Por ambiências sensíveis nos lugares de nascer - Coleção VL 5
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Sobre este e-book
internacionalmente, que versa sobre os aspectos sensíveis dos Lugares e os processos subjetivos dos usuários. Nos lugares
de nascer, a observação dos intervenientes das Ambiências sobre o processo de parto e nascimento exemplifica sua interferência na experiência de parto vivida e lembrada pela mulher. É primordial que o projeto arquitetônico considere estes intervenientes, atuando de forma
fundamental na composição deste ambiente de saúde único e especial, destinado a recepcionar a vida.
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Por ambiências sensíveis nos lugares de nascer - Coleção VL 5 - Cristiane Neves da Silva
P ara Mariana e Catarina,
com todo amor de mãe deste mundo.
1ª Edição, 2021
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Denise Corrêa
Daverson Guimarães
COORDENADOR DA COLEÇÃO
Fábio Bitencourt
CONCEPCÃO DE PROJETO GRÁFICO E CAPA
Vinicius Schelck
DIAGRAMAÇÃO
Fernanda Oliveira
PRODUÇÃO GRÁFICA
Denise Corrêa
Maristela Carneiro
REVISÃO ORTOGRÁFICA
Algo Mais Soluções
PRODUÇÃO DO EBOOK
Jair Domingos de Sousa
Índice para catálogo sistemático
I. Arquitetura
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Apoio:
PREFÁCIO
Páginas abertas – os lugares de nascer
por uma visão sistêmica
Um livro sempre esconde páginas que não se apresentam àqueles que folheiam a versão final. E não seria diferente nesta obra, fruto de trabalho dedicado e atencioso do doutoramento da autora, que culminou em sua aprovação unânime, e de cuja Banca de Defesa tive a honra de participar.
Comecemos, então, pela dedicatória do livro: um gesto de mãe. Todos entendemos o papel central que a maternidade cumpre para assegurar um lastro de segurança, identidade e projeção de vida em sociedade – assim como o oposto, a falta desse papel, avança para a perda de tais referências. Essa é a condição dual mais descrita nas Artes, na Literatura e nos registros históricos, posto que os dois sujeitos de direito (mãe e filho) também são atores de uma complexa teia cultural. Sim, o processo de concepção, gravidez, o momento de nascer e o puerpério são parte de um processo cultural que Marcel Mauss (1974) em seu livro As técnicas corporais
, já indicava como dependente de uma maneira específica de ajuste dos gestos corporais dentro de uma cultura específica. Ao perceber nesta autora o impulso comprometido com o amor às filhas, a ponto de compreender que este livro é para/por elas, entendemos também que essa ideia de amor deveria permear algumas escolhas que vinculam a primazia da maternidade e do corpo maternal sobre suas tarefas essenciais, como dar à luz
. Contudo, como sabemos, a escolha do parto nem sempre é mediada por princípios de autonomia, mas, geralmente, por adventos que extrapolam o mundo simbólico do parto.
Neste ponto, retomo a ideia das páginas ocultas
: quantas histórias de sua própria experiência de maternidade e dilemas pessoais não cercaram a curiosidade por entender, como arquiteta, o papel dos espaços concebidos como locais para o parto, ou melhor dizendo, os lugares de nascer
? Além disso, por sua experiência de longa data em hospitais e espaços de saúde, quantas vezes Cristiane não precisou analisar as discrepâncias entre o planejamento dos ambiente e a avaliação situada das condições reais de determinados espaços voltados para a atenção ao momento do parto? Sem dúvida, inúmeras são as linhas que compõem esse texto invisível que, com determinada atenção do leitor, estão lá interpostas às conjecturações que o livro fomenta.
O fato de que esta obra apresenta discussões sobre os espaços de nascer ao longo da história, a importância das ambiências (como conceito de atravessamento de toda experiência sensorial) para a interpretação materna do parto enquanto ato humanizado
, e análises de projetos de tal porte, amplia a certeza sobre o valor da experiência pessoal nos espaços de saúde para a identificação de lugares de nascer
que façam jus a esta condição: ser um Lugar.
Lugar, como o fenomenólogo Norberg-Schulz (2006) nos apresenta em O fenômeno do Lugar
, no livro de Nesbitt, ao mencionar que as características que permitem entender o genius loci num espaço permitem, também, a assunção de um ponto de interesse ou de um elo com nossa identidade. A arquitetura, para Norberg-Schulz, alinha-se ao conceito de habitar
nessa transformação. Deste modo, os lugares de nascer
já indicam que é preciso lutar por um projeto arquitetônico que se alinhe a um projeto simbólico, ao mesmo tempo em que não se defina, somente, por conceitos analíticos como planilhas de quantificação de áreas ou de ventilação adequada, mas, também, pela fenomenologia do ambiente cotidiano – pois, o que pode ser mais ordinário do que nascer?
A luta pela humanização do parto no Brasil é uma história com data de nascimento (1999, com a fundação do REHUNA – Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento), mas nunca consolidada plenamente. Além de todo o esforço social e econômico empreendido neste movimento, para não falar do esforço da medicina em proporcionar ambientes seguros e saudáveis para a chegada de uma nova vida, séculos atrás legada a ambientes e modos de nascer muitas vezes insalubres, ocorre também a construção do movimento de redes cooperativas e de apoio à mãe, além da busca por treinamento dos técnicos e equipe de assessoramento dos maiores interessados nesse grande ato: mãe e criança, mas também, em paralelo, de todas as equipes envolvidas nisso.
A medicalização do corpo, no processo do parto, trouxe também a patologização do evento, tirando do círculo natural de apoio ao nascer todas as pessoas conhecidas da mãe e da criança, e exigindo espaços assépticos, corredores divididos e muitas especificações para a projetação de espaços arquitetônicos, voltados ao parto – capazes de responder às exigências técnicas necessárias e padronizadas. Neste caso, falo sobre o melhor dos mundos
, quando isso ainda é uma preocupação. A autora deste livro faz questão de mostrar que há desacerto e inconsistência nesses espaços, e que a distância para a assunção de uma ambiência apropriada ao nascer ainda é grande.
No entanto, este livro não deixa de mostrar casos objetivos de respostas arquitetônicas adequadas a cada situação de parto, em escalas e regiões geográficas diferenciadas, revelando que para além da disposição do layout, dos aparelhos médicos, ou das condições de iluminação e ventilação local, há também o peso dos aspectos culturais envolvidos nessa orquestra
do ato de nascer, o que contribui para destituir qualquer peso exclusivo das normas técnicas ao sucesso de tais ambientes e emergir o valor das ambiências sensíveis.
Por entre discussões no campo das ambiências sobre a diferença do termo em contextos distintos (no campo da saúde, no campo social e no campo fenomenológico), fica claro que a ideia de privacidade, conforto ambiental, alívio emocional e respeito à vida são as condicionantes mais importantes de serem vivenciadas num espaço de saúde preparado para o parto. Nesse sentido, a ideia de uma ambiência renovadora dos sentidos, que possibilite a construção de laços identitários com o momento do parto e com o ambiente físico, além de estimuladora do valor da dignidade humana, aparece como resposta a todo projeto de centro de parto normal, casa de parto normal ou ambiente hospitalar de grande porte. Ambiências sensíveis nos lugares de nascer
é um apelo, antes de tudo, a todos os projetistas e profissionais que lidam com a materialização desse rito de passagem por que todos nós já passamos.
Termino esta breve apresentação colocando, então, algumas páginas sobre a mesa. Há muitas histórias possíveis de serem contadas por Cristiane entre os capítulos deste livro, assim como há palavras escritas que carregam muito de sua percepção como pesquisadora e também como experienciadora do ato de parir. Não é possível destituir essas duas imagens da autora ao perceber como a defesa pelo protagonismo da mulher e da criança são exigidos, ao mesmo tempo em que salienta a consideração de diversos outros usuários de tais espaços. Esse jogo de importâncias torna o livro ainda mais necessário para quem quer entender como projetar lugares de nascer
, para além da visão dogmatizada de casas/centros de parto. Espero que tenham a mesma alegria e satisfação, ao terminar este livro, que eu tive em ler a tese de Cristiane e acompanhá-la por sua saga pela mundo da saúde e da sensorialidade.
Ethel Pinheiro
Arquiteta e Urbanista, Professora Associada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/UFRJ, concursada desde 2006. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001) - tendo se graduado com Magna Cum Laude - mestrado em Arquitetura (2004) e doutorado em Arquitetura (2010) pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura- Proarq/UFRJ. É atual coordenadora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura - Proarq da UFRJ. Coordenou a Editoria do Proarq/UFRJ (2014-2019) e atua como Editora-chefe do Periódico CADERNOS PROARQ desde 2014. Faz parte da atual Diretoria da ANPARQ (2021-22). Foi Coordenadora de Divulgação (2014-2018) e Coordenadora de Trabalhos Finais de Graduação (2018-2019) da FAU/UFRJ. Atua como docente do quadro permanente do Proarq/UFRJ e docente colaboradora no Mestrado Profissional em Projeto e Patrimônio – MPPP/UFRJ. É associada à ENSA-Grenoble por acordo de cooperação técnico-científica UFRJ-ENSAG.
INTRODUÇÃO img-cap-1
Pode-se dizer que projetamos no positivo,
construímos no positivo, mas vivemos no
espaço negativo. O aspecto dos edifícios
foi destacado, ressaltado, elevado ao
primeiro plano, tornando-se secundários os
sentimentos, as aspirações qualitativas e
psicológicas dos usuários.
(OKAMOTO, 2002)
A experiência de duas décadas vivendo, discutindo e estudando hospitais, evidenciou para a autora a questão recorrente de verificar projetos que não atendiam às necessidades do trabalho fim, que seria executado nos ambientes de saúde projetados, bem como às necessidades dos pacientes e profissionais que vivenciavam tais ambientes, muitas vezes inviabilizando a construção, gerando a necessidade de outro projeto ou de inúmeras alterações. Nestas ocasiões sempre surgem questionamentos sobre a adequação do projeto caso as pessoas envolvidas no funcionamento da área discutida, de alguma forma, fossem ouvidas antecipadamente, durante o processo de planejamento dos ambientes, evitando a clássica resposta dada nas discussões sobre o porquê da necessidade de alterações: Não funciona assim
. Obviamente, o processo colaborativo e coletivo para discussão, planejamento e elaboração de projetos para ambientes de assistência à saúde não é uma constante e, ainda menos, é um processo fácil, dadas as características destes ambientes e dos atores envolvidos em sua utilização. A resposta de que o funcionamento é diferente do planejado, muitas vezes serve de desculpa para a tentativa de certificar processos de trabalho equivocados através da arquitetura, somente porque são realizados assim desde sempre
, ou mesmo porque alterar significa interferir em territórios já estabelecidos previamente, sobre os quais os proprietários
não abrem mão do controle. A discussão coletiva é uma maneira de expor situações como estas e qualificar os espaços em prol da realização do serviço e de todos os usuários dos ambientes.
Ao projetarmos uma casa, conversamos longamente com seus donos e futuros habitantes, questionamos sobre suas expectativas, o número de quartos necessários, o tamanho ideal da cozinha, as atividades de lazer a serem inseridas, as cores prediletas para as paredes, bem como as aspirações e desejos desse cliente para tal casa. Projetar uma casa remete a conhecer a pessoalidade e aspirações de seus donos. É maior que meramente seguir a normativa estabelecida pelo Código de Obras regional. É dar a um espaço construído a possibilidade de se transformar em um lugar de viver, por meio da captação dos desejos e sonhos de seus proprietários/donos/usuários. Guardando-se as proporções óbvias, uma vez que este estudo trata de ambientes de saúde destinados ao parto e nascimento, a necessidade destas perguntas permanece potencializada pelo fato de que se trata de ambientes complexos, no uso e na gama de sensações e sentimentos que englobam as atividades neles exercidas. Quais são as expectativas, pensamentos e saberes dos sujeitos que vivenciam estes ambientes e de que forma interferem em sua percepção sobre tais espaços? Ou ainda: como estes espaços interferem em sua experiência com o ambiente de saúde e o cuidado prestado?
Cada local possui e caracteriza-se por uma ambiência que lhe é própria, determinada por todos os fatores visíveis e invisíveis, que se articulam diariamente, definindo sua identidade, seu clima
e as sensações que ocasiona nos sujeitos. Esta ambiência se compõe através dos aspectos físicos, culturais, sociais, de uso e de temporalidade, dentre outros, muitos dos quais operam de modo inconsciente
(ELALI, 2009). Estes fatores unidos determinam a ambiência de cada local e influenciam diretamente no comportamento, na relação e na experiência destes indivíduos, bem como em sua experiência com os ambientes.
Trazendo este significado do conceito de ambiência para o pensamento das edificações de atenção à saúde, de uma forma geral e para os ambientes de nascer, especificamente, verifica-se a necessidade em identificar atributos sensíveis, que possam ser considerados como intervenientes na percepção dos sujeitos relativas a estes ambientes, podendo direcionar o resultado da experiência dos usuários em relação aos espaços vivenciados e com a experiência do cuidado prestado/recebido. Tais atributos podem ser considerados em conjunto com os aspectos físicos, que determinam as soluções de projeto, ou mesmo direcionar tais soluções, de forma a levar em conta os aspectos subjetivos que influenciam a percepção dos sujeitos que irão utilizar seus ambientes. Conforme afirma Bestetti (2014, p.2), é necessária uma análise das condições do ambiente percebidas pelos usuários, além dos aspectos relativos à composição e à programação, uma vez que são capazes de interagir com o ambiente imediato por meio dos sentidos
. A percepção espacial é fundamental no estabelecimento de parâmetros que orientem, proporcionem conforto e qualidade dos ambientes, propiciando o protagonismo dos sujeitos que com eles interagem.
A pesquisa de doutorado que deu origem a este livro verificou que há outros componentes, além dos determinados no conceito de ambiência em saúde estabelecido pelo Ministério da Saúde em sua Cartilha de Ambiência, que podem ser considerados na composição dos ambientes destinados ao parto. Para isto, incorporou os estudos sobre ambiência atualmente realizados por instituições, tais como: o Laboratório de Arquitetura Subjetividade e Cultura, da UFRJ e CRESSON (Centre de Recherche sur l’Espace Sonore et l’Environnement Urbain) da Universidade de Grenoble (l’École Nationale Supérieure d’Architecture de Grenoble – ENSAG) na França, dentre outros. Foram destacados alguns dos aspectos/atributos sensíveis considerados como fundamentais para a percepção da ambiência e levada em conta sua relação com os aspectos projetuais estabelecidos pela legislação específica, com ambientes já edificados com a mesma função, e a percepção dos diversos sujeitos em relação a tais ambientes.
A própria complexidade e diversidade das edificações de saúde tornou necessária a aplicação de um recorte para aplicação das premissas relativas aos estudos das ambiências, de forma a obter resultados aplicáveis. Foi estabelecido, então, como objeto, a avaliação da ambiência nos espaços de nascer, mais especificamente nos Centros de Parto Normal (CPN).
A escolha deste objeto de estudo deveu-se à complexidade nele encerrada, uma vez que os lugares de nascer
(BITENCOURT, 2007)