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Histórias de uma Gaivota e outras
Histórias de uma Gaivota e outras
Histórias de uma Gaivota e outras
E-book210 páginas2 horas

Histórias de uma Gaivota e outras

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Sobre este e-book

«Lá, bem alto, a silhueta da elegante gaivota diluía-se, em puro deleite, diante da magnificência do mar, resplandecente sob a delicadeza livre do voo ofertado.»
A gaivota e a envolvente natural (ar, mar e terra), em destaque no primeiro conto, perpetuam-se de forma subtil em todas as histórias. Nelas, há despertares ornamentados pelas palavras escritas. Com a gaivota coabitam os elementos naturais que ganham expressividade na exaltação das emoções e dos sentimentos de uma gaivota embarcada em deambulações introspetivas. Histórias com apontamentos poéticos, nascidas de viagens, ora vividas ora sonhadas, alimentadas de um puro sentido de rendição à beleza do mundo natural e das relações humanas, passando pelo inevitável autoconhecimento. Em cada história, há uma gaivota revitalizada pela natureza viva, no confronto com as tropelias emocionais da sua existência e a aceitação que se impõe, pelo poder da fé, do amor, da amizade e da gratidão.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de mai. de 2023
ISBN9789899148581
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    Pré-visualização do livro

    Histórias de uma Gaivota e outras - Ana Santos

    Agradecimentos

    Agradeço ao João Miguel que, desde o início, me deu a mão e me fez voltar a acreditar no sonho e na vida.

    Agradeço ao António Gândara por não me permitir desistir do meu sonho: publicar as histórias da gaivota.

    Agradeço a gentileza e o incentivo da escritora e ilustradora Laura Azevedo. Graças a ela, disciplinei-me nas lides da escrita.

    Àqueles que, lendo os textos da minha autoria, me congratularam com palavras encorajadoras e de apreço, endereço um sincero agradecimento.

    Por fim, mas não menos significativo, agradeço a todos os que cruzaram ou partilharam das rotas da gaivota. Sem eles, os voos não teriam conquistado a propulsão desejável para avançar e mais alto chegar.

    A GAIVOTA

    A dureza expressa nos olhos pequeninos contrastava com a maciez da paisagem neles refletida. Era impossível ser-lhe indiferente. Sobre o fundo branco da sua cabeça, os olhos não escondiam a autoridade com que alcançavam a extensa paisagem. O grosso bico amarelo desafiava, de modo ostensivo, os que dela tentavam aproximar-se. As penas brancas que cobriam o peito abaulado convidavam ao repouso, mas o cinzento que cobria as suas asas dizia que chegar àquele lugar não fora fácil. As patas hirtas conferiam-lhe a firmeza com que pisava as areias finas da praia, enquanto o seu corpo, graciosamente equilibrado, não demonstrava receio perante a grandiosidade do mar que, à sua beira, brincava ao jogo do toca e foge. Aquele era, sem dúvida, o melhor lugar do mundo para uma gaivota viver.

    Na praia, a gaivota deixava-se espraiar, dominando dimensões por tantos sonhadas, mas nunca alcançadas. Ali, a gaivota pressentia o cheiro do mar a fundir-se com os aromas da terra e, não raras vezes, deslumbrava-se, esquecida das estações, com a paleta de cores suaves que deixava a descoberto o elo que a unia ao céu, ao mar e à terra. E voava.

    O segredo da beleza que exibia vivia escondido nos sons, viajantes incansáveis de um mar imenso. À noite, eram eles que se incumbiam de embalar a gaivota num sono sereno e profundo. E assim acontecia: ouvia-os com muita atenção, não fosse deixar escapar algum, e adormecia apaziguada. Neles depositava a esperança de vir a descobrir a razão da sua presença naquela praia. A gaivota adormecida acreditava na transmutação dos sons audíveis, que se havia de revelar, ao amanhecer, no encanto maravilhado do seu despertar.

    Ao despontar dos primeiros raios de sol, uma toada musical emoldurava o dia que, sem nada pedir em troca, se oferecia à gaivota. Naquela praia, cada despertar tinha o dom de gravar na gaivota novas sensações surpreendentes. Tal como os sons ondulados pelo mar que amparavam a gaivota ao adormecer e eram irrepetíveis, assim eram os seus dias passados entre a areia, o mar, a falésia e o céu.

    Bem cedinho, a gaivota gostava de planar, munida da firmeza dos seus olhitos, a planície de mar azul que a linha do horizonte sustinha. Sem esforço, rendia-se aos modos sedutores daquela massa de água tão maleável quanto determinada. A ondulação, que percorria o seu corpo, afagava-a e, imóvel, experimentava as primeiras impressões do voo almejado.

    O dia crescia, iluminava-se e a curiosidade da gaivota seguia-lhe o exemplo. Melodias, nunca dantes executadas, lançavam os primeiros acordes ao ar fresco da manhã e, de cada vez que os captava, a gaivota agitava-se. Recetiva, o seu peito rechonchudo entufava, pleno. Outras gaivotas aproximavam-se. Juntas, planavam nas asas melódicas em manifesta gratidão por tudo quanto os sentidos percecionavam, crentes da sua natureza divina. Assim que o mar recuava, as gaivotas gemiam com o seu desprendimento e um arrepio gelado percorria-lhes o corpo.

    Patita ante patita, a gaivota avançava sozinha no encalço do seu amado mar. Sem adiar o que tanto ansiava, mareava as águas do oceano em voo livre. O mar aquietava-se e a gaivota afastava as suas asas para mais céu alcançar. O mar queria brincar e ondulava, instigador. E porque não obtivera o que carecia, rebentava, sonoro, em puro êxtase, deixando para trás uma farta cabeleira de desprendidas gotículas que presenteavam os ares com uma alegria fresca e contagiante. Um rasgo indiscritível desenhava-se no bico amarelo da gaivota, deixando-a, simplesmente, encantadora. Pujante, o mar voltava a encaracolar as águas numa curva que nada tinha de submissa. Cativa dos modos arrebatadores do seu querido mar, a gaivota estendia as asas e lançava-se rumo ao horizonte, que nunca deixava de esperar por ela. Firme, adejava e prosseguia ao encontro do que a engradecia.

    Encantada, a gaivota estremecia, esmagada por tudo quanto a sua visão alcançava. O seu coraçãozito batia de assombro, produzindo ondas de choque que se espalhavam, desvairadas, no seu peito branco deixado em arfante e agitada oscilação. As penas volteavam e a leveza dominava a deslumbrante ave. Lá bem alto, a silhueta da elegante gaivota diluía-se, em puro deleite, diante da magnificência do mar, resplandecente sob a delicadeza livre do voo ofertado.

    O mar buliçoso, acometido dum querer alucinado de voar, soltava das suas profundezas marés que se elevavam, dominadoras e ameaçadoras. Numa precipitação incontida, as águas vivas entrechocavam-se em efusiva e branca explosão, para logo se dobrarem numa vénia de declarada reverência pela ave que acima de si se elevava. A gaivota, atenta, acautelava o voo e tomava conta dos céus com a elegância que só ela possuía, amainando os modos inquietos do mar revolto.

    Revigorada, não tardava que regressasse à praia onde, pousada sobre a falésia, voltava a descansar o olhar sobre o mar dos seus preciosos dias. As patitas amarelas não estranhavam a rispidez da rocha indeformável, mas endureciam com saudades do seu mar. A transparência incorrigível dos seus olhitos era incapaz de disfarçar a melancolia que a assaltava e a sombra do seu corpo afundava-se nas águas profundas. Por mais que estendesse as asas, a gaivota pressentia que jamais igualaria o mar na sua plenitude.

    Inesperadamente, o vento soprou e desalinhou as ondas que iam e vinham. O mar transbordante assustou-se com tão inquieta intrusão. Furioso, elevou-se nas ondas, numa manobra altiva, na derradeira tentativa de o expulsar. O vento, galifão, invejoso da afoita gaivota no seu domínio sobre a vastidão dos céus, instalava a confusão com toda a sua belicosa tenacidade. As águas revoltas não baixaram a guarda e combateram os desígnios destruidores do vento. Atingida no seu íntimo, a gaivota prostrou-se sem esconder a sua impotência em afastar o vento para longe da costa. Não sabia como restaurar a calma às águas agitadas pelo desvario do vento intruso. Sobre as escarpas agrestes, manteve-se pousada, esperançosa de que a lisura das suas penas aplacasse a fúria agitada do vento nas águas marinhas. E, ao fim de algum tempo, o desejado aconteceu: o vento amainou.

    Assim que o mar se libertou do vento tempestuoso, as suas águas avançaram até à base da falésia onde a gaivota mantinha suspenso o seu voo. O movimento ininterrupto da água levou a gaivota ao seu encontro, munida de vigorosas membranas. Destemida, atravessou a água que corria debaixo das patitas fortalecidas e, de novo, um rasgo se desenhou no bico amarelo, exprimindo a confirmação da bem-aventurança de uma gaivota que escolhera a proximidade do mar para viver.

    A terra, tomada pelo mar, e a gaivota, tomada pelos céus, uniram-se na intensidade vibrante de um abraço lasso, para todo o sempre. Um novo dia haveria de raiar na praia da venturosa gaivota.

    ERA UMA VEZ UM SONHO

    Era uma vez um Sonho que vivia num castelo encantado, erigido no cume de uma montanha onde, desde os primórdios dos tempos, se fixara apenas alguma vegetação rasteira. Ali, o espaço ampliava-se, e o Sonho confiava que tudo era possível. À janela do seu castelo, o Sonho não se decidia e, assim como gostava de apreciar os amanheceres, também não era raro perder a noção do tempo aos entardeceres. Enquanto se entretinha na indecisão, descobria neles novas peculiaridades que aprimoravam a sua natural beleza. A montanha, em sintonia com o Sonho, elevava-se um pouquinho mais só para ficar à sua altura. Mais perto do céu, o Sonho não duvidava de que aquele era o lugar ideal para cumprir o objetivo da viagem sonhada que, há tanto tempo, aspirava empreender.

    Sem prazo definido, o Sonho tomara a decisão firme de por ali se manter até alcançar o que muitos duvidavam estar ao seu alcance. Não fazia a mais pequena ideia do tempo que demoraria a concretizá-lo. Pouco importava. À janela do seu castelo, o Sonho desconsiderava o impassível relógio, que marcava a cadência para as obrigações que determinavam o rodopio no sopé da montanha, e sonhava.

    No castelo, vivia sozinho sem se sentir solitário. Amparado pelas muralhas e protegido pelos céus, o Sonho engendrava as táticas que haviam de lhe permitir, habilmente, abrir caminho. Eram tantos os planos que trabalho não lhe faltava. Porém, o hábito incorrigível de sonhar de olhos abertos, sobretudo quando se esquecia de si à janela, atrasava a sua concretização. Distraído como era, deixava-se deambular sem norte e, num repente, via-se em lugares distantes que jamais imaginara visitar.

    Não raras vezes, o Sonho subestimara o tempo para o sonho acontecer e, inconsequente, preenchera-o com quinquilharias. Deixara-se manipular quando outros Sonhos lhe acenaram e, desfazendo-se de si, traiu o direito de priorizar o seu sonho. Injustamente, foi preterido pelos sonhos de outros que, egoisticamente, lhe roubaram a emoção de sonhar do alto do seu castelo. O mundo confundia-o e, ingénuo sonhador como era, lá voltava ele a ficar de olhos abertos, perdido, num emaranhado de voltas e reviravoltas do qual só a muito custo se desenvencilhava.

    Quantas vezes o mundo o desacreditara porque ele assim o permitira. O Sonho ficara, então, num estado de assustadora apatia que mais parecia doente. Salvaram-no os longos passeios na sua querida montanha. Por culpa deles, recuperou o fulgor de outros tempos. Lá, o Sonho descobriu a cadência fluida da respiração e, o seu coração, o ímpeto para a novas investidas se lançar. Sem medo.

    Como qualquer outro, aquele Sonho tinha muitas memórias: boas e más. De nenhuma se desfizera. A todas guardara com igual carinho. Encorajavam-no. E a todas elas reconhecia-lhes o mérito, até mesmo àquelas que decidira aferrolhar nas catacumbas do seu castelo. Não haviam passado de uma dolorosa ilusão: num passe de mágica, o ilusionista retirara da cartola um ramo de flores mortas. Outras havia que mantinha guardadas nas salas desocupadas do castelo. Nada ofereciam que não fosse a lembrança de não repetir o erro de enveredar por atalhos que não respeitavam a sua natureza.

    Nos aposentos senhoriais, residiam as memórias mais ternurentas do Sonho. Por culpa delas, o seu coração, ainda hoje, batia descompassado pelos sonhos vividos, levados pela emoção mais sincera, alegre ou triste, amorosa ou despeitada, harmoniosa ou inquieta. Pelos corredores que davam acesso às salas do castelo, perpetuavam-se as memórias de caminhos trilhados na tentativa corajosa de alcançar o sonho. Estavam repletas de peripécias que facilmente animariam um serão no seu castelo.

    O Sonho perdera a conta às vezes que fora destronado. Apesar de humilhado, denegrido e prostrado, nunca deixara de lutar por reconquistar o que era tão apenas seu. E quando assim acontecia, era vê-lo de regresso à janela, do alto do seu castelo, a sonhar.

    O Sonho conhecia como ninguém os meandros da dor de se desfazer de um sonho. A tristeza e o desânimo assolavam-no sempre que as circunstâncias o demoviam de sonhar. O que restava era um vazio atroz. O Sonho refugiava-se, então, na montanha e ouvia, atento, os seus sábios conselhos. Nunca nenhum deles lhe dissera para desistir do sonho. Todos lhe diziam para arregaçar as mangas e agir. Então, o céu iluminava-se e, da janela do castelo, o Sonho voltava a deambular o olhar pela sua paisagem predileta.

    O Sonho sonhava.

    Corajoso, usava do seu engenho guerreiro para restaurar o que, há muito tempo, idealizara. Com a fé renascida e a bravura imposta pelo sonho grandioso, o Sonho voltava a acreditar. O sonho crescia e a montanha elevava-se.

    De cada vez que o sonho crescia, os passos tornavam-se mais amplos e audazes, seguros da direção tomada. Desta vez, e porque aprendera a conhecer-se, a sua natureza sonhadora assim o impunha, usava de mil e um cuidados. O Sonho aprendeu a não se distrair com aquilo que nada acrescentava aos seus sonhos. Nada fácil, por sinal. Numa montanha despovoada como aquela, todas as intempéries que a atingiam eram sentidas em pleno pelo Sonho. Nem as muralhas do castelo o protegiam dos ataques maquiavélicos, sabotadores da vontade de fazer.

    O Sonho descobrira que apenas contava consigo para honrar a grandeza do seu sonho e salvá-lo das garras da descrença. Enganara-se quando acreditara que outros poderiam juntar-se a ele, porque a união faz a força. Um sonho basta-se a si. É único. E só ele tem legitimidade para fincar pé e ficar. Alimentar-se, crescer, transformar-se, amadurecer, respeitar-se. De outra maneira, o sonho corre o risco de ser adulterado, enganado, maltratado e aniquilado.

    O Sonho carece de atitude para que se mantenha fiel aos seus princípios. Só a ele, unicamente a ele, lhe é devido o poder de fazer e alcançar, com a condição de nunca deixar de sonhar.

    UM SONHO DE AMOR

    A mulher soprou a bola fofa e felpuda do dente de leão e, em segredo, acarinhou o amor sonhado. Depois daquele breve impulso, as pequeninas penugens lançaram-se ao ar, movendo-se como que encantadas pelo silvo do vento. Seguiam-no.

    Um dia, a mulher ouvira dizer que, após soprar um pompom de dente-de-leão, se algumas das penugens voltassem atrás, era certo que o amor havia de ser correspondido. O vento, pressentindo a dúvida no seu coração, respondeu-lhe e duas pequeninas penugens pousaram no ombro da mulher. A sua leveza desviou-lhe o curso dos pensamentos. Olhou por cima do ombro. Não porque se sentisse superior, longe de si intimidá-las. Apenas não resistia à curiosidade de as ver mais de perto. Admirou os seus modos de avezinhas que não temem perder o chão. Tão leves, de uma simplicidade esvoaçante.

    As pequeninas penugens apresentavam formas aerodinâmicas, sinal de que a evolução fora longa e esmerada. Pensando melhor, talvez nelas residisse a fonte inspiradora do Homem quando idealizou os guarda-chuvas. Ou, nas sociedades modernas, quando construiu as sofisticadas antenas de captação de sinais ocultos. Coisas estranhas, complexas. Um dia, o Homem haveria de devolver todo o mérito à mãe natureza. Afinal, era certo e sabido que, muito antes dele, já a natureza tinha pensado, idealizado e realizado tudo o que fora por ele patenteado. Havia que aprender a observá-la, a

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