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A Teoria Dinâmica do Ônus da Prova e sua Aplicabilidade no Processo do Trabalho
A Teoria Dinâmica do Ônus da Prova e sua Aplicabilidade no Processo do Trabalho
A Teoria Dinâmica do Ônus da Prova e sua Aplicabilidade no Processo do Trabalho
E-book297 páginas3 horas

A Teoria Dinâmica do Ônus da Prova e sua Aplicabilidade no Processo do Trabalho

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Sobre este e-book

A obra analisa a compatibilidade da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova com a teoria geral do processo e, mais especificamente, com o processo do trabalho. Como os estudiosos de processo sabem, a técnica da dinamização do ônus da prova poderá ser empregada sempre que houver desequilíbrio entre as partes litigantes em matéria probatória, relacionado à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de uma das partes na produção da prova por quem detém o ônus ou, ainda, à maior facilidade na prova do fato contrário por quem não possui o ônus. Pela referida teoria, que se fundamenta nos princípios da isonomia e cooperação entre os sujeitos processuais, não é aceitável o estabelecimento abstrato e prévio do ônus da prova, bem como é indiferente a posição assumida pela parte na demanda e a natureza dos fatos discutidos. Nesta obra, são avaliados a aplicabilidade da distribuição do ônus da prova no processo do trabalho, tanto antes quanto depois da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.4067/2017), os requisitos para aplicação supletiva e subsidiária das normas do CPC/2015 ao processo laboral, a aplicabilidade da regra in dubio pro operario em matéria de prova e a possibilidade da distribuição dinâmica por convenção entre as partes.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de mar. de 2023
ISBN9786525278704
A Teoria Dinâmica do Ônus da Prova e sua Aplicabilidade no Processo do Trabalho

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    A Teoria Dinâmica do Ônus da Prova e sua Aplicabilidade no Processo do Trabalho - Cyntia Cordeiro Santos

    1. INTRODUÇÃO

    Com o estabelecimento do Estado Democrático de Direito, o processo deixou de ser visto como instrumento de efetivação do direito material, passando a ser encarado como meio de alcançar a ordem jurídica justa. Por sua vez, diante da superação dos modelos inquisitivo e dispositivo e sob a perspectiva do processo cooperativo, retirou-se o protagonismo do julgador, o qual deve ser apenas mais um participante da dinâmica processual. Deste modo, deve o juízo, ao lado e em colaboração com as partes, buscar a mais eficaz e justa solução jurídica para o litígio.

    De fato, com a superação de uma ideia autoritária de processo e conforme uma concepção de contraditório como direito de informação e influência na construção do provimento jurisdicional, o processo surge como uma espécie de procedimento realizado em contraditório, em que os vínculos de sujeição das partes, perante o magistrado, são substituídos por direitos de liberdade de participação. Neste sentido, a decisão judicial aparece como uma construção coletiva, elaborada a partir dos argumentos trazidos pelas partes, e não mais da consciência discricionária exclusiva e subjetiva do julgador.

    A prova sempre foi uma questão tormentosa na seara processual, e surgem ainda maiores dificuldades quando a parte não consegue produzir as provas de suas alegações em juízo. Assim, diante dessas situações, as regras de distribuição do ônus da prova serão a técnica empregada pelo julgador para determinar a quem cabia a prova e qual seria a desvantagem processual decorrente da não produção de prova.

    Sob a ótica de superação dos parâmetros político-liberais e eleição das garantias constitucionais de acesso à jurisdição qualitativo, contraditório e de ampla defesa, será examinado o direito à prova como desdobramento do devido processo legal constitucionalizado pela CR/1988, bem como a realocação do ônus da prova como instrumento da efetiva concretização do direito material em face da garantia da isonomia das partes no processo.

    A regra geral de distribuição dos encargos probatórios é definida pelo legislador nos arts. 373, do CPC, e 818, da CLT, os quais estabelecem a distribuição do ônus por um critério estático, definido de acordo com a natureza dos fatos a serem provados em juízo (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos) e a posição da parte na demanda (se autor ou se réu). Com o tempo, todavia, verificou-se que a regra geral (ou estática) é ineficaz em certas situações, diante das peculiaridades de determinados casos concretos, sendo desenvolvida, como medida complementar a ela, a técnica de distribuição das cargas probatórias dinâmicas.

    Sob esse ângulo, verifica-se que, embora aplicável na maioria das lides postas sob exame do judiciário, a teoria estática do ônus da prova não é o meio adequado de resolução do conflito em todas as demandas, diante da peculiaridade de determinados casos concretos, uma vez que deixa de observar eventual impossibilidade da parte em cumprir com seu encargo. Isso porque a prática judicial tem revelado a existência de limitações às garantias constitucionais do acesso à ordem jurídica justa e à isonomia entre as partes, que decorrem das imperfeições da própria sistemática processual ou da realidade socioeconômica.

    Assim, é que o magistrado, com a nova sistemática processual de incremento dos seus poderes na condução do processo, tem o dever de reverter a situação de desvantagem de uma das partes, sempre que se afigure na lide a maior capacidade probatória de qualquer uma delas, associada à extrema dificuldade de produção de prova da parte contrária, de modo a restaurar o equilíbrio na dinâmica processual.

    Desta forma, em razão da insuficiência da técnica estática da distribuição do ônus da prova, como forma de restabelecer a isonomia entre as partes, foi desenvolvida a teoria das cargas probatórias dinâmicas, a qual determina a redistribuição do encargo probatório, de modo que ele recaia sobre a parte que, embora orginalmente não o possuísse, tiver melhor aptidão para produzir a prova. Sua origem remonta aos novos contornos da teoria do processo moderno, que enxerga o processo não mais num fim em si mesmo, mas como instrumento de concretização do direito fundamental de acesso a um provimento judicial efetivo e justo.

    Inicialmente, desenvolvida pela doutrina e jurisprudência, a teoria dinâmica do ônus da prova foi acolhida, normativamente, pelo Código de Processo Civil de 1973, que determinou a possibilidade de esta ser realizada por acordo entre as partes no parágrafo único do seu artigo 333. O Novo Código de Processo Civil, no seu art. 373, §§1º a 4º, continuou autorizando a possibilidade de flexibilização do ônus através de convenção entre as partes e estendeu sua aplicação, ainda, para os casos determinados por lei e pelo juiz da causa.

    Segundo o §1º do art. 373 do CPC/2015, pode o julgador determinar a aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova nos casos determinados por lei ou diante das peculiaridades do caso concreto, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de uma das partes na produção da prova por quem detém o ônus ou, ainda, à maior facilidade na prova do fato contrário por quem não possui o ônus. Verifica-se, portanto, que a referida técnica será empregada pelo julgador sempre que houver desequilíbrio entre as partes em matéria probatória, que pode estar relacionado às suas condições técnicas, culturais, sociais ou informacionais.

    Destarte, o presente trabalho pretende, a partir do exame das normas de processo contidas na Constituição Federal, examinar a compatibilidade da teoria dinâmica do ônus da prova com o processo de modo geral e, mais especificamente, com o processo do trabalho. Com tal finalidade, serão levantadas as vantagens e os riscos que podem decorrer da sua aplicação, especialmente no que se refere à ameaça da isonomia entre as partes e à imparcialidade do juiz da causa.

    Para tanto, no primeiro capítulo, faz-se uma digressão histórica dos modelos de processo existentes até hoje, sendo examinadas as características e apontadas as principais distinções entre o modelo dispositivo do Estado Liberal e o modelo inquisitivo do Estado do Bem-Estar Social. Em seguida, analisa-se o atual modelo cooperativo de processo, surgido a partir da construção da ideia de processo como procedimento realizado em contraditório em que todos os sujeitos processuais se encontram em simétrica paridade. Distingue-se, ato contínuo, entre direito constitucional processual e direito processual constitucional, sendo pormenorizados os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório, isonomia e acesso à jurisdição qualitativo. Por fim, estudam-se os poderes instrutórios do juiz, sob a perspectiva do processo democrático.

    No segundo capítulo, são abordados os aspectos referentes à teoria geral da prova, tais como: a sua definição e a sua finalidade, o momento e o lugar da produção da prova, o objeto da prova, a valoração e o ônus da prova, o conceito de ônus da prova e a teoria estática do ônus da prova.

    No terceiro capítulo, estudam-se aspectos gerais acerca da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, dentre os quais a distinção entre a redistribuição e a inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor, o procedimento de dinamização, as suas hipóteses de cabimento, as noções de aptidão para a prova, a prova diabólica, a prova de fato negativo ou de fato contrário, qual o momento da distribuição do ônus da prova, a necessidade de decisão fundamentada e o meio recursal de impugnação da decisão que determina ou não a flexibilização do encargo probatório.

    No quarto capítulo, é avaliada a aplicabilidade da distribuição do ônus da prova no processo do trabalho, tanto antes quanto depois da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.4067/2017), bem como são analisados os requisitos para aplicação supletiva e subsidiária das normas do CPC/2015 ao processo laboral. Por fim, examinam-se duas particularidades do processo trabalhista: a primeira diz respeito à aplicabilidade da regra in dubio pro operario em matéria de prova e a segunda é relativa à possibilidade ou não de ocorrer a distribuição dinâmica por convenção entre as partes.

    Dessa forma, o presente estudo utiliza, como fontes primárias, as pesquisas bibliográfica e jurisprudencial sobre o tema proposto e usa como método de abordagem o hipotético-dedutivo.

    É certo que a discussão sobre a viabilidade da aplicação da referida teoria dinâmica foi arrefecida com a modificação da redação do art. 818 da CLT pela Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), passando o texto consolidado a prever expressamente a sua possibilidade no processo do trabalho. Procura-se, no entanto, com o presente estudo, contribuir para o debate, ao propor um vislumbre da questão da prova e seu ônus na sistemática juslaborista sob o panorama do Estado Democrático de Direito e dos princípios constitucionais do processo.

    2. PROCESSO COOPERATIVO COMO PARADIGMA DE PROCESSO DEMOCRÁTICO

    Na modernidade, predominam três paradigmas⁹ de Estado: o Liberal, o Social e o Democrático de Direito. No Estado Liberal, que foi estabelecido após a Revolução Francesa a partir da ruptura com o Antigo Regime e prevaleceu até a primeira metade do século XIX, o ordenamento jurídico centrava-se na figura do indivíduo como sujeito de direito. Triunfava a liberdade da iniciativa privada com a intervenção mínima do Estado no mercado econômico, que era regido pelas suas próprias leis. Prevalecia a autonomia privada, e a atuação estatal limitava-se à defesa da ordem e segurança públicas. Os direitos e garantias fundamentais são entendidos como garantias negativas de não intervenção do Estado na sociedade (FERNANDES; PEDRON, 2007, p. 16).

    As partes tomavam todas as decisões no comando do processo, inclusive quais provas seriam produzidas, cabendo a elas a sua condução e escolha do procedimento a seguir. O processo era visto como instrumento privado de resolução de conflitos, cujo domínio pertencia às partes e era estruturado segundo os princípios da igualdade formal e dispositivo.

    O magistrado permanecia distante do conflito, mantendo-se como mero observador passivo e imparcial do debate das partes, e exercia atividade mecânica de aplicação das leis ao caso concreto, sem qualquer atividade interpretativa. O direito emanava de um soberano, a quem cabia elaborar todas as leis; ao magistrado não cabia qualquer interpretação, resumindo o seu alcance a mero reprodutor do texto legal (daí a expressão juiz boca da lei).

    As relações privadas eram regidas pela mais valia, em que prevalecia a lei do mais forte, o que levou a uma grave desigualdade social, cujo apogeu ocorreu com a Revolução Industrial. Diante da flagrante desigualdade entre os detentores do capital e demais membros da comunidade, estouraram diversos conflitos sociais que exigiram uma crescente intervenção estatal para sua pacificação.

    O desenvolvimento autônomo da sociedade se mostrou ineficaz, e, a partir da segunda década do século XIX, com as Constituições do México de 1917 e de Weimar de 1919, passou a se expandir o modelo do Estado interventivo, Estado do Bem-Estar Social ou Welfare State, caracterizado pela intervenção direta das estruturas públicas na melhoria do nível de vida da população e reivindicação crescente dos direitos sociais, que passam a ser vistos como direitos políticos dos cidadãos.

    De mero espectador indiferente ao conflito do Estado Liberal, nesse novo modelo, o magistrado passa a protagonista no processo, pois assume a função de canal de comunicação da carga axiológica da sociedade em que vive e dos textos normativos, sendo o intérprete que possui sensibilidade na busca solitária do bem comum (NUNES, 2012, p. 47). As partes representam meros espectadores da atuação do julgador, entregando seus interesses jurídicos aos critérios de bem comum do órgão jurisdicional, a quem caberia construir seus provimentos solitariamente, sem contribuição dos demais sujeitos processuais.

    No Estado Social, por sua vez, há uma intervenção cada vez maior do Estado na economia, ocorrendo o apogeu dessa intervenção durante as duas grandes Guerras Mundiais. Isso porque, ao mesmo tempo que o Estado Social buscava distribuir benefícios, interferia cada vez mais na vida socioeconômica. Assim, depreendemos das palavras de Nunes que:

    O processo passa a ser visto como locus em que o juiz vai buscar fundamentos para legitimar as suas compreensões de bem-estar social, suprindo déficits de igualdade material entre as partes, mas que pode ser degenerado como mecanismo de dominação (NUNES, 2012, p. 178).

    O Estado expande a sua área de atuação de modo a atender as demandas da população de emprego e os benefícios sociais, bem como regulamenta partes crescentes das relações privadas visando à diminuição das desigualdades sociais. A estrutura da Constituição passa a ser essencialmente positiva em termos de prestações que este Estado deveria providenciar a seus (agora tratados como) ‘clientes’ (FERNANDES; PEDRON, 2007, p. 19).

    Nessa época, tomou vulto na Europa um movimento que defendia o fim da supremacia dos interesses do Estado em face dos cidadãos e alçou o ser humano a objeto maior do interesse do direito. Crescem os clamores populares de instauração da democracia, a partir dos ideais de dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e solidariedade, para que todos os cidadãos tenham efetiva participação na construção das leis, decisões judiciais e gestão da coisa pública.

    Entende-se democracia como método de gestão da sociedade política e da sociedade civilizada, baseada na garantia firme das liberdades públicas, das liberdades sociais e das liberdades individuais; com participação ampla das diversas camadas da população, sem restrições decorrentes de sua riqueza e poder pessoais, dotada de mecanismos institucionalizados de inclusão e de participação dos setores sociais destituídos de poder e riqueza (DELGADO, 2015, p. 24).

    Após a Segunda Guerra Mundial, crescem os apelos para a proteção da dignidade humana como valor supremo, sendo elaborados diversos documentos que elegem os direitos humanos como garantia fundamental assecutória da ordem jurídica, tais como: a Declaração Universal de Direitos Humanos e o Pacto de San José da Costa Rica.

    Os direitos humanos são os direitos e liberdades básicas de todos os cidadãos e constituem um contingente de direitos que não pode ser atingido pelo Poder Público ou pelos particulares. Enquanto os direitos humanos se constituem nas garantias asseguradas no ordenamento jurídico de maneira global, especialmente em documentos de natureza transnacional ou tratados internacionais, os direitos fundamentais, por sua vez, são os direitos humanos que foram regulamentados positivamente na Constituição de cada país.

    Com a instituição do Estado Democrático de Direito, a partir da segunda metade do século XX, a Constituição passa a ter relevante papel no ordenamento jurídico, sendo reconhecida a sua força normativa e carga axiológica que fundamenta todas as demais normas infraconstitucionais. A Carta Magna não se resume mais a garantir as liberdades positivas e negativas dos cidadãos perante o Estado, passando a ostentar a posição de instrumento de efetivação concreta dos direitos sociais e coletivos.

    Por essa razão é correto dizer que para além da validade formal, a constituição apresenta hoje um outro elemento ordenador, a unidade da constituição, que está presente na sua unidade argumentativa, e representa um remédio aos efeitos destrutivos e desagregadores dos excessos legislativos contemporâneos. Dessa forma, a constituição deve ser entendida como um direito superior, vinculativo inclusive para o legislador. Mas não é só, o seu mais importante aspecto está na presença simultânea de regras, princípios, direitos fundamentais e justiça como elementos mínimos, agregados pela exigência extra de adequação e razoabilidade entre o caso concreto e a lei: em certa medida, é um retorno aos ajuízos de equidade. Esse direito constitucional é o núcleo e o conteúdo da constituição, o que garante a sua dinâmica e a sua estabilidade; em uma palavra, a unidade da constituição no Estado Democrático Constitucional pluralista (ZANETI JR., 2012, p. 93-94).

    Ao passo que a Constituição adquire relevância no ordenamento jurídico, avulta também a projeção dos direitos fundamentais, já que estes são requisitos essenciais para estruturação do próprio Estado Constitucional.

    Na realidade, os direitos fundamentais asseguram ao cidadão um feixe de direitos e garantias que não poderão ser violados por nenhuma das esferas do Poder Público. Os referidos direitos apresentam dupla função: constituem prerrogativas que asseguram diversas posições jurídicas ao cidadão, ao mesmo tempo em que constituem limites/restrições à atuação do Estado (ABBOUD, 2016, p. 451).

    Os direitos humanos, aos poucos, vão sendo incorporados aos textos constitucionais de diversos países, ganhando status de direitos fundamentais, e o positivismo legalista vai perdendo espaço para uma nova teoria do direito, que atribui força normativa aos princípios jurídicos. O ordenamento jurídico passa a ser centrado na pessoa humana, sendo-lhe assegurada uma vasta gama de direitos e garantias para proteção de sua dignidade, bem como da liberdade, igualdade e solidariedade.

    Nesse momento histórico, exige-se que o juiz saia do seu tradicional papel de agente passivo observador da realidade social e assuma um protagonismo na implantação dos valores sociais previstos constitucionalmente, sobretudo em caso de omissão dos Poderes Executivo e Legislativo. O direito passa a ser visto como instrumento de transformação social, e o juiz, na qualidade de representante do Estado, o meio hábil de interpretação dos valores de bem comum.

    Em face da superação do positivismo legalista e da democracia ostentando a condição de modelo de gestão política e social, não é mais possível falar de processo como uma relação jurídica processual, em que as partes ficam em plano subalterno ao do juiz. O Estado Democrático abre espaço para maior participação dos destinatários finais dos atos decisórios que emanam do poder público, passando o processo, então, a ser reconhecido como procedimento em contraditório.

    A democracia passa a ser almejada também na esfera processual, e, como não é possível obter unanimidade sobre o conceito de bem comum, abandona-se a noção de que seria possível a existência de um sujeito solitário com acesso privilegiado aos ideais de justiça. O processo passa a ser encarado, então, como espaço público de discussão entre os sujeitos processuais, segundo uma perspectiva paritária de acesso e participação técnica na construção do provimento jurisdicional. Neste sentido, leciona Nunes:

    O processo ganha, nessa perspectiva, enorme dimensão ao se transformar em espaço onde todos os temas e contribuições devam ser intersubjetivamente discutidos, de modo preventivo ou sucessivo a todos os provimentos, assegurando técnicas de formento ao debate que não descurem o fator tempo-espacial do seu desenvolvimento (NUNES, 2012, p. 49).

    Para entender os fundamentos do Estado Democrático de Direito, é necessário antes examinar como ocorreu o desenvolvimento da própria teoria do processo. As primeiras teorias que trataram sobre processo foram eminentemente privatistas, até porque prevalecia o entendimento de que o direito era uno, concebiam-no como contrato ou quase contratado, e hoje tem valor apenas histórico.

    Foi Oscar von Bülow, em 1868, na sua obra A Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais, quem sistematizou a teoria do processo como relação jurídica processual, a qual seria uma relação de natureza pública distinta da relação de direito material colocada em juízo para decisão do magistrado. De fato, para Bülow:

    Nunca se duvidou que a lei processual civil determina os poderes e

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