Sem megafone, com smartphone: práticas, desafios e dilemas da comunicação com os empregados
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Sem megafone, com smartphone - Rozália Del Gáudio
determinadas.
COMUNICAÇÃO INTERNA, comunicação administrativa, endomarketing, comunicação com empregados. É vasta a nomenclatura relacionada ao processo de comunicação no ambiente interno das organizações – entre elas e seus empregados, entre líderes e empregados, entre empregados e empregados. Até mesmo a forma como é denominada a força de trabalho atualmente apresenta uma variedade de opções: empregado, funcionário, colaborador, associado, dentre outros. Assim, um pesquisador que queira estabelecer, por exemplo, uma taxonomia para o processo, encontrará várias opções. Essa multiplicidade de opções pode gerar confusões nos campos conceitual e prático, assim como impactar a percepção dos demais profissionais que atuam nas organizações e se relacionam com as ações de comunicação. Nesta obra, optamos por nos referir ao trabalhador como empregado
e à comunicação das organizações estruturada e direcionada a seus trabalhadores como comunicação com empregados
.
Entendida como tal, a comunicação com empregados reúne os processos de relacionamento e posicionamento que acontecem dentro do espaço organizacional, entre a empresa e os empregados. Trata-se de um conceito amplo, que abrange as múltiplas formas de agendamento estratégico e de diálogo que ocorrem no contexto interno das organizações, visando mapeá-las e influenciá-las. Com base em várias fontes, oriundas desde a Administração até a Psicologia, e utilizando-se de estratégias mais elaboradas ou de táticas mais instrumentais, esse processo emergiu nos anos 1990 como um aspecto crítico nas empresas. De acordo com Verčič, Verčič e Sriramesh (2012), fatores como a globalização e seguidas crises financeiras e de credibilidade reduziram a confiança dos empregados nas organizações. Com menor confiança nas organizações, os vínculos tornaram-se mais fluídos, impactando diretamente os níveis de engajamento e mesmo o alcance de resultados por parte das empresas.
Esse mesmo período coincidiu com o desenvolvimento de intensos fluxos de comunicação e de troca de informações entre múltiplos atores, fluxos estes possibilitados pelas redes sociais digitais, que têm afetado de maneira ímpar os processos de comunicação dentro e fora das organizações (SOARES; DEL GÁUDIO, 2013). Nesse contexto, expressar-se e conectar-se de forma adequada em seu ambiente interno passou a ser tão importante na esfera da comunicação organizacional quanto outros processos tradicionalmente tidos como mais nobres e mais estratégicos, como a publicidade e a assessoria de imprensa. Isso porque, pelo potencial de credibilidade que o público interno passou a ter, o que ele fala tem impacto direto na geração de percepções positivas ou negativas acerca de uma organização.
Além de sua relevância ser indiscutível, a comunicação com empregados é, do ponto de vista teórico, um território de muitas oportunidades conceituais e com impacto direto na prática. Kalla (2005) observa que há quatro possibilidades de abordagem para o processo, que são determinantes para a estrutura, a estratégia e o foco da área:
• Empresarial: Quando o processo visa desenvolver competências de comunicação com empregados.
• Gerencial: Quando as ações são direcionadas para ampliar a capacidade e as habilidades de comunicação de gestores.
• Corporativa: Quando as atividades são estabelecidas visando fornecer informações formais.
• Organizacional: Quando as ações buscam traduzir propósitos organizacionais.
As organizações saudáveis, que consideram a qualidade de vida do trabalhador e se preocupam de forma responsável com as consequências de sua comunicação, certamente são as mais criativas, produtivas e admiradas por seus públicos.
Margarida Maria Krohling Kunsch (Brasil) – Professora doutora titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)
A fim de contribuir com a evolução do processo, Kalla (2005) propõe uma abordagem integrada e sistêmica, observando que esse é, contudo, um dos grandes desafios que se apresentam para os profissionais de comunicação. Sem uma visão integrada e contextualizada das relações entre organizações e empregados, as soluções apresentadas podem ser resumidas à emissão de informações e a uma visão bastante superficial da comunicação, compreendida apenas como um conjunto de ferramentas previamente determinadas, que se colocam exclusivamente no papel de suporte às diretrizes de gestão.
Avançando na reflexão proposta em Kalla (2005), nos propusemos neste livro a analisar as múltiplas faces e desafios da comunicação com empregados. Nosso interesse justifica-se pela observação de que, na literatura específica sobre o tema, os estudos teóricos são um campo promissor de debate, especialmente se considerarmos a análise das relações estabelecidas no contexto das organizações e sua dimensão assimétrica e conflituosa. Entendemos que, mais do que organizar processos, atividades, estudos e pesquisa, a próxima fronteira para a evolução desse processo será compreender as assimetrias e os conflitos que permeiam o cotidiano nas organizações, mesmo que, em seus discursos e tentativas de prática, elas tendam a eliminar essas distâncias e diferenças (SOARES, 2014). Na nossa visão, não levar em consideração essa assimetria, seja no campo conceitual ou na prática, é ignorar elementos centrais da relação empresa-empregados, distorcendo realidades, contornando imperfeições e levando a abordagens equivocadas por nós, profissionais da área. É importante, então, que a comunicação no contexto interno das organizações seja compreendida como uma prática marcada pelas diferentes percepções e visões de mundo, mediada pelo jogo de interesses, pela disputa de sentidos e pelas relações de poder que caracterizam os relacionamentos entre as pessoas (BALDISSERA, 2008).
Compreende-se comunicação como um processo coletivo de construção de significados, o que destaca sua natureza simbólica. Os significados são construídos nos processos de interação que se realizam nas organizações. Torna-se fundamental ampliar o olhar para os contextos socio-históricos nos quais os sujeitos dialogam e concebem valor para o mundo em que vivem. Assim, os sentidos emergem nas experiências comunicacionais que levam os sujeitos a compreender a si mesmos e a aprender a viver em comunidades de prática.
Marlene Marchiori (Brasil) – Pós-doutora em comunicação organizacional, escritora e professora em cursos de pós-graduação no Brasil
Em relação aos objetivos de comunicação com empregados, de maneira geral, os processos mais bem-sucedidos levam em consideração: as necessidades da organização (de se comunicar, traduzindo e disseminando as estratégias, objetivos, políticas, processos e ambientação); as expectativas das pessoas (de compreender os rumos da organização e o papel esperado de cada um, considerando inclusive as expectativas de autorrealização, expressão e reconhecimento); e o contexto no qual a relação acontece.
Dessa forma, não é possível estabelecer uma prescrição matemática de onde ou de que forma a comunicação deve acontecer. É importante que nossa busca seja, então, pelo desenvolvimento de um modelo de pensamento e de uma ação sistêmica que, considerando esse tripé (necessidades, expectativas e contexto), enderece os desafios específicos de cada realidade ou situação e de cada grupo social que convive no ambiente organizacional. Ao compreender esses desafios e conectá-los com a proposta de valor da organização, o profissional de comunicação tende a alcançar um território de atuação estratégico e orientado a resultados, ampliando suas possibilidades de se posicionar como artífice de relacionamentos e transformações para as pessoas e para os negócios.
Nesse sentido, a comunicação com os empregados extrapola um viés tático, ou ferramental, passando a ser elemento constituinte da cultura e do desempenho organizacional. Entendidas nesse espectro, as ações de comunicação com os empregados devem ser orientadas para buscar alinhamento estratégico, compartilhar desafios e soluções e criar um ambiente de trabalho e de vida onde os indivíduos possam se expressar, indo além da mera relação de compra e venda de força de trabalho. Para atingir este objetivo, as ações de comunicação devem envolver, ao mesmo tempo, líderes e empregados, e fazê-los coprodutores das soluções a implementar nas organizações. Numa sociedade hiperconectada e na qual se expressar é parte fundamental da identidade, negar às pessoas essa coparticipação é, no mínimo, um erro estratégico. Por outro lado, é preciso também prestar adequado suporte à liderança nesse processo, afinal, a experiência de vida e de trabalho que desenvolvemos dentro das organizações passa pela experiência de gestão que vivemos.
Em outras palavras, entender as diferentes dinâmicas de relacionamento, de construção de sentidos e de gestão é um dos desafios que temos no contexto das organizações. Nossa contribuição, como profissionais de comunicação, reside nesta compreensão e em estabelecer estratégias e táticas, endereçadas a todos os públicos que coabitam o espaço organizacional, que atendam ao que é esperado por parte tanto das organizações como de seus diferentes interlocutores.
#REFLEXÃO
Comunicação com empregados não é apenas direcionar as informações para o ambiente interno de trabalho, e já não existem mais barreiras entre comunicação interna e externa. O público interno abandonou sua pseudo-passividade para ser ele também sujeito da comunicação e das relações. A sociedade em rede, o acesso às mídias sociais e a publicação de conteúdo online concretizam a ideia de um empregado também emissor de comunicação e partícipe na formação da reputação das organizações.
Desta forma, a comunicação no contexto das organizações, antes dividida, por meio de limites claros, em comunicação interna e comunicação externa, é repensada, passando a ser entendida na perspectiva da inter-relação, visto que, independentemente do grupo ao qual uma ação se direciona, seu objetivo é sempre perpassado pela ideia de construção do sentido da organização (OLIVEIRA, 2008, p. 99).
ADEUS, MEGAFONE
"Comunicação interna é uma disciplina jovem – tem em torno de 30 anos. No entanto, mesmo para um período tão curto de crescimento em comparação com nossas disciplinas irmãs, como o RH, acredito que os desenvolvimentos mais animadores em nosso campo aconteceram somente nos últimos três anos. E eles estão prestes a ficar muito mais interessantes.
Durante muito tempo, focamos no envio de mensagens de cima para baixo, restringindo-nos ao uso dos megafones das empresas para comunicar mensagens decididas por poucos e impostas a muitos. Nós nos tornamos muito profissionais em ‘enfeitar’ mensagens, segmentar audiências, controlar nossos canais e proteger os executivos de distrações, filtrando informações do dia a dia das empresas. Mas, com a chegada da web, essa zona de conforto se foi para sempre. Assim que começamos a publicar on-line, descobrimos dados inconvenientes: os nossos boletins não estavam sendo abertos e muito menos lidos e nossas mensagens cuidadosamente refinadas haviam sido ignoradas durante anos pela maioria a que eram destinadas.
A explosão da web, que abalou jornais impressos, a televisão e outros meios de publicação, da música ao cinema, está agora virando os nossos canais internos de cabeça para baixo. Os empregados começaram a publicar e preferem ler mensagens e comentários uns dos outros ao invés de nos escutar. Aos poucos, fomos percebemos que a única maneira de recuperar sua atenção seria participando da conversa com os empregados. De repente, nosso papel tornou-se mais complexo, mais sutil, mais especializado e com maiores responsabilidades. Foi necessário aprender sobre o que funciona nas redes sociais e aplicar internamente. Tivemos que descobrir e adaptar novas ferramentas e tecnologias e também desenvolver habilidades de TI que nunca pensamos que seriam necessárias. Ao invés de gerenciar comunicações, tivemos que ajudar os gestores a se comunicar. Tivemos que deixar o megafone de lado e aprender a ser curadores de conteúdo. A viagem acaba de começar, mas através dessa reinvenção forçada, a nossa profissão está se tornando mais eficaz e o nosso dia a dia no trabalho está ficando muito mais interessante."
Mark Wright (Inglaterra) – Editor da revista para comunicação interna Simply-communicate e criador dos populares eventos Smile (mídia social interna da empresa)
AINDA QUE SEJA DESAFIADOR estabelecer uma prescrição sobre a condução da comunicação com empregados, por ser um processo que envolve aspectos humanos, culturais e políticos materializados no contexto das organizações, existem rituais que, seguidos por profissionais e com intencionalidade clara, podem contribuir para a efetividade do processo. Nossa intenção neste capítulo é apontar alguns desses rituais e refletir sobre os mesmos, numa perspectiva didática e que embase esse processo organizacional. São eles:
• Compreender as relações: a governança
• Planejar com flexibilidade: a estratégia
• O papel do comunicador: ser um artífice estratégico
• Ter um balizador: modelo de Gestão da Comunicação com Empregados
• Validar as práticas: a mensuração dos resultados
Faz-se necessário ainda entender as diferentes perspectivas da comunicação com empregados no mundo, por isso o leitor encontrará uma seção dedicada ao tema neste capítulo.
2.1 Compreender as relações: a governança
A comunicação é inerente ao ser humano e à sociedade. No ambiente organizacional, estruturas formais dão suporte ao processo comunicativo. Entretanto, a existência de uma área de Comunicação, com profissionais dedicados ao processo, não garante, por si só, um ambiente propício à troca de informações e de experiências e ao diálogo, dada a complexidade do contexto organizacional e porque, como ressalta Baldissera (2008), a comunicação é o espaço onde as relações se materializam em constante transformação.
A prática da comunicação nas organizações, especialmente naquelas em que os processos são conduzidos por equipes especializadas, baseia-se muitas vezes ainda pelo paradigma informacional. Uma das marcas desse paradigma é a forma de tratar as necessidades de comunicação, vista como algo que pertence às organizações e frente à qual os demais interlocutores portam-se apenas como receptores passivos – em alguns casos, receptores de informativos obsoletos e irrelevantes, sem contexto, sem conteúdo e sem significado. Nesse modelo, não são consideradas a troca, a relação e a construção conjunta. Como aponta Marchiori (2014), é necessário planejar novos caminhos da comunicação que integrem as relações organizacionais, aproximem pessoas, construam história e tornem a [...] comunicação efetivamente estratégica e uma prática corrente e não centralizada na área de comunicação da organização
(MARCHIORI, 2014, p.