Tupã
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Tupã - Leandro Malósi Dóro
Tupã
Leandro Malósi Dóro
Amazônia Tupã
Potira corre enquanto as lágrimas evapo-ram e os olhos ardem sob a fumaça preta.
A luz do fogo envolve a aldeia e as árvores cujas folhas voam flamejantes. Capivaras e pássaros passam à sua frente. Onde está Tauanê, a mãe? Onde não tem fogo? Aiyra, Cauê, Tuane, onde estão? Os macacos su-focam e caem das árvores em barulho seco e sonoro. Blaum. O suor evapora e a pele resseca. As pernas continuam a se mover, mas nada enxerga e o ar parece ser apenas fumaça. Aspira e uma tontura a faz cair. O
sabor da terra a consola. Ao menos o solo ainda está úmido. Só há fogo a sua volta.
Um galho de árvore flamejante cai sobre si.
Potira grita, mas o fogo queima suas coxas e sua pele enruga e avermelha. Olha para o céu e ainda tem fôlego de gritar:
- Tupã, onde você está, Tupã?
Potira sente o cheiro de carne queimada, que de seu próprio corpo. Antes de des-maiar, ouve um trovão. Porém não há nuvens no céu e ainda consegue pensar: Deus Tupã, vem nos salvar
.
...
Os dentes de Nelson são pressionados com os fiapos de carne. O cheiro de gordura ainda esta em seus lábios e os intestinos pre-param um acúmulo de gases que ardem ao sair.
- Peidou de novo Nelson? - ri alto Dejair, exibindo os buracos entre os dentes e ba-lançando a barriga roseada que aparenta ser de um porco pouco antes de virar linguí-ça. Nelson pouco presta atenção. Olha para as mãos que estão ainda chamuscadas. O
odor de mato queimado ainda está em sua camiseta e bermuda. Pensa em tomar um banho, mas quer tomar um último copo de chope. No céu há fumaça que deixa a noite
mais escuro.
- Semana que vem termina esse fogo e a gente bota gado, boi, vaca, nesta merda aqui - grita Dejair, agitando seu chapéu de vaqueiro ao ar. Os tonéis de gasolina vazios estão ainda dentro das caminhonetes.
O gosto de gasolina ficou também na carne do churrasco.
...
Jaci agita seus cabelos negros que lhe cobrem os seios e caminha sobre as cinzas do que um dia foi mata. Sua pele azulada está empapada de lágrimas que grudam as cinzas das folhas e árvores. Observa o nascimento do dia e da coroa solar surge Guaraci, seu esposo irmão. Está com olhos arregalados, observando criaturas carbonizadas aos seus pés. O cheiro forte lhe queima as narinas.
Jaci o abraça:
- Foram os homens do gado. Eles atearam fogo em nossa mata.
Guaraci a abraça e tenta esconder as lá-
grimas, enquanto observa uma jibóia que mais parece um galho queimado. Tentou saber se conhecia aquele réptil, mas já estava sem forma e cores definidas. Sua alma já estava com Tupã, que enviava raios mesmo com o céu azul.
- Somos deuses, Jaci, como sequer perce-bemos isso acontecer?
...
A coroa de penas de Tupã estava envolvi-da em faíscas azuladas. Seu corpo reluzia e as árvores a sua volta absorviam os raios que emitia. Jaci e Guaraci abraçaram-no.
- Pai - disse Jaci. - Os homens do gado estão destruíndo nossas matas há dias. O fogo mata todos os seres.
- Eu sei, minha filha - retumbou Tupã, com uma voz que parecia ser uma descarga elétrica interminável. - Ontem, Potira, filha de Tauanê, chamou-me antes de morrer.
Ela foi lambida pelas chamas provocadas pelo homem branco. Há muitas luas o fogo
consome nossas matas e continuará a ser assim.
- Mas, pai - sussura Guaraci, erguendo seus braços torneados e ainda suados do calor. -
O que podemos fazer para acabar com o fogo que mata nosso povo e elimina nossas matas?
- Nada, por enquanto, meus filhos, mas mandarei uma praga que irá eliminar muita gente das cidades, sem se importar se são culpados ou inocentes. Sem escolher ricos ou pobres. Essa praga irá vingar um pouco do que já sofremos e irá cobrir os campos de corpos e lágrimas.
Asma
Ríamos alto. Comemos e bebemos. As piadas eram ótimas ou o vinho bom. A respiração parecia não chegar ao final, mas queria continuar ali. Olhei pela janela e vi o poço de luz do prédio. E aquele vídeo que tu gravou?
, alguém perguntou. Expliquei em uma tentativa de tom engraçado. Porém as palavras não se concluíam e as frases tinha vírgulas que inexistiam. "ah, entã..., fiz...
pra ti. Ainda bem...que tu...notou". Uma convidada pediu a receita de bolo de chocolate, desviando o foco de atenção. Des-lumbrei a porta.
As costelas doíam. A sala parecia ser um pulmão e as estantes de livros paradas como minha respiração. Vi minha mulher, já de olhos arregalados, e pedi para irmos embora. A dona da casa percebeu e expliquei
que teria de ir, pois estava com dificuldade de respirar.
Acumulei ar e disse um então tá, galera
.
A pedido de um dos amigos pegamos uns doces para comermos em casa. Saí e comecei a bater as costas no elevador, como se aquilo fosse recuperar respiração. Estava tonto e comecei a implorar por ar, mas nem minha mulher ou qualquer outra pessoa poderiam fazer algo. Meus dedos gelaram e as imagens se misturavam, o