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Confiança e liderança nas organizações
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E-book305 páginas3 horas

Confiança e liderança nas organizações

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Sobre este e-book

O crescimento da competição nos dias de hoje tem provocado aceleradas mudanças e reestruturações nas organizações, levando instabilidade e insegurança a seus ambientes internos. Como conseqüência, as ações coletivas estão ameaçadas, prejudicando a colaboração, que é condição imprescindível para o sucesso de uma organização. A confiança, muito importante nesse contexto, está associada ao papel da liderança, que é fundamental e tem centralizado as discussões sobre o assunto. Esse livro aborda a responsabilidade e importância desse papel, assim como maneiras específicas de desempenhá-lo, a fim de que empresas e organizações em geral possam alcançar melhores resultados. A proposta é incentivar a observação da percepção dos liderados acerca das práticas de seus líderes formais, analisando seus efeitos em relação ao estabelecimento de um clima de confiança e à geração de níveis adequados de capital social, com benefícios mútuos. A obra preocupa-se em abordar a liderança como um fenômeno produzido por atribuição do(s) liderado(s), originado pela capacidade do líder de considerar e investir no outro (liderado(s)), a despeito dos generalizados estímulos ao individualismo e à competição predatória, observados nas sociedades contemporâneas e agravados pelo contexto de uma economia globalizada.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de out. de 2020
ISBN9786555582079
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    Confiança e liderança nas organizações - Vírgínia Souza Drummond

    1

    Introdução

    Ocenário estratégico das organizações contemporâneas é o de um mundo global e interdependente, no qual os fenômenos mais significativos são as rápidas e profundas transformações e mudanças que trazem, em seu bojo, fortes desequilíbrios e injustiças sociais. As características do momento atual são de turbulência, uma vez que os paradigmas e referenciais, que até bem pouco tempo alicerçavam ações e decisões, assim como o próprio modo de entender o mundo, estão sendo contínua e simultaneamente abalados.

    Os enxugamentos, downsizings e outras reestruturações produtivas das organizações, apesar de se apresentarem sistematicamente controversos e com resultados duvidosos (quando não catastróficos), tornaram-se uma constante e banalizada estratégia diante das exigências e pressões trazidas pela competição global exacerbada e também pela baixa valorização e investimento nas questões humanas e sociais.

    Em face das evidentes dificuldades em prever e, portanto, planejar ações em curto prazo, as exigências que se colocam em qualquer nível (individual, de grupos, organizações, e assim por diante), são as de flexibilidade e adaptabilidade sem limites. As formas de atendimento a tais condições se dão, em grande parte, pela renúncia a qualidades e características que ocorrem no terreno da subjetividade e das trocas interpessoais.

    Desse modo, os comportamentos passam a orientar-se no sentido da busca de um equilíbrio mínimo que possa assegurar a sobrevivência, restando muitas vezes apenas o que é mecânico, automático, fisiológico. As questões essenciais, os diferenciais que caracterizam o que é na verdade o humano e o que isso representa para o contexto social tornam-se, nesse processo, descartáveis e irrelevantes diante da pressão maior pela sobrevivência.

    Percebe-se, desse modo, o retorno do fenômeno que tanto preocupou os críticos das primeiras teorias organizacionais – o da fragmentação –, trazendo em seu bojo todas as conseqüências danosas e generalizadas sobre aqueles que produzem e sobre a própria produção.

    Em condições tão adversas, o que se observa, na atualidade, é a fragilização de empreendimentos pela fragmentação desorientadora, pela excessiva flexibilização que produz desagregação e que, em última instância, desumaniza. Tanto os indivíduos como a família, os grupos sociais ou profissionais e mesmo as nações tornamse indefesos pela extrema permeabilidade de suas fronteiras, com a queda ou quebra radical e indiscriminada de barreiras protetoras de suas características mais constitutivas e singulares.

    Pode-se, nesse sentido, observar a complexidade e fragilidade do equilíbrio entre as pressões e demandas das duas vertentes do processo contemporâneo de mundialização: por um lado, tem-se o fenômeno da globalização, que tende à massificação e homogeneização alienantes, no qual participamos como objetos. Por outro, tem-se a universalização, que se dá por meio de movimentos que privilegiam o fortalecimento e valorização das singularidades, na qual se pretende a participação dos sujeitos como protagonistas (Rouanet, 2000).

    No contexto da globalização, surgem severas dificuldades em termos de constituição e fortalecimento do caráter do indivíduo, de manutenção de sua saúde e integridade psicológica, assim como empecilhos ao estabelecimento de vínculos sociais saudáveis e produtivos (p. ex., Bauman, 2001; Sennett, 1999). Para Bauman, a passagem de uma modernidade mais sólida para outra extremamente mais dinâmica, por ele descrita como leve, líquida e fluida, acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana, alterando os conceitos e esquemas cognitivos/ descritivos das experiências dos indivíduos e da coletividade.

    Sennett, por sua vez, destaca:

    Laços sociais fortes, como a lealdade, confiança, senso de objetivo e responsabilidade, entre outros, dependem da associação a longo prazo, condição há muito excluída do contexto de nossas organizações (Sennett, 1999, p. 24)

    Isso pode significar que a divisão, a fragmentação e a separação, que outrora eram estudadas como localizadas especificamente no campo do processo produtivo, na tarefa, comprometendo a atribuição de sentido às ações, expandem-se agora para o campo das relações humanas e para os sentimentos e as emoções que delas se originam, refletindo-se na trama social, na cultura e em seus produtos.

    Nas formas contemporâneas de organização do trabalho, pode-se observar que a excessiva e alienante especialização que caracterizava as primitivas teorias organizacionais, alcança agora seu contraponto mais extremo, por meio da crescente exigência de poliespecialização. Variáveis como tempo, espaço, natureza do trabalho, entre outras, vêm sofrendo alterações que reforçam essas reflexões e conjecturas, trazendo conseqüências ainda não claramente percebidas pelos envolvidos.

    Em grande parte, isso ocorre porque, no esforço de competição global, apenas os aspectos financeiros e tecnológicos – que se constituem no que é mais evidente e aparentemente manejável, do ponto de vista de uma abordagem racionalista – costumam ser priorizados, embora o componente humano, em sua integralidade e potencialidade, seja aquele capaz de produzir o novo, de inventar e reinventar-se, introduzindo diferenciais competitivos.

    Fukuyama (1996) é um dos que vêm enfatizar e apontar as repercussões desses aspectos sobre os resultados da produção, emprestando ao fenômeno da confiança um significativo valor, que o tem colocado, na atualidade, no centro das ainda hegemônicas discussões econômicas. Assume-se, então, que lidar com eficácia com o capital social, que resulta de trocas baseadas em confiança, pode se constituir hoje em um dos maiores desafios estratégicos para a liderança nas organizações.

    Entretanto, em que pesem as evidências trazidas pelo debate contemporâneo e a importância que atualmente vem sendo atribuída às questões mencionadas, os centros de poder das organizações e instituições em geral não parecem estar preparados para lidar com tais desafios. Continuam a conduzir ações que demonstram, na prática, suas crenças arraigadas, profundamente enraizadas em uma realidade não mais existente. Suas ações e atitudes costumam, em geral, evidenciar maior afinidade e disposição para o manejo de questões sobre as quais julgam deter maior controle, que são as chamadas questões objetivas, ou racionais, que encontram seu apanágio na linguagem dos números.

    Talvez isso permita entender as razões pelas quais as principais opções na busca de melhores resultados organizacionais são, quase exclusivamente, concentradas em medidas de enxugamento apresentadas como respostas mais diretas e racionais aos problemas, encarados por uma ótica simplificadora. Lançando mão de analogia, algo macabra que ouvimos em certa ocasião, caberia comparar à estratégia de alguém que, para perder peso, amputasse algum membro de seu corpo…

    Se o que é humano é pouco compreendido e pouco manejável em proveito de interesses que, em geral, não são comuns ao conjunto dos envolvidos, a tendência tem sido eliminar o elemento perturbador por meio de sua substituição por servomecanismos, pela automação, que permite presumir maior amplitude de controle, com afastamento de condições complexas que são características do relacionamento com o humano. Muitos estudos na teoria organizacional vêm se dedicando a apontar dificuldades e falhas nesse raciocínio, sem, contudo, impactar de modo significativo o ritmo e a extensão dos danos sociais causados por tão equivocadas opções.

    O problema que se coloca à investigação tem, portanto, duas faces: por um lado, a naturalização da competição, estabelecida atualmente com status de paradigma como única alternativa possível em face dos desafios da sobrevivência, manutenção e desenvolvimento das organizações. No cenário da globalização da economia, como é sabido, forças desiguais competem pelos mesmos recursos escassos, alimentando comportamentos predatórios. O outro lado do dilema é representado pela indispensabilidade da obtenção de comportamentos colaborativos, pela necessidade de integração, comprometimento e alinhamento com as políticas e objetivos organizacionais de investimento no coletivo, em detrimento de alcance de interesses puramente individuais ou mesmo de facções. Tais desafios colocam exigências fundamentais em relação ao desempenho do papel das lideranças formais nas organizações contemporâneas.

    A principal dessas exigências é, sem dúvida, a da conscientização acerca da complexidade e das características do problema, ultrapassando a visão naturalizada do paradigma mencionado, da verdade que existe desde sempre, do isto faz parte da natureza humana… ou não há outra forma ou possibilidade. Ultrapassada essa limitação, abre-se o caminho para o desenvolvimento ou construção de uma base de confiança capaz de viabilizar a constituição de um capital de outra ordem, no terreno do simbólico correspondente ao capital social no contexto do trabalho.

    Vemos em Kramer (1999) que o campo do comportamento organizacional, em acepção ampla, pode ser entendido como o estudo das organizações como sistemas sociais complexos. A teoria e a pesquisa no campo organizacional, na perspectiva psicológica, examinam antecedentes e conseqüências do comportamento humano, tanto no nível individual como no coletivo (p. ex., Katz e Kahn, 1974; Kramer, 1999; Murnighan, 1993). Para Kramer, uma das preocupações mais centrais nessa análise psicológica tem sido a busca de determinantes da cooperação, coordenação e controle intra-organizacionais.

    Recentemente, como destacamos, tem-se observado crescente interesse dos cientistas sociais acerca do papel que a confiança desempenha nesses processos (p. ex., Coleman, 1994; Fukuyama, 1996; Kramer, 1999; Putnam, 1995; Sennett, 1999). Ainda segundo Kramer (1999), tem-se buscado, igualmente, aplicar os emergentes conhecimentos da teoria da confiança à compreensão de importantes problemas e fenômenos organizacionais. Acreditamos que, entre as principais aplicações podem ser encontradas, ainda que não suficientemente exploradas, suas relações com a liderança formal nas organizações, pela importância e pelos desafios de seu papel em face das injunções do presente.

    Esforços de formação de lideranças costumeiramente encontram-se voltados para o desenvolvimento de atributos e competências individuais. Entretanto, o desenvolvimento dessas competências fora do contexto, assim como a mera atribuição formal, não oferecem garantias para a emergência da verdadeira liderança, do poder de influência sobre o grupo e, consequentemente, do desenvolvimento de uma competência coletiva.

    Liderança e confiança encontram-se, assim, em estreita interdependência. A construção da confiança dependerá de práticas que sejam avaliadas como adequadas pelos colaboradores, compatíveis com as suas expectativas, uma vez que deles emanará, ou não, a legitimação do fenômeno da liderança.

    Dessa forma, por meio da articulação entre as pesquisas teóricas e investigações procedidas no campo, pretendemos explorar os desafios que se colocam atualmente para o desempenho de líderes formais, a partir da identificação das percepções e representações presentes no cotidiano de nossas organizações.

    Consideramos que o contexto de mudanças no qual essas organizações estão inseridas introduz instabilidade nas antigas certezas, quebrando velhos paradigmas. Modelos organizacionais baseados na hierarquia como dado fundamental e apoiados em regras racionais-burocráticas convivem com fenômenos inteiramente novos para os quais ainda não foram desenvolvidas respostas. A ampla democratização da informação que tem provocado a falência de antigas estratégias e táticas consagradas de manipulação do poder (antes alcançado pela retenção, omissão ou administração controlada de informações) fornece exemplos para tais dificuldades.

    Essas novas condições têm contribuído fortemente para o aumento da demanda por participação nas decisões e, consequentemente, compartilhamento do poder, o que tende a gerar fortes tensões e desequilíbrios nos sistemas organizacionais. As conseqüências dessa irrupção de fontes alternativas de poder informal, propiciada pela disseminação e democratização das informações, ainda não estão claramente compreendidas ou absorvidas pela maioria das lideranças formais nas organizações.

    Outros fatores, como os relacionados ao cenário econômico ou mudanças dos valores em relação à autoridade, verificados em todo o mundo contemporâneo, incidem sobre o manejo do poder formal também de base hierárquica. Essas são apenas algumas das complexas questões que permeiam, na atualidade, as relações sociais nas organizações, influenciando seus resultados.

    As múltiplas formas assumidas pela motivação e pelos interesses criam, cada vez mais, a necessidade do desenvolvimento de habilidades de negociação, possibilitando a construção de conhecimento compartilhado e vínculos mais legitimados do que aqueles previstos no contrato burocrático. Tais práticas e habilidades comunicativas são exigências que se impõem na atualidade como forma de superação de conflitos e paradoxos, diante de situações excessivamente ambivalentes, capazes não só de gerar sofrimento, por um lado, mas de causar prejuízos à produção, por outro.

    Práticas comunicativas eficazes permitem ainda a indispensável construção de sentido, em vez da obediência cega, empobrecedora. Elas facilitam a consideração de interesses que vão além daqueles explicitados, buscando o que está encoberto, o não dito. Tais práticas buscam a construção de um conhecimento e um re-conheci-mento compartilhados sobre a realidade circundante, favorecendo a integração, a consolidação de papéis e decisões sustentáveis, porque são consideradas legítimas pelos envolvidos.

    Dessa forma, acreditamos que a liderança organizacional formal tem condições de catalisar o incremento ou a destruição de climas de confiança nos níveis grupal e institucional. A neutralização das ameaças decorrentes da competição vigente poderia favorecer a cooperação, apoiada em confiança, repercutindo sobre comportamentos, atitudes e performance compatíveis com a geração de capital social organizacional.

    Entender e lidar com tais questões representa, principalmente em função de aspectos culturais profundamente enraizados, um custoso aprendizado para líderes ou gestores, nem sempre afeitos às disciplinas que lidam com os obstáculos e/ou limitações à racionalidade e ao tão almejado controle sobre os acontecimentos. Isso é agravado se pensarmos que esses gestores são avaliados e cobrados por esse controle idealizado que deles se espera, baseado em aspectos que pouco dominam ou compreendem. Por outro lado, também faz parte dos desafios dos teóricos e práticos das ciências organizacionais, dentre os quais se encontram os psicólogos, lidar com as demandas e cobranças originadas de visões distintas nas formas de compreender e atuar sobre os fenômenos da complexidade, ambigüidade e simultaneidade inerentes às questões humanas e sociais.

    Tendo isso em mente, foi feita uma pesquisa com duas organizações de médio porte, de capital privado, sediadas no Rio de Janeiro. Os sujeitos dessa pesquisa foram tanto indivíduos que exerciam cargos ou funções de chefia e/ou coordenação de equipes de trabalho como integrantes de suas respectivas equipes. Os primeiros, considerados líderes formais, hierarquicamente constituídos, foram denominados pelo termo genérico gerentes e tomados como referentes (alvos) da confiança dos segundos, denominados aqui colaboradores. Esses líderes formais, com atuação direta, imediata sobre grupos de colaboradores, foram considerados, na hipótese da pesquisa, como capazes de mediar, por meio de suas práticas cotidianas (tal como percebidas pelos colaboradores), a construção de climas de confiança e colaboração, em seu âmbito de atuação, com geração de resultados organizacionais benéficos para todos os envolvidos.

    Um aspecto singular da referida pesquisa constitui-se na abordagem aos sujeitos inseridos e imersos no campo de forças do cotidiano organizacional, e não isoladamente. Tal escolha foi adotada uma vez que, muito embora essa característica imprima grande complexidade e baixa possibilidade de controle e/ou isolamento de variáveis estudadas (exigências históricas das vertentes tradicionais de pesquisas), ela permite a obtenção de um quadro extremamente rico e dinâmico da realidade organizacional, a partir das percepções daqueles que a vivenciam.

    Acreditamos que os esforços empreendidos neste livro mereçam ser despendidos pelo potencial de contribuição que podem oferecer à compreensão dos fenômenos organizacionais, notadamente em uma era de competição exacerbada. Buscamos demonstrar, dessa forma, que a cooperação, imprescindível à produção coletiva, encon-tra-se intimamente associada à confiança, à liderança e aos resultados de capital social, em qualquer contexto social que se considere e, de modo especialmente relevante, no contexto das organizações sociais de produção.

    2

    Cenário contemporâneo e questões organizacionais

    Em uma ampla revisão teórica empreendida, observa-se a existência de lacunas no que diz respeito à pesquisa sobre o papel, as dificuldades e os desafios vivenciados atualmente pelos líderes hierárquicos nas organizações. Isso se configura, de modo especial, em relação às dificuldades em lidar com as questões relacionadas à obtenção de colaboração, em um cenário fortemente marcado pelo individualismo e pela competição. Entende-se que a confiança é questão nodal nesse contexto por seu papel fundamental para a obtenção de comportamentos colaborativos capazes de potencializar resultados organizacionais, com geração de capital social organizacional, isto é, caracterizados por serem vantajosos para todos os envolvidos.

    É forçoso reconhecer que, entre as maiores dificuldades na vida das organizações, encontram-se as questões humanas, em especial os aspectos relacionados à liderança, confiança, colaboração e motivação. Inúmeros fatores têm contribuído com o aprofundamento dessas dificuldades, uma vez que, até um passado bastante recente, as organizações operavam em um contexto de razoável previsibilidade. Regras claras e duradouras regiam pactos de reciprocidade, garantindo vinculação coerente entre esforços e recompensas. O emprego era frequentemente estável; os mercados, em grande parte, cativos. O conhecimento, a especialização, o domínio de tecnologias avançadas para seu tempo eram atributos de poucos, o que assegurava, tradicionalmente, segurança e/ou sucesso profissional. Os níveis de competição, tanto interna como externa, não chegavam a constituir-se em fator de grande preocupação, uma vez que aqueles que se esforçavam conseguiam, em geral, seu galardão.

    Nas últimas décadas, assistiu-se, entretanto, aos principais marcos de referência que orientavam a vida no trabalho serem simultânea, profunda e aceleradamente abalados, configurando uma crise sem precedentes. O medo, a ameaça, a insegurança fazem parte hoje do cenário comum às organizações sociais de produção.

    Offe (1989) considera como crise uma situação na qual, repentinamente, instituições tradicionais e evidências antes incontestáveis tornam-se controversas ou mesmo quando, inesperadamente, surgem dificuldades de relevância fundamental, quando não se sabe o que acontecerá. Para o autor, os fenômenos atualmente observados tanto no mercado como na sociedade do trabalho – expressão cunhada por Dahrendorf (apud Offe, 1989, p. 13) – têm essa característica. Sendo o trabalho marca tão determinante de nossa sociedade, pode-se avaliar o impacto causado na vida dos indivíduos pelo crescente alijamento de enormes contingentes humanos do mercado produtivo, promovido pelo fenômeno da globalização, com redução da significação e do espaço social, além do próprio senso de identidade e importância pessoal (Sennett, 2001).

    Masi, entretanto, entende que não é a sociedade que está em crise, mas sim nosso modo de compreendê-la e avaliá-la, pois como as categorias mentais assimiladas (e profundamente enraizadas) da época industrial não podem mais nos explicar o que está acontecendo, somos induzidos a desconfiar do que está acontecendo e a perceber o advento do futuro como crise do presente (Masi, 1999, p. 28).

    Ainda segundo Masi, a sensação de crise tem seu esteio na falta de referências e na ausência de modelos interpretativos para a compreensão da realidade, o que viria a configurar-se como fenômeno de resistência a mudanças. Haveria, desse modo, uma associação à insegurança em face do desconhecido e referente à imensa defasagem entre nossos comportamentos, atitudes e crenças – extremamente arraigados por terem sido moldados ao curso de séculos – e às demandas e características de uma nova realidade, ainda não compreendida, de uma sociedade que se convencionou chamar (como evidência da influência do marco anterior) sociedade pós-industrial (Masi, 1999).

    Entretanto, nesse caso, deve-se argumentar que os fenômenos de resistência a mudanças não comportam apenas conotação negativa, mas também adaptativa, protetora e salutar. Ambas são frequentemente simultâneas, dependendo do tipo de mudança proposto, do ponto de vista da análise de seus benefícios ou ameaças e dos interesses considerados. Na análise em questão, não paira mais nenhuma dúvida acerca dos efeitos destrutivos e da insustentabilidade do modelo adotado do ponto de vista da sociedade como um todo.

    Há poucas décadas, pareceu lógico pensar que o desenvolvimento econômico potencializado pelos avanços tecnológicos, traria o desenvolvimento social como conseqüência. Entretanto, segundo Rattner, o que

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