Pavilhão Dos Esquecidos
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Pavilhão Dos Esquecidos - Georges Kotsifas
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Copyright © 2023 para o autor Georges Kotsifas
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2023 para o autor.
Editor
Carlos Alexandre Venancio
Ilustrações
Rafaela Sayuri
Projeto Gráfico
Manuela Sanchez
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Kotsifas, Georges
B869.3
Pavilhão dos esquecidos / Georges Kotsifas. -- 1. ed. -- Maringá, PR : Sinergia Casa Editorial, 2023.
ISBN 978-65-87030-79-1
1. Contos brasileiros I. Título.
CDD 22 ed. 380.098162
Índices para catálogo sistemático: 1. Contos : Literatura brasileira B869.3
Tábata Alves da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9253
livros impressos e e-books
Rua Pioneira Ana Cordeiro Dias, 820A CEP 87023-100 - Maringá/PR
44 3028-8840 / 44 99950-8101 /
cavenancio@gmail.com
Temos que descansar temporariamente de nós, olhando-nos de longe e de cima e, de uma dis-tância artística, rindo sobre nós ou chorando sobre nós: temos de descobrir o herói, assim como o parvo, que reside em nossa paixão pelo conhecimento, temos de alegrar-nos vez por outra com nossa tolice, para podermos continuar alegres com nossa sabedoria.
Nietzsche
(Nietzche, F. A gaia ciência. Af. 107, in Obra incompleta. São Paulo. Abril Cultural. 1974, p. 206)
Sumário
7
Noite de pavor .......................13
Navios negros ...................... 23
Angústia ......................27
Uivos e assombrações .......................31
Caminhos tortuosos! ...................... 34
Alma de cicatrizes ...................... 37
Barro sujo ......................44
Pele negra ......................46
Demência! ......................49
Amanhecer ...................... 54
Neblina ...................... 59
Serras e grotões ......................62
8
Garimpos de horror ......................67
Aldeia .......................83
Rendez-vous ...................... 87
Crime encomendado! ......................94
Bebedeira no pavilhão ......................97
Caminhar tropego! ....................104
Noite de maldades .....................111
Pelos sertões! .....................113
Refeitório! .................... 130
Jagunços .....................133
Busca inglória! .....................135
A sombra da morte! .....................136
Escuridão ....................140
Mãos amigas ....................142
Tormento .................... 145
Alma e dor .................... 147
Desespero .................... 149
Andar arrastado .....................151
Almas feridas .....................157
9
O refeitório .....................159
Chuva e medo .....................163
Despertar de assombrações .................... 169
Olhos de medo .....................173
Cotidiano ....................174
Amargor .................... 178
Grasnar noturno .................... 180
Quilombos! .................... 182
Fome e abandono .....................185
Demência II .................... 187
Amazônia .................... 190
Assombração .................... 194
Dor e morte .................... 197
Corruptela de fome ................... 200
Escravos em fuga! ....................203
Olhar demente ....................205
Horizonte pedregoso ....................207
Perdido ....................209
Cova rasa ....................211
Prefácio
11
A obra Pavilhão dos Esquecidos
transborda um uni-verso rico de detalhes que não só demonstram as várias op-ções de tempo, de espaço, como também de identidades.
Numa mistura ora frenética, ora de suspense, segura o leitor com a metamorfose do mundo e da própria cognição e todos os elementos envolvidos nos contos deste livro.
A temática do mar revolto, dos monstros que insistem em emergir, dos medos que insanamente procuram ser esquecidos reproduzem fi elmente a narrativa de diferentes coexistências do narrador e dos lugares que enumera na obra.O autor, Georges Kotsifas, delineia fi elmente a teia entre narrador e personagens, misturando com rica narrativa as fronteiras entre eles e seus fl uxos que envolverão certamente os leitores atentos, mas os deixando inquietos com o zigue-zague dos murmúrios ou fantasias da esquizofrenia, obsessões da arte da observação, inquietude do suspense e de um fi m indeterminado dos acontecimentos.
Pavilhão dos Esquecidos
certamente poderia ter também sido batizado por Kotsifas de sinfonia, explosão ou mesmo sobrevivência.
C. A. Venancio
editor
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NOITE DE PAVOR
Numa daquelas noites de pavor, tão frequentes naquele então, acordei mergulhado numa angústia pior que de costume! Sentia o peito pesado, o respirar difícil e ofegante!
Era madrugada, de uma noite chuvosa e quente, abafada! O
vento forte, entrando pelas gretas das paredes de madeiras já velhas e corroídas pelo tempo, fazia bater as janelas escurecidas, de compensado e papelão, num ruído seco, fi no, repetitivo e irritante! Levantei-me no escuro e encostei nela um cabo de madeira, numa tentativa desesperada de parar a barulheira e voltar a dormir. Mas perdera o sono! Já não tinha mais relógio, devia ser entre as três e quatro horas da manhã. Longe, perdido entre os casebres e pastos abandonados, um galo já cantava. Um canto tão irritante como o ruído da janela, que eu não conseguia parar. Não era bem um canto saudando o amanhecer, não, era mais um grasnar estridente seguido por outro e por outro e por outro. Começou a me enervar aquele canto fi no e repetitivo, tanto como o vento assobiando pelas frestas das paredes e janela.
Aquilo feria as almas dos internos, numa provocação repe-titiva e doentia, acordando-os fora de hora, tirando-os de seus sonhos delirantes e pesadelos. Pior era a mesmice do canto e o bater do vento martelando na cabeça, batendo, enlouquecendo! Ia e vinha e cada vez mais alto, mais estridente, mais repetitivo, de tal modo que já estava dando uma zonzeira na cabeça, quando então, meio que de repente parou e não cantou mais! Levantei-me da cama suja e revolta,
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novamente! Agora escutava um trinar mais irritante ainda, fi no, dolorido, que parecia chegar até a alma. Estava bem próximo, dentro do quarto, parecia um cri-cri, quase que contínuo, num martelar sem fi m. Tentei descobrir de onde vinha, mas parecia mudar de lugar a cada passo meu em sua busca. Olhei em cima do guarda roupa, revirei por dentro dele, entre as roupas velhas e sujas amontoadas, sem cabides, procurei dentro e por debaixo da pia, no banheiro minúsculo e cheirando a urina, e nada, e continuava o barulhinho fi no que entrava pelos ouvidos e batia na cabeça! Começaram novamente as zonzuras, cheguei a dar tapas sem força, na nuca primeiro, depois já batia com força na cabeça toda para ver se parava aquilo, mas não, ininterruptamente, cri-
-cri-cri, abri a porta de madeira podre pela água e uma golfada de chuva molhou-me inteiro, junto com um golpe de vento forte e gelado, e o ruído continuava, voltei a procurar por entre as roupas, debaixo das cobertas, mas nada, agora aquilo já era tal como uma agulha entrando pelos ouvidos e retumbando em toda a cabeça. Isso aumentou a zonzura e começo a transpirar pelo medo, apesar do ar gélido. Procuro caminhar, as pernas estão bambas e num desequilíbrio, quase caio, volto a deitar, fecho os olhos, tapo os ouvidos com um travesseiro com cheiro de mofo, mas nada, o barulho parecia que retumbava nas paredes, depois seguia em círculos, escapando de minha busca, de tal modo que não conseguia localizá-lo, acendi e apaguei a luz varias vezes: pálida, mortiça, de uma lâmpada redonda coberta por excrementos de mosquitos, até que alguém gritou reclamando ou era outro pesadelo. E o trinar continuava, pensei em
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acender um cigarro que tinha escondido, mas não tinha fósforo ou isqueiro no quarto, eram proibidos para os internos. Sentei-me na cama, voltei a golpear a cabeça com as mãos, agora com mais força e o barulho e o frio e a chuva e a solidão entre outros, seguiam iguais, gritei, alguém novamente reclamou desde o pavilhão dos fundos, fi quei quieto, no escuro, com medo de que viessem e me aplicassem alguma injeção. De repente, ou dormi ou cessaram os ruídos.
Fechei os olhos com força, com uma manta fi na, escura, de chenil, cobri o corpo inteiro, até a cabeça, apesar do mormaço que sucedera o vento frio, procurando dormir antes que tudo recomeçasse, mas não deu tempo e novamente aquele ruído fi no, irritante, em algum lugar dentro do quarto, e novamente parecendo andar em círculos até entrar nos ouvidos. Voltei a procurá-lo, mas nada, olhei novamente na pia, no guarda roupa, entre as roupas, já reviradas, entre os pratos e panelas. E continuava o ruído, de repente lembro de que não tinha olhado debaixo da cama, agacho, e percebo que ali era mais forte, então deito no chão de madeiras poeirentas e ensebadas, com cheiro de cera em pasta e ob-servo o melhor que posso e só então vejo pendurado numa mola da cama um inseto do tamanho de uma mão fechada, horroroso, verde, com patas fi nas e compridas que entravam por entre as molas e se agarrava com força. Tinha olhos enormes e brilhosos que, de repente, se voltam bruscamen-te para mim, num grito de pavor, tento assustá-lo, mas só consigo que aumente o trinado, aproximo com medo, lentamente, os dedos em sua direção: ele se move, mas não se solta da mola nem para com seu cri-cri-cri. Eu seguia por
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um tempo interminável, ali deitado no chão frio. Devia estar a um meio metro dele, o barulho agora era enlouquecedor, como uma ameaça pra que me afastasse, procurei novamente aproximar a mão, mas ele se mexe e volta a me assustar, gira os olhos enormes em minha direção, meu coração dispara, dou outro grito de terror, como de um pesadelo, e levanto-me rapidamente, me ponho a golpear a porta chamando os enfermeiros, mas nada, estavam acostumados com o gritério dos pesadelos, especialmente nas noites de lua cheia, noites com chuvas e trovoadas, com monstros e lobisomens. Parei com os gritos de ajuda e novamente tentei esquecer o inseto, mas ele seguia martelando uma e mil vezes, piorando cada vez mais a zonzura. Novamente quase caio e já sem medo, estendo um cobertor grosso de lá, todo esburacado, no chão de madeira e deito para novamente observá-lo, agora mais de perto. Lá seguia, no mesmo lugar, agarrado às molas, uma delas espetada em minha direção como uma pata fi na a mais, procurei um pedaço de pão e deixei próximo dele, não se interessou e novamente gira os olhos enormes e volta-os para mim, um arrepio me percorre, fi co quieto sem respirar, olhando, ele move as patinhas fi nas e compridas lentamente, cuidadosamente, mas segue preso as molas. Me levanto e ergo um lado do colchão fi no e sujo, e o vejo de cima agora: uma das muitas patas, a mais comprida, estava entre à mola e o colchão, jogo um pedaço de pão nela, ele a retira numa agilidade espantosa, mas só troca ela de lugar, pego o travesseiro e jogo onde está, cessa o ruido fi no, respiro aliviado, ergo o travesseiro e recomeça tudo, volto a tampar, cessa o ruído,
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retiro o travesseiro e pra meu espanto, já não está mais lá, mas recomeça o cantar, fi no, estridente, aperto a cabeça com o travesseiro, grito novamente, reclamam, e tudo continua igual, olho mola por mola e não está, mas o trinar segue como num zig-zag. Salto várias vezes no mesmo lugar quase tocando o teto baixo com a cabeça, chuto a parede, volto a gritar, outro grito lá do pavilhão responde, fi co quieto, talvez um enfermeiro que se cansara do meu griteiro e terminasse por vir com a injeção. Fico quieto, parado de pé em cima do colchão que jogara no chão, num dos cantos, com medo de colocá-lo em seu lugar, em cima das molas e o inseto voltar ao lugar de antes. Agora sinto um pavor de que pudesse furar o colchão fi no com suas patas compridas e me atingir. O desespero aumenta meu tremor.
Aterrorizado fi co sem me mover nem gritar por um longo tempo, talvez tenha dormido. Não aparece ninguém, e o ruído enlouquecedor seguia igual: só que em outro ponto do quarto, levanto e agora, com medo das patas fi nas e compridas, da boca rasgada e ameaçadora e do girar dos olhos, com mais cuidado, não procuro com as mãos, mas com um cabide de plástico que estava no chão, atrás do guarda roupa, uso como se fosse uma arma, procurando com ele, de novo revirando, em cima do guarda roupa, no meio das roupas, mas nada, o inseto desaparecera, menos o barulhinho fi no, que cada vez aumentava mais, e sentia como se uma luz que parecia entrar na cabeça junto com o ruído, batia e batia, e nada, desaparecera, volto a agachar e busco debaixo da cama novamente, mola por mola, mas nada, fugira. Vejo a pia suja com restos de sabão, a movo de
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lugar, com cuidado para não quebrar de vez e fi nalmente, debaixo do cano de esgoto vejo um pontinho verde, cheio de espiculas, como de um caranguejo, é ele, só vejo isto, e percebo que ali o ruído é maior. Pego o cabide e toco o ponto vede que estica e parece quase a me alcançar. Então, agora grito de raiva e desespero, e pulo para cima do colchão, deito e cubro a cabeça, pra não ver, mas nada sucede, somente o barulho que continua, um tempo depois saio debaixo da coberta e novamente me aproximo do cano de chumbo do esgoto, velho e enferrujado, coberto de sujeira, uns dois dedos de poeira, asas de barata, e restos de pó dos cupins que esburacavam toda a madeira do quarto, do guarda-roupa, da cama, do teto de madeira, e este pó espalha-se pelo quarto, só limpavam quando trocava de doente, e vejo, mas