pulmões num esforço para afogar a voz enlouquecedora que vinha da tela. A mulherzinha de cabelos arenosos ficara rosa brilhante, e sua boca abria e fechava como a de um peixe fora d’água. Até o rosto pesado de O’Brien estava corado. Estava sentado muito teso em sua cadeira, seu poderoso peito inchado, tremendo como se enfrentasse o ataque de uma onda. A jovem de cabelos escuros atrás de Winston começou a gritar Porco! Porco! Porco! e de repente pegou um pesado dicionário de Novilíngua e atirou-o na tela. Atingiu o nariz de Goldstein e ricocheteou, mas a voz continuou inexoravelmente. Num momento de lucidez Winston descobriu que estava gritando como os outros e batendo o seu calcanhar violentamente contra a estrutura da cadeira. A coisa horrível sobre o Ódio de Dois Minutos não era o fato de alguém ser obrigado a participar, mas, pelo contrário, de ser impossível de não se fazer parte dele. Em trinta segundos qualquer fingimento deixava de ser necessário. Um êxtase hediondo de medo e vendeta, um desejo de matar, torturar, esmagar rostos com um malho, parecia fluir por todo o grupo de pessoas como uma corrente elétrica, transformando qualquer um, mesmo contra a vontade, num louco a uivar e fazer caretas. No entanto, a raiva que se sentia era uma emoção abstrata e sem direção que podia ser trocada de um alvo para outro como a chama de um maçarico. Assim, havia momentos em que o ódio de Winston não se voltava contra Goldstein, mas, sim, contra o Grande Irmão, o Partido e a Polícia do Pensamento; e nesses momentos o seu coração se igualava ao solitário e ridicularizado herege na tela, o único guardião da verdade e sanidade num mundo de mentiras. E, no entanto, no instante seguinte ele estava irmanado aos demais, e tudo o que foi dito de Goldstein parecia-lhe ser verdade. Nesses momentos, o seu ódio secreto pelo Grande Irmão se transformava em adoração, e o Grande Irmão parecia se elevar, um protetor invencível e destemido, de pé como uma rocha contra as hordas da Ásia, e Goldstein, apesar do seu isolamento e desamparo, e a dúvida que pairava sobre a sua própria existência, parecia um encantador sinistro, capaz pelo mero poder da sua voz de destruir a estrutura da civilização.

    Era até possível, em alguns momentos, mudar o ódio para uma forma ou outra através de um ato voluntário. De repente, pelo tipo de esforço violento com o qual se arranca a cabeça do travesseiro num pesadelo, Winston conseguiu transferir seu ódio pelo rosto na tela para a jovem de cabelos escuros atrás dele. Vívidas, belas alucinações passaram pela sua mente. Ele a açoitaria até a morte com um porrete de borracha. Ele a amarraria nua a uma estaca e a crivaria completamente com flechas como São Sebastião. Ele a violaria e cortaria a sua garganta no exato momento do clímax. Melhor do que antes, além disso, ele percebeu POR QUE ele a odiava. Odiava-a por ela ser jovem, bela e assexuada, por ele a desejar levá-la para a cama, mas nunca faria isso, pois em volta da sua cintura doce e flexível, que parecia pedir-lhe para ser evolvida com os seus braços, havia apenas aquela faixa escarlate odiosa, o agressivo símbolo de castidade.

    O Ódio chegou ao seu clímax. A voz de Goldstein se tornara de fato um balido de ovelha, e por um instante o rosto mudou para o de uma ovelha. Em seguida, a cara de ovelha fundiu-se na figura de um soldado eurasiano que parecia avançar, enorme e terrível, com a sua submetralhadora rugindo, e parecendo saltar para fora da superfície da tela, de modo que algumas das pessoas na primeira fila realmente se inclinaram para trás nos seus lugares. Mas no mesmo instante, arrancando um profundo suspiro de alívio de todos, a figura hostil transmutou-se no rosto do Grande Irmão, de cabelos e bigodes pretos, cheio de poder e calma misteriosa e tão vasto que quase preencheu a tela. Ninguém ouviu o que o Grande Irmão estava dizendo. Eram apenas algumas palavras de encorajamento, o tipo de palavras que são proferidas no calor da batalha, não distinguíveis individualmente, mas que restauravam a confiança pelo fato de serem ditas. Em seguida, o rosto do Grande Irmão desapareceu novamente, e em vez disso os três lemas do Partido se destacaram em maiúsculas e em negrito:

    GUERRA É PAZ

    LIBERDADE É ESCRAVIDÃO

    IGNORÂNCIA É FORÇA

    Mas o rosto do Grande Irmão pareceu persistir por vários segundos na tela, como se o impacto que produzira nos olhos de todos fosse muito vívido para esmaecer de imediato. A mulherzinha de cabelos arenosos tinha se arremessado para a frente sobre o espaldar da cadeira diante dela. Com um murmúrio trêmulo que soava como Meu Salvador!, ela estendeu os braços na direção da tela. Então enterrou o rosto nas mãos. Era evidente que ela estava pronunciando uma oração.

    Neste momento, todo o grupo de pessoas irrompeu a entoar um canto profundo, lento e ritmado de G-I!... G-I! – repetido várias vezes e muito lentamente, com uma longa pausa entre o G e o I – um som pesado e murmurante, de algum modo curiosamente selvagem, no fundo do qual parecia-se ouvir o ritmar de pés nus e o latejante som de tambores. Talvez por trinta segundos mantiveram-no. Era um estribilho que frequentemente era ouvido em momentos de emoção avassaladora. Em parte, era uma espécie de hino à sabedoria e majestade do Grande Irmão, mas era ainda mais um ato de auto-hipnose, um afogamento deliberado da consciência por meio do ruído rítmico. As entranhas de Winston pareciam congelar. No Ódio de Dois Minutos ele não podia deixar de compartilhar o delírio geral, mas este canto sub-humano de G-I!... G-I! sempre o enchia de pavor. Naturalmente, ele cantava com os demais: seria impossível fazer de outro modo. Dissimular os seus sentimentos, controlar o seu rosto, fazer o que todo mundo fazia, era uma reação instintiva. Mas havia um lapso de alguns segundos durante o qual a expressão dos seus olhos poderia concebivelmente tê-lo traído. E foi exatamente neste momento que aquela coisa significativa aconteceu – se é que, de fato, aconteceu.

    Momentaneamente, o seu olhar encontrou-se o de O’Brien. O’Brien tinha se levantado. Tinha tirado os óculos e estava prestes a recolocá-los no nariz com o seu gesto característico. Mas houve uma fração de segundo quando os seus olhos se encontraram, e pelo tempo que demorou para acontecer Winston soube – sim, ele SOUBE! – que O’Brien estava pensando o mesmo que ele. Uma inconfundível comunicação ocorrera. Era como se as suas duas mentes tivessem se aberto e os pensamentos fluíssem de uma para a outra através dos seus olhos. Estou com você, O’Brien parecia lhe dizer. "Sei precisamente o que está sentindo. Sei tudo sobre o seu desprezo, ódio e desgosto. Mas não se preocupe, estou ao seu lado! E então a faísca de entendimento se foi, e o rosto de O’Brien tornou-se tão inescrutável quanto o de todos os outros.

    Isso foi tudo, e ele já nem tinha certeza se acontecera. Tais incidentes jamais tiveram nenhuma sequência. Tudo o que fizeram foi manter viva nele a crença, ou esperança, de que outros além de si eram inimigos do Partido. Talvez os rumores de vastas conspirações subterrâneas fossem verdadeiros afinal – talvez a Irmandade realmente existisse! Era impossível, apesar das intermináveis prisões, confissões e execuções, ter certeza de que a Irmandade não era simplesmente um mito. Alguns dias acreditava nisso, noutros não. Não havia evidências, apenas vislumbres fugazes que podiam significar algo ou nada: trechos de conversas ouvidas, rabiscos fracos nas paredes do banheiro – ou uma vez até, quando dois estranhos se encontrassem, um pequeno movimento de mão que fosse um sinal de reconhecimento. Era tudo conjectura: muito provavelmente ele imaginara tudo. Ele voltara para o seu cubículo sem olhar de novo para O’Brien. A ideia de aprofundar aquele contato momentâneo mal lhe passou pela cabeça. Teria sido inconcebivelmente perigoso mesmo se soubesse como fazê-lo. Por um segundo, dois talvez, trocaram um olhar equívoco e esse era o fim da história. Mas até aquilo era um evento memorável na solidão trancada em que se tinha que viver.

    Winston despertou e sentou-se mais ereto. Soltou um arroto. O gim estava subindo do estômago dele.

    Os seus olhos se concentraram na página. Descobriu que enquanto se sentava impotente, refletindo, ele também estava escrevendo, num gesto automático. E não era mais a mesma letra miúda e estranha de antes. A sua pena deslizara voluptuosamente sobre o papel liso, escrevendo em grandes letras de imprensa – ABAIXO O GRANDE IRMÃO; ABAIXO O GRANDE IRMÃO; ABAIXO O GRANDE IRMÃO; ABAIXO O GRANDE IRMÃO; ABAIXO O GRANDE IRMÃO – várias e várias vezes, preenchendo metade de uma página.

    Ele não pode deixar de sentir uma pontada de pânico. Era absurdo, uma vez que a escrita daquelas palavras em particular não era mais perigosa do que o ato inicial de começar o diário, mas por um momento fora tentado a rasgar as páginas usadas e abandonar por completo a empreitada.

    Não o fez, no entanto, por saber que seria inútil. Quer escrevesse ABAIXO O GRANDE IRMÃO, quer se abstivesse de escrevê-lo, não fazia nenhuma diferença. Quer continuasse com o diário, quer não continuasse com ele, não fazia nenhuma diferença. A Polícia do Pensamento o capturaria da mesma forma. Cometera – e ainda teria cometido, mesmo que nunca tivesse levado a pena ao papel – o crime essencial que continha todos os outros em si. Crimideia, como o chamavam. O crimideia não era algo que poderia ser escondido para sempre. Poder-se-ia esquivar com êxito por um tempo, anos até, mas mais cedo ou mais tarde eles lhe conseguiriam capturar.

    Era sempre à noite – as prisões invariavelmente aconteciam à noite. O súbito arranco do sono, a mão áspera sacudindo o ombro, as luzes ferindo os olhos, o círculo de rostos duros ao redor da cama. Na grande maioria dos casos não havia julgamento, nem relatório de prisão. As pessoas simplesmente desapareciam, sempre durante a noite. O seu nome era removido dos registros, cada registro de tudo que já tivesse feito era suprimido, a sua existência negada e depois esquecida. Você era abolido, aniquilado: VAPORIZADO era a palavra corriqueira.

    Por um momento foi tomado por uma espécie de histeria e começou a escrever em garatujas, apressadas:

    vão atirar em mim não me importo vão atirar em mim na nuca não me importo abaixo o grande irmão sempre atiram em você na parte de trás do pescoço não me importo abaixo o grande irmão...

    Reclinou-se na cadeira, um pouco envergonhado de si, e deitou a pena. No momento seguinte, assustou-se violentamente. Batiam à sua porta.

    Já?!? Permaneceu tão quieto como um camundongo, na fútil esperança de que quem quer que fosse pudesse ir embora após uma única tentativa. Mas não, a batida se repetiu. A pior coisa de todas seria protelar. O seu coração batia como um tambor, mas o seu rosto, do longo hábito, provavelmente estava sem expressão. Levantou-se e se moveu pesadamente em direção à porta.

    1.1

    It was a bright cold day in April, and the clocks were striking thirteen. Winston Smith, his chin nuzzled into his breast in an effort to escape the vile wind, slipped quickly through the glass doors of Victory Mansions, though not quickly enough to prevent a swirl of gritty dust from entering along with him.

    The hallway smelt of boiled cabbage and old rag mats. At one end of it a coloured poster, too large for indoor display, had been tacked to the wall. It depicted simply an enormous face, more than a metre wide: the face of a man of about forty-five, with a heavy black moustache and ruggedly handsome features. Winston made for the stairs. It was no use trying the lift. Even at the best of times it was seldom working, and at present the electric current was cut off during daylight hours. It was part of the economy drive in preparation for Hate Week. The flat was seven flights up, and Winston, who was thirty-nine and had a varicose ulcer above his right ankle, went slowly, resting several times on the way. On each landing, opposite the lift-shaft, the poster with the enormous face gazed from the wall. It was one of those pictures which are so contrived that the eyes follow you about when you move. BIG BROTHER IS WATCHING YOU³, the caption beneath it ran.

    Inside the flat a fruity voice was reading out a list of figures which had something to do with the production of pig-iron. The voice came from an oblong metal plaque like a dulled mirror which formed part of the surface of the right-hand wall. Winston turned a switch and the voice sank somewhat, though the words were still distinguishable. The instrument (the telescreen, it was called) could be dimmed, but there was no way of shutting it off completely. He moved over to the window: a smallish, frail figure, the meagreness of his body merely emphasized by the blue overalls which were the uniform of the Party. His hair was very fair, his face naturally sanguine, his skin roughened by coarse soap and blunt razor blades and the cold of the winter that had just ended.

    Outside, even though the shut window-pane, the world looked cold. Down in the street little eddies of wind were whirling dust and torn paper into spirals, and though the sun was shining and the sky a harsh blue, there seemed to be no colour in anything, except the posters that were plastered everywhere. The blackmoustachio’d face gazed down from every commanding corner. There was one on the house-front immediately opposite. BIG BROTHER IS WATCHING YOU, the caption said, while the dark eyes looked deep into Winston’s own. Down at street level another poster, torn at one corner, flapped fitfully in the wind, alternately covering and uncovering the single word INGSOC⁴. In the far distance a helicopter skimmed down between the roofs, hovered for an instant like a bluebottle, and darted away again with a curving flight. It was the police patrol, snooping into people’s windows. The patrols did not matter, however. Only the Thought Police mattered.

    Behind Winston’s back the voice from the telescreen was still babbling away about pig-iron and the over fulfilment of the Ninth Three-Year Plan. The telescreen received and transmitted simultaneously. Any sound that Winston made, above the level of a very low whisper, would be picked up by it, moreover, so long as he remained within the field of vision which the metal plaque commanded, he could be seen as well as heard. There was of course no way of knowing whether you were being watched at any given moment. How often, or on what system, the Thought Police plugged in on any individual wire was guesswork. It was even conceivable that they watched everybody all the time. But at any rate they could plug in your wire whenever they wanted to. You had to live – did live, from habit that became instinct – in the assumption that every sound you made was overheard, and, except in darkness, every movement scrutinized.

    Winston kept his back turned to the telescreen. It was safer, though, as he well knew, even a back can be revealing. A kilometre away the Ministry of Truth, his place of work, towered vast and white above the grimy landscape. This, he thought with a sort of vague distaste – this was London, chief city of Airstrip One, itself the third most populous of the provinces of Oceania. He tried to squeeze out some childhood memory that should tell him whether London had always been quite like this. Were there always these vistas of rotting nineteenth-century houses, their sides shored up with baulks of timber, their windows patched with cardboard and their roofs with corrugated iron, their crazy garden walls sagging in all directions? And the bombed sites where the plaster dust swirled in the air and the willow-herb straggled over the heaps of rubble; and the places where the bombs had cleared a larger patch and there had sprung up sordid colonies of wooden dwellings like chicken-houses? But it was no use, he could not remember: nothing remained of his childhood except a series of brightlit tableaux occurring against no background and mostly unintelligible.

    The Ministry of Truth – Minitrue, in Newspeak [Newspeak was the official language of Oceania. For an account of its structure and etymology see Appendix.] – was startlingly different from any other object in sight. It was an enormous pyramidal structure of glittering white concrete, soaring up, terrace after terrace, 300 metres into the air. From where Winston stood it was just possible to read, picked out on its white face in elegant lettering, the three slogans of the Party:

    WAR IS PEACE

    FREEDOM IS SLAVERY

    IGNORANCE IS STRENGTH

    The Ministry of Truth contained, it was said, three thousand rooms above ground level, and corresponding ramifications below. Scattered about London there were just three other buildings of similar appearance and size. So completely did they dwarf the surrounding architecture that from the roof of Victory Mansions you could see all four of them simultaneously. They were the homes of the four Ministries between which the entire apparatus of government was divided. The Ministry of Truth, which concerned itself with news, entertainment, education, and the fine arts. The Ministry of Peace, which concerned itself with war. The Ministry of Love, which maintained law and order. And the Ministry of Plenty, which was responsible for economic affairs. Their names, in Newspeak: Minitrue, Minipax, Miniluv, and Miniplenty.

    The Ministry of Love was the really frightening one. There were no windows in it at all. Winston had never been inside the Ministry of Love, nor within half a kilometre of it. It was a place impossible to enter except on official business, and then only by penetrating through a maze of barbed-wire entanglements, steel doors, and hidden machine-gun nests. Even the streets leading up to its outer barriers were roamed by gorilla-faced guards in black uniforms, armed with jointed truncheons.

    Winston turned round abruptly. He had set his features into the expression of quiet optimism which it was advisable to wear when facing the telescreen. He crossed the room into the tiny kitchen. By leaving the Ministry at this time of day he had sacrificed his lunch in the canteen, and he was aware that there was no food in the kitchen except a hunk of dark-coloured bread which had got to be saved for tomorrow’s breakfast. He took down from the shelf a bottle of colourless liquid with a plain white label marked Victory Gin. It gave off a sickly, oily smell, as of Chinese rice-spirit. Winston poured out nearly a teacupful, nerved himself for a shock, and gulped it down like a dose of medicine.

    Instantly his face turned scarlet and the water ran out of his eyes. The stuff was like nitric acid, and moreover, in swallowing it one had the sensation of being hit on the back of the head with a rubber club. The next moment, however, the burning in his belly died down and the world began to look more cheerful. He took a cigarette from a crumpled packet marked Victory Cigarettes and incautiously held it upright, whereupon the tobacco fell out on to the floor. With the next he was more successful. He went back to the living-room and sat down at a small table that stood to the left of the telescreen. From the table drawer he took out a penholder, a bottle of ink, and a thick, quarto-sized blank book with a red back and a marbled cover.

    For some reason the telescreen in the living-room was in an unusual position. Instead of being placed, as was normal, in the end wall, where it could command the whole room, it was in the longer wall, opposite the window. To one side of it there was a shallow alcove in which Winston was now sitting, and which, when the flats were built, had probably been intended to hold bookshelves. By sitting in the alcove, and keeping well back, Winston was able to remain outside the range of the telescreen, so far as sight went. He could be heard, of course, but so long as he stayed in his present position he could not be seen. It was partly the unusual geography of the room that had suggested to him the thing that he was now about to do. But it had also been suggested by the book that he had just taken out of the drawer. It was a peculiarly beautiful book. Its smooth creamy paper, a little yellowed by age, was of a kind that had not been manufactured for at least forty years past. He could guess, however, that the book was much older than that. He had seen it lying in the window of a frowsy little junk-shop in a slummy quarter of the town (just what quarter he did not now remember) and had been stricken immediately by an overwhelming desire to possess it. Party members were supposed not to go into ordinary shops (‘dealing on the free market’, it was called), but the rule was not strictly kept, because there were various things, such as shoelaces and razor blades, which it was impossible to get hold of in any other way. He had given a quick glance up and down the street and then had slipped inside and bought the book for two dollars fifty. At the time he was not conscious of wanting it for any particular purpose. He had carried it guiltily home in his briefcase. Even with nothing written in it, it was a compromising possession.

    The thing that he was about to do was to open a diary. This was not illegal (nothing was illegal, since there were no longer any laws), but if detected it was reasonably certain that it would be punished by death, or at least by twenty-five years in a forced-labour camp. Winston fitted a nib into the penholder and sucked it to get the grease off. The pen was an archaic instrument, seldom used even for signatures, and he had procured one, furtively and with some difficulty, simply because of a feeling that the beautiful creamy paper deserved to be written on with a real nib instead of being scratched with an ink-pencil. Actually, he was not used to writing by hand. Apart from very short notes, it was usual to dictate everything into the speak-write which was of course impossible for his present purpose. He dipped the pen into the ink and then faltered for just a second. A tremor had gone through his bowels. To mark the paper was the decisive act. In small clumsy letters he wrote:

    April 4th, 1984…

    He sat back. A sense of complete helplessness had descended upon him. To begin with, he did not know with any certainty that this was 1984. It must be round about that date, since he was fairly sure that his age was thirty-nine, and he believed that he had been born in 1944 or 1945; but it was never possible nowadays to pin down any date within a year or two.

    For whom, it suddenly occurred to him to wonder, was he writing this diary? For the future, for the unborn. His mind hovered for a moment round the doubtful date on the page, and then fetched up with a bump against the Newspeak word doublethink. For the first time the magnitude of what he had undertaken came home to him. How could you communicate with the future? It was of its nature impossible. Either the future would resemble the present, in which case it would not listen to him: or it would be different from it, and his predicament would be meaningless.

    For some time, he sat gazing stupidly at the paper. The telescreen had changed over to strident military music. It was curious that he seemed not merely to have lost the power of expressing himself, but even to have forgotten what it was that he had originally intended to say. For weeks past he had been making ready for this moment, and it had never crossed his mind that anything would be needed except courage. The actual writing would be easy. All he had to do was to transfer to paper the interminable restless monologue that had been running inside his head, literally for years. At this moment, however, even the monologue had dried up. Moreover, his varicose ulcer had begun itching unbearably. He dared not scratch it, because if he did so it always became inflamed. The seconds were ticking by. He was conscious of nothing except the blankness of the page in front of him, the itching of the skin above his ankle, the blaring of the music, and a slight booziness caused by the gin.

    Suddenly he began writing in sheer panic, only imperfectly aware of what he was setting down. His small but childish handwriting straggled up and down the page, shedding first its capital letters and finally even its full stops:

    april 4th 1984. last night to the flicks. all war films. One very good one of a ship full of refugees being bombed somewhere in the Mediterranean. audience much amused by shots of a great huge fat man trying to swim away with a helicopter after him, first you saw him wallowing along in the water like a porpoise, then you saw him through the helicopters gunsights, then he was full of holes and the sea round him turned pink and he sank as suddenly as though the holes had let in the water, audience shouting with laughter when he sank. then you saw a lifeboat full of children with a helicopter hovering over it. there was a middle-aged woman might have been a jewess sitting up in the bow with a little boy about three years old in her arms. little boy screaming with fright and hiding his head between her breasts as if he was trying to burrow right into her and the woman putting her arms round him and comforting him although she was blue with fright herself, all the time covering him up as much as possible as if she thought her arms could keep the bullets off him. then the helicopter planted a 20 kilo bomb in among them terrific flash and the boat went all to matchwood. then there was a wonderful shot of a child’s arm going up up up right up into the air a helicopter with a camera in its nose must have followed it up and there was a lot of applause from the party seats but a woman down in the prole part of the house suddenly started kicking up a fuss and shouting they didnt oughter of showed it not in front of kids they didnt it aint right not in front of kids it aint until the police turned her turned her out i dont suppose anything happened to her nobody cares what the proles say typical prole reaction they never...

    Winston stopped writing, partly because he was suffering from cramp. He did not know what had made him pour out this stream of rubbish. But the curious thing was that while he was doing so a totally different memory had clarified itself in his mind, to the point where he almost felt equal to writing it down. It was, he now realized, because of this other incident that he had suddenly decided to come home and begin the diary today.

    It had happened that morning at the Ministry, if anything so nebulous could be said to happen. It was nearly eleven hundred, and in the Records Department, where Winston worked, they were dragging the chairs out of the cubicles and grouping them in the centre of the hall opposite the big telescreen, in preparation for the Two Minutes Hate. Winston was just taking his place in one of the middle rows when two people whom he knew by sight, but had never spoken to, came unexpectedly into the room. One of them was a girl whom he often passed in the corridors. He did not know her name, but he knew that she worked in the Fiction Department. Presumably – since he had sometimes seen her with oily hands and carrying a spanner – she had some mechanical job on one of the novel-writing machines. She was a bold-looking girl, of about twenty-seven, with thick hair, a freckled face, and swift, athletic movements. A narrow scarlet sash, emblem of the Junior Anti-Sex League, was wound several times round the waist of her overalls, just tightly enough to bring out the shapeliness of her hips. Winston had disliked her from the very first moment of seeing her. He knew the reason. It was because of the atmosphere of hockey-fields and cold baths and community hikes and general clean-mindedness which she managed to carry about with her. He disliked nearly all women, and especially the young and pretty ones. It was always the women, and above all the young ones, who were the most bigoted adherents of the Party, the swallowers of slogans, the amateur spies and nosers-out of unorthodoxy. But this particular girl gave him the impression of being more dangerous than most. Once when they passed in the corridor, she gave him a quick sidelong glance which seemed to pierce right into him and for a moment had filled him with black terror. The idea had even crossed his mind that she might be an agent of the Thought Police. That, it was true, was very unlikely. Still, he continued to feel a peculiar uneasiness, which had fear mixed up in it as well as hostility, whenever she was anywhere near him.

    The other person was a man named O’Brien, a member of the Inner Party and holder of some post so important and remote that Winston had only a dim idea of its nature. A momentary hush passed over the group of people round the chairs as they saw the black overalls of an Inner Party member approaching. O’Brien was a large, burly man with a thick neck and a coarse, humorous, brutal face. In spite of his formidable appearance, he had a certain charm of manner. He had a trick of resettling his spectacles on his nose which was curiously disarming – in some indefinable way, curiously civilized. It was a gesture which, if anyone had still thought in such terms, might have recalled an eighteenth-century nobleman offering his snuffbox. Winston had seen O’Brien perhaps a dozen times in almost as many years. He felt deeply drawn to him, and not solely because he was intrigued by the contrast between O’Brien’s urbane manner and his prize-fighter’s physique. Much more it was because of a secretly held belief – or perhaps not even a belief, merely a hope – that O’Brien’s political orthodoxy was not perfect. Something in his face suggested it irresistibly. And again, perhaps it was not even unorthodoxy that was written in his face, but simply intelligence. But at any rate he had the appearance of being a person that you could talk to if somehow you could cheat the telescreen and get him alone. Winston had never made the smallest effort to verify this guess: indeed, there was no way of doing so. At this moment O’Brien glanced at his wrist-watch, saw that it was nearly eleven hundred, and evidently decided to stay in the Records Department until the Two Minutes Hate was over. He took a chair in the same row as Winston, a couple of places away. A small, sandy-haired woman who worked in the next cubicle to Winston was between them. The girl with dark hair was sitting immediately behind.

    The next moment a hideous, grinding speech, as of some monstrous machine running without oil, burst from the big telescreen at the end of the room. It was a noise that set one’s teeth on edge and bristled the hair at the back of one’s neck. The Hate had started.

    As usual, the face of Emmanuel Goldstein, the Enemy of the People, had flashed on to the screen. There were hisses here and there among the audience. The little sandy-haired woman gave a squeak of mingled fear and disgust. Goldstein was the renegade and backslider who once, long ago (how long ago, nobody quite remembered), had been one of the leading figures of the Party, almost on a level with Big Brother himself, and then had engaged in counter-revolutionary activities, had been condemned to death, and had mysteriously escaped and disappeared. The programmes of the Two Minutes Hate varied from day to day, but there was none in which Goldstein was not the principal figure. He was the primal traitor, the earliest defiler of the Party’s purity. All subsequent crimes against the Party, all treacheries, acts of sabotage, heresies, deviations, sprang directly out of his teaching. Somewhere or other he was still alive and hatching his conspiracies: perhaps somewhere beyond the sea, under the protection of his foreign paymasters, perhaps even – so it was occasionally rumoured – in some hiding place in Oceania itself.

    Winston’s diaphragm was constricted. He could never see the face of Goldstein

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1