Pacto De Hipócrates & Pacto De Hipócritas

De Mauricio De Oliveira

Muitas pessoas diziam que tudo na passava de lenda urbana; mas diziam as más línguas, que o “chazinho da meia noite” era comum naquele hospital. Alguns boatos e disse-me-disses diziam que os doentes idosos recebiam uma visitinha médica noturna suplementar, que caridosamente oferecia um chá incrementado ao paciente, dizendo que se tratava de um reconhecimento pelo bom comportamento do enfermo. Garantiam que o chá era um prêmio, que tinha uma eficácia assombrosa para curar doenças e aliviar dores. Comovido, o doente bebia o chazinho, com sua autoestima redobrada, era bem-comportado e merecedor de atenção especial por parte da direção. Na manhã seguinte havia mais um leito vazio no hospital. Entretanto, uma enfermeira que conhecia a prática adotada, acometida de sérios inconformismos éticos e morais, resolveu chutar o balde.

• Idioma: Português
• Editora: Clube de Autores
• Data de lançamento: 18 de fev. de 2023

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas 1

Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas

ISBN

978-65-00-62640-7

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas REGISTRO

Revisão e Diagramação: Mauricio de Oliveira Design - Desenho e Produção Gráfica: Mauricio de Oliveira 3

Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas

ÍNDICE

Capitulo I - Noite Chuvosa .....................................................9

Capítulo II – Tomada de Decisão ......................................... 18

Capítulo III – De Frente com a Promotoria ...........................34

Capítulo IV – Rotina de Um Dia de Trabalho no Hospital .....45

Capitulo V – Hospitais & Médicos & Enfermeiras ..................78

Capítulo VI – Audiência Pública ........................................... 83

Capítulo VII – Erros Médicos ...............................................108

Capítulo VIII - Ação e Informação .......................................124

Capítulo IX – Investigações...................................................137

Capítulo X – Arrestos & Complicações ............................. 155

Capítulo XI – Intervenção .................................................. 172

Capítulo XII –Estratégia .................................................... .189

Capítulo XIII – Tribunal do Júri.......................................... 209

Bibliografia.......................................................................... 251

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas

Sobre o Autor

Mauricio de Oliveira é um amante da busca do conhecimento, da poesia e da ciência. Sua atração pela escrita, pela literatura e a filosofia remonta à infância, quando tomou gosto pelas obras filosóficas de Nicolao Maquiavel e de filósofos empiristas como Francis Bacon, Thomas Hobbes, René Descartes e Baruch Spinoza, para os quais todo conhecimento humano é adquirido através da experiência. E

não poderia faltar em hipótese alguma, o grande mestre Nelson Rodrigues; além de ter sido leitor por várias décadas do Jornal do Brasil, e ter tido a oportunidade de conhecer o estilo de grandes colunistas como Carlos Castelo Branco, Walder de Góes, Villas-Boas Corrêa, Marcos Sá Correa, entre outros.

É autor de diversos artigos técnicos publicados, e é autor também do livro Racismo Estatístico... Um Lugar de Visão, no qual apresenta uma visão focada em variáveis matemáticas sobre a questão social mais explosiva de todas, que é a questão racial.

A idéia desta obra de ficção, tem como fulcro o fato de que autor teve a oportunidade de acompanhar de perto, durante alguns anos, diariamente, um paciente acometido de doença oncológica; o que lhe permitiu ver, analisar, sentir, perscrutar intestinamente, revirar as entranhas e eviscerar o que acontece e como acontece dentro de um hospital, com as suas nuances humanas, econômicas e sociais trazidas à tona.

Inclusive as mais sórdidas. Mas esta é uma obra de ficção.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas Prefácio

O número de homicídios era um grande motivo de preocupação para as autoridades de Riodemar, a ensolarada capital de Montenegro, que buscavam meios e processos para reduzir aqueles números. Mas havia algo pior a nível de mortandade, que foi detectado, meio que sem querer, pelo aluno de mestrado em geografia Romildo Macieira, que se debruçava em pesquisas sobre mortandades regionais e suas possíveis causas e consequências.

Mas, eis que tudo ficou pior, quando a sua amiga Soraya, enfermeira graduada, lhe falou sobre as mortes suspeitas que se concentravam em pessoas idosas, nas UTIś do Hospital São João Bosco, onde ela trabalhava. A ordem, vinda da direção, segundo as informações que lhe chegavam, era

liberar leitos de UTI de qualquer maneira. E o esquema era acelerar a morte de pacientes muito idosos.

Diziam as más línguas, que um chazinho da meia noite era comum naquele hospital. Os doentes idosos recebiam uma visita suplementar, que caridosamente oferecia um chá incrementado ao paciente, dizendo que se tratava de uma mordomia, em paga pelo bom comportamento do enfermo.

Garantiam que o chá era um prêmio, que tinha uma eficácia assombrosa para curar doenças e aliviar dores. Comovido, o doente bebia o chá com sua autoestima redobrada: era bem-comportado e merecedor de atenção especial da direção do hospital. No dia seguinte, havia mais um leito vazio no hospital.

Para outros, no entanto, tudo não passava de lenda urbana.

Não acontecia exatamente assim, conforme ela relataria para ele. Mas havia algo de podre naquele reino. E eles estavam com muita vontade de investigar, eviscerar, trazer à tona aquele esquema criminoso, que poderia abalar os alicerces de Riodemar.

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas

Introdução

Conhecido como o Pai da Medicina Ocidental, Hipócrates foi um ícone ateniense da rejeição a explicações supersticiosas e míticas para os problemas de saúde e como curar doenças.

Enquanto muitos pensadores gregos concentravam seus esforços na natureza em geral ou na moral e política, Hipócrates concentrara-se em observar e compreender o funcionamento do organismo humano, na esperança de encontrar explicações racionais, e passíveis de controle e manipulação, para os males que atingiam a saúde humana.

Embora muito tenha se perdido ao longo dos séculos, alguns de seus escritos sobrevivem até os dias atuais, porém, como a maior parte de seu trabalho era iminentemente prática, há assim pouco acesso ao pensamento do filósofo.

Hipócrates não apenas foi bem sucedido em rejeitar a superstição, mas foi também capaz de desenvolver a medicina a ponto de separá-la da teologia, práticas religiosas ritualísticas com objetivo de conectar-se a divindade, no caso para recuperação da saúde. A partir de Hipócrates a medicina tornou-se uma disciplina independente, o que levou ao surgimento da profissão de médico.

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas O médico, a pessoa, o homem, que com a herança da imperfeição trouxe junto o "Triunvirato dos Problemas Possíveis: a Negligência, a Imperícia e a Imprudência. Às quais se somam o descaso, a desumanidade, a hipocrisia e o excessivo amor ao dinheiro; característica de determinados profissionais, gestores na área da saúde. Sejam públicos ou particulares, cada qual pelas suas razões.

A Hipócrates é também creditado os termos do texto conhecido nos dias de hoje como o Juramento de Hipócrates, utilizado como o juramento para a profissão dos médicos, embora alguns autores afirmem que o juramento é posterior.

Dizem as más línguas que por conta dos rumos mercantilistas que a medicina tomou ele anda se revirando no túmulo.

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas Capitulo I

Uma Noite Chuvosa

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido o que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

- Diga trinta e três.

- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...

- Respire.

- Ahhh, Ahhh, Ahhh

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo, e o pulmão direito infiltrado.

- Então, doutor, não é possível tentar um pneumotórax?

- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

(Bandeira, 2013, p. 51)

celular dava sinais de que tocava insistentemente mas a pessoa não atendia. Já era a quarta vez naquela noite que ela tentava falar com seu colega Romildo. Sabia que podia contar com ele pra se livrar da culpa que carregava por se manter calada diante dos acontecimentos que presenciava. Tinha que falar com ele. Ela sabia da sua pesquisa de mestrado em geografia, tinha tudo a ver.

Na verdade já estava decidida a falar com ele sobre o assunto há muitos dias, mas sempre aparecia aquela pontinha de preocupação, porque Romildo era uma pessoa dinâmica que não se contentaria em saber o que ela tinha a contar, e se 9

Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas fingir de morto; com certeza ele iria fuçar geral aquela história.

Por outro lado, quase todos os outros colegas sabiam das coisas erradas que aconteciam naquele hospital, e ninguém fazia absolutamente nada. Por que diabos ela iria mexer com aquilo? Porque não fazer como todo mundo e deixar quieto?

Claro que, por um lado, seria uma coisa sensata a fazer. Afinal de contas denunciar coisas erradas naquela cidade era inútil, sempre acabava em nada. Ainda que no início a situação ganhasse contornos midiáticos, com grandes alaridos no horário nobre, em pouco tempo caía no esquecimento e não se falava mais naquilo.

A vida e a sua dinâmica coletiva precisava de novos escândalos e novas denúncias pra manter a roda girando. Ela tinha plena noção disso, mas precisava falar com Romildo; ele era cabeça e saberia orienta-la a se decidir. Resolveu tentar dormir ouvindo a música fly me to the moon, com Nat King Cole, naquela noite fria. Era a hora de tentar se livrar da carga pesada do dia. Mas ficou absorta em pensamentos. Pensando na noite.

E quando chega a noite , quando todas as pessoas vão para suas casas, cuidarem dos seus afazeres, pensarem na vida, pensarem em se fortalecer ou não com as adversidades do dia; lá fora resta apenas a escuridão, a solidão, o frio e a chuva fina, que insistia em continuar caindo, tornando a noite estranha, além de escura. Não passavam carros, não passavam pessoas; nada acontece para iluminar aquele cenário triste e um tanto quanto desolador. A iluminação bruxuleante da lâmpada amarela daquele poste da praça, tenta vencer as folhas das árvores que teimam, insistem em impedir que se clareie um pouco mais aquele lugar.

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas O cenário é estranhamente lunar, e até se poderia pensar o que, afinal de contas, acontece quando todos estão dormindo, quando as ruas ficam silenciosas e desertas, quando tudo convida as pessoas a não saírem de casa naquela noite intensamente glacial. Naturalmente tem coisas acontecendo em todos os lugares, a vida não para por causa de questões climáticas. Faça frio ou calor, as coisas hão de continuar acontecendo. Mesmo naquela situação de escuridão, de silêncio, apenas quebrado por um ou outro pio de coruja.

Sentir um friozinho na espinha não é nada vergonhoso nessa hora.

Mas nesse cenário desolado, o que será que acontece quando todos estão dormindo, quando as ruas ficam silenciosas e desertas? Bom, sabemos de antemão que embora tudo pareça deserto, muitas coisas misteriosas acontecem nessas horas. E quando todos parecem dormir, apesar do pouco movimento, nas ruas desertas, nos becos escuros, nas casas abandonadas, coisas misteriosas acontecem...

Do outro lado da praça, em meio as folhas das árvores, é possível ver, mesmo à distância olhando pela janela de seu quarto, as luzes fracas do hospital público, grande, largo, esquisito, profundo e mal pintado. É possível ver, um pouco mais distante, a luzinha vermelha girando em cima da ambulância parada na entrada lateral.

As pessoas que olham distraidamente do lado de fora, durante o dia, não têm a menor ideia do que se passa ali dentro; das lutas, das agruras, das necessidades, das buscas, das interações, das ações, das inações, dos surdos gritos, dos grandes conflitos, das decisões, das indecisões, dos choros, dos risos, das atitudes louváveis, das atitudes condenáveis, das vidas que chegam e das vidas que se vão. Acontece de 11

Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas tudo ali. Ela conhecia bem aquele lugar, onde lá trabalhava há muitos e muitos anos.

Perto da porta lateral, onde estava estacionada a ambulância tem um letreiro em cima. Pequeno, branco, com letras vermelhas. Emergência, está escrito. Naquele instante em que a chuva miúda caía na gelada noite lúgubre, não havia ninguém sendo atendido. Dava a impressão de que o tempo parara por algum motivo, cósmico ou não. Haveria pessoas naquele saguão, claro; havia o balcão de atendimento com alguma pessoa preparada para a chegada de algum paciente.

Mas o clima era pesaroso, mesmo sem haver um motivo ou uma razão material para isso.

As pessoas que não são da área médica não sabem o que se passa num hospital; seja numa noite fria como aquela, seja numa noite de intenso verão. Existe, sim, claro, um sistema de trabalho. Existe, sem dúvida alguma, um sistema no seu sentido mais amplo. Sempre existe um sistema. Grande, amplo, poderoso, tentaculoso, forte, abrangente, dominador, domador de corações e mentes, cruel, político, maior que o maioral de plantão, e que a tudo comanda, ad eternum. Não resta nenhuma saída, a ninguém naquele lugar ou em qualquer outro, a não ser se enquadrar no sistema, se submeter a ele e adora-lo, com todo fervor.

Mas tem muita gente trabalhando ali, mesmo que não pareça naquela noite friorenta. É certo que há uma equipe médica, especialistas,

residentes,

equipes

de

enfermagem,

paramédicos, nutricionistas, farmacêuticos, técnicos e outros profissionais necessários ao pleno funcionamento daquele hospital. E há pacientes que necessitam da total atenção de todos eles. E provavelmente é nesse ponto que a noite, que é 12

Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas fria para uns, se torne mais fria para outros. Afinal, não existe sistema perfeito.

Provavelmente haverá alguém vagueando pelos corredores vazios, onde até mesmo alguma enfermeira cansada, pode estar cochilando um sono leve na cama improvisada embaixo do balcão. Se realmente tiver algum funcionário vagueando por ali, seus passos seguirão até se depararem com a imagem em tela da intrigante venda nos olhos de uma mulher amamentando um bebê. Talvez pudesse ser considerado um quadro qualquer, mas não para quem já tinha presenciado o choro de uma mãe, que perdera seu rebento naquele mesmo corredor; quem sabe se foi a causa informada, o tão singelo ato de amamentar não concluído pela cria, que se recusava a fisgar seu precioso leite. Mistérios que humanos não podem julgar ou adentrar em querer conhecer.

Melhor caminhar pelos corredores que ter gritos alucinantes em pesadelos anteriores, onde a sombra da morte ronda tantos quartos por eternos momentos, existentes ou não, reais ou imaginários, onde enfermeiros anjos dão lugar a enfermeiros vampiros, na noite a sugar o sangue de crianças inocentes que não podiam nem dormir o sono dos justos.

Mas ela sabia perfeitamente que momentos nobres, ainda que raros, podem ser perceptíveis em um hospital. Como por exemplo um coral em uma tarde ensolarada, ou quem sabe uma faxineira com um sorriso e uma fala mansa, dê lugar ao aviso de silêncio, que teima em imperar no ambiente, como a dizer que a saúde silencia no país. Silencia na falta de recursos, na falta de diagnósticos, na falta de esperança, na falta de comprometimento do corpo médico, na falta de comprometimento ético de todos eles, se esquivando de fortalecer a noção de função social da medicina.

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas Nestes momentos, a solidão é companheira e tão somente a forte perseverança e uma inexplicável e fervorosa capacidade de acreditar que tudo irá melhorar, pode tirar a desesperança reinante, pois os demais funcionários, os enfermeiros, os profissionais da saúde de um modo geral são apenas membros auxiliares do sistema, mas estão todos em um silencioso coro a pedir um socorro emudecido, plástico, tímido e temerário, pois se têm olhos como da imagem, são cegos que não querem ver, ou se veem, não querem enxergar, não podem enxergar. Tudo para ficar bem com o sistema. O

sistema é tudo.

Às vezes ela se via como parte de um filme de terror trabalhando na UTI daquele hospital há tantos anos. Todos os seus pacientes eram idosos, e aquele momento difícil que foi no início da pandemia que aconteceu em Montenegro, parecia que ela estava dentro de um filme de terror pela quantidade de gente que chegava ao mesmo tempo. Não se esquecia de quando o hospital separou um leito de UTI para receber o primeiro paciente contaminado pelo novo vírus. Só não imaginava que aquele primeiro caso, fosse aumentar tanto.

Também foi muito assustador ver esses pacientes todos sendo intubados, e ficando em um estado muito grave.

Não se esquecia de um momento que a marcou muito quando caminhava pelo corredor do hospital, olhava para cada paciente e via todos eles com muita dificuldade para respirar.

O início, de fato, foi muito desgastante, principalmente na parte psicológica, porque aquelas cenas a deixavam muito cansada.

Certamente não ia conseguir pegar no sono nem ouvindo a sua música predileta. Já pensou, sim, em mudar de profissão, tentar alguma coisa na área de tecnologia, vender pastel, virar 14

Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas manicure, bartender, diarista, garçonete de gafieira, ou coisa parecida; desde que não fosse operadora de telemarketing.

Mas trabalhando há mais de dez anos em hospital, liderando uma pequena equipe de enfermeiros e técnicos, continuava tendo seus medos e apreensões todos os dias. Mas sabendo o quanto a sua equipe era boa, a situação ficava um pouco mais tranquila. Ademais, antes de começar seu plantão, sempre pedia a Deus proteção para que ele orientasse toda a sua equipe no que fosse necessário. Mas todos sabiam da dificuldade que a falta de leitos provocava; em breve teriam que empilhar pacientes nos corredores, pois o hospital estava com a sua infraestrutura em péssimas condições.

Mesmo com as reclamações dos funcionários, da gritaria do sindicato e de denúncias ao ministério público, nada mudava naquele cenário. E estava muito claro para ela, a urgência de salvar o Hospital São João Bosco, mais conhecido como HJB

pela população, do atual processo de degradação.

Para enfrentar os problemas a associação dos servidores do hospital vem defendendo a nomeação de profissionais de enfermagem, a transformação das vagas de auxiliar em técnico de enfermagem, melhorias na infraestrutura predial, reposição de materiais e reabertura do setor de coleta do banco de sangue, dos leitos de UTI, da sala de recuperação e enfermaria de traumatologia.

Essas são algumas saídas defendidas pelos funcionários , que vem, há anos, denunciado as dificuldades operacionais do hospital. Para eles, é preciso que as autoridades invistam mais no seu corpo de funcionários a fim de garantir um serviço público e de qualidade, deixando de lado a política de 15

Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas sucateamento do sistema que apenas beneficia o setor privado em detrimento dos interesses públicos.

Mas ela e seus colegas enfermeiros sabiam que estavam mexendo num vespeiro, num verdadeiro ofidário, onde só tinham cobras de alto teor de peçonha. Além do que a maioria das cobras tinha olhos azuis e fortíssimas relações de poder.

Eram consorciadas do sistema. E o sistema é foda!

Com setenta e quatro anos de existência e sendo uma referência na área da traumatologia, o hospital atende pessoas de toda Montenegro, sendo essencial especialmente para a capital e as cidades da região metropolitana. Mas, enfrenta um momento crítico provocado pelo descaso dos gestores atuais, situação essa que vem sendo denunciada há anos por várias entidades.

A estrutura do HJB se encontra sucateada, há vazamentos em vários setores, faltam médicos, faltam profissionais de enfermagem, equipamentos básicos, como macas e cilindros de oxigênio, e sobra trabalho para os servidores, que ficam sobrecarregados, sofrendo, eles mesmos, com problemas de saúde física e emocional. É duro trabalhar ali.

O hospital é responsável por mais de trezentos mil atendimentos e cinco mil internações por ano. No entanto, este grande número de usuários conta com cada vez menos profissionais à disposição. No caso da enfermagem, faltam duzentos e trinta e dois trabalhadores. Nos últimos anos saíram vinte e seis enfermeiros e cento e vinte e três técnicos, e ainda estão previstas mais sessenta e seis aposentadorias.

E, apenas no último ano, houve aumento de cento e quarenta por cento no atendimento, a pacientes em estado grave.

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas O quadro de degradação também pode ser visto na estrutura do hospital. No ano passado, foram fechados vinte e um leitos, bem como a enfermaria de traumatologia do terceiro andar, por falta de condições de funcionamento e de enfermeiros. E

neste ano, foi fechado o setor de coleta de sangue.

Por falta de camas próprias, os pacientes têm de permanecer nas macas o que resulta na retenção da ambulância até a liberação das mesmas. Ainda conforme dados levantados pela associação dos funcionários, a superlotação do hospital tem resultado na divisão de um mesmo quarto para vários pacientes, às vezes mais de quatro, e no uso dos corredores da emergência para sua acomodação. No bloco cirúrgico, apenas uma sala funciona devido à falta de funcionários. Na sala de recuperação, que comporta dez leitos, apenas cinco têm pacientes também por falta de funcionários.

Soraya já havia confirmado em reuniões internas os problemas vividos pelo hospital, entendendo que ele vem sendo desmontado, que é uma realidade triste e desumana, que demonstra descaso com a saúde pública por parte dos gestores. Era muito difícil. Inglório e difícil.

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Pacto de Hipócrates & Pacto de Hipócritas Capítulo II

Uma Tomada de Decisão

-

lha só, pra mim não dá mais pra segurar, a morte daquela anciã ontem foi a pá de cal, eu vou botar a boca no mundo, não posso mais compactuar com essa hipocrisia nojenta. -

Dizia a enfermeira Soraya angustiada.

-Tudo bem, tudo bem, calma, calma. Você tem absoluta certeza de que houve essa orientação para os médicos precipitarem a morte da idosa? Isso é parada pesada, você pode perder seu emprego, ser processada por calúnia e ser condenada".

- Escuta, você vai gravar meu depoimento ou não? Você parece que está com mais medo do que eu.

- Se liga Soraya, pô! A gente não pode dar mole e entrar nessa briga sem conhecer o inimigo, você sabe que isso pode dar muita merda, e esses caras são poderosos. Então vamos gravar, eu vou perguntando como é que esse hospital funciona, com todos os