Entre as maos e o sonho
De Adao Cruz
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Sobre este e-book
Nunca nenhuma ideia traduziu de forma tão simples a essência da poesia como esta do Principezinho.
Entre as mãos e o sonho, na sua complexa beleza, tem esta simplicidade que só a boa poesia nos oferece, ao levar nos pelo sonho, esse vento que não se sente nem se ouve, que fura negrumes, neblinas e nevoeiros, alcançando a mais alta claridade libertadora das grilhetas que nos prendem as mãos.
A poesia de Adão Cruz voa por onde vivem as quimeras, os sonhos feitos e desfeitos, por cima das serras e dos rios e, lá do alto, vê o menino que brinca com a Lua, os pássaros e a brisa da noite ao mesmo tempo que não perde de vista o caminho do homem que sonha com um mundo diferente para cá das nuvens.
Adão Cruz faz parte do reino dos verdadeiros poetas e os seus poemas estavam em falta nas mãos de quem verdadeiramente ama a poesia.
Augusta Clara de Matos
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Entre as maos e o sonho - Adao Cruz
O QUE PENSO
É muito difícil saber o que é a poesia. Duvido de quem diga que sabe o que é a poesia. Desde a depuração absoluta da palavra à respiração de Deus, tenho ouvido todas as definições. Isso não impede, contudo, o direito que temos à manifestação do nosso pensamento.
Penso que a poesia é um sentimento como outro qualquer. Por isso, eu prefiro chamar-lhe sentimento poético. Um sentimento como o sentimento do amor, o sentimento da alegria, o sentimento da tristeza, o sentimento do medo.
Parece-me, contudo, um sentimento muito subtil, uma espécie de brisa mágica, uma essencialidade rítmica e harmoniosa da vida, uma espécie de musicalidade, quase uma ascese ética e estética que nos transporta à mais nobre e sublime expressão da realidade, através das mais impressivas, expressivas e sugestivas formas da nossa linguagem.
O sentimento poético tem uma certa parecença com o sentimento místico. É quase indefinível, é um estado de hipersensibilidade, um ser-se de outra maneira, um sair do não-autêntico, um quase sentir a verdade total e o amor universal. Ele combina a palavra justa com toda a energia sinestésica e sensível que faz o poema acordar.
A poesia não é a cópia da realidade, mas a simbolização, a evocação e a invocação da beleza e da nobreza da vida. O fenómeno poético é entendido como harmonia verbal em que todos os materiais fonéticos e simbólicos se fundem num resultado de suprema fruição estética. Por isso, o mundo dos sentimentos é extremamente complexo. Os sentimentos nascem, vivenciam-se, estruturam-se, apuram-se e afinam-se. Para o bem e para o mal. Só desse mundo caldeado pelo tempo na alma humana, nasce a poesia, como luz nas trevas, como broto de água ou vulcão, como sangue nas veias túrgidas ou fresca chuva nas entrelinhas da secura. Outro berço não tem. Por isso, penso que criar poesia pode não ser encastelar versos uns em cima outros em baixo, fazer rebuscadas rimas, escrever labirínticas coisas que ninguém entende, inventar modas que podem não passar de execuções sumárias da poesia.
O próprio poema, a matriz literária habitual da poesia, pode ser estéril e seco, ou mesmo a negação da poesia. A poesia percorre transversalmente qualquer forma de expressão artística, podendo ter uma presença mais viva num texto em prosa do que num poema, ou ser muito mais sentida num quadro ou numa peça de música do que em qualquer forma de expressão literária. E qualquer obra de arte, qualquer forma de expressão artística, só o é se contiver, dentro de si, a poesia.
Penso ainda, e parece haver estudos que o comprovam, que o sentimento poético e o sentimento artístico enriquecem e enobrecem todos os nossos processos de humanização, criam grandes afinidades com a consciência, aproximam-nos de todos os mecanismos de identificação da verdade, afinam todas as outras emoções e sentimentos, ajudam-nos no caminho do equilíbrio e da harmonia. Assim sendo, o sentimento poético pertence à esfera dos afetos.
Todos nós possuímos, no nosso cérebro, o mesmo esquema neural do sentimento, já que é esse o esquema da nossa espécie. Mas o padrão neural do sentimento, o
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padrão sentimental de cada um é completamente diferente em cada um de nós e em cada momento da vida.
O MEU POEMA AZUL
Não sei fazer uma rosa nem me interessa não sei descer à cidade cantando nem é grande a pena minha.
Não sei comer do prato dos outros nem quero não sei parar o fluir dos dias e das noites e nem isso me apoquenta.
Não sei recriar o brilho do poema azul... e isso dá-me vontade de morrer.
Procuro para além das sílabas e dos versos a voz poderosa mais vizinha do silêncio
meu poema azul…
suspiro de outono onde a brisa se aninha no breve silêncio do perfume do alecrim lugar das palavras e dos versos no caminho do teu rosto junto ao rio dos teus olhos onde a vida se faz poema e o mar se deita nos lençóis de luz do fim do dia. Procuro, para lá das sílabas e dos versos encontrar meu barco à entrada do mar onde repousa teu corpo entre algas e maresia meu amor perdido num campo de violetas. O meu poema é tudo isto que me vive e que me ilude que me prende ao lugar azul que procuro dia e noite por entre os versos do meu ser.
O poema mais lindo da minha vida ainda não nasceu não tem asas nem olhos nem sentimento que o traga um dia o vento se vento houver que a saudade o encontre onde ele estiver. Dizem que no cimo dos pinheiros ainda é primavera mas tão alto não chego
mais à mão molho a minha camisa primaveril no regato cristalino que vai correndo por entre os dedos
num solo de cores e violino.
Não sei colher uma rosa nem sei descer à cidade cantando
sou apenas aquele que ontem dormia sobre um poema azul e das asas da ilusão se desprendia.
Sou aquele que ontem se despia nos braços do poema que vivia
sou aquele que ontem habitava em silêncio o poema azul que acontecia sou aquele que ontem sonhou em vão… com o poema azul de mais um dia.
ENTRE AS MÃOS