A canção do fim do mundo
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Sobre este e-book
O túmulo
Contemplem aqui, meus amigos, meus iguais,
Esta terra fria, úmida e enegrecida:
O leito inexorável onde da vida
Repousamos nós, tristes mortais.
Vermes, larvas e outras coisas mais
Nos aguardam logo após a descida.
Toda a carne podre é consumida
E aprisionada nas funduras sepulcrais.
Esta cova representa o fim absoluto.
Deste túmulo infame o chamado escuto
E esse chamado me oprime e desespera.
Este é o pouso das quimeras sepultadas.
Desta terra sintam o cheiro, ó camaradas,
E acostumem-se à lama que vos espera.
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A canção do fim do mundo - Damião Rochedo
Prefácio
É sabido que os escritores considerados malditos
surgem no contexto europeu no século XIX e são deveras importantes para conhecermos a vida artística até meados do século seguinte, num movimento que transforma a literatura e procura rever as noções de centro e de margens. Assim, assumindo-se como marginais, como aqueles que destoam dos cânones estabelecidos, esses escritores entregam-se a infelicidades, a fatalidades e a sofrimentos, numa ação, por vezes, de visível aniquilamento:
incompreendido no seu tempo mas imortalizado pelo futuro, o maldito confunde-se com a própria literatura, (...) refere-se tanto a um sentimento de desprezo por uma sociedade que não compreende o talento superlativo de alguns e não o valoriza devidamente, como a de um determinado discurso e de prática que assenta numa crítica social às normas sociais e literárias, e numa rebelião contra todas as instituições. (Georges, 2013, p. 11)
Damião Rochedo é um dos herdeiros dessa maldição
literária oitocentista, ao resgatar, na sua poesia, o tom e a imagética saturnina, gótica, sentimental e tétrica de um conjunto de escritores que ele mesmo cita nas epígrafes de seus versos. Por exemplo, o poema homônimo de abertura da obra vem precedido de uma epígrafe de Lord Byron, poeta inglês associado ao movimento (ultra)romântico e que vai influenciar uma série de autores na Europa e no Brasil; a título de exemplo, lembro aqui Álvares de Azevedo, que foi um exímio leitor de Byron.
São também referenciados, como epígrafes de seus versos, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos (que o considera como o seu poeta de eleição), Machado de Assis, Laurindo Rabelo, Aureliano Lessa, Manoel Bandeira, Carlos de Oliveira, Charles Bukowski, John Keats, W. C. Fields, Shakespeare, Edgar Allan Poe e Charles Baudelaire, bem como bandas e ícones do rock como o grupo metaleiro Black Sabbath, os Rolling Stones, Cazuza, Legião Urbana e Raul Seixas. Além de uma série de poemas traduzidos de escritores como Aleister Crowley, Mary Shelley, William Ernest Henley, William Blake e Henry Wadsworth Longfellow.
Como se percebe, a maioria das referências presentes em A Canção do Fim de Mundo diz respeito a poetas do século XIX, românticos, decadentistas e simbolistas, muitos deles considerados malditos
pela história da literatura. Por isso, Damião Rochedo acaba por revisitar um topos da estética romântica, o locus horrendus, (em muitos poemas comparecem figuras como íncubos e súcubos, esfinges, vampiros, e demônios da noite em paisagens sombrias, góticas e lúgubres).
Lembremo-nos que a alusão a um mundo apocalíptico está presente desde a religião grega pré-helênica, passando pelo alcorão, a torá e a bíblia, só para citar o contexto ocidental. De fato, A Canção do Fim de Mundo, de Damião Rochedo, é uma obra que vai revisitar essa ideia de visão profética e misteriosa, associada ao fim da humanidade, assunto tão preconizado ao longo do discurso histórico.
Encontramos, nos versos rochedeanos, desde uma leitura mais tradicional dos preceitos católicos, quando, por exemplo, é referida a condenação de indivíduos devido aos delitos cometidos por causa dos sete pecados capitais, a uma total ruptura com esses valores religiosos quando se questiona a própria figura de Cristo. Nesses cenários, que compõem esses conjuntos de versos, é comum encontramos assombrações, mulheres bestiais e máscaras que cobrem o rosto de demônios. Também há cenas violentas que representam não apenas o fim do mundo e o reflexo do que seria o inferno, mas a própria decadência e bestialidade da humanidade, quando encontramos uma Virgem Maria a ser assediada e violada por figuras demoníacas.
Um dos temas recorrentes diz respeito à separação dos amantes, dos seus corpos, devido à morte da mulher amada, como se constata em poemas como A noiva da morte
. Por isso, refere-se a saudade e a amargura da separação – as cenas geralmente remontam a tristezas infernais –, sendo o cemitério o lugar de amantes: seja na vida, seja na morte, ele é o princípio, o fim e o recomeço que avilta e inflama o coração dos apaixonados, bem ao estilo ultrarromântico. Assim sendo, em alguns poemas o tom agonizante é associado à saudade da amada levada pela morte (veja-se, por exemplo, Soneto do desespero
e Não te esqueças e mim
). O corpo da amada é desejado após o falecimento e, na voz do eu lírico, ele parece incorrupto e pronto para ter e dar prazer: Das entranhas da terra te arrancarei/ E teu corpo insepulto ardentemente amarei/ Com impetuosa paixão e luxuriosa doçura.
(Amor póstumo
).
O cenário que apresenta uma paisagem, em muitos poemas, reflete o estado de espírito do eu lírico, a mesma estratégia discursiva utilizada pelos escritores do romantismo, como se pode ver, por exemplo, em O dia chuvoso
: Minha vida é fria e escura e triste;/ Chove, e o vento incansável persiste;/ Meus pensamentos ainda se agarram às ruínas passadas;/ Mas as esperanças da juventude caem tão pesadas,/ E os dias são escuros e tristes.
Nesse cenário, no cemitério e à noite, encontramos juras de amor, consumação do ato carnal com sujeitos caracterizados como neurastênicos, bem ao estilo do Noivado do sepulcro
, do poeta português Soares de Passos.
Outra figura recorrente é a do anjo caído, que é exaltado nos versos de Baudelaire, e que na poética rochedeana é tratado ou como um ser preservo ou como uma figura triste e a exaltar. O diabo está presente na vida cotidiana das pessoas e é a ele, mais do que a Deus, que os humanos prestam reverências, pois são cada vez mais consumidos pelos padrões que as sociedades consumistas cultivam. Tal como exaltou Baudelaire, nessa mesma senda, diz Damião Rochedo, A Chave da Alegria é a Desobediência
(Hino para Lúcifer
). Ou seja, canta-se o caráter subversivo e irrequieto do anjo caído. Desse jeito, o eu lírico também se sente com essa mesma postura diante dos ditames da vida: insatisfeito e repensando as noções de mal e de bem. Por isso, a liberdade plena que quer se experenciar nessa poética, se associa à imagem de Lúcifer porque, como explica Georges Bataille, a profunda liberdade de Deus desaparece do ponto de vista do homem aos olhos de quem só Satã é livre
(s.d., p. 43).
O crepúsculo, a noite fria e a cor vermelha são algumas preferências da poesia simbolista e decadentista presentes nos versos de A Canção do Fim do Mundo. Sobretudo, uma gama dos poemas se reveste do amor fúnebre, associado ao lamento e à perda. É um sujeito lírico que se sente um indigente vagando pela rua
(Versos tristes
), nesse desejo de revisitar o corpo da amada morta. A imagem da mulher desejada se associa quase sempre à mocidade, à beleza e à virgindade, resgatando o tópico da pureza feminina do amor romântico. O elemento aquático também está presente na água, nas lágrimas, no lago, ligado ao ciclo da vida e da morte.
Confirma-se, pois, que Damião parece ser um herdeiro pós-moderno dos poetas malditos
oitocentistas, com uma poesia de tom gótico. A imagem da morte, muitas vezes, está associada à bela encantada, à princesa e ao ideal feminino que querem esses eus líricos. Essa mulher idealizada, bem ao gosto oitocentista, é a única capaz de apaziguar as chagas que inquietam o espírito de um homem devotamente enamorado. Assim, o tom baudelairiano se faz presente quando refere a putrefação do corpo, o que nos faz lembrar o poema Carniça
, do poeta francês: "Vermes, larvas e outras coisas mais/ Nos aguardam logo após a descida./ Toda a carne