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ARBITRAGEM E CONSTITUIÇÃO
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ARBITRAGEM E CONSTITUIÇÃO
E-book390 páginas5 horas

ARBITRAGEM E CONSTITUIÇÃO

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Sobre este e-book

A Editora Contracorrente tem a satisfação de anunciar a publicação do livro ARBITRAGEM E CONSTITUIÇÃO, de autoria do eminente jurista estadunidense Peter B. Rutledge.

Desde os primórdios da arbitragem até as mudanças radicais que ocorreram no século XX, Rutledge examina como as normas constitucionais influenciaram o Direito Arbitral e vice-versa. Uma das principais conquistas deste livro é mapear sistematicamente o processo gradual de fusão dessas disciplinas e como os princípios constitucionais encontraram seu caminho no tecido da arbitragem.

O autor argumenta que essa interconexão não ocorreu por meio de teorias elaboradas ou deliberações formais, mas sim por meio de desenvolvimentos incrementais em várias áreas da arbitragem, frequentemente sem consideração completa das implicações mais amplas. Nas palavras do professor Lenio Luiz Streck: "Com a obra Arbitragem e Constituição arrisco dizer que se avizinha um considerável crescimento e aprimoramento dos debates sobre arbitragem e devido processo legal (sob o prisma constitucional) no seio da comunidade jurídica brasileira. Estudos dessa natureza já se faziam muito presentes, é preciso reconhecer. No entanto, é inegável que a presente obra pode representar um afloramento ainda mais grave (e necessário) de considerações acadêmicas dessa natureza".
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de out. de 2023
ISBN9786553961340
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    ARBITRAGEM E CONSTITUIÇÃO - Peter B. Rutledge

    PARTE I

    ARBITRAGEM E SEPARAÇÃO DE PODERES

    CAPÍTULO I

    ARBITRAGEM E REVISÃO JUDICIAL (JUDICIAL REVIEW)

    O Poder Judiciário dos Estados Unidos será formado de uma Suprema Corte e de cortes inferiores que o Congresso determinará e estabelecerá de tempos em tempos.

    – Constituição dos EUA, Artigo 3º, Seção 1

    A exclusão total da revisão judicial é inconstitucional.

    – Memorial apresentado em favor do Comitê Executivo da Lumber Imports Executive Committee.

    A arbitragem viola o Artigo 3º da Constituição dos EUA? Apesar da necessidade crítica de uma teoria coerente para responder a essa pergunta, poucos comentadores ou cortes fizeram tentativas sérias de fornecê-la.¹⁹ Durante grande parte da história do país, as cortes federais puderam evitar convenientemente essa questão incômoda.²⁰ Antes do século XX, as cortes simplesmente se recusavam a executar convenções de arbitragem pré-disputa por considerá-las tentativas de apropriação de sua jurisdição.²¹ Desde as primeiras décadas do século XX (com a promulgação da Lei Federal de Arbitragem [Federal Arbitration Act – FAA] em 1925) até a década de 1960, a doutrina da não arbitrabilidade impedia os árbitros de resolver questões reguladas pelo Direito Federal. De maneira notável, embora ambas as doutrinas minimizassem a tensão entre arbitragem e Constituição, nenhuma delas estava ancorada no Artigo 3º. Em vez disso, o argumento para a exclusão jurisdicional²² encontrava suas raízes no Direito Contratual – essencialmente tratando a convenção de arbitragem como um contrato nulo que ofendia a ordem pública. E a doutrina da não arbitrabilidade funcionava como uma ferramenta de interpretação legal da FAA de modo a recusar-se a privar um litigante o acesso a um foro federal para uma reivindicação baseada na lei.

    A teoria tradicional da resolução de disputas ensina que elas podem ser dispostas em um espectro.²³ Em uma ponta do espectro estão formas simples de resolução extrajudicial de disputas que não envolvem qualquer intervenção do Estado, como um aperto de mãos entre vizinhos para resolver um pequeno mal-entendido. No outro extremo estão disputas complexas entre um cidadão e o Estado (ou dois cidadãos privados) que podem culminar na privação forçada de liberdade ou de propriedade, como um processo criminal, uma audiência administrativa ou um julgamento civil que termine em um veredicto.²⁴ Uma variedade de outras formas de resolução de disputas, como transações contratuais, decretos de consentimento, (ou seja, um acordo formal encerrando uma disputa, mas sem admissão de culpa por qualquer parte), conciliação, mediação e arbitragem situam-se entre esses polos.²⁵

    A depender de sua posição no espectro, uma forma particular de resolução de disputas exigirá diferentes proteções processuais e regras de execução.²⁶ Por exemplo, nenhuma regra processual formal rege as discussões entre vizinhos que culminam em um aperto de mão.²⁷ Talvez sem surpresa, portanto, esse aperto de mãos dá direito a uma exequibilidade mínima. Por outro lado, julgamentos criminais e audiências administrativas estão sujeitos a uma panóplia de proteções processuais constitucionais e não constitucionais.²⁸ Refletindo essas proteções, os resultados dessa audiência criminal ou administrativa são geralmente mais fáceis de executar judicialmente do que o aperto de mãos entre vizinhos.²⁹ Esses exemplos produzem um princípio previsível: uma correlação direta entre as proteções processuais de um determinado sistema de resolução de disputas e o grau de exequibilidade judicial de seu resultado.³⁰

    No entanto, certas formas de resolução de disputas não se encaixam perfeitamente no padrão descrito anteriormente. Isso é especialmente verdadeiro para a arbitragem. Se comparada com um julgamento regular, a arbitragem oferece poucas proteções processuais.³¹ Apesar disso, o resultado da disputa – a sentença arbitral – carrega consigo um alto grau de exequibilidade judicial.³² De fato, essa presunção de exequibilidade e o grau limitado de revisão judicial representam algumas das características definidoras da arbitragem. As sentenças arbitrais estão sujeitas a muito menos escrutínio judicial do que uma sentença cível ou uma decisão administrativa, apesar do maior grau de proteção processual oferecido por essas formas de resolução de disputas.³³ Como explicar essa anomalia?

    De longe, a explicação mais dominante na jurisprudência e na literatura é que as partes renunciaram a seu direito de acesso ao Poder Judiciário, o qual está previsto no Artigo 3º da Constituição norte-americana.³⁴ A defesa mais moderna do argumento da renúncia vem do caso CFTC v. Schor, no qual a Suprema Corte norte-americana considerou que o exercício de jurisdição da Comissão de Negociação de Mercadorias e Futuros (Commodity Futures Trading Commission’s – CFTC) em sede de reconvenção baseada no common law em uma disputa entre um cliente e um corretor de mercadorias não violava o Artigo 3º.³⁵ Embora o caso tecnicamente não envolvesse um questionamento específico a um sistema de arbitragem privada, mas, sim, uma disputa adjudicatória perante uma agência federal independente, ele serviu como fundamento intelectual para decisões que rejeitaram ataques constitucionais a arbitragens. No centro do raciocínio do caso Schor estava a ideia de que o Artigo 3º tem tanto um componente pessoal (e, portanto, renunciável) quanto um componente irrenunciável (sujeito a uma ponderação multifatorial).³⁶ Na visão Corte, foi decisivo o fato de as partes terem optado afirmativamente por invocar a CFTC, deixando a jurisdição das cortes federais. A corte explicou:

    Em tais circunstâncias, as preocupações com a separação de poderes são diminuídas, pois parece evidente que, assim como o Congresso pode encorajar as partes a resolver uma disputa fora da corte ou recorrer à arbitragem sem incursões inadmissíveis na separação de poderes, o Congresso pode disponibilizar um mecanismo quase-judicial por meio do qual as partes interessadas podem, a seu critério, decidir resolver suas diferenças.

    Na minha visão, essa passagem do caso Schor – tão central para a posição tradicional que explica a compatibilidade da arbitragem com o Artigo 3º – é profundamente problemática em três aspectos. Em primeiro lugar, por uma questão teórica: há um argumento razoável de que o caso Schor erra ao concluir que os direitos do Artigo 3º são passíveis de renúncia.³⁷ O caso Schor não fornece praticamente nenhuma análise que apoie sua ousada afirmação de que os direitos do Artigo 3º são pessoais.³⁸ Talvez isso não seja surpreendente: todas as fontes constitucionais apontam precisamente na direção oposta. Textualmente, é difícil argumentar que o Artigo 3º confere um direito pessoal. Nada na Constituição fala em termos de um direito a uma decisão em um foro federal. Em vez disso, o que se apresenta é uma definição – a definição do Poder Judiciário dos Estados Unidos.³⁹ O Artigo 3º trata das matérias por ele abrangidas e as cortes de justiça por ele investidas. Como alguns observaram, o uso de termos como abrangerá e todos os Casos poderia ser lido como algo obrigatório, pelo menos para algumas superiores.⁴⁰

    Além do texto, a estrutura da Constituição também não permite a leitura do Artigo 3º em termos de direitos pessoais. Os artigos iniciais da Constituição tratam principalmente da organização estrutural de nosso sistema de governo; a maior parte da discussão sobre direitos aparece nas emendas. Algumas passagens dos artigos iniciais, como a garantia do Artigo 3º, Seção 2 a um júri em casos criminais, tratam de direitos. Mas essas passagens apenas provam que, mesmo antes da redação e ratificação da Declaração de Direitos, os constituintes sabiam como redigir a Constituição em termos de direitos pessoais. À luz dessa linguagem contrastante, o fato de não terem redigido a assim chamada Cláusula do Poder Judiciário em termos de um direito pessoal a um foro federal apoia a inferência de que essa cláusula nunca teve a intenção de conferir um direito pessoal.

    Por fim, a história do Artigo 3º não sustenta uma teoria dos direitos pessoais.⁴¹ É verdade que a prova da intenção dos constituintes responsáveis pelo Artigo 3º é fragmentária e gerou muito debate sobre seu significado. A maior parte desse debate não é relevante para meus propósitos. O que é relevante são os termos nos quais o debate é travado – a maioria dos doutrinadores concentra-se em questões de distribuição vertical e horizontal de poder, na necessidade de cortes federais inferiores, nos chefes de jurisdição federal e no alcance do poder do Congresso para controlar a jurisdição da Suprema Corte e das cortes federais inferiores. As fontes primárias não sugerem que os constituintes redigiram o Artigo 3º a fim de conferir um direito pessoal a alguém.⁴² A defesa clássica de Alexander Hamilton dos valores que sustentam o Artigo 3º, no Federalista 78, discute a disposição principal em termos estruturais:

    Aquela adesão inflexível e uniforme aos direitos da Constituição e dos indivíduos, que entendemos ser indispensáveis nas cortes de justiça, certamente não pode ser esperada de juízes que mantêm seus funcionários por um comissionamento temporário.⁴³

    Ele argumenta também que

    nunca podemos esperar ver realizada na prática a separação completa entre Poder Judiciário e Poder Legislativo em qualquer sistema que torne o primeiro dependente de recursos pecuniários provenientes de concessões ocasionais do último.⁴⁴

    O fato de os constituintes terem deixado de incluir o direito a um julgamento por um júri civil no Artigo 3º estava entre as maiores reclamações dos antifederalistas sobre o artigo durante o debate de ratificação (se o Artigo 3º incluísse tal direito, a inclusão teria fornecido demonstrações importantes a favor de uma teoria da renúncia).

    O caso Schor em nenhum ponto lida de fato com essa história. Além disso, se o caso Schor foi decidido de maneira equivocada, isso teria implicações substanciais para a compatibilidade entre Artigo 3º e arbitragem. As partes privadas não teriam capacidade para renunciar a seu direito a um foro do Artigo 3º, pois tal direito não existiria! Assim, o primeiro problema com a teoria da renúncia é que ela se baseia em fundamentos textuais, estruturais e históricos questionáveis.

    O segundo problema da teoria da renúncia é que ela confunde erroneamente arbitragem com autocomposição. Por um lado, em caso de autocomposição, as partes conhecem os termos substantivos de sua negociação antes de seu acordo se tornar obrigatório. Em contraste, no caso da arbitragem, as partes estão vinculadas ao que foi negociado entre elas (i.e., uma convenção de arbitragem) antes de conhecerem os termos substantivos do pacto. Assim, a arbitragem envolve menos autonomia das partes do que a autocomposição. Além disso, a maioria das formas de autocomposição envolve maior escrutínio judicial do que sentenças arbitrais. De modo geral, transações são simplesmente uma espécie de contrato; antes de ser executadas, estão sujeitas à revisão judicial típica que precede uma decisão de execução.⁴⁵ As sentenças arbitrais recebem tratamento muito diferente. A FAA determina que as cortes de justiça federais devem dar efeito à sentença arbitral, com exceções muito limitadas. Tais cortes praticamente não têm poder para revisar o mérito da sentença, limitando-se a revisar os procedimentos seguidos pelo árbitro. Qualquer revisão de mérito é praticamente inócua. Se não estiverem presentes os estritos fundamentos para a revisão de mérito, a corte deve conceder efeito jurídico à sentença e tratá-la como se fosse uma sentença judicial executável.

    O terceiro e último problema da teoria da renúncia é que ela não enfrenta os sérios problemas estruturais postos pela arbitragem. As raízes desse problema não estão somente no caso Schor. Nele, a Corte reconheceu que, além de seu componente pessoal, o Artigo 3º envolve também uma preocupação pública com a estrutura de governo.⁴⁶ Como foi explicado no caso, quando essas limitações do Artigo 3º estão em questão, as noções de consentimento e renúncia não podem prevalecer, porque as limitações atendem a interesses institucionais que não cabe às partes proteger.⁴⁷ No entanto, apesar do reconhecimento da Suprema Corte desse caráter inalienável do Artigo 3º, muitas cortes de justiça rejeitaram ataques à arbitragem fundamentadas no Artigo 3º com uma declaração simples sobre renúncia e citando superficialmente o caso

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