Clássicos politicamente incorretos: Homenagem póstuma à cultura do cancelamento
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Sobre este e-book
Esta coletânea de contos é uma homenagem às novas gerações, que têm lutado pela igualdade de gênero, igualdade racial, combate à misoginia e direitos das mulheres; ao mesmo tempo, é uma reflexão sobre a Cultura do Cancelamento, que tem sido implacável com artistas, personalidades e pensadores com opiniões diferentes.
Entre os personagens apresentados, temos: um homem com um fetiche violento; um conquistador enrolado que tenta manter dois relacionamentos ao mesmo tempo; um charlatão que acabou virando um político respeitado; um pai controlador que obriga a filha a aceitar um casamento arranjado; um caso incestuoso com final trágico; e tantos outros que hoje deixariam muitas pessoas de cabelo em pé.
Sabemos separar a arte da realidade? Ou será que o cancelamento é a única justiça? Que o Tribunal da Internet e das mídias sociais esteja pronto para nossos autores consagrados!
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Clássicos politicamente incorretos - Lima Barreto
Copyright © Longarina
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo que parcial, sem a autorização da editora.
ISBN: 978-65-87155-26-5
Edição e Organização: Neto Bach
Projeto Gráfico: Longarina
Diagramação: Longarina
Capa: Neto Bach
Imagens de Capa: Background – Gerd Altmann por Pixabay / Autores – Fundação Biblioteca Nacional e Imagens em domínio público
Revisão: Fernando Alves
Grupo Editorial Longarina
www.editoralongarina.com.br
www.novaskill.com.br
contato@novaskill.com.br
Não é só a morte que iguala a gente.
O crime, a doença e a loucura também acabam com as diferenças que a gente inventa.
Lima Barreto
Sumário
Prefácio
Um especialista
Dentro da noite
Casa, não casa
O homem que sabia javanês
A filha do patrão
O caso de Rute
Prefácio
O mundo anda muito complicado, dividido em todos os sentidos: politicamente, culturalmente. A chuva de fake news tem confundido as pessoas que, em vez dialogar, preferem ir para o embate e encontrar um culpado para todos os problemas do universo, causando uma onda de intolerância. Conservadorismo em excesso, liberalismo em excesso... Não há meio-termo. Ou você é ou você não é, não importa o que, o importante é se posicionar. O Tribunal da Internet, formado por juízes e jurados anônimos, contribui para o caos da desinformação em que vivemos, e a arte, em todas as suas formas, tem sido prejudicada com tudo isso. A vida está muito chata!
Mas será que sempre foi assim e a Internet só potencializou esta polarização? Será que é possível diferenciar o que é uma manifestação artística do que é realidade? Bem, não sei dizer. Só sei que às vezes a vida imita a arte e tudo parece ficção. Mas a arte ainda é arte, e aplicar a Cultura do Cancelamento para tudo não pode ser certo (na opinião deste editor). Eu defendo a arte e a livre expressão da arte. Com ela, podemos trazer à tona debates relevantes e estudar diferentes pontos de vista. A literatura, assim como a música e outras manifestações artísticas, além de entretenimento, sempre foi ferramenta para combater desigualdades.
Com base em tudo que foi dito, a seleção de Clássicos politicamente incorretos é uma homenagem à Geração Z e às gerações posteriores, que têm lutado pela igualdade de gênero, igualdade racial, combate à misoginia e direitos das mulheres (vocês realmente fazem a diferença); mas também é uma reflexão sobre a Cultura do Cancelamento que, além de ter transformado em párias muitos artistas, pensadores e personalidades antes considerados pessoas de bem
, acabou marcando essas novas gerações como mimimis.
A ideia desta obra é (re)apresentar aos jovens leitores, e aos não tão jovens assim, autores que fazem parte da história cultural do nosso país e, por que não, fazê-los refletir sobre a seguinte pergunta: escritores consagrados como Lima Barreto, Machado de Assis e Júlia Lopes de Almeida (uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras), entre outros, se lançados na Era da Internet e das mídias sociais, seriam cancelados pelo teor de seus textos?
Os contos selecionados retratam: um homem com um fetiche violento; um conquistador enrolado que tenta manter dois relacionamentos ao mesmo tempo; um charlatão que acabou virando um político respeitado; um pai controlador que obriga a filha a aceitar um casamento arranjado; um caso incestuoso com final trágico; e tantos outros que hoje deixariam muitas pessoas de cabelo em pé; imagine décadas e décadas atrás!
Apesar de temas considerados politicamente incorretos, os textos são um deleite para a mente e garantia de entretenimento. Divirtam-se!
Neto Bach
Editor e organizador da obra
Um especialista
Lima Barreto
A Bastos Tigre
Era hábito dos dois, todas as tardes, após o jantar, jogar uma partida de bilhar em cinquenta pontos, finda a qual iam, em pequenos passos, até ao Largo da Carioca tomar café e licores, e, na mesa do botequim, trocando confidências, ficarem esperando a hora dos teatros, enquanto que, dos charutos, fumaças azuladas espiralavam preguiçosamente pelo ar.
Em geral, eram as conquistas amorosas o tema da palestra; mas, às vezes; incidentemente, tratavam dos negócios, do estado da praça e da cotação das apólices.
Amor e dinheiro, eles juntavam bem e sabiamente.
O comendador era português, tinha seus cinquenta anos, e viera para o Rio aos vinte e quatro, tendo estado antes seis no Recife. O seu amigo, o Coronel Carvalho, também era português, viera, porém, aos sete para o Brasil, havendo sido no interior, logo ao chegar, caixeiro de venda, feitor e administrador de fazenda, influência política; e, por fim, por ocasião da bolsa, especulara com propriedades, ficando daí em diante senhor de uma boa fortuna e da patente de coronel da Guarda Nacional. Era um plácido burguês, gordo, ventrudo, cheio de brilhantes, empregando a sua mole atividade na gerência de uma fábrica de fósforos. Viúvo, sem filhos, levava a vida de moço rico. Frequentava cocottes; conhecia as escusas casas de rendez-vous, onde era assíduo e considerado; o outro, o comendador, que era casado, deixando, porém, a mulher só no vasto casarão do Engenho Velho a se interessar pelos namoricos das filhas, tinha a mesma vida solta do seu amigo e compadre.
Gostava das mulheres de cor e as procurava com o afinco e ardor de um amador de raridades.
À noite, pelas praças mal iluminadas, andava catando-as, joeirando-as com olhos chispantes de lubricidade e, por vezes mesmo, se atrevia a seguir qualquer mais airosa pelas ruas de baixa prostituição.
— A mulata — dizia ele