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A Sociologia Brasileira
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E-book398 páginas5 horas

A Sociologia Brasileira

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Sobre este e-book

Este livro envolve a análise de nada menos que 107 anos da história sociológica brasileira, com 42 nomes de pensadores estudados, de 1881 a 1988. O trabalho é dividido em seis grandes seções. Na primeira é dada a “lei geral” da sociologia brasileira, mostrando que ela se orienta para obter uma macro-teoria capaz de explicar a conexão entre família, economia e política.. A segunda seção descreve os quatro períodos em que se divide a história epistêmico-social brasileira e as linhas paradigmáticas que caracterizam cada período, a saber: A) Comtismo e Raciologia; B) Familialogia; C) Desenvolvimentismo; D) Sociologia Convergente. A quarta seção faz o estudo dos dez temas mais estratégicos. A quinta seção detalha o sentido histórico, no qual se mostra que o enigma epistêmico da sociologia brasileira – ou seja, uma teoria capaz de articular a conexão entre família, economia e política – será resolvido caso ela consiga formular uma ciência social aplicada, na qual a ética surja como resultado da ritualística civil da sociedade. São os ritos sociais e a ética que podem promover a conexão de modo satisfatório. O livro termina com a crítica da historiografia sociológica brasileira e com diretrizes para pesquisa.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de jun. de 2020
A Sociologia Brasileira

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    A Sociologia Brasileira - Amir Mirim

    A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

    Amir Mirim

    bacharel em ciências sociais pela USP;

    mestre em ciência política pelo IUPERJ;

    sociólogo 1710/ SP; jornalista

    profissional 20479/ SP

    CONTATOS

    Site : www.socioetica.com.br

    E-mail do autor : amir.mirim@socioetica.com.br

    Facebook : Amir Mirim/ grupo Socioética/ página Socioética

    Google : Amir Mirim/ ética/ revolução ética/ ética no Brasil/ ritos e rituais/ Socioética/ Famílialística/

    Youtube : Amir Mirim

    Endereço : Rua Primeiro de Maio, 566, Centro, Apiaí SP, CEP 18320.000

    A todos os estudantes de ciências sociais do Brasil, que sempre precisaram e nunca dispuseram de um manual amplo sobre a nossa produção teórica na área e fornecesse pistas à definição de pesquisas e projetos a partir da nossa peculiaridade.

    À memória do Prof. Dr. Ruy Galvão de Andrada Coelho (1919-1989), da FFLCH-USP, com quem aprendi os primeiros passos.

     As instituições do casamento e registro civis com a secularização dos cemitérios darão ao país alguma coisa de positivo. Miguel Lemos , 1881 .

    Prenons la question de plus haut, et étudions l´ensemble de la population. La situation fonctionelle de cette population peut se résumer d´un mot: le Brésil n´a pas du peuple.   Louis Couty , 1881.

    Brasil, pais de senhores, de grandes, de magnatas; mas terra sem povo, no alto sentido da palavra!. Silvio Romero , 1888 .

    O nosso jurismo, como o amor às concepções doutrinárias, são bem a demonstração do esforço por construir com a lei, antes dos fatos, uma ordem política e uma vida pública que os costumes, a tradição e os antecedentes históricos não formaram. Nestor Duarte , 1936 .

    Esse espanto em face da complexidade da existência brasileira, que leva os bem intencionados ao esforço cada vez maior de coleta e exame dos dados objetivos, com o que aumentam ainda mais a própria perplexidade. Álvaro Vieira Pinto , 1959 .

    Os Povos-Novos, dentre os quais se inclui o Brasil, (...) são povos em disponibilidade, uma vez que, tendo sido desatrelados de suas matrizes, estão abertos ao novo, como gente que só tem futuro com o futuro do homem. Darcy Ribeiro , 1972 .

    Novas pesquisas indicam que a família patriarcal não pode mais ser vista como a única forma de organização familiar do Brasil colonial e surgem que a colocação do homem no centro de uma unidade doméstica, como regra, parece também ter sido uma ilusão. Mariza Corrêa , 1982.

    De alguma maneira percebiam que o caminho brasileiro para a civilização não passava pelas direções apontadas pela Economia Política, embora não soubessem dizer exatamente por onde deveria passar. José Murilo de Carvalho , 1988 .

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO

    A LEI GERAL DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA

    1. A lei da teoria convergente

    2. A estrutura tríplice da teoria social em geral

    3. As instituições intermediárias

    4. Estrutura das disciplinas mistas

    5. As várias faces do enigma

    6. O que está travando a saída?

    7. Resumo da ideia principal

    8. Consequências para o ensino e a pesquisa

    A ESTRUTURA HISTÓRICA DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA

    1. Introdução metodológica

    2. Período A −  I República (1881-1933 – Comtismo e raciologia

    3. Período B −  II, IIII e IV Repúblicas (1933-1955) – Familialogia

    4. Período C −  IV e V República (1955-1977) –

    Desenvolvimentismo

    5. Período D −  V e VI República (1977 −  ) –Sociologia convergente

    6; Apresentação da estrutura histórica

    OS DEZ TEMAS MAIS ESTRATÉGICOS DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA

    Introdução metodológica

    I. A sociologia convergente

    II. A invenção epistêmica

    III. A questão da ética e da dupla normatividade

        societária

    IV. A família e o paradigma do patriarcalismo

    V. A domestização do Estado

    VI. Ambiguidade institucional e crítica do

        liberalismo

    VII. Desenvolvimento e modernização

    VIII. A questão étnica

    IX. Participação política popular e sociedade civil na base

    X. A transformação histórica

    Quadro dos temas, períodos e pensadores

    O SENTIDO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA

    O sentido histórico

    Crítica da historiografia sociológica

    Diretriz para a pesquisa

    Bibliografia

    Sobre o autor

    ______________________________

    INTRODUÇÃO

    É a sociologia que contem a luz sobre o Brasil, não sei se a luz definitiva, mas aquela capaz de decifrar e iluminar o destino coletivo nos próximos séculos. Se não for essa ciência, qual seria a outra?!

    Está, pois, mais do que na hora da sociologia brasileira tomar consciência de si mesma e reivindicar o posto principal no pódio das ciências sociais neste país. Desde que a disciplina surgiu entre nós, de meados do séc. XIX até a atualidade, já transcorreu bem mais de um século.

    Uma longa e complexa lista de obras científicas de elevado valor teórico foi produzida nesse tempo. Entretanto ocupam lugar secundário nas grades curriculares dos cursos sociológicos e quase não possuem importância na programação das editoras de ciência.

    Alguém poderia dizer que essa situação tão irrisória se deve à mania brasileira de valorizar demais a cultura estrangeira, o que acarreta o desprezo pela cultura interna.

    Mas a lucidez mostra que não é isso, não. O que há é a ignorância sobre o que é feito aqui, o desconhecimento da nossa produção sociológica e, em consequência, o não desenvolvimento de uma tradição explícita e assumida.

    Se alguém perguntar a um graduando em ciências sociais, já em final de curso, que sociólogo brasileiro ele conhece, talvez ele venha a mencionar vários nomes, mas, quanto a obras lidas e estudadas, irá mencionar duas ou três. E se for mestrando ou doutorando, questionado se sua tese o fará discípulo de algum pensador brasileiro do presente ou passado, o provável é que considere a pergunta despropositada e sem sentido ou sequer a compreenda.

    Se a mesma pergunta for feita a um estudante de último ano do ensino médio, existe a possibilidade, por mais espantosa que venha a ser, de ele responder que não conhece nenhum. Tomando por exemplo os textos didáticos da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, e que podem ser vistos como modelares no ensino da sociologia no Brasil, não há um único capítulo sequer sobre a sociologia brasileira. [1]

    Quais os pensadores que ocupam a posição principal? São sempre os europeus e norte-americanos. Os pensadores locais apenas comparecem de modo episódico, sem uma boa costura evolutiva, especialmente da gestação da concepção de Brasil feita por eles, e não são estudados para valer.

    É culpa dos responsáveis? Não. No caso citado, os textos tem bom nível científico e didático, levando a uma visão ampla e completa da sociologia.

    O problema é que a academia brasileira de ciências sociais não toma nunca a sociologia local como base da formação dos graduandos e pós-graduandos. E aí, mais tarde, quando estes vão produzir textos teóricos e científicos, amarram-nos a matrizes europeias e norte-americanas, como se a sociologia brasileira praticamente inexistisse.

    É uma situação difícil e não dá, neste prefácio, para fazer a análise minuciosa das causas. Um ponto chave é que a academia até hoje não se preocupou em desenvolver uma historiografia regular do pensamento social local, sendo essa produção uma coisa errática e difusa. Outro ponto é que os orientadores de pós-graduação tentam de todas as maneiras amarrar a si próprios os orientandos e não à sociologia brasileira, inconscientes que são a respeito dela.

    Como pode o Brasil prezar e mesmo amar sua sociologia se nem sequer sabe seu conteúdo ou o que tem de diferente e especial frente às sociologias europeias e norte-americanas?! Como pode se entusiasmar por algo em cuja beleza e profundidade nunca mergulhou e de que sequer usufruiu?!

    Impossível.

    O que a sociologia brasileira tem de próprio? O que tem de melhor que a sociologia estrangeira? O que tem de tão especial e rico que só mesmo aqui esse o que poderia ter nascido?

    Quem sabe responder a essas perguntas?

    Ninguém.

    Nem mesmo nossos melhores sociólogos sabem o quão boa é a ciência social que eles próprios estão praticando. E se alguém perguntar a um sábio na área – um sábio verdadeiro, um mestre profundo, pois eles existem! – o que de precioso se esconde na sua produção científica, existe a possibilidade, espantosa!, de que sinta uma certa vergonha de se vangloriar e não saiba o que dizer.

    Pois bem, a finalidade maior, mais séria e preciosa do presente livro é criar essa consciência no meio sociológico do Brasil. Fazer o pensamento epistêmico-social local olhar a si mesmo, de uma maneira profunda e rigorosa, e de um modo tal que se torne um momento inesquecível, gerando uma luz íntima tão poderosa e certeira que nunca mais venha a se apagar.

    É uma obra de história científica do pensamento sociológico brasileiro, empreendida com o máximo de rigor e precisão. Embora tenha o recorte mais afiado possível para uma história das ideias, é assumidamente um manual, redigido para a aprendizagem da sociologia brasileira.

    Uma das suas características é que desenha dela um panorama expressamente voltado a viabilizar ao estudante e pós-graduando identificar os problemas-chaves, para poder tomá-los como diretrizes da sua tese e sua linha de pensamento, de modo que esta venha a se integrar na construção consciente e assumida da sociologia local.

    Tem por início o ano de 1881, data da institucionalização da sociologia comtista no Brasil, com a fundação da Igreja Positivista do Brasil no Rio de Janeiro; e por final o ano de 1988, data de publicação do livro do sociólogo paulista Eder Sader, o último analisado neste livro.

    Esta obra faz a análise portanto de 107 anos de sociologia, abrangendo 43 pensadores.

    Foram estudadas uma ou duas obras importantes de cada pensador e que tivessem por objeto o estudo do Brasil como sociedade global, não todas e nem estudos específicos desta ou daquela dimensão da realidade social.

    Tal critério metodológico permitiu não apenas a visão de totalidade da sociologia interna, como também a captação sequencial das análises feitas sobre os problemas do Brasil, facultando captar o lento mas firme progresso nos diagnósticos causais e na proposta de soluções estruturais e processuais.

    O trabalho é dividido em quatro grandes seções, cujo conteúdo obedece aos seguintes passos:

    1) Apresentação prévia da lei geral da sociologia brasileira, denominada como lei da teoria convergente, a qual evidencia que ela vem buscando, ao longo de mais de século, uma teoria capaz de articular explicações para os graves problemas advindos de falhas estruturais na conexão entre família, economia e política, em que a explicação sobre o processo familial constitui o ponto mais fraco e até hoje não resolvido.

    2) Os quatro períodos em que se divide a história epistêmico-social brasileira e as linhas paradigmáticas que caracterizam cada período, a saber: (Período A) I República, de 1981 a 1933, paradigmas: Comtismo e Raciologia; (Período B) II-III-IV Repúblicas, de 1933 a 1955, paradigma: Familialogia; (Período C) IV - V Repúblicas, de 1955 a 1977, paradigma: Desenvolvimentismo; (Período D) V-VI Repúblicas, de 1977 em diante, paradigma: Sociologia Convergente.

    3) A exposição dos conteúdos das obras analisadas dos  42 pensadores, agrupados nos quatro períodos, mas apresentados de maneira individualizada, com grau razoável de detalhe e estrita fidelidade à conceituação usada por cada pensador, sem qualquer pré-julgamento. Ao final de cada período é feita a análise de conjunto, e é quando, como autor, procedo então à avaliação sobre o pensamento social do período, porém dentro de um encadeamento lógico-indutivo, conforme a metodologia científica consagrada.

    4) A estrutura histórica das linhas de pensamento e das temáticas. Uma vez feitas as análises por períodos, todas as conclusões alcançadas são então reunidas e expostas em dois gráficos de fluxo temporal ou cronológico, viabilizando uma visão total e de conjunto da sociologia brasileira.

    O primeiro é um gráfico epistêmico, que traz os focos disciplinares ou científicos que caracterizaram cada período, em dois níveis, o paradigmático (ou dominante) e o independente. O segundo é um gráfico temático, em correspondência rigorosa com o gráfico epistêmico, mas que apresenta os conteúdos das análises sociológicas de cada período, também em dois níveis, o paradigmático e o independente.

    5) Os dez temas mais estratégicos. Nessa seção, apresento dez micros ensaios especiais sobre os temas mais relevantes tratados pela sociologia brasileira, a saber:

    I. A sociologia convergente; II. A invenção epistêmica; III. A questão ética e a dupla normatividade societária; IV. A família e o paradigma do patriarcalismo; V. A domestização do Estado; VI. A ambiguidade institucional e a crítica do liberalismo; VII. Desenvolvimento e modernização; VIII.  A questão étnica; IX. Participação política popular e sociedade civil na base; X. A transformação histórica.

    O critério para a seleção dos temas foi estratégico, a partir da contribuição de cada um para a elucidação do enigma epistêmico da sociologia brasileira, ou seja, para o êxito na elaboração de uma teoria convergente que seja capaz de explicar e solucionar os problemas detectados na conexão entre os processos familiais, antropológicos e políticos, no Brasil.

    6) O sentido histórico, com a formulação de uma solução para a lei da teoria convergente, a detecção final da direção científico-teórica para a qual aponta a sociologia local, tendo em vista a solução do problema não resolvido que há  mais de século vem afligindo a sociologia brasileira.

    O enigma epistêmico da sociologia brasileira será resolvido caso ela consiga formular uma ciência social aplicada, na qual a ética surja como resultado da ritualística civil da sociedade.

    Este é o ponto fulcral de toda a obra: a cuidadosa análise feita mostra que o Brasil sofre os efeitos de uma desritualização familial que vem dos tempos coloniais e que gera uma complexa desregulação ético-moral dos costumes, assim tornando inoperante a conexão entre a família, a economia e a política.

    Tal é, pois, o conteúdo essencial do livro.

    Ele possui características formais muito próprias:

    (a) todo o processo de elaboração do pensamento sociológico brasileiro é vinculado a uma lei geral, estabelecida com clareza e simplicidade conceitual;

    (b) o desenvolvimento do livro constitui uma demonstração dessa lei;

    (c) a organização das seções obedece a um enquadramento estrutural explícito, conforme metodologia exposta com evidência;

    (d) toda a história das ideias é repartida em alguns poucos períodos, cada qual exposto segundo uma ordem bem formalizada;

    (e) as conclusões são sistematizadas em gráficos de fluxo;

    (f) são fixados dez temas que fornecem dez ângulos distintos de leitura do processo epistêmico-sociológico;

    (g) essa composição estrutural resulta ao final na detecção do sentido global que rege a história da sociologia no Brasil.

    O recorte científico é assim muito rigoroso. A história da sociologia brasileira é apresentada tanto de modo sequencial quanto de modo estrutural. Depois, procede-se à sua decupagem em dez temáticas, dentro de cada qual é retomada a história sequencial, como dez micro-histórias especiais no interior de uma macro-história geral, mas todas evoluindo para um fulcro central.

    Não estou sobrepondo o meu olhar em relação ao conteúdo da obra. Os passos do trabalho são efetivamente esses aí relatados, com as conclusões indicadas exatamente conforme vem obtidas e expostas no desenvolvimento do livro.

    Esse modo de elaborar história – e no caso uma história de ideias – é muito diferente do modo usual, dos livros de história a que o meio intelectual e acadêmico está acostumado. No formato tradicional impera a narração, mesmo quando essa narração é pautada por uma metateoria interpretativa (como no caso das histórias marxistas).

    Aqui não há narração. O que há são justaposições de textos histórico-cronológicos com textos analíticos, ambos internos a amplos quadros de tipo estrutural, como um edifício, em que a ordem das partes é fixada de modo harmonioso, porém obedecendo a uma arquitetônica bem definida.

    Tanto a metodologia epistêmica usada para organizar este livro de história sociológica, quanto os diagnósticos e conclusões alcançados, trazem resultados absolutamente surpreendentes. Aliás, o foram inclusive para mim, como autor, na medida em que os cuidados metodológicos tomados visavam garantir ao máximo a marcha indutiva, submetendo a esta marcha a elaboração e obtenção dos diagnósticos e soluções.

    A leitura do livro poderá levar à objeção de que a lei geral postulada para a sociologia brasileira foi estabelecida no início da obra. Uma vez que o seu desenvolvimento constitui a demonstração daquela lei, o que houve teria sido então a acomodação do processo histórico-sociológico a ela.

    Isto é, como autor eu apenas teria encontrado nesse processo algo que já havia previamente postulado, em um círculo vicioso comprometedor da cientificidade histórica pretendida.

    Não é bem assim. A lei geral – chamada de lei da teoria convergente – é postulada no início do livro (1ª. Seção, item 1 ) como uma tendência epistêmica ou teórica da sociologia local, que contem um problema não resolvido. Ou seja, o que faço é identificar certo problema científico e postulá-lo sob forma de lei (na medida em que tem efeito regulador sobre o processo local de teorização sociológica) , mas não o resolvo.

    A solução vem com o desenvolvimento progressivo e cumulativo das exposições e análises efetuadas ao longo do livro, vindo a se configurar de maneira bem lenta, até ser formulada com precisão e rigor no final da obra (4ª. seção).

    A marcha indutiva é, pois, respeitada e de tal modo que a solução formulada no final ao problema não resolvido do início ocorre com um máximo de força e convicção, advindas estas não de uma acomodação a um círculo vicioso, mas de um conhecimento profundo de todo o conjunto de pensadores e obras estudados.

    Se isso não for ciência, então o que o seria?!

    Apesar da alta formalização, há portanto a geração de um conhecimento que é plenamente histórico, de grande transparência e legibilidade.

    Friso com ênfase o conceito de história científica. Sei o quanto esse conceito de história é considerado excessivo ou mesmo temerário, devido aos exageros cometidos pelas filosofias da história modernas, como o evolucionismo, positivismo, dialética marxista, etc.

    Porém, apontem-me alguma forma de ciência na qual não há erros? O próprio processo da ciência é caracterizado por ocorrer dentro de um equilíbrio instável entre erros e acertos, como o reconhecem as epistemologias mais lúcidas.

    Tomando-se o cuidado de evitar exageros, especialmente a ilusão da verdade absoluta, e aprendendo como passado, não se pode abdicar do ideal de uma história científica, pois esse ideal  conduz ao aperfeiçoamento metodológico, ao passo que abdicar dele conduz à frouxidão teórico-analítica, com prejuízo pesado para o autoconhecimento humano no plano da coletividade, meta que só a história pode fazer-nos alcançar.

    O cuidado em fazer um trabalho de alto teor científico – e que ao mesmo tempo pudesse servir de manual para o encaminhamento dos problemas científicos da área – conduziu à solução mais abrangente possível do ponto mais fraco da pedagogia acadêmica, ou seja, de como viabilizar aos departamentos de ciências sociais um instrumento didático-pedagógico para estabelecerem a sociologia local como base da formação dos graduandos e pós-graduandos.

    A solução consistiu em amarrar a obra a um programa de pesquisa, minuciosamente inferido e argumentado a partir da própria historiografia feita.

    Como? Na 3ª. Seção, Os dez temas mais estratégicos, cada qual deles termina invariavelmente em quatro pontos, nos quais estabeleço, com base na análise feita, uma agenda para a pesquisa.

    Cada tema é perturbador, difícil, contendo uma profunda interrogação da sociologia brasileira sobre si mesma, do ângulo daquele tema, e é desenvolvido sob forma de uma micro-história no interior da história sociológica maior. Os vários pensadores que trataram desse ângulo vêm assim apresentados e suas ideias analisadas, em poucas linhas, mas ressaltando o ponto decisivo.

    Isso fornece ao ensaio um tamanho médio, com bom desenvolvimento do tema, e permite terminá-lo em uma avaliação do estágio atual em que se encontra a reflexão sociológica a respeito. Dessa avaliação são extraídos então os quatro pontos para futuras pesquisas que possam vir a ser realizadas, de modo a terem alta fertilidade nos resultados.

    Somando os quatro pontos estabelecidos para cada tema, temos nada menos do que quarenta diretrizes de pesquisa, todas abrindo interrogações ou propondo argumentos sobre problemas profundos da reflexão e da análise sociológica brasileira, tanto a respeito de questões internas, quanto de questões mais abstratas ou relativas a dificuldades das metateorias europeias.

    Toda a pedagogia dos orientadores passa a dispor de uma base sólida. De comum acordo com eles e sem tolher em nada a liberdade e inventidade, o estudante e o pós-graduando podem tomar esse programa por guia para eleger este ou aquele pensador brasileiro como seu mestre, ou então para filiar sua produção teórica a alguma linha de trabalho relevante dentro da história epistêmico-social local.

    Além disso, na última seção (4ª. Seção), apresento uma minuciosa análise da solução sinalizada pela história epistêmico-social brasileira para o problema da sociologia convergente, isto é, a ritualística civil como instância em que é viável uma ciência prático-aplicada para a família e a conexão desta com a economia e o Estado.

    Procuro mostrar que o direcionamento da ritualística civil para a ética constitui o meio de se evitar que se transforme em religião civil, de forma a atender às necessidades normativas brasileiras no âmbito moral e a preservar simultaneamente a separação entre Estado e Igreja vigente no Brasil.

    O programa de pesquisa extraído da historiografia sociológica local mantem uma dialética fértil com essa direção especialíssima, fornecendo ao graduando e pós-graduando um quadro de referência de grande amplitude e que implica investimentos teóricos de alta responsabilidade.

    O resultado é um panorama sociológico de enorme impacto. A sociologia brasileira, vista no seu conjunto, aparece como excepcionalmente original e peculiar, revelando um andamento progressivo e cumulativo nos diagnósticos sobre o Brasil, dotado de uma lógica e uma racionalidade histórica de enorme força.

    Uma espécie de subproduto dessa captação da originalidade da sociologia local, e aqui estou sendo mais uma vez fiel ao livro, é a constatação da impotência das matrizes epistêmicas do pensamento social clássico – a exemplo de Locke, Comte, Weber, Durkheim, Marx, etc. – utilizadas pelos pensadores brasileiros para guiar suas análises da realidade brasileira e elaborar suas obras científicas.

    A impressão inicial é de ecletismo. Porém, o conhecimento mais detido das obras mostra outra coisa, até hoje oculta, e que é a imperiosa necessidade do pensador local de ampliar, alargar, o raio de alcance dessas matrizes, de modo a conseguir que nelas caiba a sociedade brasileira.

    É como se o Brasil, devido à sua estranheza e peculiaridade indecifradas, começasse a arrebentar as costuras das subteorias internas a tais matrizes e o pensador fosse então forçado a enxertar outras subteorias, advindas de outras matrizes – ou mesmo inventadas por ele próprio –, para manter a coerência e potencializar a capacidade explicativa.

    Tenho razões sólidas para afirmar que a sociologia brasileira vem procedendo, devagar e de modo discreto, eu diria até humilde, à maior articulação e costura de metateorias sociológicas já empreendidas no pensamento social mundial.

    Esse ponto vem bem estudado dentro da obra (veja-se, p. ex., a 2ª. Seção, Tema II, A invenção epistêmica).

    Outro subproduto, também proveniente da originalidade brasileira no âmbito da teoria social, é que o tipo de solução secretada pela história da sociologia brasileira para o enigma da sociologia convergente – uma teoria unificada para os processos familiais, antropológicos e econômicos, tendo como mediação uma teoria ritual da ética centrada na família – serve para explicar boa parte da problemática social do mundo moderno.

    A dificuldade processual complexa que nos aflige, e que é a má qualidade da conexão entre aqueles três processos, também aflige o restante do mundo. O fato de que é a ética da cidadania o ponto mais fulcral, e a ritualística civil o meio de se sair desse tremendo impasse, desenham um diagnóstico e uma fórmula diretriz de potencial universal.

    Curiosamente, nem poderia ser de outro modo. Configurando-se o Brasil como nação resultante da mescla de etnias e culturas de todo o mundo, e sendo essa mescla que está por trás da problemática da sociologia convergente, o encontro de um encaminhamento para a mesma só poderia resultar em algo de conteúdo também universal.

    Espero ter tido êxito em explicar por que da presente obra advirá a consciência de si de que até agora era carente a sociologia brasileira. Esta não conhecia a si mesma, nem tinha a menor ideia da sua própria potência e originalidade.

    Porém esta obra apresenta-a de modo minucioso e com máxima fidelidade, e de sua história extraem diagnósticos e conclusões obtidos a partir de uma lógica rigorosa, chegando-se dos fatos às generalizações e das premissas às conclusões de modo cuidadosamente progressivo e cumulativo.

    Não há como permanecer imune aos resultados obtidos, não apenas por serem seguros, mas por possuírem a força surpreendente das verdades que, desconhecidas até então por nós, de repente aparecem à nossa frente com todo o seu brilho.

    A primeira versão deste trabalho foi defendida como tese de mestrado em ciência política, em 1994, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, tendo transcorrido portanto dezoito anos desde sua redação inicial até a data de agora, em 2002, quando estou finalmente encerrando  sua elaboração.

    Estou contente por ter aguardado tanto tempo para  o encerramento da obra. Havendo certa distância minha em relação ao trabalho feito, pude avaliá-lo com acuidade e noção dos pontos fracos, que precisavam ser acertados e aperfeiçoados, o que fiz de modo bastante  minucioso.

    Assim, há uma diferença bastante grande entre a primeira versão e a de agora. Tudo o que havia na tese de mestrado, a estrutura e as ideias principais comparecem aqui. Porém o grau de limpidez das ideias é muito superior, nesta versão definitiva. O prazer da leitura foi altamente beneficiado.

    ______________________________

    A LEI GERAL DA

    SOCIOLOGIA BRASILEIRA

    1. A lei da teoria convergente

    A questão central da teoria social no Brasil não é o liberalismo. A questão central da teoria social  no Brasil não é o socialismo. A questão central da teoria social no Brasil não é o cristianismo. A questão central da teoria social no Brasil não é o racismo. A questão central da teoria social no Brasil não é nenhum ismo. Se há alguma questão doutrinária central à teoria social no Brasil é algo como a ‘falta de ismo".

    Isto não é apenas jogo de palavras. O fato é que nenhum sistema de ideias políticas, nenhuma filosofia ou doutrina, nenhuma ideologia, conseguiu até o momento se  tornar  central’ no pensamento social local, nenhuma  radicou-se a tal ponto na prática social e política que se possa, a seu respeito, afirmar que se tenha transformado em algo próximo a uma tradição doutrinária" interna.

    Qualquer afirmação desse gênero, sobre qualquer das doutrinas mencionadas, afirmando-a como central, tradicional, essencial, básica, etc., será, no caso brasileiro, ou mera imposição ou ardil unilateral. O estudo do conjunto do pensamento social local, a partir do respeito à fala autoral dos pensadores, dos assuntos por eles próprios colocados como principais em suas obras, não autoriza isso de modo nenhum.

    É preciso, de alguma maneira, aprender a ler a teoria social feita aqui, pelos nossos pensadores da área, sem distorcer a fala autoral deles, sem fazer o essencial e o periférico trocarem de posto, separando com clareza aquilo que eles pensam e aquilo que nós pensamos deles. Praticando a difícil arte de apreender aquilo que singulariza cada um deles, aquilo que os especifica. Isso não quer dizer que não possamos avaliá-los, julgá-los e criticá-los, mas sim que ouçamos sua fala sem a reduzirmos à nossa fala.

    Tornando-se esse cuidado, ver-se-á que a teoria social brasileira se organiza muito mais em torno de temas ou preocupações que em torno de doutrinas, aparecendo estas −  mesmo quando o autor se filia programaticamente a alguma delas −  em meio a perplexidades, paradoxos, ambiguidades, que acabam levando-as a perderem nitidez e importância efetiva.

    O que estou dizendo de modo nenhum significa que eu seja contra as doutrinas, ou que a situação vigente é o melhor para o Brasil (não penso isso), mas sim que o processo teórico interno não se encaixa em nenhum dos paradigmas conhecidos, devido ao fato de o próprio país ter um processo histórico e social altamente peculiar. Do ponto de vista doutrinário estamos aqui frente ao desconhecido, não ao conhecido...

    Adotando como principio essa postura deliberadamente intuitiva, aberta’, decidida a não perfilhar qualquer doutrina pré-estabelecida, e sem que isso signifique a adesão a uma também ilusória neutralidade, orienta-se o presente trabalho a uma interpretação da teoria social brasileira",

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