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Heat 2
Heat 2
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E-book713 páginas9 horas

Heat 2

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Sobre este e-book

«Heat 2 é um romance brilhante e cativante, com personagens perfeitos e uma narração poderosa que é uma das evocações mais autênticas que li dos criminosos e dos polícias que os caçam.
O primeiro romance de Michael Mann (e Meg Gardiner) é um tour de force que funciona de forma independente, mas também homenageia o filme icónico de Mann e o aprofunda, colocando todos os seus personagens-chave numa nova história, que tem lugar antes e depois de Heat – Cidade Sob Pressão, cheia de detalhes surpreendentes e com uma grande voltagem emocional.»
DON WINSLOW
«SEMPRE tive a intenção de ampliar as histórias que apareciam no Heat – Cidade Sob Pressão. Os personagens já tinham vidas ricas e complexas antes de 1995, o ano em que o meu filme decorria. Heat 2 é uma nova história que abrange os primeiros anos de vida dos personagens do Heat – Cidade Sob Pressão e também é uma sequela que nos apresenta o seu futuro.
É o antes e o depois do filme, começando no dia que se segue ao fim do Heat – Cidade Sob Pressão com um Chris Shiherlis desesperado a tentar fugir de Los Angeles.
Quando escrevi e realizei Heat – Cidade Sob Pressão, era a minha prática habitual criar biografias completas de todos os personagens para saber de onde vêm, como se transformaram em quem são e o que queriam para o seu futuro.
Este contexto profundo não foi criado apenas para o filme, mas foi a base para os atores que interpretaram os seus papéis.
Heat 2 inclui um Neil McCauley mais jovem e perigoso e que ainda mantém algumas relações pessoais; ainda não é o Neil do filme, que "não tem nenhuma dependência, que pode deixar radicalmente toda a sua vida para trás em exatamente trinta segundos".
O romance também nos traz um Vincent Hanna atormentado pelo seu passado e que ainda não se transformou no caçador que dirá à sua ex-mulher, Justine, no filme: "Tudo o que sou é o que serei".
Heat – Cidade Sob Pressão era apenas uma parte destas vidas. Para mim, Heat 2 é uma oportunidade fascinante de mostrar os seus passados e projetar os seus futuros com todo o detalhe.»
MICHAEL MANN
Um dia depois do fim de Heat – Cidade Sob Pressão, Chris Shiherlis (Val Kilmer) encontra-se escondido em Koreatown; está ferido, meio inconsciente e a tentar desesperadamente fugir de Los Angeles. É perseguido pelo detetive do Departamento de Polícia de Los Angeles, Vincent Hanna (Al Pacino). Horas antes, Hanna matara o companheiro de Shiherlis, Neil McCauley (Robert De Niro), num tiroteio sob as luzes estroboscópicas ao pé de uma pista do aeroporto de Los Angeles. Agora, Hanna está decidido a capturar ou matar Shiherlis, o último sobrevivente dos homens de McCauley, antes que desapareça da cidade.
Em 1988, sete anos antes, McCauley, Shiherlis e o resto do gangue atacaram na Costa Oeste, na fronteira com o México e, por último, em Chicago; ganham dinheiro selvaticamente e vivem no limite. O detetive de homicídios de Chicago, Vincent Hanna, um homem que não se reconciliou com o seu passado, cumpre com a sua vocação: a perseguição de um gangue ultraviolento de assaltantes de casas. Enquanto isso, as consequências dos golpes de McCauley e da perseguição de Hanna terão repercussões inesperadas numa trama paralela ao longo dos anos posteriores a Heat – Cidade Sob Pressão. Heat 2 situa os seus personagens, homens e mulheres reais, vívidamente descritos, em mundos completamente novos: desde as entranhas de organizações criminosas rivais na América do Sul até aos cartéis transnacionais no Sudeste Asiático. O romance mostra-nos as vidas de todos eles que, no universo de Heat, enfrentarão novos adversários em circunstâncias letais para além de todos os limites.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jun. de 2023
ISBN9788491399186
Heat 2
Autor

Michael Mann

Michael Mann is a world-renowned director, screenwriter, producer, and one of the most innovative and influential filmmakers in American cinema. Mann has written and directed award-winning television movies and series (including Miami Vice and Crime Story) and feature films including Manhunter, The Last of the Mohicans, Heat, The Insider, Ali, and Miami Vice. He has produced numerous feature films, including Academy Award-winner The Aviator (directed by Martin Scorsese and starring Leonardo DiCaprio and Cate Blanchett) and directed several commercially successful, critically acclaimed projects including the feature film Collateral (starring Tom Cruise) and the pilot for the HBO series Luck (starring Dustin Hoffman). Mann has won many prestigious awards, including a BAFTA for Best Film (The Aviator), a Golden Globe for Best Picture/Drama (The Aviator), and an NBR Award for Best Director (Collateral). Mann lives in Los Angeles.

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    Heat 2 - Michael Mann

    Lyric from «It’s All Over Now, Baby Blue» by Bob Dylan used courtesy of Universal Music Publishing. All rights reserved.

    L.A. Woman

    Words & Music by The Doors

    Copyright © 1971 Doors Music Company, LLC

    Copyright Renewed

    All Rights Administered by Wixen Music Publishing, Inc.

    All Rights Reserved Used by Permission

    Reprinted by Permission of Hal Leonard LLC

    Editado pela HarperCollins Ibérica, S.A.

    Avenida de Burgos, 8B

    28036 Madrid

    Heat 2

    Título original: Heat 2

    © 2022. Michael Mann Books LLC

    © 2023, para esta edição da HarperCollins Ibérica, S.A.

    Publicado pela HarperCollins Publishers LLC, New York, U.S.A.

    © Da tradução de inglês, Fátima Tomás da Silva

    Heat © 1995 Monarchy Enterprises, BV, e Regency Entertainment (USA), Inc.

    Reservados todos os direitos, inclusive os de reprodução total ou parcial em qualquer formato ou suporte.

    Esta edição foi publicada com a autorização da HarperCollins Publishers LLC, New York, U.S.A.

    Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, acontecimentos ou situações são pura coincidência.

    Desenho da capa: Tony Mauro

    Desenho do logótipo: Neville Brody

    Imagem da capa: © trekandshoot/Dreamstime.com

    ISBN: 9788491399186

    Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

    Sumário

    Créditos

    Dedicação

    Prólogo

    Primeira parte. Los Angeles, 1995

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    Capítulo 7

    Segunda parte. 1988

    Capítulo 8

    Capítulo 9

    Capítulo 10

    Capítulo 11

    Capítulo 12

    Capítulo 13

    Capítulo 14

    Capítulo 15

    Capítulo 16

    Capítulo 17

    Capítulo 18

    Capítulo 19

    Capítulo 20

    Capítulo 21

    Capítulo 22

    Capítulo 23

    Capítulo 24

    Capítulo 25

    Capítulo 26

    Capítulo 27

    Capítulo 28

    Capítulo 29

    Capítulo 30

    Capítulo 31

    Capítulo 32

    Capítulo 33

    Capítulo 34

    Terceira parte. Paraguai, 1995-1996

    Capítulo 35

    Capítulo 36

    Capítulo 37

    Capítulo 38

    Capítulo 39

    Capítulo 40

    Capítulo 41

    Capítulo 42

    Capítulo 43

    Capítulo 44

    Capítulo 45

    Capítulo 46

    Quarta parte. Fronteira Estados Unidos - México, 1988

    Capítulo 47

    Capítulo 48

    Capítulo 49

    Capítulo 50

    Capítulo 51

    Capítulo 52

    Capítulo 53

    Capítulo 54

    Capítulo 55

    Capítulo 56

    Capítulo 57

    Capítulo 58

    Capítulo 59

    Capítulo 60

    Capítulo 61

    Capítulo 62

    Quinta parte. Paraguai, 1996

    Capítulo 63

    Capítulo 64

    Sexta parte. Los Angeles, 2000

    Capítulo 65

    Capítulo 66

    Capítulo 67

    Capítulo 68

    Capítulo 69

    Capítulo 70

    Capítulo 71

    Capítulo 72

    Capítulo 73

    Capítulo 74

    Capítulo 75

    Capítulo 76

    Capítulo 77

    Capítulo 78

    Capítulo 79

    Capítulo 80

    Capítulo 81

    Capítulo 82

    Capítulo 83

    Capítulo 84

    Capítulo 85

    Capítulo 86

    Capítulo 87

    Capítulo 88

    Capítulo 89

    Capítulo 90

    Capítulo 91

    Capítulo 92

    Capítulo 93

    Capítulo 94

    Capítulo 95

    Capítulo 96

    Capítulo 97

    Agradecimentos

    Para o meu pai,

    Jack Aaron Mann,

    que inspirou tudo

    MICHAEL MANN

    Para o Paul

    MEG GARDINER

    Prólogo

    Às 11h32 da manhã de quinta-feira, 7 de setembro de 1995, o Banco Nacional do Extremo Oriente, situado no número 444 de South Flower Street, em Los Angeles, era assaltado por três homens: Neil McCauley, Michael Cerrito e Chris Shiherlis. Um quarto, Donald Breedan, conduzia o veículo que usariam para fugir. O Banco Nacional do Extremo Oriente era um ponto de distribuição de dinheiro, com grandes quantias à mão. Os empregados do banco ativaram dois alarmes de telecomunicações e um alarme sem fios, mas os sinais não foram a lado nenhum. Na noite anterior, Cerrito entrara pelo teto do estacionamento subterrâneo do banco para aceder ao CPU do sistema de alarme, situado no andar de cima, e mudara três das suas placas de circuito. Vinte minutos antes do roubo, o sistema de alarme apagara-se, juntamente com as suas câmaras de vídeo. Às 11h50 da manhã, McCauley, Cerrito e Shiherlis saíam devagar — um atrás do outro — carregados com sacos de viagem que continham 12,8 milhões de dólares em dinheiro.

    Cinco minutos antes, às 11h45, Vincent Hanna, da Divisão de Roubos e Homicídios da polícia de Los Angeles, recebera a dica do roubo à mão armada que estava a acontecer. Hanna, os seus detetives e várias unidades da polícia uniformizada apressaram-se para o banco enquanto McCauley, Cerrito e Shiherlis atravessavam a calçada, à saída do edifício. Nos minutos que passaram a seguir, o centro de Los Angeles transformou-se num campo de batalha urbano.

    Hanna andava atrás daquele gangue desde que chegara à cena do roubo violento de uma carrinha blindada. Ao parar o carro, encontrara o paradigma típico da cena do crime: a regularidade ordenada do mobiliário urbano — lancis, candeeiros, caixas de fusíveis e cabos — e, depois, as anomalias: cérebros, pedaços de osso, poças de sangue, a parte inferior de uma carrinha blindada caída como um mamute petrificado.

    A identidade dos assaltantes armados era um mistério. Contudo, o que Hanna soubera à primeira vista fora que se tratava de um grupo importante de profissionais de elite.

    Havia sinais, como esquírolas e restos, que continham mensagens do que acontecera. Ao voltar atrás para entender como tinham chegado até ali, Hanna descobrira a sequência dos acontecimentos e os métodos daquele gangue. O lugar escolhido tinha boas vias de escape; rampas de entrada para duas autoestradas. Ignoraram o dinheiro solto e os dois minutos que o roubo durara indicavam que sabiam quanto tempo o Departamento de Polícia demoraria a responder a um código 211. O uso de cargas explosivas direcionadas para cortar a abertura precisa e retangular na blindagem fazia Hanna suspeitar que aquele gangue conseguia agir em silêncio. Também sabiam levar a cabo roubos sofisticados de grande envergadura. Isso significava que eram capazes de abordar todo o tipo de golpes do modo que fosse necessário abordá-los. E, se entravam à bruta, apertavam o gatilho ao menor pretexto. Mataram os dois guardas quando um deles tentou alcançar a pistola que tinha no coldre do tornozelo. Executaram o terceiro de forma fria e calculista. Dado que, de todas as formas, aquilo já era um caso de assassinato em primeiro grau, porquê arriscar-se a deixar uma testemunha com vida? Se, por acaso alguém se cruzasse com esse gangue, era um problema dele.

    Hanna acabou de analisar tudo, antes de falar com os detetives, os técnicos e os agentes uniformizados de outras divisões.

    A Divisão de Roubos e Homicídios era a unidade de elite da polícia de Los Angeles. O seu âmbito alcançava toda a cidade. Hanna tinha autoridade para se apropriar de qualquer caso de qualquer divisão. Queria lidar com aquele. Os Roubos e Homicídios encarregar-se-iam daquilo.

    Depois de interrogar a sua rede de informantes, Hanna identificou um membro do gangue, Michael Cerrito. Hanna pô-lo em vigilância e, graças a isso, encontrou os outros, exceto o esquivo McCauley. Sabia, sem lugar para dúvidas que, dado o profissionalismo daquele gangue, era improvável que deixassem provas físicas suficientes na cena de um crime para que os vinculassem ao mesmo. De modo que a sua estratégia consistira em vigiá-los, descobrir qual seria o seu próximo golpe e estar presente quando entrassem pela porta do lugar em questão.

    Neil McCauley apercebeu-se de que alguém o vigiava. Quando se apercebeu, a sua reação foi calma, porque a calma significava rapidez. A rapidez não era rápida. Shiherlis estava dentro de um armazém de metais preciosos, a fazer um buraco numa porta couraçada com um martelo pneumático às três da manhã. Cerrito estava a subir a um poste telefónico para monitorizar o seu sistema de alarme. Trejo, que se mantinha vigilante, dava voltas ao quarteirão.

    Na calçada, Neil sentia o ar fresco da noite na cara enquanto observava as ruas escuras e desertas. Ouviu um som. Uma chapa metálica atingida por um objeto sólido. Era um som que não devia estar ali. Procedia de uma fileira de carrinhas de distribuição estacionadas do outro lado da rua, no estacionamento de uma padaria industrial. Aquele som estava deslocado. Supostamente, as carrinhas estavam vazias. Mas não estavam.

    Com calma, Neil voltou a entrar no edifício. Shiherlis, guiando o berbequim, estava prestes a aceder à caixa-forte. Depois, seria como um abre-te sésamo. Neil deu a ordem: vamo-nos embora. Deixaram para trás as ferramentas, a roupa de trabalho e seis semanas de preparativos. Essa era a sua disciplina.

    Hanna viu tudo através das imagens FLIR das câmaras escondidas numa carrinha de distribuição da padaria. As suas equipas da SWAT estavam prontas e bem escondidas.

    Deixou-os ir. Não ia conformar-se com uma simples invasão de propriedade. Queria apanhá-los a sério.

    Depois daquilo, Neil reuniu Shiherlis, Cerrito e Trejo nas imediações de uma subestação elétrica, onde os cabos de alta voltagem geravam tantas interferências na radiofrequência que qualquer transmissão de algum microfone escondido que não tivessem encontrado nos seus carros ficaria destruída.

    Tinham de decidir naquele mesmo instante: separar-se e cada um ir para seu lado naquele momento ou descobrir quem raios os encontrara, livrar-se da vigilância, ficar e assaltar o banco de todos os modos.

    Para Chris Shiherlis, a resposta foi automática. O seu casamento estava em crise e num declive rápido. Era um homem forte, com uma sobriedade letal e uma concentração precisa quando começava um trabalho. Tinham feito golpes um mês sim e o outro também. Porém, Chris era um desastre na sua vida pessoal. Recuperado do seu vício do jogo, voltara a recair num sábado de manhã há dois meses no hipódromo de Santa Anita. Perdeu imenso dinheiro na terceira corrida e começou a apostar imprudentemente por «metacoincidências» baseadas em números e nomes, incluindo a de um cavalo chamado Dominick, o mesmo nome do seu filho. Aquele cavalo também perdeu. Gastara metade do que Charlene e ele tinham conseguido poupar depois de um ano e meio de golpes.

    Depois daquilo, Charlene fartara-se. Queria ter uma vida adulta para eles e para o seu filho. Conseguira frear uma vida que ia encosta abaixo. Para ela, Chris continuava a ser «uma criança que envelhecera». Para Chris, gozar com os polícias que os tinham descoberto e levar os onze ou doze milhões do banco era algo por que valia a pena correr o risco.

    Sentado num Cadillac entre as sombras noturnas por baixo das rampas ensurdecedoras do cruzamento da 105 com a 110, Neil recebeu o pacote com a contraespionagem, incluindo o arquivo pessoal de Vincent Hanna, das mãos do seu intermediário Nate.

    Nate era um ladrão de bancos ao estilo antigo do sul da Califórnia. McCauley e ele tinham cumprido pena na Penitenciária Federal de McNeil, em Puget Sound. Agora, era o que conseguia os golpes e o recetador de Neil. Alto, esquálido, de cabelo comprido e ralo, cuidadoso, Nate trabalhava num bar de luz azul, que possuía em Encino, chamado Blue Room. Naquele momento, estava a tentar procurar as palavras adequadas para expressar a sua cautela.

    Esse tal Vincent Hanna, dos Roubos e Homicídios, não estava a trabalhar no caso «para servir e proteger». Não queria subir no escalão administrativo. Ia no seu terceiro casamento porque passava as noites a rondar pela cidade, à espreita. Era um desses tipos entregues. E tinha o gangue de Neil debaixo de olho; todos menos Neil.

    O mantra de Neil era desaparecer em trinta segundos se sentisse pressão ao virar da esquina. Nate recordou-lhe isso. E Hanna podia cometer erros. Podia acertar ou falhar. Neil, pelo contrário, não podia permitir-se falhar uma única vez.

    Neil pensou e rejeitou tudo aquilo. Não se sentia obrigado a explicar porque ia ficar, quebrar o seu próprio princípio, esquivar Hanna e assaltar o banco na mesma.

    Ninguém precisava de saber. Ao princípio, pensara que Eady era apenas uma aventura de uma noite e que se conformaria com a lembrança. A sua vida era a um milhão de quilómetros da de Neil McCauley. Oriunda da Cordilheira Azul, era designer gráfica freelancer no seu tempo livre e trabalhava durante o dia numa livraria de Santa Mónica especializada em arquitetura. Com ela, abrira-se uma porta que Neil não achava que continuasse lá. Fechara-se há anos, no asfalto ensanguentado de uma estrada de duplo sentido nos subúrbios de Mexicali. Desejava estar com aquela mulher. O motivo por que ficaria fora aquele golpe e a vida que poderia proporcionar-lhes, em algum lugar muito longe dali. Não planeara nada daquilo, mas um futuro sem ela já não fazia nenhum sentido para ele.

    A certa altura, depois de Vincent Hanna descobrir que se tinham ludibriado da sua vigilância, Neil McCauley e ele encontraram-se cara a cara.

    Hanna apercebeu-se do motivo: continuar escondido já não importava.

    Deteve McCauley na autoestrada 105. Queria tudo o que pudesse descobrir sobre ele e seria capaz de descobrir mais se falasse com ele do que através de um equipamento de vigilância ludibriado.

    McCauley também sabia que talvez tivesse apenas um instante num futuro não muito longínquo para decidir intuitivamente se ia para um lado ou para o outro. De modo que queria ter uma ideia de quem era Hanna.

    Sentaram-se no Kate Mantilini de Wilshire Boulevard. Ambos sabiam alguns factos objetivos um sobre o outro, mas eram coisas sem nenhuma cor. O que cada um deles sabia sobre o outro era algo altamente sensível e descarnado. Ambos eram predadores.

    Neil sabia sobre os casamentos fracassados de Hanna. Hanna confessou que era o preço a pagar por perseguir tipos como ele por toda a cidade. Neil confessou que conhecera uma mulher, mas não falou dela nem do que lhe dissera uma noite: «A minha vida é uma agulha que começa no zero e vai para o outro lado, um duplo espaço em branco», pelo menos, até ela aparecer. Convencera Eady a ir-se embora com ele.

    Sem revelar nada que pudesse comprometê-los, falaram com a intimidade que, às vezes, acontece entre dois desconhecidos. Descobriram que ambos interpretavam de forma semelhante o mundo real e o modo como a vida passava a toda a pressa.

    Hanna era atormentado pelos seus sonhos. Sonhava com corpos mortos sentados numa mesa, a observá-lo. Não diziam nada. O seu aspeto fazia-o pensar em obrigações. McCauley não queria saber de obrigações. Tinha sonhos em que não conseguia respirar. Em que se afogava. Talvez estivesse a ficar sem tempo, sugeriu-lhe Hanna. Pareciam-se porque ambos sabiam que a vida era curta, somos pegadas numa praia até a maré chegar. E ambos enfrentavam, com os olhos bem abertos, o futuro que se aproximava. Cru. Eram polos opostos em alguns aspetos, mas pareciam-se na sua forma de interpretar o mecanismo do mundo, sem miragens ou autoenganos.

    Ao mesmo tempo, estariam dispostos a rebentar a cabeça um ao outro sem hesitar. Isso também sabiam.

    Embora talvez nunca acontecesse. Talvez nunca mais voltassem a ver-se.

    Foi assim que acabou o encontro.

    No caos posterior ao assalto ao Banco Extremo Oriente, Breedan morreu ao volante do Lincoln às mãos dos detetives de Hanna (Drucker e Casals). Hanna deu um tiro na cabeça de Cerrito, que se escondia atrás de uma menina de cinco anos. Bosko, o parceiro de Hanna, foi abatido por Shiherlis. Três polícias uniformizados de Los Angeles foram assassinados e onze foram feridos, três deles com gravidade. Shiherlis foi atingido por cima do colete antibalas por um projétil de 5,56 milímetros a uma velocidade de 940 metros por segundo. Atirou-o ao chão e destruiu-lhe a clavícula, incrustando-lhe esquírolas de osso na parte superior do tórax. Neil levou-o às costas até ao estacionamento de um supermercado, onde roubou uma carrinha à ponta de pistola. Tinham de sair rapidamente de Los Angeles.

    Neil não chegou a consegui-lo.

    Hanna matou-o por baixo das luzes de aproximação ao pé de uma pista de aterragem do aeroporto de Los Angeles. Eady estava à espera dele num Camaro à entrada do Hotel Marquee do aeroporto, em Century Boulevard.

    O único que sobreviveu foi Chris Shiherlis.

    PRIMEIRA PARTE

    Los Angeles, 1995

    A realidade alimenta-se de carne crua

    e não hesita

    Tem a resistência do sol

    Marca as suas próprias regras

    SPOON JACKSON

    1

    Luzes estroboscópicas na noite penetram pelas frestas da persiana, piscadelas intermitentes de néon cor-de-rosa e azul do centro comercial coreano da esquina. Os faróis dos carros, ao virar, projetam sombras no teto. A música ecoa através do chão, procedente de uma loja de música no andar de baixo. Palpita como a pulsação que Chris Shiherlis sente no ombro e no pescoço.

    «Levanta-te.»

    Não consegue fazê-lo.

    «Levanta-te da merda de uma vez. Agora.»

    Shiherlis abre os olhos.

    Não está morto. Os mortos não vibram ao ritmo do pop coreano que vem do chão. Os mortos não sangram.

    Não está em casa. A sua casa é uma moradia baixa e discreta no meio do anonimato de San Fernando Valley. Isto é um colchão atirado sobre uma estrutura de cama num canto. Não é uma cela. É o apartamento de um andar superior. Koreatown.

    Os olhos fecham-se-lhe, deixa-se levar mais uma vez pela maré da oxicodona. Então, chega uma onda e acorda.

    «O que faço aqui?»

    O pop coreano impregna-se como o staccato dos disparos que retumbam no canhão, entre prédios de vidro preto. Sirenes que se aproximam e apitam à sua passagem pelo centro. Recorda o peso oscilante do saco de viagem cheio de dinheiro pendurado às suas costas. Breedan baleado, morto ao volante. Uma emboscada. Rajadas de três disparos, um ato reflexo. Sem vacilar. A polícia de Los Angeles a chegar. Polícias. Potência de fogo superior para subjugar os civis. «Civis? Isso sim, é esmagador, filhos da puta!» Atacar a emboscada. A carroçaria branca e preta dos carros-patrulha parece um coador, o som faz os batimentos do coração ecoar na cabeça, explode no topo do crânio.

    Os golpes surdos da música, vivos e alheios. «Usa-os.»

    — Concentra-te: os olhos — murmura.

    As sombras e a luz cor-de-rosa da rua desenham riscos nas paredes encardidas. Cama, lençóis baratos, ele em cuecas. A sua roupa está dobrada em cima de uma cadeira de jardim de plástico. Uma televisão desligada por cima de uma mesa desdobrável. Beatas de cigarro apagadas num pires lascado; latas de cerveja esmagadas num caixote do lixo. Vozes lá fora.

    A trajetória da ferida grita. Os fragmentos de osso não lhe rasgaram a artéria subclávia; caso contrário, estaria morto. O médico dos cães, o doutor Bob, o veterinário. Chris ouvira-o a dizê-lo a Neil enquanto este o segurava.

    Chris esperneia, tentando alcançar a superfície.

    «Levanta-te da merda de uma vez!»

    Tenta virar-se e endireitar-se. Os músculos doridos do pescoço e do ombro impedem-no.

    Como chegou até ali? Voltou de carro para casa de Nate depois de ir a Venice. Ouviu as sirenes, que o tiraram do seu estupor quando um sinal vermelho ficou verde. Lembra-se de passar de uma faixa para a outra em direção a norte por Sepulveda Pass, regressando a Encino. Não se atrevia a seguir pela 405.

    «Venice.» A mão dela mexera-se no ar num gesto de croupier de blackjack. Não podem roubar-se mais cartas. Ela ligara e deixara-lhe uma mensagem. Nate não estava de acordo, mas Chris foi-se embora de todos os modos, foi de carro para Venice. Conseguira sair do carro e vira-a ali, à espera na varanda.

    Os seus olhos, um sorriso. Tentadora, como quando se conheceram. Depois, aquele olhar que a superava, um olhar de advertência.

    Abre-se a porta de Koreatown. Entra Nate.

    É alto, usa um casaco desportivo creme de dois botões e uma gravata de bolo. Tem o cabelo crespo e loiro penteado para trás e um bigode dos anos setenta que lhe cobre essa cara cheia de manchas. Com esses olhos pequenos e rápidos, olha para Shiherlis de cima a baixo, avaliando-o.

    «Que horas são?»

    Nate fecha as persianas.

    — O que foi?

    «Há quanto tempo estou aqui?»

    Palavras. Ouve-as na sua mente. Fazem sentido. Saem-lhe pela boca?

    Nate inclina-se por cima dele.

    — Está quieto.

    Arrasta a cadeira de jardim até à cama, senta-se e, com cuidado, retira o esparadrapo que prende a gaze que cobre a ferida de bala.

    O pequeno projétil de 5,56 milímetros disparado a grande velocidade atingira-o como um míssil Sidewinder, fazendo honra ao seu desenho: cavitação ampla numa massa corporal, osso transformado em metralha. Chris lembra-se de estar deitado de barriga para cima no asfalto com uma clareza produto da adrenalina, a visão inclinada dos carros-patrulha que tinham destruído com tiros. «Não consigo mexer-me.» Neil levantou-o do chão.

    Nate afasta a ligadura. Os pontos de sutura estão pretos; a pele, vermelha e ardente.

    A luz do teto desenha silhuetas. Nate resmunga, assente e volta a pôr o esparadrapo sobre a pele de Chris. Apoia-se nos ombros. Olha para ele nos olhos.

    — Estás aqui comigo ou na Disneylândia? — Fala em voz baixa e rouca.

    Chris assente.

    — Temos de te tirar daqui. Depressa.

    Nate vende merda. Mercadoria. Encarrega-se dele. De organizar os golpes. Seja o que for.

    — Charlene — murmura Chris.

    — Tens algumas horas. Depois, acabou.

    O seu filho, a sua esposa. Charlene não está aqui…

    — Neil? — pergunta Chris.

    Vê a frieza nos olhos de Nate, sem expressão. Uma resposta controlada de um perito em más notícias.

    — Se ficares aqui, estás morto — diz-lhe, simplesmente. — Devias pensar nisso e em mais nada.

    — Neil…

    — Acorda, porra. Já volto. — Nate hesita, abana a cabeça um milímetro e, depois, dirige-se para a porta.

    Chris vê-o, coberto de riscos cor-de-rosa e azuis do néon da rua. Tenta projetar a voz de um extremo para o outro do quarto antes que Nate se vá embora, por cima dos sons graves do pop coreano que sobem do chão. «Não abanes a cabeça e não te vás embora, homem.»

    A porta fecha-se.

    2

    Vincent Hanna anda de um lado para o outro junto da janela enorme, examinando a divisão. As ondas de fora batem na areia com um murmúrio constante. O oceano é de um cobalto escuro. A parte superior das nuvens mais baixas projeta fios de luz dourada, como os galões de um uniforme de gala. O amanhecer. Seis da manhã. A casa está vazia. Neil McCauley vivia aqui. Não vai voltar.

    Hanna está aqui porque quer que este lugar lhe conte coisas. Quer que McCauley volte a falar com ele. Nem sequer passaram seis horas desde que disparou as três rajadas que abateram McCauley. Apertou-lhe a mão durante o paroxismo que o levou à morte. Entenderam-se um ao outro, como se fossem as únicas duas pessoas na Terra. Sozinhos, isolados dentro da sua própria pessoa, mas só eles sabiam como o mundo funciona realmente.

    Na palma da sua mão esquerda, permanece a memória tátil.

    Atravessa a sala de Neil, observando. O tempo que lhe resta está a evaporar-se. Quer alguma coisa; informação, dados. O chão de madeira só causa eco enquanto anda. O som das ondas a quebrar ecoa nas janelas. O corrimão de vidro da varanda está sujo de merda de gaivota.

    McCauley não vivia aqui, neste espaço branco. Dormia aqui, comia aqui, bebia uísque de malte da garrafa que há na bancada. McCauley nunca habitou esta moradia.

    Fora uma estação de passagem.

    «Sem laços. Abandona em trinta segundos tudo e qualquer pessoa se sentires a pressão ao virar da esquina», dissera a Hanna.

    Quem era então a rapariga do Camaro?

    Lá fora, o sol nascente ilumina o céu por cima do oceano escuro. Hanna afasta-se das janelas.

    Tudo desapareceu. A parte de McCauley da quantia de oito dígitos do ataque ao banco. Cerrito. Trejo. Breedan.

    Exceto o último homem, Chris Shiherlis. Anda por aí. Onde?

    O sargento Jamal Drucker entra na sala da parte traseira da casa. Mexe-se como uma lâmina de carbono, suave, afiado, com o rosto escuro e severo por baixo daquela luz ténue.

    — Aqui não há nada, Vincent.

    — Vestígios? Manchas? Partículas?

    Os seus pensamentos saem pela tangente… Alguém da família de Michael Bosko já estará na morgue. É o que receia. Lá ou na funerária. Esse olhar de indiferença no rosto de Shiherlis ao disparar. Sem hesitar. A rajada de três tiros que matou Bosko. Onde está Shiherlis? Hanna começa a ficar sem oportunidades de o encurralar, consomem-se como as unidades idênticas de um tacómetro. O tempo, com a sua indiferença habitual, vai arrebatando-lhe as possibilidades.

    Drucker parece cansado, mas a sua voz profunda soa concentrada, firme.

    — Três camisas brancas idênticas no armário. Livros; Metalurgia mecânica, Camus, Marco Aurélio. Não me perguntes porquê.

    Porque é que isso não o surpreende?

    — Não há coisas de mulher? Batom, rímel, lingerie, Tampax, luvas de borracha cor-de-rosa ou turquesa penduradas na canalização por baixo do lava-loiça? O que há no frigorífico? Iogurte? Framboesas? Biscoitos congelados? Mais alguma coisa para além de jantares pré-cozinhados?

    — Uma garrafa de vodca.

    No entanto, McCauley encontrava-se com uma mulher. Tinha uma expressão compungida por baixo daquele cabelo castanho e despenteado, de pé junto do Camaro. Aparece nas gravações de segurança do hotel, com os ombros caídos quando McCauley se afasta dela e foge, perseguido por Hanna. As matrículas do Camaro não coincidiam. Sem dúvida, era o veículo de McCauley. E quem é ela?

    — Ia fugir com ela — diz a Drucker.

    — Quem?

    — A rapariga do Camaro.

    — Talvez se tenha ido embora.

    — A julgar pelo seu aspeto, não está envolvida. Onde iria sem ele? Talvez saiba quem forneceu o carro ao Neil. Seja quem for, essa é a pessoa que está a ajudar o Shiherlis. Não vai ao aeroporto de Los Angeles fazer o check-in. O Shiherlis não apareceu porque se apercebeu de que tínhamos a Charlene vigiada. Sabe que a Charlene não vai a lado nenhum. Isso significa que se foi embora. Sozinho. E irá ter com o tipo que proporcionou o carro ao McCauley.

    Vira-se, examinando o lugar.

    — Há algo neste lugar estéril com as janelas cobertas de merda de gaivota que nos indique quem raios poderia ser esse tipo?

    Fica a observar a sala, agora tingida pela luz azul do amanhecer. Sente o pulso pesado. Tenta absorver a informação. Mas esta casa não guarda mais do que reflexos.

    «O que pode indicar-me isto?»

    «Nada. Porque continuo aqui?»

    Está a tentar sentir a presença de Neil, de pé onde ele esteve, a ver o que ele via. Uma certa melancolia agarra-se àquele chão de madeira. Uma vida acabada, irreversível, um homem que conhecia.

    Sabiam como o outro pensava sobre assuntos pessoais, ali sentados, um à frente ao outro, no Kate Mantilini… e, ao mesmo tempo, Hanna não descobrira nenhuma informação logística que pudesse ser-lhe útil sobre aquele homem.

    Drucker acede à cozinha. Eletrodomésticos asséticos e reluzentes. Uma bancada imaculada. Uma caneta ao pé do exemplar de ontem do LA Times. Desdobra o jornal, procura alguma nota rabiscada, números de telefone, nomes, iniciais, informação de voo. Por baixo, há um livro acetinado.

    — Vincent — diz Drucker. — Fraturas por tensão no titânio.

    Hanna aproxima-se.

    — Uma magnífica seleção de leitura — comenta Drucker, enquanto lhe passa o livro. — Merda fria e analítica.

    Na parte de trás, o livro tem a etiqueta do preço.

    — Hennessey and Ingalls. Conheces este lugar?

    — É em Santa Mónica, sim. É uma livraria especializada em arte e arquitetura.

    Hanna folheia as páginas do volume pesado. Lá dentro, está o recibo.

    — Comprou o livro no mês passado. Pagou em dinheiro.

    O barulho das ondas a quebrar entra através das janelas. Hanna pega no recibo. Drucker já está a marcar o número de telefone.

    — Quero falar com o supervisor agora mesmo. O Neil esteve nessa loja há três semanas a comprar isto. Quem ia com ele? Quem o atendeu? Quem o cobrou?

    Drucker sai pela porta. Hanna fica ali parado, à frente do oceano.

    Na noite anterior, os aviões de passageiros sulcavam o céu por cima da sua cabeça. Sentia o coração acelerado de Neil McCauley na sua mão esquerda. Agora, Hanna só ouve as ondas. Toca no vidro com a mão direita.

    Neil, talvez também Chris, esteve aqui, mesmo aqui, nesta posição. «Onde eu estou agora, a olhar através deste vidro.» Tenta canalizar o pensamento de Neil. Sozinho na enormidade… à exceção deste corpo, deste organismo… que sente, até deixar de o fazer. Seria isso que Neil pensaria…

    Hanna apertou-lhe a mão enquanto o paroxismo sacudia o seu corpo, invadido pelas hemorragias arteriais. Se tivesse de o fazer, voltaria a fazer exatamente o mesmo, e isso não muda nada neste momento. Ambas as coisas são verdadeiras.

    Vira as costas ao mar.

    Bate no vidro com os nós dos dedos ao afastar-se. O som ricocheteia à luz do amanhecer como uma roda de oração.

    3

    Nate apoia-se contra a cabina telefónica, com o auscultador colado à orelha, enquanto observa o trânsito e os transeuntes do começo da manhã.

    Debe ir hoy. Absolutamente — diz num espanhol de rapaz branco de Los Angeles.

    Shiherlis tem de se ir embora nesse mesmo dia. Esperar mais não é uma opção.

    Está à frente de uma farmácia de Koreatown a segurar um saco de plástico avultado cheio de provisões médicas, Gatorade, uma lâmina de barbear descartável e mais coisas.

    — Metade adiantada. A outra metade depois. O resto quando chegar lá. — Ouve. Observa. As pessoas olham para ele ao passar pela calçada: um tipo branco e alto, de aspeto rockabilly com uma gravata bolo dos anos cinquenta. — O carro… O carro está no meu espaço. Na garagem. Blue Room. Sim. — Assente. — A que horas? — Olha para o relógio. — Lá estará.

    Desliga o telefone, repara na rua e dá um passo atrás para que o cholo que se aproxima pela sua esquerda não possa passar atrás dele. Os costumes adquiridos no pátio da prisão acompanham-no sempre. Ziguezagueia pela rua, entra pela porta estreita e sobe as escadas até ao estúdio por cima da loja de música e lavandaria, onde deixou Shiherlis.

    Lá dentro, Chris ouve os passos. Endireita-se na beira da cama, ensonado e meio enjoado.

    Tem de se levantar. «A máquina de carne. Esse não sou eu. Eu sou eu; estou dentro dela. Levanta-te, corpo. Fá-lo.»

    Entra Nate. Chris impulsiona-se para se levantar.

    Algo se lhe retorce nas tripas, um nervo vago, náuseas, o quarto dá voltas.

    «Levanta-te, cabrão!»

    A luz do dia é uma prancha de aço a arder à frente da janela. O efeito da oxicodona vai e vem. A dor afia os dentes. Precisa de recuperar a clareza, mesmo que isso implique essa sensação de punhalada cada vez que respira.

    Nate deixa cair um saco de plástico meio roto em cima da cama.

    — Vais-te embora hoje, mano. Em breve, terás de conseguir mexer-te.

    Chris está cheio de sede, a cabeça palpita. A desidratação e a perda de sangue. Abre uma garrafa de um litro de Gatorade e bebe metade. Nate mostra-lhe pacotes de gazes, uma pomada antibiótica e um frasco de comprimidos com receita.

    — Antibiótico de largo espetro. Espero que não sejas alérgico. — Pega num frasco de água oxigenada e bolinhas de algodão. — Tira a camisa. Vou mudar-te a ligadura.

    Chris tira a camisa e deixa-se cair na beira da cama. O som do trânsito lá fora e a luz do quarto parecem inchar e esfumar-se, uma sensação palpitante e pestanejante. Chris sente a língua espessa.

    — Charlene — diz.

    Nate aproxima a velha cadeira de jardim da cama, senta-se, tira-lhe o esparadrapo e a ligadura suja do ombro. Chris sente o ar na sua pele sensível. Inclina-se para a frente.

    — Charlene?

    — Já te ouvi à primeira.

    — Tenho de ir vê-la…

    — A sério…? Como sabias onde estava?

    — Ligou-me e disse-me.

    — O que te disse? — pergunta Nate, com um olhar frio.

    Não há resposta.

    — Isso não vai acontecer. O polícia que te deu um tiro? — recorda-lhe Nate. — Está morto. Era da equipa do Vincent Hanna. E mais outros três. Todos esses gajos de uniforme andam à tua procura.

    Chris recupera um pouco de força na voz.

    — Tenho de os tirar de lá.

    Nate endireita-se e para de lhe tratar da ferida.

    — Então, vou deixar-te à tua sorte agora mesmo, homem. Queres isso? A única saída que terás então será através de um buraco no chão.

    Chris sacode-se. Uma ideia magnífica. A dor rebenta como um gongo.

    Nate espera que se acalme.

    — A única forma de conseguires tirá-los de lá é saíres primeiro. E, depois, organizá-lo.

    — Como encontraram a Charlene? — pergunta Chris, com um suspiro.

    — E como queres que saiba? — Nate lança-lhe um olhar de saturação. «Cala a boca», parece querer dizer-lhe. — Eu avisei o Neil. Não quis ouvir-me. Portanto, agora, ouve-me da merda de uma vez quando falar!

    «Como? Como pôde correr tudo tão mal?»

    Chris é incapaz de se concentrar. A única coisa que vê é a expressão de croupier de blackjack de Charlene.

    Polícia por todo o lado. Charlene arriscou-se a fazer-lhe um sinal. Como descobriram onde estava escondida?

    — Como está o ombro? — pergunta Nate.

    — Vou dedicar-me ao ténis. — Chris cerra os dentes contra a dor. Tenta pensar.

    E, então, apercebe-se daquilo que não queria saber, mas sabe.

    Nate percebe.

    — É isso — confirma.

    Neil morreu. A sua equipa morreu. E Charlene abandonou-o.

    Não há como mudar aquilo. De quem era essa casa em Venice? E a polícia estava lá à espera…

    Mesmo com Hanna e a Divisão de Roubos e Homicídios, deram o golpe na mesma. E tudo correu bem. Incrível. Até começar a correr mal.

    Tinham detido Charlene? Armara-lhe uma cilada, mas, depois, mudara de opinião? De repente, sente uma cãibra no estômago. Encurva-se.

    — O que se passou? — pergunta, quase para si.

    Agora, fala com maior clareza. Nate ignora-o deliberadamente. Está a limpar-lhe os pontos do peito com água oxigenada. Pega numa tesoura cirúrgica, corta pedaços de esparadrapo e prepara a nova ligadura.

    Não reage.

    — Não estou informado de tudo.

    Chris tenta respirar mais devagar. Nate aplica-lhe o gel antibiótico, põe gazes esterilizadas por cima da sutura do veterinário e cobre-as com esparadrapo.

    Chris não quer olhar para ele. Quer dar-lhe um murro. Quer fazer um buraco na parede, mesmo depois de arrancar o ombro.

    — Não consegues mexer-te muito depressa, portanto, tens de começar já. Alguém vem buscar-te. Está bem? Se te atrasares porque tens ideias estranhas, vão desaparecer e receberão o dinheiro de todas as formas, porque não se importam com uma merda. Dentro de um instante, tentarei fazer uma chamada.

    Nate vira-se. Chris põe-lhe uma mão no braço.

    — O que se passou?

    Essa frieza nos olhos de Nate. É assim que enfrenta a perda.

    — Eu avisei-o. Tinha conseguido escapar. Mas, a caminho do aeroporto de Los Angeles, desviou-se para dar uma sova ao maldito Waingro e caiu numa armadilha. O polícia, o Hanna, deu-lhe um tiro no aeroporto.

    — Conseguiu encarregar-se do Waingro?

    — Sim.

    4

    A Hennessey and Ingalls está vazia. A supervisora está desconcertada. São oito da manhã em Wilshire, ao fundo da Third Street Promenade. A zona está a acordar. Limparam a calçada com mangueiras; resplandece. O chão de madeira clara da loja e as estantes de livros brilham. A supervisora procura o vídeo de segurança da data da venda. Hanna tem o livro de McCauley e o recibo da compra. A supervisora examina o vídeo em avanço rápido. Hanna está de pé atrás dela, perto, com os braços cruzados, a mascar pastilha elástica, balançando-se de um lado para o outro, com os olhos fixos no ecrã. Ela engana-se no botão. Não está habituada a lidar com a polícia. Atrás dele, Drucker anda de um lado para o outro.

    Quando o relógio do ecrã se aproxima da hora impressa no recibo, Hanna fica quieto.

    Aí está McCauley.

    Fato cinzento, camisa branca, nada chamativo, mexe-se com precisão enquanto examina a secção de engenharia e seleciona o livro que Hanna tem na mão agora. Autossuficiente, concentrado, alerta. Neil vira as páginas para a frente e para trás. O ângulo da câmara mostra microfotografias eletrónicas de diferentes tipos de aço.

    Uma mulher passa pelo corredor atrás de McCauley. Lança-lhe um olhar e olha para o livro, desacelera o passo. Neil não lhe presta nenhuma atenção.

    — Pare! — ordena Hanna. — Rebobine.

    A supervisora rebobina a cassete e volta a reproduzi-la.

    — Quem é aquela? — pergunta Hanna, apontando para o ecrã.

    — É a Eady — responde ela, olhando para ele com o sobrolho franzido. — Trabalha aqui. Trabalhava.

    — Onde está?

    — Despediu-se há dois dias.

    Hanna sente-se pletórico. Só diz uma palavra.

    — Bingo.

    Maçãs do rosto marcadas e olhos grandes. Os caracóis do seu cabelo castanho poderiam ter saído de um quadro pré-rafaelita. Tem um passo atlético, usa roupa larga. Há alguma coisa na sua atitude que o faz pensar numa pomba que se aproxima de uma estrada transitada.

    É a mulher que estava de pé junto do Camaro.

    Drucker já está a apontar o nome completo de Eady, a sua morada, o seu número de segurança social e da carta de condução. Agradece à supervisora a caminho da porta enquanto liga para a Divisão de Roubos e Homicídios para os informar. Hanna já saiu a correr.

    5

    A casa fica situada numa encosta por cima de Sunset Plaza, um pequeno apartamento com vistas incríveis sobre o entrelaçado imenso de luzes do vale. Céu azul, sol brilhante. A casa tem as linhas limpas de uma tela em branco. Há um Honda Civic velho estacionado no caminho da entrada. Não há mais veículos. Não há movimento na rua, todas as persianas estão fechadas. Hanna leva três detetives e quatro polícias uniformizados para a entrada. Drucker e ele dirigem-se para a porta principal com dois agentes de uniforme. Casals e os outros vão pelas traseiras. Hanna sente um formigueiro nos dedos. A incerteza, a possibilidade e a urgência apoderam-se dele. Bate à porta com os nós dos dedos, mas desviam-se para um lado, Hanna com a sua Combat Commander .45 e Drucker com uma arma de calibre 12.

    Não há resposta. Volta a bater.

    — Forçamo-la? — O polícia uniformizado que está atrás segura um aríete compacto.

    Então, ouve-se o barulho da fechadura e a porta abre-se. No vestíbulo na penumbra, está a mulher que Hanna viu quando passou a correr à frente do Hotel Marquee do aeroporto.

    Hanna agarra-a pelo pulso, tira-a da casa de rastos e encosta-a contra a parede. Uma polícia de uniforme revista-a com rapidez em busca de armas.

    — Limpo! — Ouvem Casals a gritar do interior da moradia.

    — Temos um mandato para revistar a casa — explica Hanna, mostrando-lhe o distintivo.

    Ela fica a olhar para ele e, depois, para Drucker.

    — Vão deter-me?

    — Sim, mas o que acontece depois depende do que fizer nos próximos cinco minutos — diz-lhe Hanna.

    Ela pestaneja. Está um pouco pálida, tem os olhos vermelhos e o cabelo despenteado. Usa umas calças de fato de treino velhas e uma t-shirt de um grupo de música independente. Hanna agarra-a pelo braço e leva-a para o interior, até à cozinha moderna e à sala, onde montou um estúdio de design gráfico. Do outro lado das janelas, há uma varanda que dá para a cidade. Há outros agentes desse lado, a olhar através do vidro como corvos pretos. Drucker abre a porta da varanda e deixa-os entrar.

    — Está tudo limpo lá fora — informa-o um deles.

    Shiherlis não está aqui. Não o surpreende. Ouve o tiquetaque dos segundos que se acabam. Indica um tamborete a Eady que há junto da televisão.

    Drucker responde ao seu rádio e introduz mais o auscultador no ouvido. Ouve. Desliga a transmissão e faz um gesto a Hanna para que se aproxime.

    Hanna vira-se para que Eady não consiga ouvi-lo.

    — Está limpa — sussurra Drucker. — Não tem antecedentes. Nem sequer tem multas de trânsito.

    Hanna vira-se novamente para ela.

    Eady está de pé com os punhos apertados ao lado do corpo, como se uma parte dela estivesse noutro lugar e não soubesse onde pôr o seu corpo até Hanna apontar para o tamborete. Pede à agente que segura as algemas abertas para se afastar.

    — Sabe o que quero?

    Ela nega com a cabeça.

    — Tudo o que souber sobre o Neil McCauley e o seu gangue. Não me minta, não esconda nada. Se não quiser acabar numa cela, acusada de ser cúmplice, fale comigo.

    Ela treme.

    — Não sabia quem era. Não sei nada sobre um gangue.

    Hanna dá uma palmada à televisão.

    — Isto funciona, não é? A KNBC vê-se com total clareza. Já deve ter visto as imagens do assalto ao banco do centro.

    — Disse-me que era vendedor.

    — E acreditou? O que lhe disse que vendia?

    — Disse-me que viajava muito e vendia metais.

    Isso encaixa com o que McCauley lhe disse, mas Hanna não diz nada. Aproxima-se mais dela.

    — Ora, ora! Viu a fotografia dele nas notícias. E entrou no seu carro na mesma e foi com ele ao Hotel Marquee do aeroporto. Ali, aconteceu o caos, entre assassinatos, camiões de bombeiros, polícias, pessoas a correr como loucas de um lado para o outro, helicópteros, toda a parafernália. E pensava que vendia armários metálicos para a cozinha ou algo semelhante?

    Por um instante, Eady parece uma pessoa presa num edifício em chamas enquanto as paredes se derrubam à sua volta.

    — Não sabia até ontem à noite. E tive de fazer o que me dizia. — Está a tentar encontrar as palavras para se explicar. Não consegue. — E, então, quase no fim, contou-me. E sim, fui ter com ele na mesma.

    Esta é a pessoa que McCauley queria ter ao seu lado no seu caminho para a liberdade. Esta mulher pusera a sua vida de pernas para o ar para ir com ele.

    Ficara de pé junto da porta aberta do Camaro, a ver McCauley a recuar e a fugir. Ficara a olhar para ele enquanto corria. Gelada. Confusa. Agora, Hanna já entende. Abandonada. Hanna percebe a sua dor. Acabou-se a sua ilusão de ter uma vida diferente, uma paixão mais selvagem e urgente com aquele homem intenso.

    Hanna sabe que se viu envolvida de forma inocente. Tecnicamente, um procurador poderia tentar incriminá-la como cúmplice. Mas não o é.

    — Olha, Eady. Posso proteger-te — diz. — Mas tens de me contar tudo. Agora mesmo. Com quem mais é que o Neil tinha contacto?

    Ela recompõe-se.

    — O Michael. Mencionou um amigo chamado Michael. Um dos homens que foram baleados no centro.

    — O Cerrito — esclarece Drucker.

    Ela assente com a cabeça.

    — Disse que… — Faz uma pausa. — Disse: «Quando chove, molhas-te. O Michael conhecia os riscos».

    Engole em seco. Hanna sabe perfeitamente o que está a pensar: «Eu também os conhecia».

    À sua volta, os detetives parecem imponentes, invadem a divisão com uma energia inquietante. «Punitiva», pensa. Nunca lidara com algo assim. Revistam as suas coisas de forma invasiva, como se desarrumar tudo fosse o seu direito inalienável. É como se tudo o que tocassem… já não fosse dela. Podia devolver as coisas ao seu lugar, mas já não seria o mesmo. Os seus objetos pessoais já não são possessórios. Estão a despojá-los de significado. Já não são lembranças. Objetos inanimados. A coleção cuidada de quadros em tons pastel. O papel japonês enrolado, valioso pela excelência e pelo cuidado do seu fabrico, agora, já é apenas uma coisa enquanto um detetive de dedos grossos rebusca entre as lâminas.

    Hanna trá-la de volta ao presente.

    — Olha para mim. Ouve-me, Eady. Fica aqui.

    Um pouco atordoada, observa-o e repara realmente nele pela primeira vez.

    Ele percebe. Todos os telejornais abrem com a notícia de que McCauley morreu num tiroteio no aeroporto de Los Angeles. Às mãos de um polícia.

    Ela resiste a essa informação, não quer dar esse último passo, embora Hanna esteja de pé à frente dela. Então, treme, como se tivesse recebido uma descarga elétrica.

    — De quem mais é que o McCauley falou? — pergunta Hanna. — Do Shiherlis? Do Chris?

    — Não. — Endureceu o olhar. — Vi-o a si. À frente do hotel.

    — O Trejo? O Breedan? As suas esposas, as suas namoradas, os seus filhos?

    — Não. Estava sempre sozinho. — Abana a cabeça. — Você deu-lhe um tiro, não foi?

    — E tu foste ter com ele, sabendo quem era.

    Mantém-se firme à frente da sua cara. Ela cambaleia e os seus olhos tornam-se escuros e brilhantes.

    — Quando chove, molhas-te — repete, quase sem voz.

    Hanna não se mexe, mas baixa o tom de voz.

    — Com quem mais tinha contacto?

    Eady passa os dedos pelo cabelo. Encolhe os ombros.

    — Fez uma paragem a caminho do aeroporto. Encontrou-se com um homem na porta traseira de um bar.

    A atenção de Hanna concentra-se num ponto concreto.

    — Que bar? Que homem?

    — Em North Hollywood, à saída de Burbank Boulevard. Não sei a morada. Tijolo e chapa de metal corrugada, hera nas paredes. Blue não sei o quê.

    Casals pega no rádio.

    — Descreve-me o homem! — ordena Hanna.

    — Cinquenta e tantos, de cabelo loiro da cor da palha, com bigode. Usava poliéster. Muito anos setenta.

    O coração de Hanna acelera. Faz um sinal aos seus homens com a cabeça.

    Casals já identificou o bar e enviou duas unidades para o vigiar a dois quarteirões de distância.

    Hanna escreve alguma coisa no dorso do seu cartão e entrega-o a Eady.

    — A polícia que está ali vai algemar-te e levar-te para a esquadra do centro. Temos de te deter. Tens advogado?

    Não tem. A sua capacidade de processar o que está a acontecer dilui-se num poço negro. Hanna apercebe-se.

    — Liga para este número. É um advogado. Vai arranjar-te um fiador para a fiança. Se mais alguém tentar interrogar-te, tens o direito de pedir que o teu advogado esteja presente. Entendido?

    Ela assente e olha para ele diretamente nos olhos. Hanna entende porque Neil queria ir-se embora com ela a caminho da liberdade.

    — Se te lembrares de mais alguma coisa que possa ser de ajuda, liga-me. Não penses, não pestanejes, liga-me só. — Antes de se ir embora, acrescenta: — E sim, tive de lhe dar um tiro.

    Os seus olhares voltam a encontrar-se e entreolham-se por um instante.

    Então, o olhar dela muda. Agora diz: «Mais alguma coisa? Não há mais nada. Acabou tudo».

    6

    O sol bate com força quando Hanna e os SWAT irrompem no Blue Room. O bar é um antro de um bairro conflituoso situado numa rua comercial deslustrada.

    O mandato para revistar o bar chegou à uma da tarde. Hanna, a sua equipa, a polícia uniformizada e os SWAT aproximaram-se pelas ruas traseiras. Bloquearam ambos os extremos de um beco com os carros-patrulha. Eliminaram uma câmara de vigilância.

    Se Shiherlis estiver lá dentro, estará armado até aos dentes. Quem mais poderia haver lá dentro?

    Hanna, com um colete antibalas e uma Benelli semiautomática de calibre 12 levantada, está no meio da confusão, protegido pela unidade SWAT naquela dança tática, corpo a corpo, com os pés alinhados com precisão. Faz um gesto com a cabeça ao chefe da equipa SWAT, que segura um rifle automático à altura do peito, com o canhão levantado. O homem levanta uma mão e faz uma contagem decrescente com os dedos. Uma entrada silenciosa. Chega ao zero, aponta para a porta com a mão como se fosse um machado e entra.

    A porta não está fechada por dentro. Entraram. Em poucos segundos, invadem e monopolizam a divisão. Um balcão comprido percorre a parede esquerda, com um espelho atrás e garrafas que brilham com a luz ténue. Há alguns bêbados matinais de pé junto do balcão ou sentados em mesas desconjuntadas. Ouve-se Gangsta’s Paradise na jukebox. O empregado vira-se.

    — Alto! — grita Hanna, junto aos outros. — As mãos onde consiga vê-las.

    — Contra a parede! — grita um agente da SWAT para os clientes. — As mãos atrás da cabeça.

    Uma segunda equipa sobe taticamente por uma escada.

    O empregado dá um passo atrás e levanta as mãos por cima da cabeça. Um cliente corre para a porta da entrada. Ao abri-la de repente, Drucker derruba-o com um golpe de braço no pescoço. Entra com Casals, que está armado com uma Remington 870.

    Hanna caminha para o gajo alto do balcão, que tem as mãos à vista. Numa delas, tem uma chávena de café. É o gajo que Eady descrevera. O típico veterano do sul da Califórnia, com o cabelo loiro grisalho e uns olhos frios que olham para Hanna através do espelho.

    — As mãos sobre o balcão! — ordena-lhe Hanna.

    O tipo obedece. Cheira a colónia Brut e a poliéster

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