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As Aventuras De Armando Silva
As Aventuras De Armando Silva
As Aventuras De Armando Silva
E-book276 páginas3 horas

As Aventuras De Armando Silva

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Sobre este e-book

Este é um romance diferente, que narra as aventuras e desventuras do anti-herói Armando Silva, um garoto pobre, mas sortudo, que cresce e vê sua vida se transformar de vez quando herda uma vinícola no Vale do São Francisco, em Pernambuco. Romance, mistério e muitas risadas prenderão o leitor do início ao fim!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de out. de 2020
As Aventuras De Armando Silva

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    As Aventuras De Armando Silva - Sol Antônia

    As aventuras de

    Armando Silva

    Um Macunaíma do

    século 21

    Sol Antônia

    As aventuras de

    Armando Silva

    Um Macunaíma do

    século 21

    Sol Antônia

    [ 2 ]

    Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com personagens da vida real é mera coincidência.

    [ 3 ]

    Sumário

    Por que Macunaíma? ......................................................... 8

    Quando surgiu Armando Macunaíma ......................... 10

    Uma infância diferente ................................................... 13

    A queda................................................................................ 27

    Armandinho vai à escola ................................................ 30

    A namorada persistente ................................................. 35

    Algumas travessuras da infância ................................. 41

    A fome, o medo e a falta de coragem......................... 45

    A adolescência, a preguiça e a malandragem ......... 51

    Meu esôfago saiu do lugar! ....................................... 65

    Vida de empresário .......................................................... 69

    Um mal de família ............................................................ 79

    A Batalha dos Aflitos ....................................................... 88

    Um reencontro marcante ............................................... 92

    [ 4 ]

    A festa de formatura ...................................................... 111

    Novamente o encontro com Monga ........................... 121

    A decisão de aprender .................................................. 124

    A aposta ............................................................................ 126

    Promessa é dívida .......................................................... 132

    Vingança é um prato que se come frio ..................... 141

    A revolta ............................................................................ 153

    Professor Armando .................................................... 156

    Uma nova oportunidade ............................................... 162

    Um segredo revelado .................................................... 174

    Os preparativos ............................................................... 184

    Como esquecer um grande amor? ............................ 190

    O casamento .................................................................... 192

    Saindo de um sonho ...................................................... 195

    A professora vidente e o cuidado tardio ................. 204

    O herdeiro ......................................................................... 222

    Um reino ao relento ....................................................... 260

    O presságio ...................................................................... 269

    O enviado .......................................................................... 278

    Um novo começo ............................................................ 294

    Epílogo ............................................................................... 344

    A meus filhos, Mariana, Guilherme e Gabriel, com todo o meu amor.

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia Por que Macunaíma?

    Existe um Macunaíma em cada canto do Brasil. Essa frase foi dita por uma professora quando eu fazia o curso de psicologia. Na época eu não concordei, chegando até a argumentar com ela: "Isso é um absurdo, professora.

    Como o comportamento de alguns brasileiros pode ser determinante para uma afirmação tão categórica? Que bases científicas você tem para dizer isso?" A discussão se estendeu e a professora, por fim, fez um trato comigo:

    Observe bem o nosso país como um todo; analise por alguns anos e depois volte a conversar comigo. Tenho certeza de que vai me dar razão.

    Eu aceitei o desafio e passei a observar todos os homens que cruzavam o meu caminho. E, para minha surpresa, não precisei de muitos anos para comprovar que a professora estava correta. Ao dizer tão certa verdade, ela se referia aos montes de brasileiros que, não sei se embalados pelas ondas do litoral ou acariciados pelo sol bastante cálido do nosso país, vivem ao modo de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade. São homens sem muito ânimo para o trabalho, mas que adoram uma boa-vida. Se têm uma mulher, estão no paraíso, com tudo o que desejam: carinho, cuidado e sossego. É claro que às vezes se irritavam, sobretudo quando se exige deles uma atitude. Alguns até chegam a ensaiar uma coragem quando são provocados,

    [ 8 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia porém, depois de um tempo ou sempre que necessário, voltam ao comportamento de antes.

    Mas eu não vou falar de todos os Macunaímas, vou me ater a apenas um, chamado Armando Silva, mais conhecido como Armandinho. Típico Macunaíma, Armando gosta de tirar vantagem de tudo, é muito mentiroso, enganador e indisposto para o trabalho. Não pense, porém, que ele é odioso; não, ele é encantador, é alguém que, com lábia certeira como a flecha de Cupido, seduz as pessoas, com ar de garoto indefeso e ao mesmo tempo com o sorriso faceiro dos grandes cafajestes do cinema.

    Você acha que esse tipo de homem se modifica? Eu não.

    [ 9 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia Quando surgiu Armando Macunaíma

    O nosso herói foi o sexto filho de uma família de oito. A mãe, dona Neta, tinha uma vizinha e amiga muito agradável e culta chamada Nena. Durante a gravidez, elas costumavam trocar ideias sobre o nome dos filhos, uma sempre dando palpite no nome do filho da outra. Foi ideia de Nena o nome do primeiro filho de Neta, assim como foi ideia de Neta o nome do segundo filho de Nena. Eram unha e carne desde a adolescência de Neta, apesar de Nena ser um pouco mais velha.

    Como Neta ainda estava em dúvida quanto ao nome do filho, Nena ficava dando palpite.

    – Se for menina vai se chamar Maria Eduarda; se for menino vai se chamar Macunaíma.

    – Macu o quê? – disse Neta com os olhos arregalados.

    – Ma-cu-na-í-ma, o herói do livro que eu estou lendo. Ele é engraçado, bonzinho, fica na floresta brincando com as índias...

    – Que nome feio! Você ficou doida? Macunaíma... Parece nome de macumba. Virgem-santa! O nome do meu filho pode ser Armando, Roberto Carlos, João Antônio, nome de gente, e não esse nome feio, que nem nome é.

    Macunaíma vem de quê?

    [ 10 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia

    – Eu não sei o que significa, mas deve ser coisa boa. O

    Macunaíma do livro nasceu numa tribo da Amazônia. Ele não era uma criança igual às outras. Era um menino muito inteligente, um pouco mentiroso e preguiçoso, é verdade, mas muito inteligente.

    – E você quer que eu bote no meu filho o nome de um preguiçoso e mentiroso? Cruz-credo, Nena! Sinto muito, mas não vou seguir o seu conselho.

    – Pois se eu pudesse ter mais um filho eu botaria o nome dele de Macunaíma, José Macunaíma. Seria um nome diferente.

    – Então guarde esse nome para o seu futuro neto, pois o meu filho vai se chamar Armando. Pronto, decidi, esse vai ser o nome dele. Armando Filho, em homenagem ao pai.

    E vai puxar ao meu marido, um homem honesto e trabalhador.

    – E por que não Armando Macunaíma? – disse Nena sorrindo, com ar de deboche, querendo provocar ainda mais.

    Neta não deu mais atenção à amiga e voltou a estender as roupas no varal. Era ali no quintal que as duas sempre conversavam. As casas de taipa ficavam lado a lado e se separavam por cercas de madeira e arame farpado. Não havia muito espaço, as residências eram pequenas e os quintais também. Elas levavam uma vida modesta, porém Nena tinha condições melhores. O marido era militar e o

    [ 11 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia casal tinha apenas dois filhos. A cultura na sua casa outra.

    No quartel havia uma biblioteca e o marido sempre trazia livros interessantes para ela ler. Foi em um deles que Nena descobriu, logo no início do casamento, diversos métodos contraceptivos naturais. Conversou com o marido e eles decidiram seguir as indicações. Nena até que tentava ensiná-los à amiga, mas era em vão. Neta era muito ingênua, semianalfabeta e dependia do marido para tudo. Seria difícil conversar com ele sobre o assunto.

    Ainda mais porque o lema de irmão Armando, o marido de Neta, era crescer e multiplicar, pois onde come um comem oito, nove, dez. A consequência disso era a casa cheia de filhos e o armário vazio, pois irmão Armando não tinha dinheiro suficiente para alimentar aquele pequeno exército.

    Foi nesse ambiente que Armandinho veio ao mundo. Era uma noite chuvosa de 1º de abril. Do céu caíam raios enormes e se ouviam trovões ensurdecedores. O

    pobrezinho do bebê, que nasceu em casa, chorava e tremia como vara verde, ninguém sabia se de medo ou de frio. Vendo o desespero do pequeno, a carinhosa mãe o acalmou e o fez dormir. Essa noite sombria influenciaria nosso herói para sempre. Ele ficaria com horror a trovão, a ponto de, mesmo adulto, correr para debaixo da cama ao menor sinal de trovoada e ali ficar a perder de vista.

    [ 12 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia Uma infância diferente

    Filho de uma descendente de africanos com um descendente de portugueses, Armandinho tinha pele escura, cabelos negros lisos e olhos castanho-escuros bem desenhados. Assim como os irmãos, passou por algumas dificuldades na infância. Não tinha brinquedos e às vezes faltava alimento. Quando estava com uns 6 anos, sua diversão era brincar no quintal com os irmãos mais velhos. Eram brincadeiras muito saudáveis, como caçar tanajuras com os pés descalços e depois comer as formigas torradas com farinha de mandioca; pegar folha de taioba no meio de um monte de urtigas e levar para as irmãs cozinharem; comer semente de melão-de-são-caetano e uma frutinha vermelha que eles chamavam de cereja; pular um canal de barro que havia por trás da casa, chamado Buraco do Dentão; subir nos coqueiros para tirar coco e imitar super-herói; colher banana verde pela mata para as irmãs cozinharem e servirem no almoço; limpar as tripas de galinha que eles ganhavam da vizinha para fazer cozinhado. Eram incontáveis as

    tarefas realizadas pelo nosso herói, que sempre ia acompanhado dos irmãos menores. Assim eles transformavam aquela vida severina, como dizia o poeta João Cabral de Melo Neto, em algo divertido.

    Malgrado essa situação, as crianças eram muito felizes, pois tinham o carinho dos pais e de alguns vizinhos, como Nena. Esta, então, era doida por Armandinho, estando

    [ 13 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia sempre pronta para fazer-lhe um agrado, seja com alimentos, seja com roupas que não cabiam mais nos filhos. Era uma segunda mãe. Dona de olhos carinhosos e de um coração enorme, ela acompanhava o crescimento dos filhos de Neta, mas o seu favorito era Armandinho.

    De vez em quando, Nena brincava com Armandinho cantarolando assim:

    – Ô Armando, ô Armando, quem me dera que chovesse pra eu dormir na tua cama e molhar o teu lençol...

    O garoto não cabia em si e retribuía com muita atenção e carinho. Ninguém podia jogar pedra no telhado da casa de dona Nena. Ele não deixava. No telhado de seu Nilton e de dona Maria do Louro sim, pois aquele casal era muito antipático e o velho era tarado, gostava de destelhar o banheiro para ver as irmãs de Armandinho tomando banho. Além disso, dona Maria do Louro era chamada de bruxa, macumbeira, catimbozeira e velha Cuca. Os garotos até achavam que havia um corpo enterrado no quintal deles, porque ninguém podia entrar lá. Eram muito desconfiados aqueles dois. Para completar, o louro de dona Maria era muito sabido e gostava de cantar assim:

    – Mariiaaaa! Mariiaaaa!

    Aquele louro verde era uma animação. Passava horas num galho observando tudo ao redor e repetindo as palavras que os donos lhe ensinavam. Era uma companhia para o casal de velhos.

    [ 14 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia Na casa de dona Maria do Louro havia um enorme pé de azeitona-da-terra, que quando estava cheio da fruta deixava feliz a garotada. Era deliciosa, com seu doce sabor amargo e ácido às vezes. Mas era arriscado pegar azeitona, pois o louro de dona Maria não dava trégua.

    Sempre que via alguém se aproximar da casa, chamava:

    – Mari i aaaa! Mari i aaaa!

    Mesmo sabendo disso, Armandinho e os irmãos arriscavam e quase nunca eram vistos. Até que um dia, enquanto o louro estava de olhos fechados, nosso herói foi sozinho pegar azeitona. Quando saía de mansinho com a sacola cheia e a língua roxa de tanto comer a fruta, assustou-se com o berro do louro:

    – Mari i aaaa! Mari i aaaa! Pega ladrão! Pega ladrão!

    Ouvindo aquilo, dona Maria do Louro saiu de casa com um balde cheio de água e jogou no menino.

    – Sai daqui, seu moleque ladrão! Vou chamar a polícia.

    Aqui só escapa quem avoa! Nilton, vem cá!

    Por sorte Armandinho viu logo a velha e agiu rápido. O

    medo foi tanto que ele correu e rasgou a perna na cerca de arame farpado.

    Aqui só escapa quem avoa – Armandinho repetia baixinho as palavras de dona Maria enquanto caminhava mancando para casa. – Então quer dizer que ela acha que

    [ 15 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia aquele louro feio só escapa porque avoa? Rá-rá-rá! Pois se eu pudesse eu pegava aquele louro safado e fazia com ele uma sopa bem gostosa. Melhor que sopa de tripa de galinha. Hum, quem sabe um dia eu não faça isso...

    E continuou matutando enquanto lavava a perna na água fria.

    – Não, isso é errado. Eu não posso matar o bichinho do louro. É ruim matar. E se o pobrezinho morrer, quem vai divertir a velha Cuca? E se a velha morrer, quem vai me dar tripa de galinha para a gente fazer cozinhado? –

    concluiu ele, apertando os olhos ao sentir o contato da água com o corte.

    Como você pode ver, a infância do nosso herói era cheia de aventuras. É certo que às vezes aconteciam também desventuras, mas isso é normal na vida de todo garoto levado. Uma delas ocorreu em um belo dia de domingo quando Armandinho tinha 7 anos. Depois de brincar bastante, nosso pequeno herói voltou para casa consciente de que ia encontrar o almoço pronto, mas o que achou foi um vazio. Procurando aqui e acolá, viu sobre a mesa um pedaço de toucinho assado. Olhou para os lados e não havia ninguém. Então, parecendo um cachorro faminto e babão, ele pegou, cheirou, provou e gostou. O problema é que o bicho era duro de comer. E

    nosso herói mastigava, mastigava, e nada. Tentou engolir assim mesmo, mas ficou engasgado. Desesperado, saiu correndo pelo quintal tentando em vão dizer ao menos uma palavra. Sem encontrar ninguém, correu até a casa

    [ 16 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia da vizinha Nena e lá ficou batendo no peito e gemendo.

    Dona Nena, vendo aquilo, levantou a mão direita do menino e deu tapas nas costas dele, perguntando:

    – Desceu, Armandinho? Desceu?

    E Armandinho puxava o ar tentando respirar.

    – Desceu, menino? Desceu?

    Mais desespero. Armandinho estava ficando roxo. E haja tapa e massagem nas costas.

    – Desceu? Fala, menino! Desceu?

    E, depois de um longo suspiro, o pequeno disse, quase sem forças:

    – Deeeesceeeeu.

    Nessa hora, Neta apareceu espantada querendo saber o que houve. Depois de ouvir a história, pegou o menino pelo braço e o levou para casa resmungando:

    – É fogo! A gente não pode nem ir no banheiro sossegada, menino!

    Coitada de Neta. Com uma carrada de filhos, às vezes perdia a paciência e se irritava bastante. Depois voltava ao normal, dando agrados e beijos em todos.

    [ 17 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia Realmente era um sufoco cuidar sozinha de oito rebentos famintos apenas com o salário de barbeiro do marido. E

    não havia dinheiro que desse conta. Na maioria das vezes eles comiam farinha seca com caíco, um peixe pequeno e salgado. E à noite cada um tinha que se contentar com um prato de cuscuz com margarina ou um pão francês.

    Para beber, só café ou água. Bolo, frutas, verduras? Isso era coisa de novela.

    A casa era simples. Sofá nem pensar, somente um radinho para o pai ouvir programa evangélico. Televisão só na casa da vizinha e escondido do pai, pois a igreja proibia essas coisas mundanas e irmão Armando não tinha condições financeiras para tanto. Era engraçado porque todos iam assistir à novela na casa da vizinha, mas sempre ficava um de tocaia. Ao primeiro sinal do pai, a filinha corria para casa. E ai daquele que ficasse! O pai fazia isso tentando manter a inocência dos filhos. E não é que conseguia? Tanto que a filha caçula ficava com raiva da mais velha quando esta dizia que artista era uma pessoa normal, igual a elas.

    – De jeito nenhum. Artista é diferente, artista não solta pum nem faz cocô – revidava a pequena.

    As irmãs riam da inocência da menor.

    Aos domingos o programa da família era ir à igreja com a roupinha de chita feita pela mãe na velha máquina de costura. A cada domingo um dos filhos ia ao púlpito louvar ao Senhor e deixar o pai ainda mais satisfeito.

    [ 18 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia O marido de Neta era bem mais velho que ela. Quando se conheceram, ele era viúvo e tinha idade de ser seu pai.

    Dinda, ou Elisa, a avó que a criara, foi contra o casamento, mas a neta se engraçara por aquele homem branco, de cabelo liso e grisalho, descendente de portugueses e cheio de filhos. O que fazer senão aceitar?

    No começo do casamento, Neta cuidava dos enteados, mas logo eles foram crescendo e os filhos nascendo.

    Depois cada um tomou o seu rumo e Neta ficou morando somente com o marido e os filhos da nova união. Neta não tinha muita paciência para administrar aquela falta de recursos e aquele número enorme de crianças. Até pensara em evitar filhos, tentando conversar com o marido a respeito, mas não encontrou espaço – o lema da igreja, crescer e multiplicar, era repetido sempre dentro de casa. E assim os bacuris foram chegando.

    Pobre de Neta. Filha única criada pela avó, tinha tudo o que uma moça pobre podia querer, mas depois que casou precisou dividir com os filhos o pouco que lhe restava, até os quitutes que recebia de vez em quando da amiga Nena. No início Neta repartia com eles, mas sempre era uma briga, pois um achava que o outro ganhava um pedaço maior. Então ela passou a comer os quitutes à noite enquanto os pequenos dormiam. E tudo o que ela comia tinha que ser apimentado. O vidro de conserva de pimenta-malagueta estava sempre à mão.

    Em uma dessas noites, porém, quando ela saboreava uma deliciosa sopa de osso que Nena tinha feito, nosso herói acordou com uma fome de leão. Vendo a mãe tomando a

    [ 19 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia sopa cheirosa, ele voltou correndo ao quarto para chamar os irmãos. Então, quando Neta menos esperava, a turma toda estava reunida pedindo um pouquinho. Neta ficou furiosa, sobretudo com Armandinho, e os mandou voltar para o quarto, mas todos começaram a chorar ao mesmo tempo, dizendo eu quero, eu quero. Diante daquele berreiro, Neta, num acesso de loucura, pegou o pote de pimenta, jogou metade no prato e comeu a sopa rapidamente. Parecia que estava com cem dias de fome.

    Quando deu por si, percebeu que a garganta queimava e os olhos ardiam. Correu para o filtro de barro e tomou muita água, mas não adiantou. A queimação foi tanta que ela saiu correndo feito louca pela ladeira em direção a uma caixa-d’água que havia no fim do Alto do Agrião, bairro onde morava. Não tinha noção do que estava fazendo. E haja choro e grito dos filhos e do marido, que acordara assustado. Em vão tentavam impedi-la. Neta estava totalmente ensandecida e disposta a chegar ao céu para se livrar daquela dor.

    – Ai, meu Deus, o que eu faço agora?

    As lágrimas caíam enquanto ela subia. Atrás ia o exército formado pelos oito mais o pai, que reclamava com todos:

    – Estão vendo o que fizeram com a mãe de vocês? A pobrezinha vai ficar cada vez mais nervosa.

    Ouvindo isso, os pequenos começaram a chorar, berrando

    mamãe, me perdoa, me desculpa, mamãe. Neta, porém, continuava sua dura subida até a caixa-d’água, deixando

    [ 20 ]

    As aventuras de Armando Silva: Um Macunaíma do século 21, por Sol Antônia para trás os filhos, que já estavam cansados. O pai então pediu aos mais

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