"histórias De Alexandre" Por Graciliano Ramos
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"histórias De Alexandre" Por Graciliano Ramos - Graciliano Ramos
HISTÓRIAS DE ALEXANDRE
GRACILIANO RAMOS
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Apresentação de Alexandre e CESÁRIA
NosertãodoNordesteviviaantigamenteumhomemcheio deconversas, meio caçador emeio vaqueiro, alto, magro, jávelho, chamado Alexandre. Tinha um olho torto e falava cuspindo agente, espumando como um sapo-cururu, mas isto não impedia que osmoradores da redondeza, até pessoas de consideração, fossem ouvir ashistórias fanhosas queelecontava. Tinha uma casa pequena, meiadúzia de vacas no curral, um chiqueiro de cabras e roça de milho navazantedo rio. Alémdisso possuía uma espingarda ea mulher. Aespingarda lazarina, a melhor espingarda do mundo, não mentia fogo e alcançava longe, alcançava tanto quanto a vista do dono; a mulher,Cesária,faziarendaeadivinhavaospensamentosdomarido.Emdomingos e dias santos a casa se enchia de visitas — e Alexandre,sentado no banco do alpendre, fumando um cigarro de palha muitogrande,discorriasobreacontecimentosdamocidade,àsvezesseenganchavaeapelavaparaamemóriadeCesária.Cesáriatinhasempreumarespostanapontadalíngua.Sabiadecortodasasaventuras do marido, a do bode que se transformava em cavalo, a daguariba mãedefamília, da cachorra morta por um caititu acuado,pobrezinha,amelhorcachorradecaçaquejáhouve.Eaquelenegócio de onça-pintada que numa noite ficara mansa como bicho decasa? Era medonho. Alexandre tinha realizado ações notáveis e falavabonito, mas guardava muitas coisas no espírito e sucedia misturá-las.Cesária escutava e aprovava balançando a cabeça, curvada sobre aalmofada trocando os bilros, pregando alfinetes no papelão da renda. E quandoohomemsecalavaoualgumouvintefaziaperguntasinconvenientes,levantavaosolhosmiúdosporcimadosóculosecompletavaanarração.
Essecasaladmirávelnãobrigava,não discutia. Alexandreestava sempredeacordo com Cesária, CesáriaestavasempredeacordocomAlexandre.Oqueumdiziaooutroachavacerto.Eassim,tudosecombinando,descobriamcasosinteressantes que se enfeitavam e pareciam tão verdadeiros como aespingarda lazarina, o curral, o chiqueiro das cabras ea casa ondeelesmoravam.Alexandre,comojávimos,tinhaumolhotorto.Enquanto ele falava, cuspindo a gente, o olho certo espiava as pessoas,mas o olho torto ficava longe, parado, procurando outras pessoas paraescutar as histórias que ele contava. A princípio esse olho torto lhecausava muito desgosto e não gostava que falassem nele. Mas com otempo seacostumou edescobriu queenxergava melhor por elequepelo outro, queera direito. Consultou a mulher:
— Não é, Cesária?
Cesária achou que era assim mesmo. Alexandre via até demais poraquele olho: Não se lembrava do veado que estava no monte? Pois é.Um homem de olhos comuns não teria percebido o veado com aqueladistância. Alexandreficou satisfeito ecomeçou a referir-seao olhoenviesado com orgulho. O defeito desapareceu, e a história do espinhofoi nascendo,comotinhamnascidotodasashistóriasdele,comacolaboração de Cesária. São essas histórias que vamos contar aqui,aproveitando a linguagemdeAlexandreeos apartes deCesária.
10 dejulho de1938.
primeira aveNtUra de AlexaNdre
Naquelanoitedeluacheiaestavam acocorados os vizinhos nasalapequenade Alexandre: seu Libório, cantador de emboladas, o cego preto Firmino e mestreGaudênciocurandeiro,querezavacontramordedurasdecobras.DasDores,benzedeira de quebranto e afilhada do casal, agachava-se na esteira cochichandocom Cesária.
— Vou contaraos senhores... principiou Alexandreamarrando o cigarro depalha.
Osamigosabriram osouvidoseDasDoresinterrompeuocochicho:
—Conte, meu padrinho.
Alexandre acendeu o cigarro ao candeeiro de folha, escanchou-se na rede eperguntou:
—Os senhores jásabem porqueéqueeutenho um olho torto?
MestreGaudêncio respondeu quenão sabiaeacomodou-senum cepo queserviadecadeira.
— Pois eu digo, continuou Alexandre. Mas talveznem possaescorrertudohoje, porque essa história nascede outra, e é preciso encaixar as coisas direito.Querem ouvir?Senãoquerem,sejam francos: nãogostodecacetearninguém.
Seu Libório cantador e o cego preto Firmino juraram que estavam atentos. EAlexandreabriu atorneira:
—Meu pai, homem de boa família, possuía fortuna grossa, como não ignoram.Anossafazendaiaderibeiraaribeira,ogadonãotinhacontaedinheiroláem casaeracamadegato. Não era, Cesária?s
—Era,Alexandre,concordouCesária.Quandoosescravosseforraram,foi
um desmantelo, mas ainda sobraram alguns baús com moedas de ouro. Sumiu-setudo.
SuspiroueapontoudesgostosaamaladecourocruondeseuLibóriosesentava:
—Hojeéisto.Vocêselembradonossocasamento,Alexandre?
—Sem dúvida, gritou o marido. Umafestaquedurou setedias. Agoranão se fazfestacomoaquela.Masocasamentofoi depois.Ébom nãoatrapalhar.
— Estácerto,resmungoumestreGaudênciocurandeiro.Ébomnãoatrapalhar.
— Então escutem, prosseguiu Alexandre. Um domingo eu estavano copiar,esgaravatandoasunhascom afacadeponta,quandomeupai chegouedisse:
—Xandu, você nos seus passeios não achou roteiro da égua pampa?
E eurespondi: — Não achei, nhor não.
— Pois dêumas voltas por aí, tornou meupai. Vejaseencontraaégua.
— Nhor sim.
Peguei um cabresto esaí decasa antesdoalmoço,andei,virei,mexi,procurandorastosnoscaminhosenasveredas.