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O Backlash e a Legitimação Democrática do Judiciário: análise exemplificada pela Prisão em Segunda Instância
O Backlash e a Legitimação Democrática do Judiciário: análise exemplificada pela Prisão em Segunda Instância
O Backlash e a Legitimação Democrática do Judiciário: análise exemplificada pela Prisão em Segunda Instância
E-book245 páginas2 horas

O Backlash e a Legitimação Democrática do Judiciário: análise exemplificada pela Prisão em Segunda Instância

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Sobre este e-book

Quando o Judiciário decide questões palpitantes e moralmente não-pacificadas, a população pode ter sentimento de contrariedade e consequente reação, a que se denomina Backlash.
Para ilustração do tema, escolheu-se a prisão em segunda instância. Mais importante do que a conclusão a que o leitor possa chegar quanto ao acerto ou desacerto da prisão antes da decisão definitiva, importa, para a presente pesquisa, definir o Backlash e seus limites, a maneira como se desenvolve, os fatores externos que eventualmente auxiliem a formar o sentimento da população e como a reação será recebida pela autoridade, conforme o Judiciário se enquadre num dos cenários de Sunstein.
Esta obra é resultado da adaptação da pesquisa realizada pela autora no Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de mai. de 2022
ISBN9786525242651
O Backlash e a Legitimação Democrática do Judiciário: análise exemplificada pela Prisão em Segunda Instância

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    O Backlash e a Legitimação Democrática do Judiciário - Flavia Tedesco

    CAPÍTULO 1 O BACKLASH

    1.1 CONCEITO

    O Backlash é uma palavra inglesa cuja tradução é reação. No meio jurídico tem sido utilizada para se referir à reação provocada por decisão emanada de autoridade, contudo, há divergência sobre seu significado exato.

    Inicialmente, entendeu-se que o Backlash era um fenômeno conservador, pois seria a resposta ao avanço da norma jurídica que ameaçaria a situação original: "o Backlash passou a designar forças contrárias desencadeadas pela ameaça de mudanças no status quo".² Dentro da leitura do fenômeno como resposta a decisões progressistas, interpretou-se como movimento de pessoas intolerantes. Sendo a tolerância necessária para o convívio social, o Backlash, nesse viés, seria um movimento de retrocesso. BOBBIO, contudo, divide a tolerância entre positiva e negativa:

    Tolerância em sentido positivo se opõe a intolerância (religiosa, política, racial), ou seja, à indevida exclusão do diferente. A tolerância em sentido negativo se opõe à firmeza nos princípios, ou seja, à justa ou devida exclusão de tudo o que possa causar dano ao indivíduo ou à sociedade. Se as sociedades despóticas de todos os tempos e de nosso tempo sofrem de falta de tolerância em sentido positivo, as nossas sociedades democráticas e permissivas sofrem de excesso de tolerância em sentido negativo, de tolerância no sentido de deixar as coisas como estão, de não interferir, de não se escandalizar nem se indignar com mais nada. (Nestes dias, recebi um questionário onde se pede apoio à exigência do direito à pornografia).³

    Ao reconhecer que solicitações espúrias (como o exemplo citado do direito à pornografia) podem chegar ao Poder Público e eventualmente obter alguma proteção, BOBBIO admite que as sociedades democráticas tendem à permissividade. A solução não é singela; mesmo a tolerância negativa, que se opõe à firmeza de princípios, traveste-se de aquiescência ao tratamento igualitário e respeito à liberdade e dignidade da pessoa.

    Em outras palavras, a discussão sobre positividade ou negatividade da tolerância consiste na valoração pessoal aos fatos, conforme o ponto de vista da pessoa não-tolerante. Quer dizer, a pessoa não-tolerante pode sê-lo por não aceitar uma religião diversa da sua ou por não aceitar a prática da pedofilia, por exemplo.

    Ainda no que tange à tolerância, Bobbio a entende como um método de persuasão:

    Por trás da tolerância entendida desta forma não existe mais apenas a tolerância passiva e resignada do erro, mas já existe uma atitude ativa de confiança na razão ou razoabilidade do outro, uma concepção de homem não só capaz de perseguir seus próprios interesses, mas também a considerar seus próprios interesses à luz do interesse de todos, e a rejeição consciente da violência como o único meio de obter o triunfo de suas ideias.

    A tolerância torna-se uma recusa à violência como único meio para obter o triunfo das ideias. Curiosamente, permite o uso de meios pacíficos para a imposição de seus valores para o outro. Bobbio ainda defende que o método de persuasão é ligado à forma de governo democrático, assim como o [...] reconhecimento do direito de todo homem a crer de acordo com sua consciência é estreitamente ligado à afirmação dos direitos de liberdade [...].⁵ Portanto, descabe rotular o fenômeno do Backlash como sendo típico de pessoas tolerantes ou intolerantes, inicialmente pela complexidade do termo tolerância. E sendo uma reação pessoal ou institucional contra qualquer tipo de decisão, pode ser progressista ou conservador, conforme o conjunto de valores de quem reage:

    De fato, o Backlash não se limita a reações conservadoras, porque, ao contrário da definição fornecida linhas acima por Post e Siegel, nem sempre surgirá contra uma decisão que ameaça o status quo.

    Sunstein define o Backlash como desaprovação pública intensa e sustentada de uma decisão judicial, acompanhada de medidas agressivas para resistir a essa decisão e remover sua força legal.⁷ Defende Fonteles que no Backlash o objeto investigação é a interação não amigável entre sociedades e Tribunais ou entre sociedades e parlamentos, não uma relação interinstitucional (entre Poderes).⁸ Ou seja, o Backlash é uma resposta dos civis, sozinhos ou agrupados, em desfavor de decisão, ordem ou orientação emanada por autoridade.

    Em síntese,

    O backlash ocorre quando determinado setor da sociedade tenta conformar o Direito à sua visão de mundo ao usar diversos mecanismos, como pressão social e controle das forças políticas, para colmatar as leis e o Direito de acordo com a sua vontade. Ainda, o fenômeno pode ocorrer quando esse setor, mediante sua interpretação do ordenamento jurídico, tenta definir o conteúdo das normas que se aplicam ao restante da sociedade e, por conseguinte, reforça seus ideais no meio social.

    O alvo clássico do Backlash são as Cortes Supremas, visto que decidem questões morais não pacificadas.

    Considerando que a Suprema Corte vem decidindo questões sensíveis ao imaginário da sociedade brasileira, como a interrupção da gestação de fetos anencéfalos, pesquisas com células-tronco, responsabilidade criminal de agentes públicos, entre outras, não é surpreendente que a população tenha cada vez mais se engajado nas discussões desses temas e reagido (positiva ou negativamente) a essas decisões.¹⁰

    A legitimação do Judiciário para decidir questões polêmicas para a sociedade é tema a ser discutido no segundo capítulo. Por ora, destaca-se que o principal alvo de Backlash costuma ser a Corte Suprema, que precisamente examina questões constitucionais, que são topo da pirâmide normativa de Kelsen ou o centro do sistema jurídico orbital de Zanon Junior.

    A existência do Backlash abala a presunção de correção das decisões das Cortes Constitucionais:

    Percebe-se que o Backlash desconstrói a presunção usualmente aceita de que as decisões judiciais adotadas em matéria constitucional devem ser objeto de deferência sem protesto e, portanto, desafia a própria titularidade, por parte das instâncias judiciais, da última palavra quanto ao significado da Constituição.¹¹

    Não apenas a Corte Suprema tem recebido os efeitos do Backlash como também os juízes de primeiro grau.

    [...] pode perfeitamente ocorrer contra decisões proferidas por juízos singulares. Em tese, nada impede que a decisão de um único juiz desencadeie o backlash, por exemplo, quando, em uma ação coletiva. um magistrado bloqueia nacionalmente o uso de um aplicativo de conversação ou quando se manifesta de maneira leniente em um processo midiático que verse sobre crimes sexuais.¹²

    É por razão de baixa repercussão (leia-se publicidade) que os juízes singulares tendem a perceber menos efeitos do Backlash:

    Com exceção de casos específicos com grande cobertura midiática, juízes de primeiro grau e até tribunais locais podem atuar em casos polêmicos sem tantas críticas e atenção da população. O que não seria possível, certamente, em relação aos ministros do STF, sobretudo considerando-se o caráter vinculante de suas decisões.¹³

    Outros poderes, além do Judiciário, podem receber resposta de descontentamento social com suas decisões: "[...] é possível colher na doutrina alusões a um Backlash contra medidas do Legislativo e do Executivo, ainda que não desempenhem atipicamente a função jurisdicional".¹⁴ e ¹⁵

    O Backlash internacional é possível: "com efeito, no plano nacional, o backlash é oriundo do descontentamento de cidadãos. Sucede que, modernamente, já é possível falar em um backlash internacional".¹⁶ Nesse caso, de acordo com o entendimento de Fonteles, as cortes domésticas se rebelam contra a ordem das cortes internacionais, o que configura o Backlash de autoria de uma instituição.

    Conceitua-se, portanto, o movimento do Backlash como uma reação popular ou institucional pacífica ou violenta, lícita ou ilícita, de natureza progressista ou conservadora, que manifesta descontentamento em desfavor de ordem ou decisão que atinja grupo(s) de indivíduos, proferida por integrante do Executivo, Legislativo ou Judiciário, particular que represente poder público ou, ainda, de Corte Internacional.

    O presente trabalho se limitará à análise do Backlash como reação que se valha de meios lícitos, cujo alvo seja decisão proferida por integrante ou órgão do Poder Judiciário.

    1.2 CAUSAS DE ESTOPIM

    Na obra Dicionário de Política, BOBBIO tece ponderações acerca de múltiplas categorias. Selecionou-se, por ora, o Dissenso, por guardar relação próxima com a categoria do Backlash.

    Diversas são as formas como se pode desenvolver o Dissenso. [Dissenso] pode ser violento, mas também não violento. Individual ou coletivo, a ser apoiado por indivíduos ou por grupos.¹⁷ De acordo com os ensinamentos de BOBBIO, o Dissenso existe antes mesmo de manifestar-se; o movimento de desacordo não é o Dissenso propriamente dito, é uma exteriorização que ocorre num segundo momento:

    Mas o que é importante salientar aqui é que o d. logicamente existe antes do encontro-desacordo com a norma, e que pode ser transformado em um segundo momento em apatia, desobediência civil, oposição ou protesto. Pode ser organizado de forma estável ou institucional ou não de qualquer apoio organizacional, mesmo que seja de natureza coletiva.¹⁸

    O autor se refere ao Dissenso como choque com a norma (texto jurídico), não necessariamente uma norma jurídica (que envolve as decisões judiciais). O Backlash se mostra como a exteriorização do Dissenso: existem entendimentos diversos, porém, ao se expedir norma ou ordem que firme uma posição, a contrariedade preexistente emerge.

    Sabendo-se como o Dissenso pode ser (violento ou não violento, individual ou coletivo) e a forma como pode se apresentar (apatia, desobediência civil, oposição ou protesto), o uso da ferramenta da publicidade pode aumentar sua eficácia:

    [...] tem na publicidade sua principal arma: a eficácia do d. está positivamente correlacionada com a força com que os dissidentes conseguem alcançar a opinião pública e, indiretamente, a autoridade política. Certas manifestações até espetaculares de d. ou, mais particularmente, de protesto têm até o objetivo de ser notícia e, assim, alcançar melhor o próprio objetivo: mobilizar a opinião pública e, consequentemente, a autoridade política sobre os temas e nos caminhos desejados.¹⁹

    Os meios de comunicação atuais permitem a manifestação de Dissenso de modo muito célere e pouco custoso, em tempo real. A internet, por meio dos aplicativos que permitem transmissão ao vivo de vídeos, democratizou a manifestação popular. Se antes apenas pessoas abastadas poderiam adquirir horário no meio televisivo ou espaço em páginas de jornal e revista, hoje qualquer cidadão desconhecido pode manifestar o seu pensamento e ser ouvido por pessoas distantes. Nesse aspecto, o Dissenso é muito mais eficaz hoje a ponto de fazer, por exemplo, com que um líder do Executivo que tenha decidido pela emissão de um decreto com certo teor num dia, altere radicalmente o conteúdo desse decreto no dia seguinte.

    Segundo Bobbio, o Dissenso pode ter diversas motivações:

    O d. pode ser justificado por argumentos ideológicos. As teses dissidentes são apresentadas como as mais justas ou mais racionais porque refletem melhor os valores dos dissidentes, quer esses valores sirvam de base para a legitimidade do sistema político ou não. Na realidade política, porém, esse tipo de d., definível como ideológico, muitas vezes é acompanhado por um d. que tem raízes econômicas ou sociais. Neste último caso, a ideologia é apenas uma justificativa de superfície. E o tema da contenda reside em interesses específicos, muitas vezes econômicos, mantidos por grupos dissidentes. Para o d. ideológico é sobreposto um d. mais concreto de interesses.²⁰

    Em síntese, conforme entendimento do autor, ainda que o Dissenso aparente viés ideológico, a verdadeira divergência se assenta, frequentemente, sobre interesses econômicos dos diversos grupos.

    São trazidos à baila dois temas polêmicos que já foram alvo de Dissenso e consequente Backlash – a união homoafetiva e o aborto. Independentemente das razões que cada indivíduo possa apresentar para defender ou condenar uma ou outra causa, nenhuma se lastreia somente em critérios econômicos. A união homoafetiva, por exemplo: dentre a variedade de argumentos favoráveis e contrários que possam se apresentar, frequentemente a opinião se baseia no critério religioso. Alguns segmentos da sociedade brasileira traçam a analogia de que Deus criou as macieiras para darem maçãs e assim o homem e a mulher para se portarem de forma heteroafetiva. O argumento religioso também pode ser utilizado em favor da união homoafetiva ao se invocar a máxima de que as pessoas devem amar ao próximo como a si mesmas, então alguém heteroafetivo que veja no casamento a possibilidade de se alcançar a felicidade também desejaria que pessoa homoafetiva tivesse essa oportunidade de ser feliz. O discurso é religioso e não econômico. Sobre o aborto, registra-se que é defendido por algumas pessoas sob o argumento de que as mulheres que podem pagar cometem o crime em parceria com um médico (portanto, de forma segura), enquanto as desprovidas de dinheiro para contratar um profissional cometem o crime de forma perigosa, pondo em risco suas próprias vidas, o que leva à desigualdade entre as mulheres. A busca da legalização da prática é uma tentativa de se equiparar as ricas e as pobres. Ainda assim, entende-se que o critério é moral e não econômico: não são as mulheres de classe baixa que defendem o crime ou apenas as de classe alta: são as pessoas – homens ou mulheres – que consideram que a atitude não é moralmente repreensível, isto é, que seria um direito da mulher optar por não dar à luz o bebê.

    O objetivo aqui não é esgotar os argumentos favoráveis ou contrários aos temas mencionados, mas sim apenas demonstrar que o Dissenso – e a consequente reação contrária aos atos emanados por autoridade – não se restringe à esfera econômica, podendo ter origem na moralidade ou em interpretação religiosa, entre outros.

    Novamente mirando o movimento de reação como uma resposta a decisões judiciais, Fonteles afirma que "é como um gatilho invisível, que é acionado quando desacordos morais são precipitados na arena judicial, deflagrando-se o fenômeno conhecido como backlash".²¹ E como se pode entender a moral?

    Com esse intuito [de conceituar], entende-se como Moral a escala de valores de cada pessoa, voltada ao direcionamento daquilo que é certo ou errado (justo ou injusto), de acordo com seu conhecimento adquirido, de modo a orientar as suas deliberações. Tal abordagem da moralidade é amplamente subjetiva e, assim, variável no espaço e no tempo, porquanto diz respeito às opiniões de determinada pessoa acerca do que é correto ou incorreto de se fazer, de acordo com a carga axiológica que adquiriu até o momento.²²

    A moral é, portanto, subjetiva. Relaciona-se com a ética à medida em que a segunda combina o senso de moral de inúmeros indivíduos, tornando a moral algo coletivo:

    Notadamente, a Moral é uma apreciação puramente subjetiva e de difícil aferição, de modo a se tornar historicamente necessária a convergência dos critérios morais em uma Ética intersubjetiva, que é mais ampla e perceptível, porquanto compartilhada em grupos específicos.²³

    Visto que desacordos de ordem moral são os causadores da resposta, entende-se que "[...] o conceito de Backlash não se associa com erro ou acerto da decisão objeto da reação. Não há, por assim dizer, um liame inexorável entre a reação social e a correção da decisão".²⁴ Assim, a interpretação emanada por autoridade sobre questões de ordem moral, que atinjam direta ou indiretamente um maior número de pessoas, tem mais chances de receber efeitos do Backlash:

    É fácil imaginar casos em que uma decisão judicial controversa provavelmente produzirá reação pública. Talvez a decisão envolva direitos de propriedade, poder presidencial em conexão com a

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