Arbitragem e Resoluções Extrajudiciais de Conflitos Trabalhistas após o advento da Lei 13.467/17
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Arbitragem e Resoluções Extrajudiciais de Conflitos Trabalhistas após o advento da Lei 13.467/17 - Felipe Cunha Pinto Rabelo
Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
O estudo das relações humanas se torna extremamente necessário para elucidar a geração dos conflitos, pois nos primórdios da criação de uma convivência social encontra-se o surgimento de regramentos, normas de conduta, padrões de convivência e outros aspectos que se não dosados de forma correta, geram conflitos entre seus membros ou mesmo entre sociedades diversas.
Na relação entre particulares, mais precisamente na relação entre empregado e empregador, as mudanças são ainda mais constantes, vivenciadas por fatores históricos e econômicos, bem como o avanço tecnológico, o que fatalmente se torna um campo fértil para o estabelecimento de conflitos, muitas vezes gerados pela incapacidade de gerenciá-los quando os mesmos surgem, ou mesmo pela inabilidade de compreender os termos do contrato que outrora pactuaram.
Nesta mesma relação, os conflitos podem surgir por vários motivos que não apenas aqueles inerentes à relação direta de emprego, podendo abranger aspectos históricos, políticos, religiosos, ideológicos ou até mesmo familiares, que por algum motivo culminam em desavenças no âmbito delimitado à relação empregatícia.
O conflito entre empregado e empregador advém do pacto laboral, ocasião a qual o poder de mando é inerente ao empregador e o de execução dos serviços, mediante contraprestação econômica, inerente ao empregado, algumas vezes inferior psicológica e tecnicamente ao empregador.
O Estado surgiu como o protetor desta relação visando o equilíbrio entre os pactuantes, e intervindo, através das leis ou do Poder Judiciário, na tentativa de estabelecer regras e condutas a serem seguidas. O conflito, portanto, passou a ser mitigado com a participação estatal.
Contudo, mesmo reconhecendo a importância do Estado nas resoluções destas controvérsias, a sua mitigação antes de eventual judicialização, ou mesmo sem ela, representa evolução sociológica e econômica à sociedade, pois formará empregadores e empregados mais conscientes, sendo eles responsáveis pela prática de seus atos e cientes dos reflexos que os mesmos lhe gerarão, reduzindo custos e despesas inerentes à instauração de um dissidio trabalhista.
Não se pode pressupor que o Estado deve ser o único ou mesmo o principal detentor da legitimidade para dirimir os conflitos, pois nem só de leis (deveras importantes) vive a sociedade, mas também de regras sociais e sanções por ela mesma impostas entre seus agrupamentos.
Através da resolução pacífica do conflito ocorre a evolução da sociedade e das relações que dela advêm, gerando uma mudança transformadora de pensamentos, ideias e normas.
A busca por uma redução de gastos, melhora nas relações, aprimoramento das partes envolvidas e aquecimento econômico face à não redução de empregos, deve ser uma premissa nas contendas trabalhistas, mesmo as extrajudiciais.
Não obstante a importância de se dirimir o conflito, não se deve esquecer da relevância de se instaurar medidas para que os conflitos sejam evitados, o que também será objeto de estudo neste trabalho.
Para que tal fato ocorra, os empregadores e os indivíduos à sua volta devem estar atentos à legislação e ao pacto estabelecido entre eles.
Encontrar meios para apaziguar conflitos é necessário para um maior aprimoramento e desenvolvimento social. No ordenamento jurídico brasileiro encontra-se previsto no inciso III do art. 1º da Constituição da República de 1988, sendo fundamento essencial da República Federativa do Brasil a defesa da dignidade da pessoa humana.
É cediço por todos os operadores do direito que nos moldes estabelecidos pelo art. 5º da Constituição Federal brasileira, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, estando patente, portanto, que tanto empresa quanto empregado devem medir suas condutas, dentro dos limites estabelecidos na legislação pátria.
Nesta ótica, medidas de prevenção internas adotadas pela empresa, com estabelecimento de normas empresariais e evidente divulgação destas aos seus stakeholders, com treinamentos e compreensão das regras por todos, também é medida essencial para se evitar futuro conflito.
Ultrapassadas as medidas internas, e instaurado o conflito sem a possível pacificação, há mecanismos para se extirpar satisfatoriamente o conflito sem a onerosidade, desgaste e, em algumas ocasiões, lentidão do Poder Judiciário, devendo as partes envolvidas, a priori, estarem aptas para realizar o processo de apaziguamento com a boa-fé que o reveste, e cientes dos propósitos de sua adesão, pois se o viés for apenas financeiro a resolução do conflito não se resolverá.
No Brasil e no mundo, principalmente após a Revolução Industrial europeia, inúmeras conquistas sociais foram atingidas, possibilitando uma evolução social e uma equidade nos direitos envoltos na relação de emprego.
Formas e procedimentos para dirimir e pacificar os conflitos extrajudicialmente foram criados e aprimorados ao longo dos últimos anos no País, sendo utilizados principalmente nas contendas cíveis, já que a legislação trabalhista ainda encontrava-se retrograda, chancelada pelas normas advindas principalmente da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que remonta ao ano de 1943.
O Judiciário brasileiro se encontra abarrotado de demandas judiciais trabalhistas de menor expressão e que poderiam ser resolvidas entre particulares, sem a intervenção estatal, sendo certo que a aplicação de medidas apaziguatórias, como a mediação e a arbitragem, trariam maior confiabilidade à relação de trabalho, e, por consequência, tornariam a relação entre empregado e empregador mais digna e em conformidade com os princípios que devem reger uma sociedade justa e igualitária.
Neste cenário, a Lei nº 13.467/2017, que modificou e inseriu dezenas de novas normas à CLT, trouxe inúmeras possibilidades de se compor entre empregado e empregador, antes ou mesmo após a instalação de algum atrito entre eles, objetivando mais celeridade nas tratativas, e possibilitando aos envolvidos uma maior autonomia sem a necessária intervenção estatal, o que será objeto de estudo deste trabalho.
A resolução alternativa de conflitos é um tema claudicante no direito do trabalho, pois com o volume atual de demandas judiciais no país, mesmo após o advento da citada lei, resta evidente que o indivíduo prefere a intervenção do Poder Público a solucionar pacificamente uma possível desavença com o empregador no contrato individual de trabalho.
Este trabalho tem por objetivo demonstrar o quão eficaz são as medidas extrajudiciais para dirimir conflitos, sua possibilidade de aplicação nas relações trabalhistas, vantagens e previsões normativas atuais.
Buscar-se-á elucidar as possibilidades legais para realização de acordos individuais na relação de emprego sem a intervenção estatal, desonerando o indivíduo e o Poder Judiciário, e acelerando a resolução do conflito com maior empoderamento e autonomia às partes que dele efetivamente participam.
Este estudo terá, ainda, como principal objetivo, elucidar questionamentos e trazer alternativas quanto ao uso da arbitragem e da mediação nas relações de trabalho. Os direitos trabalhistas são disponíveis? É possível o uso da arbitragem em todas as relações trabalhistas? Mesmo sem legislação específica, a mediação pode ser utilizada para resoluções de conflitos laborais? Quais medidas e novidades foram apresentadas pela Reforma Trabalhista?
Através de análise metodológica empírica e bibliográfica, este trabalho pretende elucidar tais questionamentos, realizando, ainda, análise sobre a quantidade de processos em trâmite no judiciário trabalhista brasileiro e seu impacto social, conceito de conflito e sua derivação no ambiente empregatício, importância do pacta sunt servanda, predominância do interesse dos entes privados e análise dos institutos de composição extrajudicial nas relações trabalhistas, com enfoque principal nas mudanças legislativas impostas pela lei nº 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista, para resoluções pré e pós conflito.
2. CONFLITO: CONCEITO E ANÁLISE HISTÓRICA
2.1. CONCEITO
Instaurada a divergência advinda deste convívio social surgem os embates, que se propagam, em sua maioria, face às diferenças de opiniões e dificuldade das partes de estabelecerem uma comunicação pacífica entre elas.
O conflito é inerente às relações e existe desde os primórdios da humanidade, sempre originado por desavenças e ideias opostas sobre um mesmo ponto. Sobre todas as situações conflituosas derivam tomadas de decisão, muitas delas que envolvem terceiros eleitos (em conjunto ou isoladamente) para apaziguar a contenda instaurada.
Neste contexto, CALMON elucida:
O contrato social e mesmo a existência da norma jurídica não são suficientes para a pacificação social, porquanto nem sempre o seu cumprimento é espontaneamente verificado. Ao atribuir a si a titularidade de um direito, entendendo alguém estar agindo de acordo com a ordem jurídica e dispondo-se a agir (pretensão) segundo esse direito, duas situações distintas lhe podem suceder: o exercício desse direito sem que algo ou alguém o impeça (gerando a satisfação) ou o não exercício deste direito por causa de obstáculos que são postos à pretensão (gerando a insatisfação). Os obstáculos postos à plena satisfação do direito podem advir da resistência de outrem ou da própria regulação jurídica, quando esta proíbe a sua satisfação voluntária.
Verificam-se, então, duas situações distintas ocorrentes nas relações sociais, uma harmônica e outra de conflito. A harmonia é a regra, pois a sociedade caminha naturalmente e as pessoas em geral procuram portar-se com sensatez e bom senso, respeitando os direitos e atendendo às justas pretensões, ou, como diria THOMAS HOBBES, dando cumprimento ao contrato social.
O conflito é a exceção e ocorre quando o almejado equilíbrio social não é atingido. Pode perpetuar-se ou ser resolvido. Se resolvido, restabelece-se a harmonia.
O conflito resulta da percepção da divergência de interesses, é um fator pessoal, psicológico e social, que deságua no direito apenas por opção política da organização social, variando essa intervenção do Estado conforme variam todos os demais fatores históricos, políticos e geográficos. O conflito que envolve empresas é, ainda, um fenômeno econômico, que gera consequências mais amplas. Quando se trata de interesses que não podem ser individualizados (metaindividuais), a importância social do conflito é ainda maior. Os conflitos implicam lutas entre duas ou mais pessoas acerca de valores, posição ou recursos.¹
A complexidade que reveste as relações humanas faz surgir conflitos de todos os tipos, evidenciados por desavenças ocorridas nos mais diversos ambientes da sociedade e pelos mais diversos motivos, podendo gerar tensões que afetam inclusive relações que não advêm, necessariamente, e de forma direta, da conflituosa.
A assunção de um formato adversarial para a disputa é o meio mais comum e mais usualmente utilizado para se resolver um conflito, mas não necessariamente é o mais adequado, pois esta adoção leva a litigiosidade que, por consequência, leva a atritos e desgastes de todas as ordens, como emocional, físico, financeiro e social.
O conflito não é desejado, mas de fato é inevitável nas sociedades, sendo certo que a sua resolução pode, muitas vezes, se transformar em uma oportunidade de desenvolvimento e transformação aos indivíduos diretamente envolvidos e para a sociedade que os circunda.
MAZIERO ressalta:
Vale lembrar que o conflito em si não é o problema, vez que, muitas vezes, provoca o desenvolvimento social, intelectual e/ou econômico. A necessidade de caçar torna animais mais fortes. A necessidade de fugir dos caçadores deixa outros mais espertos, mais rápidos ou mais eficientes em suas armas defensivas. O conflito aguça sentimentos de competitividade que agilizam o desenvolvimento. Infelizmente, alguns conflitos não encontram no judiciário a solução e se transformam em conflitos armados, como guerras, por exemplo.
Entretanto, até mesmo nestas ocasiões catastróficas e péssimas, torna-se possível perceber desenvolvimentos intelectual, tecnológico e econômico promovidos por e para parte de uma população."²
Observados os limites da boa-fé, os embates podem se tornar benéficos se dos mesmos advirem consequências positivas, oriundas de um diálogo pré-estabelecido e de um respeito mútuo entre as partes conflitantes.
Para uma evolução individual, coletiva ou social, a instauração do conflito é deveras importante, pois através dele se evitam estagnações e se provoca, entre as partes envolvidas, reflexões sobre o que se encontra em análise, estabelecendo-se uma nova identidade.
O conflito possui, então, um aspecto transformador em sua essência, advindo da sua pacificação a resolução do conflito que, inclusive nas relações do trabalho, objeto deste estudo, envolvem não somente a parte financeira como também o aspecto emocional e muitas vezes a relação interpessoal entre os envolvidos.
Contudo, as partes envolvidas devem prezar para que a resolução do conflito seja de fato construtiva, cujo resultado atenda satisfatoriamente a ambas as partes; e não destrutiva, quando uma das partes ou nenhuma delas se satisfaz com os efeitos de sua resolução, gerando, ainda, consequências alheias ao próprio conflito.