Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Labirintos do tráfico de drogas e organização criminosa: memórias de um autor autista
Labirintos do tráfico de drogas e organização criminosa: memórias de um autor autista
Labirintos do tráfico de drogas e organização criminosa: memórias de um autor autista
E-book392 páginas4 horas

Labirintos do tráfico de drogas e organização criminosa: memórias de um autor autista

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Ex-assessor jurídico e professor explora o sistema de justiça criminal do Brasil, focando em leis esparsas (antidrogas e ORCRIM), usando parábolas para ilustrar desafios e a importância da tecnologia na defesa criminal.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de fev. de 2024
ISBN9786527014461
Labirintos do tráfico de drogas e organização criminosa: memórias de um autor autista

Relacionado a Labirintos do tráfico de drogas e organização criminosa

Ebooks relacionados

Indústrias para você

Visualizar mais

Avaliações de Labirintos do tráfico de drogas e organização criminosa

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Labirintos do tráfico de drogas e organização criminosa - Luiz Gustavo Anacleto

    CAPÍTULO 1 O TRÁFICO DE DROGAS E AS MALHAS JURÍDICAS: ENTRE ABORDAGENS POLICIAIS E INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS

    Bem-vindos ao desenfreado mundo do tráfico de drogas, em que as capturas dos suspeitos muitas vezes acontecem mais por acidentes felizes, que pela famosa figura de Sherlock Holmes fumando cachimbo e dizendo " Elementar, meu caro Watson ".

    Falamos de uma realidade em que a maior ferramenta do combate ao crime é, por vezes, a pura e simples, SORTE.

    Vejam, o sistema de justiça criminal, em sua frenética pesca de malfeitores, às vezes parece um pescador que esqueceu que, sem rio, não há peixes. Imaginem uma aldeia às margens de um rio de águas cristalinas. Os aldeões, todos com PhDs em Pescologia, passam os dias debatendo sobre o melhor jeito de fisgar o big one. Porém, eles não percebem que é a qualidade da água que realmente conta. No nosso caso, a água é a investigação meticulosa, e os peixes são os traficantes de drogas - e olha que não estamos falando de sardinhas!

    Mas não é só a polícia que às vezes escorrega na própria rede; o Judiciário também tropeça em seus próprios pés com uma quantidade de processos que faria qualquer arquivo X parecer uma lista de compras. Imagine o cenário: processos empilhados tão alto que poderiam ser confundidos com um novo arranha-céu, O Edifício Burocracia.

    E neste emaranhado jurídico, que mais parece um episódio perdido de La Casa de Papel, em que todos estão usando máscaras, mas ninguém está roubando nada (pelo menos não intencionalmente). Assim como um detetive novato que confunde farinha com cocaína, embarcaremos em uma jornada de descobertas e confusões até entendermos quem é quem neste bloco de carnaval do submundo.

    Então, antes que você pense que este é mais um livro jurídico entediante que você escolheria para curar a insônia, prepare-se! Aqui, usaremos o humor como nosso mandado de segurança para quebrar a quarta parede, chacoalhar a seriedade e mostrar que, mesmo em um tema tão difícil quanto o tráfico de drogas e ORCRIM, é possível a diversão - sempre com um olhar crítico e caneta e bloco para anotar as reviravoltas.

    Pois bem, ajustem seus óculos de incredulidade suspensa e vamos decifrar juntos as charadas desse xadrez onde, acredite, as peças têm vontade própria. E não se esqueça: aqui, o rei pode muito bem acabar na cadeia.

    1.1 - CARÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA E A PRISÃO DECORRENTE DE ABORDAGEM EXPLORATÓRIA ILEGAL

    Partiremos do cenário: Inocêncio Coitadinho, réu primário e de bons antecedentes, é detido com 100g (cem gramas) de pasta-base de cocaína, sem portar quaisquer utensílios - geralmente associados ao tráfico - como por exemplo, balanças, papel filme, tampouco carrega dinheiro trocado.

    Inocêncio alega, tanto ao Delegado em sede policial quanto ao juiz em audiência de apresentação, que a substância é destinada para uso pessoal, argumento que utiliza como álibi.

    Apesar disso, o agente é indiciado, denunciado e processado por tráfico. Contudo, supomos que ao final do processo, a conduta resulte em uma das seguintes situações: a) desclassificação da conduta b) absolvição por falta de provas ou c) a anulação do processo devido a alguma nulidade decorrente da própria abordagem policial.

    O caso hipotético é recorrente e demanda uma mobilização intensa dos recursos estatais, na tentativa de esclarecer os acontecimentos e, frequentemente, resulta em um impasse entre a negativa de autoria por parte do réu e a fragilidade das evidências.

    Em casos como esse, nos quais uma investigação adequada não precede a detenção, é evidente a falta de coordenação entre as forças policiais (militar e judiciária), como se uma pertencesse ao setor de saúde e outra, ao de segurança pública.

    Diante desse imbróglio é como se Inocêncio tivesse se encontrado no episódio de uma série televisiva em que a trama parece se complicar cada vez mais e ele, personagem principal, que somente deseja retornar à vida cotidiana, sem participação nas intrigas deste enredo.

    O agente, certamente pensaria: se pelo menos eu tivesse o poder de um controle remoto nas mãos, apertaria o botão de pausa na hora da abordagem policial e evitaria toda essa confusão. Mas, infelizmente, a realidade não funciona assim e Inocêncio, como muitos outros, acaba preso e complicado no Sistema Judiciário.

    Imagine, por um instante, o absurdo em ver Inocêncio, condenado, simplesmente porque não se tornou um detetive para comprovar sua própria inocência. Bizarro seria viver em um mundo onde as garantias básicas, como a presunção de inocência, fossem tratadas como meras palavras ao vento.

    Neste universo distorcido, os depoimentos dos policiais seriam elevados ao patamar de verdades absolutas e inquestionáveis. Transferir o ônus da prova de inocência ao o réu não lhe parece completamente irracional?

    Felizmente, vivemos em um mundo em que a Constituição Federal/1988 prevalece, ou pelo menos, deveria. Aqui, sem as provas concretas do crime e autoria, a absolvição se torna o único veredicto sensato. Isso, evidentemente, leva em conta não só a fragilidade das evidências, mas também os deslizes ocorridos durante o flagrante.

    Por isso, vale a pena destacar, que as ideias que apresento, de forma alguma, desvaloriza ou questiona o esforço incansável da maioria dos policiais - verdadeiramente íntegros, e que se dedicam fervorosamente à verdade e à justiça.

    Com frequência, agentes da lei afirmam que, em suas rotineiras abordagens, avistam pessoas em locais associados ao tráfico de drogas e, ao se aproximarem, os suspeitos exibem sinais de inquietação. Por vezes, essa justificativa é corroborada com informações de denúncias anônimas, muitas delas geradas pelo enigmático Núcleo de Inteligência da Polícia (NI). Com base nesses argumentos, os policiais continuam na abordagem e efetuam a apreensão de quantidades ínfimas de substâncias ilícitas, em posse do suspeito.

    A realidade é que, na maioria das prisões por tráfico de drogas, não existe uma justificativa concreta que autorize uma revista exploratória. Geralmente, elas ocorrem com base em menções vagas e supostas atitudes suspeitas, insuficiente para legitimar uma revista invasiva. Importante ressaltar, que na ausência de qualquer investigação anterior relacionada ao detido, os policiais não podem simplesmente realizar a exploratória, especialmente se não testemunharem qualquer atividade de tráfico de drogas.

    Para realizar uma busca pessoal exige-se uma suspeita baseada em um juízo de probabilidade, fundamentado em elementos objetivos, disponíveis antes da abordagem. Essa suspeição deve ser descrita com a máxima precisão possível e devidamente justificada, com base nos indícios e nas circunstâncias do caso concreto.

    Como demonstramos, a suspeita fundamentada deve centrar na possibilidade real de que o indivíduo esteja, de fato, portando substâncias ilícitas, o que não se baseia apenas na aparência ou no fato da pessoa estar nervosa. Ademais, a busca pessoal não pode ser justificada apenas em suposições vagas.

    O nervosismo configura uma reação natural em situações de abordagem exploratória, e não pode ser interpretado como prova de envolvimento em atividades ilegais. Por exemplo, quando alguém é submetido aos comandos policiais do tipo: "Coloque as mãos na cabeça! Abra as pernas! Deite!" é natural que a pessoa transpareça ansiedade ou tensão, independentemente se ela estiver envolvida em atividades criminosas ou não.

    Reafirmamos a decisão de realizar uma busca pessoal baseada em uma suspeita fundamentada e não apenas no comportamento nervoso do indivíduo durante a abordagem, pois caso seja essencialmente subjetiva e não demonstrada de forma clara e concreta, não atende ao requisito probatório de fundada suspeita exigida pelo artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP).

    O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que o simples fato de objetos ilícitos serem encontrados após a revista - independentemente da quantidade - não valida a ilegalidade inicial. Como mencionei, é imperioso que o elemento - fundada suspeita de posse de corpo de delito - somente se estabeleça com base em elementos anteriores à diligência.

    Assim, as peças do intrincado xadrez da justiça em seus detalhes minuciosos e importantes para a compreensão do jogo legal, produz um movimento, estrategicamente embasado na lei e na justiça, evita qualquer lance sem fundamentos sólidos e resulta em xeque-mate para a legalidade.

    Existem algumas razões para exigir elementos sólidos, objetivos e concretos na realização de busca pessoal, em vez de depender apenas da intuição policial. A primeira diz respeito ao risco de uso excessivo desse procedimento e os agentes da lei devem evitar essa prática, uma vez que, detenções momentâneas desse tipo, sem dúvida, violam a intimidade e a liberdade do indivíduo, além de serem constrangedoras, conforme previsto na CF/1988, artigo 5º, caput, e X.

    A segunda, relaciona-se à garantia da sindicabilidade da abordagem, pois permite o controle do ato por um terceiro (o Poder Judiciário). Isso se torna inviável quando a base para a busca pessoal é apenas subjetiva e não pode ser demonstrada objetivamente, como por exemplo, a percepção do policial quanto ao nervosismo do indivíduo.

    Para ilustrar, considere a seguinte situação: os policiais notam que alguém está caminhando e, ao se deparar com a viatura da polícia, a pessoa abaixa a cabeça e continua em seu trajeto. Como é possível aferir que tal gesto constitui uma fundada suspeita?

    Situação diversa seria se a pessoa, ao visualizar a viatura policial, mudasse de direção, ou mesmo, jogasse algo no solo e empreendesse fuga. O que a princípio legitimaria a abordagem.

    Entretanto, cumpre observar que em algumas situações, como a quebra do aparelho celular antes da abordagem policial, não tem sido reconhecido pelo STJ como fundadas suspeitas para justificar uma abordagem.

    A corte superior enfatiza que o cuidado por critérios objetivos e fundamentados embasam a ação policial, e a destruição de evidências, por si só, não é suficiente para autorizar uma intervenção policial. Eis a importância de evitar abordagens arbitrárias ou baseadas em suposições infundadas. O compromisso é proteger os direitos individuais dos cidadãos.

    Além disso, agir cautelosamente evita práticas que perpetuam preconceitos tão enraizados na sociedade. Existem práticas policiais tendenciosas e reproduzem estereótipos arraigados na sociedade, reflexo do racismo estrutural. Frequentemente observo que as atitudes baseadas em suposições rotulam determinadas pessoas como potenciais criminosos.

    Gostaria que nossa assertiva pudesse ser o contrário. Porém, o policiamento ostensivo muitas vezes adota práticas que colocam em suspeição aqueles que vivem à margem, simplesmente por suas origens étnicas ou socioeconômicas.

    Interessante, se a polícia agisse com base em critérios e objetivos legais, em vez de recorrer a estereótipos, a fim de evitar práticas discriminatórias e injustas, ferindo assim a confiança da sociedade. Uma abordagem mais humana evita qualquer relação que não se alia a procedimentos eugenistas, tão bem executados numa boa parte da história do Brasil, profundamente prejudiciais e inaceitáveis na contemporaneidade.

    Nesse cenário, o problema parece residir na estigmatização e o foco não recai apenas na avaliação da ação criminosa, mas sim, na interpretação da reação do indivíduo. Neste caso, a pessoa é julgada não somente com base em seu comportamento delituoso, mas sim em suas características como idade, cor da pele, gênero e classe social. Em outras palavras, ninguém pode ser rotulado como criminoso, simplesmente por causa de suas características fenotípicas.

    Imaginemos a seguinte situação: um indivíduo está na rua, durante o horário comercial, em um bairro de baixa renda, ostentando tatuagens e utilizando uma tornozeleira eletrônica. Enquanto a viatura policial faz rondas, emite o sinal sonoro característico e, em seguida, os policiais decidem realizar uma abordagem no transeunte. Esta é uma situação bastante comum, porém, o motivo para tal abordagem é notadamente ilegal.

    O desafio aqui está no fato de que a avaliação de fundadas suspeitas é um processo subjetivo (tirocínio policial). E como o juiz avaliará se o indivíduo apresentou nervosismo, se hesitou em continuar caminhando, se mudou de direção ou se é conhecido da polícia? Infelizmente, a informação de que o indivíduo é conhecido da polícia muitas vezes é a melhor carta nas mãos dos policiais. É como um coringa, uma vez que a pessoa já está sob monitoramento policial. Logo, afirmar que o indivíduo é conhecido da polícia, embora essa seja a maior justificativa para a abordagem, não parece o melhor caminho.

    Nesse contexto, estamos diante de uma realidade sombria e preocupante - a pessoa flagrada é imediatamente presa, de posse, muitas vezes, de pequenas quantidades de drogas.

    Na audiência de apresentação, na maioria dos casos, o juiz opta por não relaxar a prisão, e sim por conceder liberdade provisória, desde que sejam cumpridas determinadas medidas cautelares (a menos que decida converter a prisão em preventiva com base no artigo 312 do Código de Processo Penal).

    Tal situação ocorre, em parte, devido a considerável importância atribuída aos depoimentos dos policiais, que, embora detenham fé pública, frequentemente são desafiados a fornecer justificativas precisas, especialmente quando não há registro em áudio ou vídeo do trabalho policial.

    O agente da lei, com sua pena mágica e fiel à versão do boletim de ocorrência, quase sempre conduz o flagrado à prisão. Ilustro essa dança surreal da teoria da árvore dos frutos envenenados, e recorro à situação hipotética: um cidadão, Pacífico Armando Guerra, sem qualquer motivo aparente de suspeição, é submetido a uma revista invasiva durante uma abordagem policial. Durante o ato, pequenas porções de drogas são encontradas com Pacífico. O policial, agindo como um mestre em ilusionismo, realiza uma busca e sem qualquer justificativa, torna todo o processo ilegítimo.

    Agora, essa é a parte "divertida: qualquer evidência resultante dessa revista ilegal, como as drogas apreendidas, torna-se fruto envenenado" - uma fruta proibida colhida de uma árvore mágica e ilegal. O desfecho pode apresentar dois finais diferentes.

    Primeiro, Pacífico Armando Guerra pode ser, posteriormente, acusado de tráfico de drogas com base nas substâncias apreendidas durante a revista ilegal. Vejam, a famosa teoria da árvore dos frutos envenenados nos ensina que nenhuma das evidências (os ilícitos) derivadas dessa revista ilegal podem ser consideradas válidas em um tribunal. Por que? Porque tudo começou com um truque ilegal. Consequentemente, a ausência de materialidade delitiva se estabelece e requer a absolvição do acusado.

    Pacífico sente alívio ao ser absolvido por falta de provas. Suspira e murmura: Ufa! Mais um pouco e eu seria o coelho da cartola. Mas, não foi desta vez. A árvore mágica de evidências ilegais desaparece como uma nuvem de fumaça.

    Contudo, em um segundo desenrolar, alternativo ao primeiro desfecho do espetáculo de ilusionismo jurídico, Pacífico é condenado, tendo como base a quantidade de entorpecentes apreendidos, ou porque os policiais realizaram truques incríveis com a utilização de aparelhos telefônicos e, de maneira misteriosa, provaram que o flagrado estava envolvido no comércio de drogas na data do ocorrido. O mais surpreendente é como as ilegalidades são ignoradas e se fazem como truques de mágica!

    Em alguns casos, o espetáculo fica ainda mais intrigante quando, além da revista ilegal, os agentes decidem fazer uma visita surpresa à residência. Entram sem bater à porta, como se fossem os convidados-surpresa de um programa de televisão. Claro, que não tinham convite para entrar na casa do rotulado. Mas, é como se ouvissem: Entrem, fiquem à vontade. Vou aguardar aqui fora. A maconha está ali, mas se precisarem de algo, estou à disposição. Ressoamos a hilária expressão de Aury Lopes Júnior: eu nunca vi tanto traficante suicida.

    De fato, esse ciclo vicioso de artimanhas e ilusões é um espetáculo mágico constante. Aqueles que são abordados não apenas respondem verbalmente, mas são convidados a atuarem como verdadeiros magos, elaborando truques para escapar das revistas ilegais e das detenções injustificadas. Assim, todos se tornam, involuntariamente, os astros relutantes de um circo de ilusões, em que o enredo é o absurdo e a cortina, raramente se fecha.

    O estigma social categoriza ações e comportamentos como desviantes da sociedade. Pense em alguém que, de forma constante, é submetido a abordagens policiais injustificadas e tratamento injusto. A situação assemelha-se a um coelho retirado da cartola do mágico e jogado em um chapéu cônico. Este, para se proteger das garras desse truqueiro social, adota comportamentos de isolamento, resistência ou até mesmo, truques mirabolantes. É como se estivesse dizendo: Não sou uma pomba, sou um coelho, e vocês não me pegarão!.

    Mas, a mágica não para por aí. Há uma circularidade de truques ilegais e prisões injustas que alimentam o círculo vicioso e cria a sensação, cada vez maior de desconfiança nas instituições e no sistema legal. O público assiste incrédulo ao espetáculo e questiona: "Os truques são iguais para

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1