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MainCastle
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E-book389 páginas4 horas

MainCastle

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Sobre este e-book

Menestréis, anões e malabaristas faziam suas peripécias para captar a atenção das pessoas. Um homem pegou seis bolinhas e as jogou para cima. Todos ficaram estupefatos ante o espetáculo de cor e movimento. Ao lado do malabarista, uns anões simulavam um duelo mortal com suas espadas de madeira. Ao ver os homenzinhos e seus torpes movimentos, as pessoas riam e aplaudiam, animadas com tão divertido espetáculo. Um pouco mais à frente, um trovador conclamava a todos que quisessem escutá-lo:

– Senhoras e senhores – dizia com voz potente –, hoje vou contar uma história de amor e mentiras, de medos e verdades.

Ele pegou um flautim de madeira e o soprou, tirando do instrumento delicadas notas.

– Venham, senhoras e senhores, e vocês escutarão como um valente guerreiro arriscou sua vida por amor!

As moças mais jovens sentavam-se ao redor do trovador, os olhos arregalados de expectativa e curiosidade. Quem seria aquele valente guerreiro? Aos poucos, o círculo foi crescendo, e logo havia centenas de pessoas aglomeradas à sua volta à espera da história. O trovador sorriu, feliz pelo público ali reunido.

– Escutem com atenção – começou, abrindo os braços –, pois se trata de uma história real. Aconteceu há vários anos…

Do alto de seu imponente castelo, o terrível e impiedoso Conde Joseph exerce seu ilimitado poder. Quem poderá pôr fim a esse pesadelo?

Esta é a empolgante história de Joseph, um Conde medieval inglês sem sentimentos nem coração. De James, ou El Brazos, seu cruel e fiel carrasco. De Robert e sua família de camponeses, açoitados pela crueldade do vilão Conde. De Martha, uma garotinha para quem a passagem do tempo, ainda que atroz e implacável, não tem o condão de apagar a inocência dos sonhos e a paixão pela vida. E, claro, do lendário e destemido Cavaleiro Branco...

Venha se divertir e se emocionar com essa apaixonante novela repleta de ação e aventura e ambientada na Inglaterra feudal do século XIV!

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento28 de out. de 2020
ISBN9781071569016
MainCastle
Autor

A.P. Hernández

Ο Antonio Pérez Hernández (Μούρθια, 1989) είναι δάσκαλος στην Πρωτοβάθμια Εκπαίδευση, παιδαγωγός, με Μάστερ στην Καινοτομία και στην Έρευνα στην Εκπαίδευση και Δόκτορ, με τη διάκριση cum laude (έπαινος), για τη Διδακτορική του Διατριβή Αξιολόγηση της ικανότητας στην επικοινωνία δια της γλώσσας μέσα από διηγήματα στην Πρωτοβάθμια Εκπαίδευση. Εργάζεται ως δάσκαλος και συγγραφέας.

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    MainCastle - A.P. Hernández

    MainCastle

    A lenda do Cavaleiro Branco

    A.P. Hernández

    © Todos os direitos reservados

    Antonio Pérez Hernández

    À minha irmã

    Índice

    Prefácio (1334)

    Primeira parte (1319)

    -Capítulo I-

    -Capítulo II-

    -Capítulo III-

    -Capítulo IV-

    -Capítulo V-

    -Capítulo VI-

    -Capítulo VII-

    -Capítulo VIII-

    -Capítulo IX-

    -Capítulo X-

    -Capítulo XI-

    -Capítulo XII-

    -Capítulo XIII-

    -Capítulo XIV-

    -Capítulo XV-

    Segunda parte (1324)

    -Capítulo I-

    -Capítulo II-

    -Capítulo III-

    -Capítulo IV-

    -Capítulo V-

    -Capítulo VI-

    -Capítulo VII-

    -Capítulo VIII-

    -Capítulo IX-

    -Capítulo X-

    -Capítulo XI-

    -Capítulo XII-

    -Capítulo XIII-

    -Capítulo XIV-

    -Capítulo XV-

    -Capítulo XVI-

    -Capítulo XVII-

    -Capítulo XVIII-

    -Capítulo XIX-

    -Capítulo XX-

    -Capítulo XXI-

    -Capítulo XXII-

    -Capítulo XXIII-

    -Capítulo XXIV-

    -Capítulo XXV-

    -Capítulo XXVI-

    -Capítulo XXVII-

    -Capítulo XXVIII-

    -Capítulo XXIX-

    -Capítulo XXX-

    -Capítulo XXXI-

    -Capítulo XXXII-

    -Capítulo XXXIII-

    -Capítulo XXXIV-

    Terceira parte (1328)

    -Capítulo I-

    -Capítulo II-

    -Capítulo III-

    -Capítulo IV-

    -Capítulo V-

    -Capítulo VI-

    -Capítulo VII-

    -Capítulo VIII-

    -Capítulo IX-

    -Capítulo X-

    -Capítulo XI-

    Quarta parte (1329)

    -Capítulo I-

    -Capítulo II-

    -Capítulo III-

    -Capítulo IV-

    -Capítulo V-

    -Capítulo VI-

    -Capítulo VII-

    -Capítulo VIII-

    Prefácio (1334)

    A cidade de MainCastle estava abarrotada.

    As barraquinhas perdiam-se ao longe, envoltas em um mar de cabeças. Homens, mulheres e crianças enchiam a Plaza Mayor, espremidos uns contra os outros, empurrando-se para marcar lugar e serem os primeiros a chegarem às barraquinhas.

    – Comprem hogazas recém-assadas! – gritava uma mulher, tirando do forno um pão fumegante.

    A mera visão de semelhante iguaria fazia a boca das crianças encher-se de água.

    – Mãe, o que é isso? – indagou um pequenino, puxando o vestido de uma mulher de cabelo ondulado.

    A mulher olhou-o e seus lábios se contraíram com tristeza.

    – É melhor irmos embora daqui – respondeu apenas.

    Menestréis, anões e malabaristas também faziam suas peripécias para captar a atenção das pessoas.

    Um homem pegou seis bolinhas, três em cada mão, e as jogou para cima. As pessoas que o viram ficaram estupefatas ante aquele espetáculo de cor e movimento.

    – Uau! – exclamou uma menina, boquiaberta. – Você viu isso?

    As bolas pareciam que se chocariam a qualquer momento e se esparramariam pelo chão, mas isso não aconteceu; elas continuaram deslizando pelos ares e surpreendendo aos que por ali passavam.

    Ao lado do malabarista, alguns anões simulavam um duelo mortal, lutando com suas espadas de madeira. Ao ver os homenzinhos e seus torpes movimentos, as pessoas riam e aplaudiam, animadas com tão divertido espetáculo.

    Um pouco mais à frente, um trovador conclamava a todos que quisessem escutá-lo:

    – Senhoras e senhores – dizia com voz potente –, hoje eu vou contar a vocês uma história de amor e mentiras, de medos e verdades.

    Ele pegou um flautim de madeira e o soprou, tirando do instrumento delicadas notas.

    – Venham, senhoras e senhores, e vocês escutarão como um valente guerreiro arriscou sua vida por amor!

    As moças mais jovens sentavam-se ao redor do trovador, os olhos arregalados de expectativa e curiosidade. Quem seria aquele valente guerreiro?

    Aos poucos, o círculo foi crescendo, e logo havia centenas de pessoas aglomeradas à sua volta à espera da história.

    O trovador sorriu, feliz pelo público ali reunido.

    – Escutem com atenção – começou, abrindo os braços –, pois se trata de uma história real. Aconteceu há vários anos...

    Primeira parte (1319)

    -Capítulo I-

    Robert e sua família haviam passado por maus momentos, mas nenhum como nas últimas semanas.

    – Mãe, estou com fome – queixou-se Martha, a garotinha de cinco anos.

    Martha aproximou suas mãozinhas da fogueira e as esfregou, tentando se aquecer. As chamas salpicaram seu rosto, e, em seus olhos, reverberaram fulgores alaranjados.

    – Espere um momento – Sara pegou uma colher de pau, mergulhou-a na sopa que fervia no fogo e umedeceu os lábios com o líquido. – Teremos que esperar. Ainda não está pronta!

    Martha ficou visivelmente decepcionada, pois seu estômago rugia e o odor que desprendia daquela panela era embriagador.

    Enquanto isso, William entretinha-se despelando um coelho que matara naquela manhã com uma pedra. William era o irmão de Martha e tinha quase 13 anos. Tinha a tez morena, feições harmoniosas e olhos castanhos.

    – Quando chegaremos a MainCastle? – perguntou, sem tirar os olhos do coelho.

    – Filho, isso vai depender da chuva – Robert esquadrinhou o céu.

    Apesar da pouca visibilidade, podiam-se ver espessas nuvens cinzentas que conferiam à noite uma cor metálica.

    – Com um pouco de sorte, talvez em alguns dias cheguemos à cidade – falou Robert, sorridente. – Lá, venderemos toda a mercadoria.

    – Isso seria genial!

    Robert era mercador e ia com sua família de um lado para o outro oferecendo panelas a quem quisesse comprar. Frequentemente, via-se obrigado a trocá-las por pão ou algo para comer.

    Quando chegavam às cidades, montavam sua barraquinha, na qual ofereciam arames, metais, ferramentas de trabalho para carpinteiros e pedreiros, confecções de couro que Sara fazia e até chapéus de palha que Robert, em seus momentos livres, elaborava.

    Após alguns minutos, como indicava seu aroma, a sopa estava pronta.

    Sara serviu-a em tigelas de madeira e todos, principalmente Martha, devoraram-na com avidez. A garotinha queria pedir mais, queria dizer à sua mãe que não podia saciar sua fome com tão pouco e que seu estômago rugia como o de um leão. No entanto, ela não o fez. Apesar de seus cinco anos, sabia muito bem que não havia mais sopa e que a comida era escassa demais para ser desperdiçada em compulsão e capricho. Assim, todos fingiram que aquela sopa os saciara e que não conseguiriam tomar nem mais um gole, ainda que o quisessem.

    Após agradecer a Sara por aquela deliciosa ceia, reuniram-se perto do fogo e tentaram conciliar o sono.

    – Descansem bem – disse Sara, cobrindo-se até o queixo com um cobertor –, pois amanhã será um dia muito longo.

    ***

    A noite estava fria, e um gélido vento fez arrepiar até os ossos de Martha. Não demorou para que a garotinha fosse deitar-se perto de sua mãe para que ela a esquentasse.

    Robert viu sua família ir caindo aos poucos em um sono profundo: primeiro foi Sara, depois, Martha, e, por último, William. Sua respiração foi ficando cada vez mais suave e monótona, até estar reduzida a leves suspiros. Robert, entretanto, não conseguia dormir. Por mais que tentasse, era impossível esvaziar a mente e se entregar ao sono.

    De repente, uma rajada de ar sacudiu as folhas das árvores, que caíram ao chão, balançando-se de um lado para o outro durante a queda. Ao chegarem ao chão, pousavam com delicadeza, como se não quisessem despertá-los.

    Uma delas parou na frente de Robert. Ele a pegou e a contemplou: era uma folha marrom e murcha.

    O inverno está se aproximando. É muito perigoso permanecer na floresta – pensou.

    A emaranhada e densa floresta na qual se encontravam era conhecida pelos lobos que nela habitavam. Os habitantes que viviam perto contavam que haviam presenciado horrorosas carnificinas executadas por aqueles animais. Dizia-se que a alcateia perseguia durante dias aqueles que se aventuravam no interior da floresta.

    Robert imaginou o destino que teriam se algum daqueles cruéis animais os atacasse. Sobressaltou-se ante tal pensamento. Estava empapado em um suor frio que percorria sua espinha. Aquela ideia não o deixava dormir. Levantou-se e viu os rostos de Martha, Sara e William iluminados pelo brilho das chamas.

    Todos estão bem ­– tranquilizou-se.

    Um silêncio sepulcral estendia-se através da noite. Somente se ouvia o crepitar da fogueira e as rajadas de ar gelado que açoitavam as copas dos árvores.

    Apesar da intensa escuridão, Robert não conseguiu evitar dar uma volta. Caminhar era a única coisa que o ajudava a dormir. Assim, ele se pôs de pé e olhou para o céu: um sinistro manto de densas nuvens cinzentas estendia-se até onde as vistas alcançavam.

    Deve ser lua cheia! – pensou, sem, contudo, conseguir divisá-la, pois estava encoberta pelas espessas nuvens.

    ***

    À medida que caminhava, Robert embrenhava-se na floresta. As sombras acentuavam-se, desenhando silhuetas alongadas, rostos humanos que pareciam sorrir para ele e seres que só existiam nos pesadelos. Ele pisava com cuidado no mato, tentando passar despercebido e não chamar a atenção de nenhum animal.

    Subitamente, ouviu algo se mover atrás de si.

    Temendo o pior, virou-se.

    Seu coração pareceu sair de seu peito.

    Não conseguia acreditar no que via.

    -Capítulo II-

    A vida dos Breader mudara radicalmente desde que Robert havia deixado de ser seu criado. Antes de ser mercador e ir de uma cidade a outra vendendo seus produtos, Robert trabalhara durante vários anos a serviço de Breader, um dos senhores mais ricos de MainCastle. Certo dia, no entanto, decidira ir embora e empreender uma nova vida ao lado de Sara, a garota por quem se apaixonara.

    Após sua demissão, os boatos não demoraram a se estender pelas famílias, e, após alguns dias, até os humildes camponeses eram conhecedores da notícia. O que causara mais furor entre os habitantes de MainCastle não era um fato tão insignificante como um criado pedir demissão, mas as mentiras que começaram a surgir. Alguns diziam que o criado não tivera remédio a não ser ir embora porque recebia um tratamento injusto, que seus senhores não o pagavam e que devoravam seu salário.

    Todas aquelas hipóteses foram recebidas de bom grado, pois tanto o senhor como a senhora Breader eram rechonchudos e o que tinham de altura, tinham de largura. Um nevoeiro de mentiras, boatarias e inveja pairava sobre eles. Tudo aquilo repercutiu negativamente em suas terras, riquezas, e, o mais importante, em seu elevado status social. E ele passou de um dos senhores mais poderosos de MainCastle para o mais pobre. Seu capital diminuiu da noite para o dia.

    Os Breader possuíam uma das duas padarias mais importantes de MainCastle e, até então, esta proporcionara a eles dinheiro suficiente para viver sem preocupações. Diariamente, centenas de pessoas compareciam ao seu comércio para comprar trigo, farinha, pão, cerveja e, os mais ricos, um ou outro doce. Mas, desde que Robert pedira demissão, desde que aparecera aquela série de mentiras, os cidadãos deixaram de comprar deles e passaram a ir à outra padaria da cidade.

    ***

    David e sua mulher, Mary, percebiam que estavam perdendo seus clientes. Cada vez vinha menos gente à sua padaria gastar suas moedas, até que chegou o dia em que não vieram nem as crianças que normalmente cheiravam os doces.

    Sozinhos. Haviam ficado completamente sozinhos.

    Mary via com tristeza os que até então haviam sido seus compradores habituais irem à outra ponta da cidade. Olhava o pão recém-assado sobre a mesa e ficava desolada. Não podia evitar derramar algumas lágrimas. Por que faziam aquilo?

    As moedas pararam de entrar, e, em poucos dias, tiveram que despedir o restante de seus criados. Assim, ficaram em sua luxuosa casa sem serviçais e tendo por companhia nada além da solidão.

    David e Mary não conseguiam admitir a nova realidade que desabava sobre eles; tudo acontecera com demasiada rapidez, e eles acreditavam estar em um sonho ruim.

    ***

    – Por que estão fazendo isso com a gente? – perguntou Mary a seu marido. – Que mal nós fizemos?

    David franziu as sobrancelhas e reprimiu um sorriso. Em silêncio, sentou-se a seu lado e a abraçou. Sentiu o corpo de Mary tremer sob seus braços; ela estremeceu como uma garotinha.

    – Em breve, virão tempos melhores – respondeu ele enquanto beijava sua testa. – Deus nos ajudará a seguir adiante.

    – Como? – perguntou Mary num fio de voz. – Como posso seguir lutando se já não tenho forças, se não tenho o que comer, se não tenho em que acreditar?

    David nunca vira sua esposa naquele estado até então. Ela sempre fora uma mulher otimista e alegre.

    – Não fique assim, por favor.

    – A culpa é de Robert; se ele não tivesse entrado em nossa casa, nada disso estaria acontecendo.

    David emudeceu, consciente de que, em parte, sua mulher estava certa.

    – Não é culpa dele – respondeu David por fim –, mas dos nossos vizinhos.

    Mary olhou-o, na expectativa, sem compreender suas palavras.

    – Nossos vizinhos sempre nos invejaram, Robert foi apenas uma desculpa.

    David beijou sua esposa. Por pior que as coisas ficassem, por mais fatídico e incerto que se mostrasse o futuro, ele sempre a amaria.

    De repente, um forte ruído rompeu a magia daquele momento: estavam batendo à porta! David afastou com suavidade os braços de sua esposa, que se agarraram a ele como se tivessem medo de perdê-lo.

    – Quem será? – perguntou ela, pondo-se de pé.

    David aproximou-se da porta, colocou a mão na maçaneta e a girou até abrir a porta. Uma rajada de ar gelado desmanchou o acolhedor ambiente de sua casa. Em instantes, todo o calor que se desprendia de sua lareira desapareceu.

    Uma silhueta alta e fina desenhou-se no patamar da entrada, projetando uma fantasmagórica sombra. Era um homem cujo rosto estava oculto na penumbra. A única coisa que se podia divisar dele eram olhos que brilhavam com ganância.

    O sangue de David congelou. Quem seria?

    Ele pegou a lamparina que iluminava a sala e a aproximou do rosto do visitante, descobrindo sua identidade. Uma cara repugnante, coberta de espinhas e verrugas, iluminou-se.

    Era Jack, o coletor de impostos.

    ***

    O Conde cobrava de todos os habitantes um imposto mensal: viver em uma cidade como MainCastle significava viver em segurança. Os cidadãos podiam dormir com tranquilidade, pois não seriam assaltados durante a noite devido aos guardas que, de maneira contínua, patrulhavam a periferia da cidade. E, como era natural, gozar daqueles privilégios tinha um preço; um custo ínfimo para desfrutar de uma vida de segurança e tranquilidade. Assim, todo mês, Jack fazia sua ronda habitual.

    – Boa noite, senhores... – Jack olhou o pergaminho que sempre levava consigo, passou seu afiado dedo sobre uma lista sem fim, e, encontrando o nome da família, acrescentou: – Breader.

    Mary e David pensaram que iriam desmaiar. Não tinham nem um mísero centavo, como iam pagar a mensalidade?

    – Como vai?

    O Coletor, sem se dignar a responder, entrou na casa.

    Jack tinha fama de ser frio, calculista e inflexível, razão pela qual o Conde confiava plenamente nele. Era muito difícil encontrar homens tão eficientes quanto ele. Não importavam a Jack quais fossem as razões pelas quais um cidadão não pudesse pagar a seu senhor ou os meios que utilizasse para conseguir seu dinheiro. Assim, enquanto outros se mostravam mais indulgentes e abriam exceções, Jack carecia de sentimentos. Era a pessoa ideal para aquele posto e logo ganhara o reconhecimento do Conde por seu grande profissionalismo.

    ***

    Quando o Coletor entrou, Mary fechou a porta e o convidou a se sentar na poltrona mais luxuosa que possuíam. Era de veludo, com a cabeça de um falcão esculpida no descanso de braço, e extremamente confortável. Ela não conseguiu evitar observar certa familiaridade entre o bico curvo e afiado da ave e o nariz aquilino de Jack.

    – Como vocês bem sabem, eu vim cobrar a quantia correspondente ao senhor de MainCastle, nosso Conde Joseph.

    Mary e David trocaram um olhar. Como diriam a ele que, naquele momento, não tinham com que pagar o imposto? Qual seria sua reação?

    Silêncio.

    – Como vocês bem sabem, hoje é o último dia do mês, e vocês devem entregar-me a quantia correspondente pela prestação dos serviços de MainCastle – acrescentou o homem com um tom glacial.

    – Sim, sabemos que é final de mês – a sempre imponente voz de David saiu rouca pelo medo.

    – Esperem um momento enquanto vejo a quantia atribuída por Joseph – o Coletor levantou seu cadavérico dedo e o percorreu pelas colunas em seu pergaminho até encontrar o que procurava. – A quantidade que lhes cabe é de três libras.

    O sangue dos Breader congelou: não conseguiriam aquela soma!

    Um silêncio tenso sucedeu-se à fala do Coletor; mal se ouvia o palpitar do coração de ambos. Mary e David estavam petrificados, como estátuas talhadas em pedra.

    – Como eu já disse – insistiu Jack –, vocês devem me entregar três libras.

    Como David não se moveu, ele insistiu:

    – Espero que possam me pagar.

    Foi David quem levantou os olhos e o olhou. O Coletor batia no pergaminho com o dedo indicador, perdendo a paciência.

    – Veja, Jack... nós não... – David sentiu as mãos de sua esposa suarem e seu pulso acelerar-se. – Não temos dinheiro neste momento.

    As bochechas de Jack coraram e em seus olhos acendeu-se um brilho estranho.

    – Como assim, vocês não têm dinheiro?

    – Nós vamos conseguir o dinheiro, eu prometo – suplicou David. – Amanhã mesmo o senhor terá suas três libras.

    David olhava nos profundos olhos escuros do Coletor, tentando trazer à tona seu lado humano.

    – Jack – insistiu David –, não somos camponeses...Conseguiremos o que falta para o pagamento.

    Jack hesitou. Ele levou as mãos ao queixo pontiagudo. Depois, com semblante reflexivo, brincou com a grande verruga que sobressaía em seu nariz. Então, ele se levantou da poltrona e, com as mãos para trás, andou de um lado para o outro do cômodo, como um pêndulo.

    Os olhos de Mary brilhavam com enorme inquietação. Será que ele se mostraria compreensivo?

    De repente, Jack parou. Ele olhou para os Breader, que ainda aguardavam atentos a sua resposta, e se dirigiu até a porta pela qual entrara minutos antes.

    David pensou que Deus havia iluminado aquele homem. Ele cedera! Sentiu vontade de dar um forte abraço nele.

    Mas ele mal saíra pela porta, tornou a entrar com olhar sombrio, acompanhado por dois homens armados.

    – Arthur e Thomas – disse, dirigindo-se a seus corpulentos capangas –, peguem estes dois insensatos e os levem ao Conde! Ele disporá sobre o castigo oportuno.

    – Por favor, Jack... – o mundo de David veio abaixo.

    O Coletor mostrou seus afiados dentes em um macabro sorriso.

    – Por favor, eu suplico, conceda-nos um dia mais! Venderemos tudo o que temos. Eu prometo que pagaremos as três libras ao amanhecer.

    – Deviam ter pensado nisso antes que eu viesse! – o Coletor endureceu o semblante. – Amanhã não é hoje.

    – Por favor, não! – David começou a se retorcer enquanto um dos guardas amarrava suas mãos.

    Lágrimas correram por seu rosto ao se ver imobilizado, jogado no chão como um cão, despojado de toda a sua dignidade.

    Jack desapareceu pela porta, sob a chuva que começava a cair estrepitosamente sobre MainCastle. Arthur e Thomas conduziram os Breader por um estreito caminho rumo à entrada principal do castelo.

    Joseph esperava-os para designar um castigo do qual nunca se esqueceriam.

    -Capítulo III-

    William caminhava no mar.

    Estava feliz. Sentia a superfície balançar sob seus pés, fazendo cócegas. Era uma sensação única, distinta de tudo que ele já sentira antes. No entanto, o pobre William estava tão iludido andando no mar que não se deu conta de que, a cada passo que dava, afundava um pouco. Quando percebeu, olhou ao seu redor e se pôs a gritar:

    – Por favor, alguém me ajude! Estou afundando!

    Mas não havia ninguém para socorrê-lo: ele estava completamente só.

    Uma tristeza cinzenta e pesada apertou seu peito. Desesperado e sabendo que, se continuasse andando, afundaria, pôs-se a correr. Precisava encontrar ajuda.

    Após alguns passos, a água cobriu-o até a cintura; o peito; o pescoço; e, finalmente, a cara. William não conseguia respirar. A água estava tão fria e gélida quanto a morte. Tentou nadar até a superfície, mas uma garra infernal segurou-o fortemente pelo tornozelo direito e o arrastou até o fundo, sem piedade. Lutou com todas as suas forças, tentando se soltar daquela mão implacável e cruel, mas nada pôde fazer. Sem ar chegando aos seus pulmões, sem forças para lutar, William soltou seu corpo.

    Ele mergulhou na mais densa escuridão.

    Fora apenas um pesadelo. Abriu os olhos e inspirou uma golfada enorme de ar. Sentiu seus pulmões encherem-se e seu coração voltar a bater.

    ***

    William olhou sua família. Sara e Martha dormiam ao calor das últimas brasas da fogueira. No entanto, seu pai não estava lá.

    Por que não está dormindo?, perguntou-se, estranhando seu desaparecimento.

    Ele olhou à sua volta, mas tudo o que conseguiu ver foi um céu preto e uma noite cerrada.

    Aonde será que ele foi?

    Movido pela curiosidade, levantou-se, disposto a embrenhar na floresta à procura de seu pai.

    Esteja onde estiver, não pode ter ido muito longe, pensou num átimo de esperança. Quiçá teria ido até o rio no qual horas antes ele e sua irmã haviam enchido a panela da sopa, ou talvez tido ido pegar mais galhos para alimentar o fogo.

    Quando andou alguns metros, a escuridão ficou insondável. A grama rangia sob seus pés, ressonando estrepitosamente. Tentou pisar com o máximo cuidado. Olhou para trás e deu uma última olhada em Sara e Martha. Elas continuavam dormindo. Nem se haviam movido. Ele deu um passo, outro... e depois, outro.

    William embrenhou na espessa floresta.

    -Capítulo IV-

    Joseph observava as centenas de pequenos casebres que jaziam ao redor de seu castelo. Da enorme janela panorâmica de seu quarto, pareciam formigas.

    Naquela noite, o tempo estava nefasto, e um intenso aguaceiro estendia-se sob a mortiça luz da lua. Mal se podiam distinguir as casinhas, pois tudo estava mergulhado em um manto negro, em uma tétrica escuridão.

    Durante todo o dia, ele não cessara de receber visitas de arrendatários, pequenos comerciantes, camponeses... Todos queriam a mesma coisa: dinheiro emprestado que depois devolveriam com juros.

    Joseph contava com uma antessala onde aguardavam aqueles que solicitavam sua audiência. Por ela passavam todo tipo de pessoas: homens elegantemente vestidos, outros que ostentavam capas de veludo e outros – que constituíam a maioria – que se resignavam em se cobrir com sujos trapos. Apesar de suas grandes diferenças, todos tinham algo em comum: estavam nervosos. Alguns iam e vinham pelo salão com o olhar perdido, outros roíam as unhas, e o resto balançava as pernas num ritmo constante e frenético, como se isso os ajudasse a relaxar.

    De vez em quando, a porta se abria; e era então que os que andavam de um lado para o outro paravam, os que roíam as unhas afastavam as mãos da boca, e os que agitavam suas pernas ficavam paralisados. Um homem enorme aparecia pela porta, lia seus nomes e os acompanhava até a presença do Conde. Todos aguardavam, com um misto de medo e ansiedade.

    Joseph sobressaltou-se. Estavam batendo à porta.

    – Adiante! – falou num tom desdenhoso, voltando a se sentar junto ao fogo.

    A porta abriu-se e uma sombra descomunal recortou-se na penumbra. Era tão alta que teve que abaixar a cabeça para não bater contra o portal. Era James, ou, como o chamava o resto dos guardas, El Brazos.

    – O próximo é um camponês, senhor – fê-lo saber com uma espécie de reverência.

    – Deixe-o entrar.

    – Sim, senhor.

    – Depressa!

    Já era noite, faltava pouco para a hora da ceia e seu estômago reclamava. O Conde encontrava-se mais enfurecido do que o habitual.

    – Claro, meu senhor.

    ***

    O camponês ficou deslumbrado ante a quantidade de objetos

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