Direito Espacial e a exploração de recursos espaciais: perspectivas jurídicas
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Direito Espacial e a exploração de recursos espaciais - Marina S. R. Huidobro
CAPÍTULO 1 NOÇÕES GERAIS DO DIREITO ESPACIAL
That’s one small step for a man, one giant leap for mankind.
Armstrong, Neil. July 20, 1969. Apollo 11 Mission, NASA.¹
1.1 SURGIMENTO DO DIREITO ESPACIAL – CONTEXTO HISTÓRICO
Todo ser humano em algum momento da sua vida já olhou para o céu e pensou no que há depois daquele infinito azul, como é o espaço exterior, será que somos capazes de chegar até lá, e quem sabe até mesmo explorá-lo?
Essas são indagações que a humanidade se faz desde o início da vida na Terra. A curiosidade sobre o espaço exterior é universal e acabou inspirando livros de fantasia e ficção científica, como o clássico romance Da Terra à Lua
do autor Júlio Verne, publicado em 1865².
Para concretizar esse grande sonho da humanidade, a ciência entra em ação através do desenvolvimento da tecnologia espacial, que permitiu o homem chegar ao espaço. Essa grande conquista da humanidade só foi possível, pois contou com os estudos excepcionais desenvolvidos pelos cientistas pioneiros Konstantin Eduardovich Tsiolkovsky (1857-1935), Robert Hutchings Goddard (1882-1945) e Hermann Oberth (1894-1989)³.
Tsiolkovsky foi um brilhante matemático russo que desenvolveu estudos sobre algumas técnicas que permitiriam a exploração espacial em favor da humanidade, como, por exemplo, uma análise sobre a composição de combustível para foguetes, o suprimento de oxigênio para purificação do ar que os cosmonautas necessitam, e, principalmente, as primeiras pesquisas que previam uma discussão técnica sobre a formação de um satélite. Seu trabalho foi essencial para formar a base experiente que a Rússia, antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, desenvolveu ao longo dos anos no setor espacial, sendo atualmente uma grande potência e referência no setor⁴.
Goddard, professor de física americano, foi o cientista mais importante para a materialização da produção dos foguetes, principalmente por ter superado a parte teórica e do design, e por ter desenvolvido a engenharia de sistemas⁵.
Segundo o Manual de Engenharia de Sistemas da NASA, a engenharia de sistemas é "a arte e a ciência de desenvolver um sistema operável capaz de atender aos requisitos dentro de restrições frequentemente opostas⁶".
A matéria é integrativa e promove um trabalho em conjunto, contando com a participação de engenheiros especializados nos ramos essenciais para a montagem de um foguete, como, por exemplo, engenheiros mecânicos, engenheiros elétricos, engenheiros de potência, engenheiros de fatores humanos e outros especialistas⁷ que auxiliam na construção de materiais como a fuselagem, bombas de combustível, válvulas e diversos componentes que fazem um foguete chegar à órbita.
Da mesma forma, Hermann Oberth, cientista alemão formado em matemática e física, foi o responsável por desenvolver estudos que concluíram na necessidade de vários estágios na viagem de um foguete para colocá-lo em órbita.⁸.
Assim, com a possibilidade cada vez mais próxima de alcançar a órbita pela tecnologia espacial que estava sendo desenvolvida, grupos de entusiastas e de estudiosos começaram a se formar com a expectativa de um dia poderem chegar ao espaço e explorá-lo.
Na Europa, por mais que a atenção maior estivesse voltada para o desenvolvimento da aviação, diversos grupos começaram a se formar no continente, sendo o mais importante deles fundado em junho de 1927 na Alemanha, a Sociedade para Viagens Espaciais - Verein für Raumschiffahrt (VfR), composta por um grupo de teóricos e experimentadores de foguetes que contavam com patrocínio privado⁹.
A VfR foi de suma importância para a evolução da tecnologia espacial e ganhou notoriedade pelo trabalho desenvolvido pelo cientista Hermann Oberth que publicou um livro considerado um tratado sobre viagens espaciais na época: "The Rocket into Interplanetary Space" - Die Rakete zu den Planetenräumen. A obra trouxe noções técnicas detalhadas e auxiliou principalmente na compreensão da parte mecânica para colocar um satélite em órbita¹⁰. Além disso, desenvolveu uma sofisticada análise de aerodinâmica e física¹¹.
Nesse sentido, testes começaram a ser realizados, e o Exército Alemão identificou uma oportunidade estratégica de utilizar o material como extensão de artilharia em combates.
Dessa forma, a Alemanha em 1931 lançou um programa de produção de foguetes, por meio de uma lacuna identificada no Tratado de Versalhes que não continha uma proibição expressa sobre a produção dessa tecnologia¹².
Em paralelo a esse contexto, o Globo Terrestre vivenciava um período de tensão nas relações entre os Estados. O diálogo nas negociações internacionais se tornou quase impossível, e os desentendimentos foram se alastrando em uma velocidade incontrolável, onde, infelizmente, o consenso não conseguiu prevalecer. Aproximava-se da Terra um dos períodos mais assombrosos vivenciados pela humanidade: a guerra.
Manter a paz e o bom convívio de uma sociedade é uma tarefa árdua que a humanidade tenta executar desde o início da vida. Palavras, ações, interpretações e sentimentos são ferramentas poderosas que a humanidade carrega consigo e que podem resultar na paz ou na discórdia.
Entre 1939 e 1945, o mundo vivenciou a triste realidade da Segunda Guerra Mundial, fruto de mágoas, ganância, raiva, egoísmo, desequilíbrios, maldade e sede por vingança. A guerra se instalou no Planeta Terra e segmentou as nações. Nesse período, diversas atrocidades foram cometidas, famílias foram separadas pela eternidade, a fome se intensificou nos guetos, a intolerância religiosa pairou sobre determinados grupos e a escravidão era uma realidade dentro dos campos de concentração e Gulags.
A conclusão a que se chega é a mesma da reflexão de Francisco Cândido Xavier, a guerra sempre foi e sempre será o terror das nações.
"A guerra foi sempre o terror das nações. Furacão de inconsciência, abre a porta a todos os monstros da iniquidade por onde se manifesta. O que a civilização ergue, ao preço dos séculos laboriosos de suor, destrói com a fúria de poucos dias. Diante dela, surgem o morticínio e o arrasamento, que compelem o povo à crueldade e à barbaria, em razão das quais aparecem dias amargos de sofrimento e regeneração para as coletividades que lhe aceitaram os desvarios¹³".
Explanar sobre o período da Segunda Guerra Mundial é extremamente importante para compreender o Direito Espacial, uma vez que foi em meio a esse contexto que a tecnologia espacial se desenvolveu de fato.
Como toda guerra é fortemente marcada por atritos que envolvem armamentos bélicos, as nações (eixo e aliados) buscaram desenvolver tecnologias que pudessem trazer vantagens estratégicas para sua vitória diante de um confronto. Armas de fogo, tanques de guerra, aviões (caças) e até mesmo armamentos químicos como o componente Zyklon B, utilizado nas câmaras de gás¹⁴, foram desenvolvidos por engenheiros e cientistas que tinham como missão aperfeiçoar cada vez mais a tecnologia¹⁵.
Não foi diferente com o investimento no setor espacial. Toda tecnologia desenvolvida pela VfR – Sociedade para Viagens Espaciais - acabou sendo incorporada pelo regime nazista (Terceiro Reich) ao governo alemão em 1933. Ademais, alguns dos membros da sociedade começaram a trabalhar nessa nova organização, como foi o caso do engenheiro Wernher Von Braun que, mais tarde, tornou-se um oficial nazista e liderou pesquisas sobre foguetes na Base de Peenemünde¹⁶.
Wernher Magnus Maximilian Freiherr Von Braun (1912 – 1977) foi um engenheiro aeroespacial alemão que dedicou sua vida ao desenvolvimento da tecnologia espacial. Grande entusiasta, apaixonado pelo ramo, tornou-se um discípulo do pioneiro Hermann Oberth, e, por sua obra absorveu um extenso conteúdo sobre cálculo e trigonometria para que pudesse compreender a física dos foguetes. Associou-se à VfR e, após o início da guerra, filiou-se ao partido nazista com o objetivo de desenvolver foguetes para o exército alemão que financiou a sua pesquisa¹⁷.
O contato de Wernher com o partido nazista iniciou-se pela VfR como mencionado, mas o interesse do governo alemão em incorporá-lo à sociedade ocorreu após o engenheiro oficial de artilharia do Exército Alemão, Major-General Walter Robert Dornberger (1895-1980), firmar um contrato de demonstração dos experimentos espaciais da sociedade. Nessa oportunidade (1932), Wernher explodiu um motor de foguete enquanto tentava acendê-lo com uma lata de gasolina em chamas pela extremidade de um poste de quatro metros de comprimento, e, após a demonstração, Dornberger convenceu-se de que o Reich Alemão precisava dessa tecnologia na guerra¹⁸.
A partir dessa união, Wernher e Dornberger começaram a trabalhar em parceria na Base de Peenemünde, que funcionava como Centro de Pesquisa do Exército de Peenemünde – "Heeresversuchsanstalt Peenemünde" (HVP). Tal estrutura formou o maior centro de armamentos na Europa durante o período da Segunda Guerra Mundial, sendo o local, palco da idealização de novas tecnologias por meio de estudos científicos e da fabricação de armamentos que eram produzidos por trabalho escravo pelos inimigos do Reich¹⁹ (judeus, homossexuais, pessoas negras, prisioneiros de guerra ou qualquer pessoa que se opusesse ao regime nazista ou que eles considerassem inimigo).
Um dos principais objetivos do Terceiro Reich ao investir fortemente na Base de Peenemünde era o desenvolvimento de um foguete militar de longo alcance. Para tanto, Wernher Von Braun foi nomeado diretor técnico do Centro de Pesquisas e, por seu vasto conhecimento científico, liderou o projeto que deu origem ao primeiro foguete do Planeta Terra, o Aggregat-4
(A-4)²⁰.
O lançamento que logrou êxito ocorreu em 3 de outubro de 1942, e, devido ao grande sucesso, o General Dornberger declarou a tecnologia operacional. A pedido do ministro da propaganda do Reich, Joseph Goebbels, o foguete foi batizado como Vergeltungswaffe zwei (Arma de Vingança nº 2), ou, como ficou mais conhecido, V-2
²¹.
O V-2 contava com a tecnologia "liquid-propellant rockets"²², quando o foguete utiliza um motor de propulsão líquida; pesava cerca de "34,000 pounds – 15 mil kg (quinze mil quilogramas) já abastecido, e alcançava uma velocidade máxima de cerca de 6.000 mil km/h (seis mil quilômetros por hora) -
a maximum velocity of about 3,500 miles per hour"²³. Foi o primeiro objeto espacial que conseguiu cruzar a órbita terrestre, iniciando uma nova era dos transportes no Globo Terrestre²⁴.
Infelizmente a tecnologia espacial foi criada em meio a um contexto de guerra e sua finalidade era estritamente militar. Assim, o V-2 em vez de trazer avanços tecnológicos que auxiliariam na evolução da humanidade, trouxe destruição e tristeza, deixando milhares de mortos ao atingir o Reino Unido e a Bélgica durante um