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Perspectiva histórico-jurídica da justiça eleitoral no Brasil e em Portugal
Perspectiva histórico-jurídica da justiça eleitoral no Brasil e em Portugal
Perspectiva histórico-jurídica da justiça eleitoral no Brasil e em Portugal
E-book365 páginas4 horas

Perspectiva histórico-jurídica da justiça eleitoral no Brasil e em Portugal

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Sobre este e-book

Em tempos de protagonismo do Poder Judiciário, tal como está a ocorrer atualmente, se mostra importante o estudo da história e da competência em matéria de organização das eleições. Aqui se estuda a forma de organização das eleições em Brasil e em Portugal desde a instituição da Monarquia Constitucional até os dias atuais. É fato inconteste que, atualmente, esses países possuem métodos de organização e competência com relação ao processo eleitoral muito distintos, mormente a se considerar que o Brasil possui um ramo do Poder Judiciário especializado na matéria. Enquanto no Brasil compete à Justiça Eleitoral realizar o alistamento eleitoral, julgar os pedidos de registro de candidaturas, decidir sobre ilegalidade na propaganda eleitoral, proclamar e diplomar os eleitos e julgar as contas eleitorais, é cediço que em Portugal essa competência é diferida em diversos órgãos, como Comissão Nacional de Eleições, juízes de comarca e Tribunal Constitucional, por exemplo. No entanto, essas diferenças não existiram durante todo o período republicano. Logo após a proclamação das Repúblicas portuguesa e brasileira, as normas eleitorais possuíam muitíssimas semelhanças, se não identidades. Diziam elas com competência para alistamento às comissões eleitorais, tribunal de verificação de poderes, dentre outras. Frente a tais fatos, busca-se responder, com a análise histórico-jurídica, questão atinente à necessidade e/ou viabilidade de existência da Justiça Eleitoral tal como existente no Brasil.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de ago. de 2023
ISBN9786525296241
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    Perspectiva histórico-jurídica da justiça eleitoral no Brasil e em Portugal - Armando Dantas do Nascimento Júnior

    1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

    A história de Portugal e do Brasil é incrustrada de menções às mais diversas espécies de Governos, mesmo antes da separação e independência do Reino de Portugal em 1143⁸ (Tratado de Zamora, assinado aos 5 dias do mês de outubro de 1143), o que só veio a, efetivamente, se concretizar em 23 de maio de 1179 quando da outorga da Bula Pontifícia Manifestis Probatum pelo Papa Alexandre III, que reconheceu a validade do Tratado de Zamora, apartando-o do Reino de Leão e reconhecendo em D. Afonso Henriques seu soberano⁹.

    Desde o início do Reino de Portugal, quando ainda era usualmente conhecido por Lusitânia, percebe-se menção a algumas espécies de eleições, como aquelas destinadas às decisões mais importantes, citando como exemplos a escolha do Chefe ou Príncipe com poder supremo em tempos de guerra¹⁰, a eleição dos juízes ordinários¹¹-¹², as eleições para procuradores às antigas Cortes e até eleição extraordinária para escolha de um Rei¹³.

    Em todos os processos eleitorais pode-se verificar que o elemento corrupção eleitoral e/ou a ocorrência de alguma mácula apta a caracterizá-la foi uma constante, conforme observado pelo 2º Visconde de Santarém ao anotar que em caso de suborno ou com ausência de alguma solenidade obrigatória, deveria o interessado apresentar embargo noticiando a ocorrência de fato que impedisse o eleito de servir à nação¹⁴.

    Referidas eleições ocorreram quando Portugal ainda era regido pelas ditas Constituições informais¹⁵, que vigoraram durante quase todo o período de sua Monarquia. Somente em 1822 foi aprovada a primeira Constituição formal portuguesa, fruto da Revolução Liberal iniciada na cidade do Porto em 24 de agosto de 1820¹⁶, sendo este o recorte histórico do trabalho.

    No tocante ao regramento português verifica-se que, com a Revolução Liberal, a sociedade pôde gozar com segurança institucional de diversos preceitos, tais como os direitos naturais, extinção de alguns privilégios¹⁷ e garantia constitucional às liberdades básicas¹⁸ voltadas à igualdade entre cidadãos¹⁹.

    A partir de então, e com os olhos voltados para a seara eleitoral, mais especificamente ao alistamento, organização do prélio e contencioso eleitoral, nota-se a aprovação de uma série de atos jurídicos.

    Dentre eles, sob o calor liberal destaca-se o que criou duas juntas: a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que tratava de questões relacionadas à administração pública e ao governo supremo do Reino, e a Junta Provisional Preparatória das Cortes, que tinha por atribuição a organização das primeiras Cortes. Esta, já em 31 de outubro de 1820, editou instruções com vistas às Eleições dos Deputados das Cortes Geraes Extraordinárias Constituintes.

    A Junta Provisional do Governo Supremo do Reino fez publicar um manifesto, de 24 de agosto de 1820, dirigido ao povo português, estabelecendo as bases da nova ordem, tais como a segurança à propriedade, aos direitos e liberdade de opinião; e uma carta, em 6 de outubro de 1820, remetida à D. João VI na qual solicitou-se ao monarca que ouvisse a voz do povo e aprovasse a convocação das Cortes.

    Do preâmbulo das instruções enviadas aos Magistrados Presidentes das Eleições rememora-se com brio o dever cívico a ser exercido pelos eleitos, assim como percebe-se o viés liberal do ato²⁰ (construída que foi sob a égide da Revolução Liberal, que conclamou o povo a buscar direito, justiça e igualdade), apesar de não restar atendido o clamor pela discussão a respeito da abolição da escravatura²¹.

    Nesse ínterim, também foi elaborado pela Junta Provisória do Governo Supremo do Reino um Manifesto da Nação Portugueza aos Soberanos, e povos da Europa, dando a conhecer de todos os aspectos sociais que então agitavam o Reino.

    No entanto, as instruções de 31 de outubro tiveram parca vigência, eis que, em razão de divergências na Junta Provisional²², em 22 de novembro de 1820 novas instruções foram aprovadas, estas baseadas na Constituição Espanhola de 1812 (Constituição de Cádiz)²³ e, estas sim regularam as eleições de 1821²⁴.

    De acordo com as instruções de 22 de novembro de 1820 foram realizadas as eleições de 1820, entre os dias 10 e 30 de dezembro²⁵. Segundo suas disposições o sufrágio era indireto e em quatro níveis, mas com três eleições: as juntas eleitorais de freguesia, na qual todos os cidadãos domiciliados em seu território, inclusive os eclesiásticos seculares²⁶, estavam habilitados a votar, elegiam os compromissários e estes elegiam os eleitores paroquiais (artigo 53º²⁷). Os eleitores paroquiais, nas juntas eleitorais das comarcas, elegiam os eleitores das comarcas e, por fim, estes, nas juntas eleitorais de província, votavam nos deputados às Cortes (artigo 59º²⁸).

    As assembleias paroquiais eram presididas pelo Juiz de Fora, Juiz Ordinário, e na falta destes, inclusive por vereadores; enquanto as juntas eleitorais das comarcas eram presididas por seu corregedor e as juntas eleitorais de província deveriam eleger seu presidente dentre seus membros.

    Na análise das instruções ressai um ponto de convergência, qual seja, a impossibilidade de eleição direta para deputados, conforme se pode notar da relação de eleitores de comarca e dos deputados eleitos. Verifica-se que o procedimento eleitoral em mais de um grau foi a tônica entabulada nas instruções²⁹.

    Em síntese, desse modo foi organizado o processo eleitoral de 1821, que culminou na eleição de cento e oitenta e um deputados, de modo que cem foram eleitos por Portugal, nove pelas ilhas adjacentes, sete pelas possessões africanas e asiáticas e sessenta e cinco pelo Brasil, que inicialmente não participaria das eleições³⁰, inclusivamente com instruções eleitorais próprias. A sessão preparatória para verificação de poderes ocorreu em 24 de janeiro de 1821. Os Deputados que tiveram os poderes verificados compuseram as Cortes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes, ou Supremo Congresso, e tiveram por objetivo a elaboração da Constituição Portuguesa de 1822³¹.

    Sua instalação, segundo José de Arriaga, se deu em 15 de novembro, em sessão preparatória, sendo Presidente da mesa Hermano José Braamcamp. No mesmo ato foram eleitos cinco membros responsáveis pela verificação dos diplomas dos deputados, sendo eleitos: Borges Carneiro, Agostinho José Freire, Felgueiras, Bastos e Xavier Monteiro³².


    8 §. 56. Este (D. Affonso Henriques), tendo assumido o governo em 1128, em logar do titulo de seu pae, usou alguns annos o titulo de infante, e depois o de principe, até á memoravel batalha, que no campo de Ourique alcançou contra os Mouros no anno de 1139, por ocasião da qual se dis ter sido pelo exercito aclamado rei. Esta aclamação pode reputar-se o acto nacional, que veio ratificar a separação e independencia do novo estado, e legitimar a soberania, que D. Affonso já exercitava, in Manoel António Coelho da Rocha, Ensaio sobre a história do governo e da legislação de Portugal para servir de introdução ao estudo do direito patrio, Coimbra, na Imprensa da Universidade, 1851, pp. 41-42.

    9 Luís Ribeiro Soares, A Bula Manifestis Probatum e a Legitimidade Portuguesa, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 8º Centenário do Reconhecimento de Portugal pela Santa Sé (Bula Manifestis Probatum, 23 de maio de 1179), Comemoração Académica, 1979, pp. 143-191.

    10 "§.1. O Paiz, que hoje forma o reino de Portugal no continente, conhecido (bem que com alguma differença) entre os antigos pelo nome de Lusitania, antes de consquistado pelos Romanos, era habitado por differentes povos, ou tribus independentes; mas que se confederavam, quando a sua liberdade, ou independência era ameaçada.

    §.2. O governo d’estes povos era democrático: as leis e negócios mais importantes decidiam-se em assemblêas geraes, onde o batercom a espada no broquel era signal de approvação; um sussurro inquieto, o de desapprovação. Em tempo de guerra porém elegiam Chefe, ou Principe com o supremo poder, ao qual destituíam, preenchido o fim, para que havia sido extraordinariamente eleito", in Manoel António Coelho da Rocha, Ensaio sobre a história..., cit., pp. 1-3.

    11 "§.64. Muito mais irregular era n’estes primeiros tempos a administração da justiça. Da fundação da monarchia datam os juízes ordinários de eleição do povo, os quaes tomavam conhecimento, e decidiam em primeira instancia as contendas das partes em conselho dos homens bons, ao qual competia também o regimen municipal", in Manoel António Coelho da Rocha, Ensaio sobre a história..., cit., p. 53.

    12 §.91. D. Affonso II em 1211 reuniu em Coimbra as primeiras Cortes, e n’ellas publicou as primeiras leis geraes, cujas disposições mais notáveis foram: - que em toda a parte houvesse juízes independentes de eleição popular, e não de escolha dos poderosos;, in Manoel António Coelho da Rocha, Ensaio sobre a história..., cit., p. 76.

    13 "Seguida foi por certo, como se vê na desaffectada relação destes successos memoraveis, na controversia, que se levantou por falecimento d’ElRei D. Fernando, em que Dona Beatriz, que se achava nas mesmas circumstancias do Senhor D. Pedro, soffrêo, quanto á Real Successão, a mesma repulsa. Dona Beatriz nascêo em Portugal, era Filha Primogenita, e unica do antecedente Monarcha: e foi com tudo excluida do Throno. Que motivo a excluio? A razão do Sexo? Mas succedem as mulheres á Corôa nas Hespanhas. Os escrupulosos sobre o casamento da Rainha Dona Leonor? Mas estes escrupulos, como he patente da Historia, só tomárão algum corpo, e vulto nas Côrtes de Coimbra. Entrar com armas em Portugal? Mas a entrada com armas foi já provocada pela resistencia. Na qualidade de Estrangeira esteve claramente o motivo, e o fundamento da resistencia. Aqui topava sim, posto que o não apontem os alegados públicos do tempo, a repugnancia, e a resistencia dos Povos. Conhecião o Direito Portuguez; o nome de Rei natural, isto he, que nascêo, e vive entre os mesmos, sobre que reina, tinha o devido preço no conceito daqueles verdadeiros amadores da Patria; a sua generosidade recusava-se com horror ao perigo de estranha dominação: e os mechanicos de Lisboa, e Santarem, como os representa o singelo Chronista d’aquella idade, mostrárão mais pundonor, e acerto nas suas resoluções, do que alguns Sabios presumidos do Seculo decimo nono.

    Mas era, dizem, desnaturalizado de Portugal o Conde de Bolonha, e reinou em Portugal. Porém o Conde de Bolonha não reinou por Successão, reinou extraordinariamente por Eleição: fôrão procura-lo a França os Magnates deste Reino; a Authoridade Pontificia corroborou a escôlha; passando imediatamente para Portugal, recobrou a naturalidade; não tomou o título de Rei senão depois que, como por dispensa, foi para isso habilitado pelos Estados: sendo muito para notar que não havia então no Reino outra Pessoa da Real Familia, pois a Infanta D. Leonar era casada em Paiz ainda mais remoto; por forma que as Leis não se violárão com o Conde de Bolonha, mas procurou-se nelle hum remedio extraordinario ás necessidades urgentissimas do Reino, seguindo-se sempre, com a possivel pontualidade, o espirito das Leis, e dos estilos Nacionaes." Assento dos Tres Estados do Reino juntos em Cortes na cidade de Lisboa, Lisboa, Impressão Régia, 1828, p. 7-8.

    14 2º Visconde de Santarém, Memorias para a história, e teoria das cortes geraes, que em Portugal se celebrarão pelos Tres Estados do Reino, Parte 1ª. Lisboa, Impressão Régia, 1827, p. 13.

    15 "as constituições em sentido material como ‘constituições informais’, no sentido de conjuntos de normas de direito político sem o nome e a forma de Constituição mas com um inegável conteúdo constitucional" e vaticina, no tocante ao período de Monarquia compreendido entre o reinado de D. Afonso Henriques "até à primeira Constituição escrita da época liberal, houve, não apenas uma constituição informal, que foi evoluindo e se modificando ao longo dos séculos, mas antes várias constituições informais, caracterizadas, cada uma delas, por alterações muito importantes em elementos essenciais do conceito de constituição material", in Diogo Freitas do Amaral, As sete constituições informais da monarquia portuguesa antes do liberalismo, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque, vol. I, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, pp. 431 e 433.

    16 José Domingues e Vital Moreira, Para a história da convocação das cortes constituintes em Portugal em 1820: a proposta corporativista de António de Almeida, in Historia Constitucional: Revista Electrónica de Historia Constitucional, n. 21, 2020, p. 635.

    17 Um novo entendimento do direito político e do direito público nasce com a revolução francesa e com a revolução liberal portuguesa: constituições escritas; direitos naturais; separação de poderes; princípio de legalidade da acção do poder e da igualdade dos cidadãos perante a lei; extinção dos foros privilegiados. A sociedade de privilégios organizada sobre uma constelação de jurisdições especializadas dá lugar a uma organização assente na igualdade dos cidadãos perante a lei, in António Pedro Barbas Homem, O espírito das instituições, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 236-237.

    18 "II – A ‘constituição e as liberdades básicas. É uma teoria de direitos fundamentais que está subjacente à configuração institucional do liberalismo político tal como ele é construído por John Rawls. A própria constituição – incluída na estrutura básica – é encarada como um procedimento justo que incorpora as iguais liberdades políticas e garante a liberdade de pensamento. O modo como se combinam as liberdades num esquema coerente outra coisa não é senão uma teoria das liberdades básicas assente numa concepção política da pessoa e indispensável à justificação de um regime constitucional. Mais uma vez, as teorias dos direitos básicos são momentos fundamentais de uma teoria normativa da constituição incluída numa teoria do político. A constituição é, precisamente, entendida como um procedimento político justo que incorpora as iguais liberdades políticas e procura assegurar o seu justo valor de modo que os processos de decisão política sejam acessíveis a todos numa base aproximadamente igual. Neste sentido, a Constituição será também o estatuto comum de cidadãos iguais na medida em que incorpora e especifica as liberdades básicas", in J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, Almedina, 7ª edição, p. 1405.

    19 Na construção ideológica e filosófica do século XIX presente não só nas mais variadas peças de oratória política, mas sobretudo nas obras dos mais diversos autores como Frei Francisco de São Luís, Manuel Fernandes Tomás, Mouzinho da Silveira, Palmela, Pato Muniz, Rocha Loureiro, Silvestre Pinheiro Ferreira, José Liberato Freire de Carvalho, Manuel Borges de Carneiro, José Ferreira Borges, Almeida Garrett, Passos Manuel e Alexandre Herculano, entre tantos outros, como teremos a oportunidade de apresentar ao longo do presente trabalho; está o princípio fundamental que defende ter nascido o homem dotado de certos direitos naturais e inalienáveis cabendo ao Estado como objetivo primordial defendê-los. É pois, nesta óptica que é apresentado o direito de liberdade religiosa, política e jurídica, intimamente ligado à ideia de igualdade, in Isabel Graes, O Poder e a Justiça em Portugal no século XIX, AAFDL, 2014, p. 45.

    20 "Resurgindo logo do nada para o ser, estais a ponto de consolidar vossa existencia politica com instituições dignas de hum Povo, que, mesmo no meio da sua humiliação, confraternizou com os heroes das mais independentes, e bem constituídas Nações da antiguidade. Benemeritos Representantes da vossa supremacia, interpretando, e confrontando vossas vontades com a sabedoria da Lei eterna , lavrarão com mão generosa , e firme a grande Carta da vossa liberdade, e independencia , seguríssimos penhores da vossa futura prosperidade. Sacrificado no Altar do Bem Publico o egoísmo das paixões e interesses privados, elles confirmarão em vós essas magnânimas tenções, com que vos confundis com a Patria, e nada quereis sem a Patria. Lei, e vontade será em vós a mesma cousa; direito, e justiça , palavras synonimas : dignidade, e igualdade, significações reciprocas: interesse, e virtude, qualificação idêntica : sacrifícios , e inclinações, hábitos inseparaveis ; e a honra de Cidadão, a nobreza mais alta , a que possa aspirar vossa ambição. Tereis, em huma palavra, Constituição, qual a Natureza a copiaria do original eterno, cujos caracteres não he dado á tyrannia apagar , nem á prescripção dos abusos desfazer, nem á versatilidade das idades alterar : e o século decimo nono , precursor em suas aclamações dos que se seguirem , personalizadas nelle a gloria, e a immortalidade, acompanhará as coroas, que vos offerecer com estes oraculos sublimes - Esta obra he minha; todo o meu genio a cunhou; nascco das maduras meditações dos antigos, e modernos tempos", in Collecção de leis, decretos, e alvarás, ordens regias, e editaes, que se publicarão desde o anno de 1817 até 1820, Lisboa, pp. 384.

    21 "Numa sessão acadêmica de 11 de agosto, no Teatro Santa Isabel, quando eu proferia, do camarote do Presidente, as primeiras palavras, fui acolhido pelos protestos e vozeria de um grupo numeroso, que se tornou dominante, e que depois transferia para uma praça da cidade o seu meeting de indignação contra mim... O tema do meu improviso, em resposta aos epigramas e diatribes contra São Cristóvão que tinham soado no palco, fora este: A grande questão para a democracia brasileira não é a Monarquia, é a escravidão. Posso dizer que experimentei por vezes a doçura da popularidade, nada, porém, iguala o prazer de uma dessas tempestades levantadas contra si pelo orador que se sente de posse da verdade e ao serviço da justiça, quando antevê que esses que o injuriam naquele momento estarão com ele no dia seguinte... Eu deixava passar aquela onda raivosa espumante, que a intriga, explorando a suscetibilidade própria da democracia pernambucana, as reminiscências praieiras, e com imperfeito conhecimento do indivíduo, do papel que ele ia representar, impeliam contra a minha candidatura... Eu sabia que a palinódia havia de ser completa, que se desfaria o malentendu criado entre mim e o povo de Recife, desde que ele visse o fim para o qual eu aspirava ao seu mandato... Na verdade, a opinião do partido popular, ciumento dos seus foros e tradições, mudou a meu respeito logo na primeira sessão em que tomei a palavra na Câmara.... Desde este dia estabeleceu-se entre mim e o Recife uma afinidade que nunca se interrompeu e que ainda hoje, em que estou quanto à política retirado de tudo, estou certo, será a mesma, porque foi como que o encontro de duas opiniões que se miraram uma na outra até as fontes do sentimento e reconheceram na transparência do seu fundo a sinceridade de cada uma", in Joaquim Nabuco, Minha formação, Brasília: Senado Federal, 1998, p. 175-176.

    22 Sem perda de tempo, a Regência lisboeta, por portaria de 1 de setembro de 1820, nomeou uma Comissão Preparatória e, no dia 9 desse mês e ano, anunciava a convocação das Cortes para Lisboa, nos moldes tradicionais (ou seja, com representação separada dos três estados"), com início marcado para o dia 15 de novembro desse ano. No entanto, dois meses antes dessa data, no dia 15 de setembro, um pronunciamento militar em Lisboa, secundando a revolução do Porto, dissolveu a Regência, substituindo-a por um Governo Interino de nomeação popular, alinhado com os ideais da Revolução, o qual passou a coexistir com a Junta do Governo Supremo instituída no Porto no dia 24 de agosto. A portaria de 27 de setembro de 1820, assinada em Alcobaça, acabou com esta bicefalia governativa no campo revolucionário e deu origem a duas novas juntas de âmbito nacional: a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, encarregada do governo e da administração pública; e a Junta Provisional Preparatória das Cortes, esta última subdividida em duas secções (uma para tratar da convocação das Cortes e outra para tratar do seu funcionamento interno).

    Mas a dualidade do poder político revolucionário de 1820 só terminou definitivamente no dia 1 de outubro, com a entrada triunfante da Junta do Governo Provisório do Porto na capital, dirigindo-se diretamente ao Palácio da Regência, situado na Praça do Rossio, para celebrar o encontro amistoso com os membros homólogos do Governo Interino de Lisboa e se proceder à tomada de posse do novo Governo provisório, agora de âmbito nacional. ‘Perante este cenário político, esfumou-se a questão sobre se a Junta Provisional podia ou não convocar as Cortes à margem da vontade do rei. A legitimidade revolucionária triunfou sobre a legitimidade tradicional do monarca1", in José Domingues e Vital Moreira, Para a história da convocação..., cit., p. 636.

    23 "Em 22 de novembro de 1820, Manuel Fernandes Tomás, remeteu novas Instruções para as eleições dos deputados das Cortes ‘segundo o método estabelecido na constituição espanhola e adaptada para o reino de Portugal’, dispondo lado a lado a seleção dos artigos da Constituição Espanhola (Cádis, 1812) e as ‘notas para a sua aplicação ao nosso Reino’, das quais decorria uma eleição indireta, em quatro graus ou níveis, a saber, (i) em cada paróquia, os cidadãos com capacidade eleitoral ativa, reunidos em assembleia plenária, fariam a eleição de compromissários; (ii) ainda ao nível da freguesia, os compromissários eleitos procederiam a uma eleição dos eleitores de paróquia; (iii) ao nível da comarca, os eleitores de paróquia procederiam à eleição dos eleitores de comarca; (iv) ao nível da província, o colégio dos eleitores de comarca procederiam à eleição dos deputados às Cortes Constituintes. Em anexo a estas Instruções foram incluídos artigos adicionais relativos às eleições de Lisboa, pelo elevado número populacional das suas freguesias", in Joel Timóteo Ramos Pereira, Projeto oficial da constituição política da monarquia portuguesa, in Os Projetos da Constituição Portuguesa de 1822: Relatórios do 3º Ciclo de Estudos em Direito, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2018, p. 11-96.

    24 A primeira legislação eleitoral brasileira, de 1821, foi influenciada pela Constituição espanhola de Cádiz que era muito liberal e que atribuía o sufrágio universal, porque as mulheres não votavam e nem se discutia se deveriam ou não fazê-lo. A lei brasileira de 1821, feita para eleger os deputados para as Cortes de Portugal e também praticamente não estabelecia limites à cidadania a não ser com respeito às mulheres. Foi o sistema mais liberal que houve no Brasil até a década de 30. Havia, naturalmente, outra grande exclusão além da das mulheres era a dos escravos. O Brasil se propunha a ser um país liberal, mas permanecia o fenómeno da escravidão, extremamente incômodo para os próprios legisladores da época, tanto que a Constituição de 1824 não a menciona. Quem ler a Constituição de 1824 não descobrirá que se tratava de um país onde havia escravidão in Maria das Graças Lavôr, Contencioso eleitoral no direito brasileiro, Relatório de Direito Constitucional à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no curso de especialização conducente ao mestrado em ciências jurídico-políticas, novembro de 1994, p. 8.

    25 "As eleições para as primeiras Cortes constituintes ainda se vão realizar em 1820, entre os dias 10 e 30 de dezembro. Mas a escolha do procedimento eleitoral a seguir não foi nada pacífica, dando azo a uma nova revolução enxertada na revolução liberal de 1820: a revolução eleitoral", in Vital Moreira e José Domingues, A semente portuense de um país constitucional, in História: Revista do Jornal de Notícias 11, dezembro de 2017, p. 34-45.

    26 Instruções de 22 de novembro de 1820, artigo 35º.

    27 Collecção de leis, decretos..., cit., p. 393.

    28 Idem, ibidem.

    29 Oscilando entre a existência de dois ou mais graus, quer as Instruções de Outubro de 1820, quer as de Novembro do mesmo ano, quer ainda o projecto de Constituição apresentado às Cortes, não mostraram abertura à possibilidade da eleição directa dos Deputados. Não obstante as diferenças existentes entre os três documentos, e a circunstância de no primeiro (Instruções de Outubro) e no terceiro (Projecto de Constituição), as eleições se processarem em dois graus, ao contrário das Instruções de Novembro que já optavam pela eleição em mais graus, in José Domingues e Manuel Monteiro, Sistemas eleitorais e democracia representativa no limiar do constitucionalismo português, in Revista de História Constitucional, nº 19, 2018, p. 593-639.

    30 "Resumidamente, o Brasil tinha sido elevado à categoria de reino e o Rio de Janeiro era a capital da monarquia portuguesa; Portugal tinha aderido ao sistema constitucional de governo representativo, realizando eleições e convocando as Cortes para aprovar uma constituição escrita; porém, por continuar sob controlo do rei, o Brasil tinha sido afastado dessas eleições e não tinha elegido quaisquer deputados para as Cortes portuguesas; no entanto, a Nação portuguesa pressupunha a ‘união de todos os portugueses de ambos os hemisférios’, à semelhança do que vinha consagrado na Constituição espanhola de Cádis (1812). (...) Numa palavra, foi a evolução da conjuntura política – concretamente a posterior adesão à revolução – que deu azo a que, mais tarde, em 1821, se viessem a convocar as primeiras eleições gerais no Brasil para designação dos deputados às Cortes extraordinárias e constituintes de Lisboa. Estava em causa um dos parâmetros meridianos do novo constitucionalismo, o poder do povo de fazer a sua própria constituição. Se isto era válido para Portugal, também teria de o ser para o Brasil, como parte do Reino Unido que ambos integravam", in Vital Moreira e José Domingues, As primeiras eleições constituintes no Brasil (1821), Revista Populus, nº 8, 2020, Salvador, p. 271-313.

    31 "As Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes saídas destas primeiras eleições democráticas – embora com eleição indireta dos deputados – reúnem, pela primeira vez, no dia 26 de janeiro de 1821 (salvo a reunião preparatória antecedente, do dia 24), apesar de, tanto nas Instruções de 31 de outubro como nas de 22 de novembro, se ter previsto o início das sessões para o dia 6 de janeiro de 1821. Na sequência do seu labor, simultaneamente legislativo e constituinte, vieram a aprovar uma nova lei eleitoral para o futuro parlamento, no dia 11 de julho de 1822, e reservaram para a ‘eleição dos deputados de Cortes’ uma parte substancial do articulado da

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