Recurso Extraordinário e Recurso Especial: Pressupostos e Requisitos de Admissibilidade no Novo C.P.C. de Acordo com a Lei 13.256, de 4/2/2016
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Recurso Extraordinário e Recurso Especial - Artur César de Souza
recurso especial e recurso extraordinário
Pressupostos e requisitos de admissibilidade
©
Almedina
, 2015
Autor:
Artur César de Souza
Diagramação:
Almedina
Design de Capa:
FBA.
ISBN:
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Almeida, Daniel Freire e
Um tribunal internacional para a internet /
Daniel Freire e Almeida. –– São Paulo :
Almedina, 2015.
ISBN 978-85-8493-007-4
1. Contratos (Direito internacional) 2. Direito
internacional 3. Direito internacional –
Jurisdição 4. Internet (Rede de computadores)
5. Internet (Rede de computadores) – Aspectos
jurídicos 6. Tribunais internacionais I. Título.
15-01424 CDU-341
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito internacional 341
Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.
Abril, 2015
Editora:
Almedina Brasil
Rua José Maria Lisboa, 860, Conj.131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil
editora@almedina.com.br
www.almedina.com.br
Em memória do meu pai, Artur de Souza.
À minha mãe, Maria Ap. de Souza.
À minha amada esposa Geovania e aos meus queridos filhos, Isis e João Henrique pelo apoio e compreensão.
Agradeço também ao Engenheiro Carlos Pinto, à Sofia Barraca e Carolina Santiago pelo apoio, confiança e pela oportunidade de divulgação deste trabalho na Editora Almedina.
PREFÁCIO
Fiquei muito honrado com o convite que me foi formulado pelo Magistrado Federal Artur César de Souza, para prefaciar este seu novo livro, que trata dos pressupostos e requisitos de admissibilidade dos recursos de estrito direito, especial e extraordinário.
O livro é fruto da soma de dois elementos que lhe dão consistência e que certamente fará com que sua utilidade seja por todos os leitores elogiada. O primeiro elemento é a inegável bagagem teórica do autor, homem culto e estudioso. O segundo, é sua experiência na atividade judicial, notadamente na que desempenhou recentemente, como juiz-auxiliar da Vice-Presidência do Tribunal Regional Federal da
4ª Região.
Neste livro, o autor analisa inicialmente os antecedentes históricos do controle de constitucionalidade, assim como do recurso extraordinário, na tradição constitucional brasileira.
Ao tratar da competência do Superior Tribunal de Justiça, o autor observa as origens do recurso especial e, em seguida, trata de vários dos principais sistemas recursais das Cortes Superiores.
Em seguida, sempre lastreado em sua experiência, em seus conhecimentos e em autorizada bibliografia, o autor trata dos requisitos de admissibilidade dos recursos de estrito direito no Código de Processo Civil de 2.015. Nesse capítulo, que é o sexto, o autor desenvolve estudos a respeito de diversas questões, como, por exemplo, a que diz respeito ao exaurimento da instância recursal como pressuposto para a interposição do recurso extraordinário e do recurso especial.
No capítulo seguinte, o autor analisa o recurso extraordinário, em toda a sua extensão, tratando das hipóteses de decisão que contraria dispositivo constitucional; que declara a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; que julga válida lei ou ato de governo local contestado diante da Constituição ou diante de lei federal.
Ao recurso especial o autor dedica o capítulo oitavo. E o faz exaurientemente.
Em seguida, no capítulo nono, o autor trata de questões que costumam atormentar os operadores menos habituados ao trato dos recursos de estrito direito, que são, justamente, os requisitos da petição de interposição de um e de outro desses recursos (especial e extraor-
dinário).
Dedica expressivo trecho de seu livro ao item relativo à demonstração do cabimento do recurso interposto, tratando da matéria com a necessária profundidade.
E trata, inclusive, de aspectos que costumam significar verdadeiras armadilhas
para os recorrentes, como, por exemplo, o recolhimento de custas recursais.
No capítulo décimo o autor trata do dissídio jurisprudencial e da motivação necessária para o seu não conhecimento e, no capítulo seguinte, discorre sobre a possibilidade aberta pelo CPC/2015, de desconsideração de vícios formais e da possibilidade de sua regularização, como resposta legislativa à necessidade de dar maior rendimento ao processo, sob o ponto de vista da busca de decisões que efetivamente prestem a jurisdição, em seu sentido amplo.
Em relação ao incidente de resolução de demandas repetitivas, método de julgamento por amostragem igualmente instituído pelo CPC/2015, o autor analisa a possibilidade de suspensão de processos que tramitem em todo o território nacional, e que tenham por objeto questão idêntica à versada no IRDR.
Mas o autor ainda vai além, para fortuna de seus leitores, e trabalha questões sobre prazo, forma de tramitação, decisão de admissibilidade e remessa dos recursos de estrito direito.
Analisa também a questão da ofensa reflexa à Constituição Federal.
Encerra seu livro tratando da repercussão geral que se exige para que o recurso extraordinário seja admitido no Supremo Tribunal Federal. Anota algumas circunstâncias que, no seu entender, caracterizam a existência de repercussão geral, e trata de seu procedimento, assim como da eventual participação de terceiro na análise da repercussão geral.
É um trabalho completo, bem escrito, obra de Magistrado culto e com vasta experiência na matéria objeto de suas preocupações e reflexões.
Certamente será livro obrigatório para aqueles que pretendam, com sucesso, operar os recursos de estrito direito perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
Meus sinceros cumprimentos ao autor, Artur César de Souza, assim como à Editora, pelo lançamento deste livro.
Curitiba, Maio de 2.015.
Luiz Rodrigues Wambier
Table of Contents
Capa
Folha de Rosto
Prefácio
Introdução
1. Antecedentes históricos do controle de constitucionalidade
2. Antecedente histórico no Brasil do recurso extraordinário
2.1. Natureza ‘objetiva’ do recurso extraordinário
3. Origem do recurso especial de competência do Superior Tribunal de Justiça
4. Sistemas recursais das Cortes Superiores no direito comparado
4.1. Sistema francês
4.2. Sistema alemão
4.3. Sistema argentino
4.4. Sistema italiano
4.5. Sistema português
4.6. Sistema espanhol
5. Requisitos procedimentais de admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial no novo C.P.C.
5.1. Juizo de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário no novo C.P.C.
5.2. Forma e requisitos para interposição do recurso extraordinário ou especial
5.2.1. Requisitos Constitucionais para interposição de recurso extraordinário e recurso especial
5.2.1.1.1. Decisão de única ou última instância e recurso extraordinário.
5.2.1.1.2. Decisão de única ou última instância e recurso especial
6. Fundamentos constitucionais para interposição do recurso extraordinário
6.1. Recurso extraordinário – causa de pedir aberta
6.2. Hipóteses constitucionais que fundamentam a interposição do recurso extraordinário
6.2.1. Decisão recorrida contraria dispositivo da Constituição
6.2.2. Declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal
6.2.3. Julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face da Constituição
6.2.4. Julgar válida lei local contestada em face de lei federal
7. Fundamentos constitucionais para interposição do recurso especial
7.1. Causas decididas em única ou última instância
7.1.1. Causa decidida em única ou última instância e tutela provisória
7.2. Contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhe vigência
7.2.1. Tratado
7.2.2. Lei Federal
7.3. Der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atri- buído outro tribunal
8.
8.1. A exposição do fato
8.2. Exposição do direito
8.3. Demonstração do cabimento do recurso interposto
8.3.1. Pré-questionamento
8.3.2. Pré-questionamento implícito
8.3.3. Pré-questionamento e questão debatida no voto-vencido
8.3.4. Pré-questionamento e recurso interposto por terceiro interessado
8.3.5. Pré-questionamento e questões de ordem pública
8.4. As razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida
8.5. Recolhimento de custas e requerimento de gratuidade de justiça
8.5.1. Do preparo
8.5.2. Gratuidade de justiça
8.6. Dissídio jurisprudencial – repositório de jurisprudência
9. Dissídio jurisprudencial – não conhecimento – motivação
10. Desconsideração de vícios formais – possibilidade de regularização da interposição do recurso especial ou extraordinário
11. Suspensão nacional dos processos que tenham por objeto questão sujeita ao incidente de resolução de demandas repetitivas
12. Órgão legitimado para concessão de efeito suspensivo a recurso especial e extraordinário
13. Prazo, tramitação, admissibilidade e remessa dos recursos especiais ou extraordinários
14. Interposição simultânea de recurso especial e extraordinário – consequências jurídicas
14.1. Obrigatoriedade de interposição conjunta de recurso especial e extraordinário
14.2. Matéria constitucional formulada em recurso especial
14.3. Conclusão do julgamento do recurso especial
14.4. Prejudicialidade do recurso extraordinário em relação ao recurso especial
15. Ofensa reflexa à Constituição Federal
16. Admissibilidade do recurso extraordinário e especial – aplicação do direito – jura novit curia
17. Da repercussão geral – nota introdutória
17.1. Direferenciação entre repercussão geral e recurso extraordinário repetitivo
17.2. Demonstração da existência de repercussão geral para apreciação exclusiva do S.T.F.
17.3. Circunstâncias que denotam a existência de repercussão geral
17.4. Repercussão geral presumida
17.5. Do procedimento para análise da repercussão geral
17.6. Participação de terceiro na análise da repercussão geral
17.7. Reconhecimento da repercussão geral – suspensão dos demais processos
17.8. Exclusão de processo do sobrestamento
17.9. Recurso contra decisão que indeferir a retirada do processo do sobrestamento
17.10. Consequências jurídicas da negativa da repercussão geral
17.11. Prazo máximo de sobrestamento dos processos em face da repercussão geral
17.12. Súmula da decisão sobre repercussão geral
18. Decisão monocrática do relator sobre a admissibilidade ou não do recurso extraordinário e recurso especial
19. Recurso adesivo em recurso especial e extraordinário
20. Recurso especial e recurso extraordinário em modo retido
21. Recurso especial e recurso extraordinário repetitivo
22. Interposição do recurso especial e extraordinário antes do julgamento dos embargos de declaração
23. Do direito intertemporal. – Transição entre o C.P.C. de 1973 e o novo C.P.C. em relação à legislação aplicável quando da interposição do recurso especial ou extraordinário
Anexo I
Anexo II
Anexo III
Referências bibliográficas
Títulos da Coleção
Introdução
No período de 20 de junho de 2014 a 20 de junho de 2015 tive a oportunidade de exercer o cargo de juiz-auxiliar da Vice-Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na profícua gestão do eminente Desembargador Federal Luiz Fernando Wolk Penteado, que se iniciou com um passivo de aproximadamente 28.000 (vinte e oito) mil processos, encerrando-se, dois anos depois, praticamente com o número de processos distribuídos mensalmente, em torno de 5.000 (cinco mil) processos/
/mês.
As atribuições conferidas à Vice-Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região estavam expressamente consignadas no art. 24 do Regimento Interno do tribunal, sendo que dentre essas atribuições encontrava-se aquela estabelecida no §2º do referido preceito normativo, a saber:
"(...)
§2º
Inc. I – por delegação do Presidente:
a) decidir sobre a admissibilidade de recurso extraordinário, recurso especial, recurso ordinário de habeas corpus, recurso ordinário em mandado de segurança e respectivos agravos, bem como resolver os incidentes suscitados".
Uma das principais atribuições conferidas à Vice-Presidência, por delegação da Presidência do Tribunal, era, justamente, a primeira análise de juízo de admissibilidade de recurso especial de competência do S.T.J e de recurso extraordinário de competência do S.T.F.
Durante o período de exercício de auxílio na Vice-Presidência foi possível perceber que o processo se desenvolve muito bem até a fase do recurso de apelação.
Porém, observou-se igualmente que havia, muitas vezes, certa deficiência na condução da relação jurídica processual, deficiência que acarretava a prolação de inúmeras decisões de inadmissibilidade do recurso especial ou do recurso extraordinário.
Percebeu-se que muitas dessas deficiências decorriam de imperícia ou do próprio desconhecimento jurídico das particularidades exigidas para a admissibilidade do recurso especial ou extraordinário.
Diante das particularidades normativas, e, em especial, da interpretação jurisprudencial dos Tribunais Superiores quanto aos requisitos de admissibilidade do Recurso Especial ou do Recurso Extraordinário, observou-se que é imprescindível que o profissional da área jurídica, desde a primeira peça processual que insira no processo, o faça de forma a preencher todos os requisitos necessários para que a questão trazida em juízo, se necessário, possa chegar ao S.T.F. ou ao S.T.J. sem risco de não ser conhecida.
A finalidade deste trabalho, com base no novo C.P.C., é justamente procurar traçar os pressupostos procedimentais do recurso especial e extraordinário, assim como sanar algumas dúvidas sobre os requisitos de admissibilidade dessas espécies recursais, bem como chamar a atenção do profissional do direito da necessidade de uma preocupação efetiva, desde o início do processo, quanto ao preenchimento desses requisitos para que a causa possa ser encaminada ao S.T.J. ou ao S.T.F.
1.
Antecedentes históricos do controle de constitucionalidade
A declaração do vínculo existente entre as treze colônias norte-americanas e a Coroa da Inglaterra aconteceu efetivamente quando a Coroa Inglesa e o Parlamento perderam a sua soberania em definitivo pelo desencadeamento da guerra da Independência, em decorrência, por um lado, da atitude do governo metropolitano que reduziu os colonos a uma efetiva submissão, e de outro, em razão de um Congresso Continental que assumiu o poder de conduzir os assuntos beligerantes. Tais acontecimentos, embora não observáveis de plano, restaram confirmados pelo conhecido nome de Declaração de Independência ocorrida em 4 de julho de 1776.¹
Rompido os laços políticos com a Inglaterra, os signatários da Declaração de Independência declararam: Temos estas verdades como evidentes: que todos os homens são iguais; que pelo Criador foram dotados de certos direitos inalienáveis, entre os quais o da vida, o de liberdade e o de procura da felicidade; que para os assegurar foi que se instituíram os governos, derivando a sua justa autoridade do consenso dos governados; que qualquer que seja a forma de governo que atentar contra tais fins, é um direito do povo mudá-la ou aboli-la e instituir um novo governo, fundando-o sobre aquelas bases, e organizando-o da forma que mais apta lhes parecer para promover a própria segurança e a própria felicidade
.²
Observa-se que nesse primeiro momento da independência, o governo da União sob o Congresso Continental foi estritamente revolucionário, o que, em razão dessa sua característica, e em decorrência do fortalecimento dos Estados membros, não podia por muito tempo corresponder aos fins da União. Na verdade, o Congresso Continental era considerado tanto pelo povo como pelos governos estaduais, caracterizado mais como uma assembleia consultiva do que um verdadeiro governo. Além do mais, somente quando diante de questões externas urgentes é que se justificava o grau de obediência que mereceriam os seus preceitos e conselhos.³
A forma de se solucionar tal entrave pragmático veio com os denominados Artigos de Confederação e União Perpétua, elaborados pelo Congresso e submetidos aos Estados em 1777, mais tarde ratificados pela maioria dos Estados em 1778.
Os defeitos apresentados pela Confederação, principalmente a falta de tribunais para tomar conhecimento das infrações de sua autoridade, fizeram com que o seu insucesso fosse inevitável.
Em fevereiro de 1787, o Congresso recomendou a instauração de uma convenção a ser realizada na Filadélfia, mediante convocação de delegados dos vários Estados, com a intenção de rever os Artigos de Confederação e propor ao Congresso e às diversas Assembleias Legislativas estaduais emendas que, além de outras particularidades, visariam, acima de tudo, a preservação da União. A Convenção, quando reunida, percebeu que não bastava apenas a revisão daquilo que até então não estava surtindo efeito e, além do mais, colocava em risco a própria integridade da União, razão pela qual resolveu propor uma nova Constituição, que dependeria apenas da ratificação de nove Estados para que pudesse prevalecer entre eles. Na verdade, estava-se diante de um novo processo revolucionário, pois tal deliberação contrariava aquilo que dispunham os Artigos da Confederação, ou seja, a exigência do consentimento de todos os Estados para tal deliberação. Não obstante a crise institucional que se avizinhava, essa deliberação revolucionária fez com que, em princípio, onze Estados a ratificassem, exceto os Estados da Carolina do Norte e Rhode Island, que permaneceram algum tempo excluídos da União. Ambos, contudo, exteriorizaram os seus consentimentos, respectivamente, em novembro de 1789 e maio de 1790.⁴
Tendo em vista essa nova característica do Estado americano, segundo uma perspectiva desta vez federalista, os americanos tinham por objetivo encontrar mecanismos de unificação do país, política e territorial. Para tanto, era necessário a construção de um novo equilíbrio entre a liberdade e a ordem, conjuntamente delineado por uma igualdade de distribuição de poderes entre o Estado e a Nação.⁵
Como forma de dar eficácia a essa perspectiva do federalismo americano, a Constituição dos Estados Unidos da América, na Seção 1 do
art. III criou a Suprema Corte e lhe concedeu a posição de vértice do Poder Judiciário, ao dispor: o Poder Judiciário dos Estados Unidos será investido a uma Suprema Corte
.⁶
Segundo Madison, o Judiciário seria considerado como instrumento de proteção simultânea das autoridades nacional e estadual
. Já no pensamento de Hamilton⁷, "os juízes são investidos de poderes para reforçar esta supremacia em detrimento das Constituições e leis
estaduais".⁸
Havia assim uma perspectiva de que a Suprema Corte, como órgão máximo do Poder Judiciário norte-americano, pudesse avaliar e rever as decisões de outros órgãos do judiciário ou mesmo os atos normativos de poderes diversos.
É evidente que essa construção em torno do chamado judicial review não passou incólume às críticas. Segundo William Crosskey, Professor da Universidade de Chicago, "o judicial review não era uma estipulação genérica existente na Constituição, antes, pelo contrário, foi proibida na Carta Suprema".⁹ Além do mais, conforme observou Hamilton, a aplicação arbitrária do judicial review poderia acarretar excessos ou abusos, pois se os tribunais resolvessem impor vontades ao invés de julgamentos, a consequência seria a substituição de seu desejo pelo do Corpo legislativo.¹⁰
A Suprema Corte, com sede em Washington, é o único tribunal originariamente previsto no texto constitucional norte-americano. O número de seus integrantes (chamados justices) é determinado por ato do Congresso, segundo os limites traçados pelo artigo III da Constituição. A Corte apresenta nove integrantes, sendo que um deles é designado como Chief Justice of the United States. Sua jurisdição contempla a revisão de todas as decisões das cortes de apelação federal, além de reapreciar as decisões das mais altas cortes estaduais quando tenham decidido uma questão de direito federal.¹¹
A jurisdição da Suprema Corte, salvo quando revê decisões dos tribunais de segunda-instância, federais e estaduais, revisão judicial
(judicial review), é discricionária (Bob Woodward e Scott Armstrong, The Bretheren. New York: Avalon, 1981, pg. XII).¹² O jurisdicionado interessado requer que seu pedido seja atendido através de um (writ of certiorari) e fica na expectativa de seu deferimento (William H. Rehnquist, The Supreme Court. New York: Vintage Books, 2001, p.8 e ss.).¹³ Com o deferimento do certiorari, as partes são intimadas para confecção e encaminhamento de razões escritas (briefs): petições concisas, diretas, com limitado número de laudas. (Martha Faulk e Irving Mehler, The Elements of Legal Writing, New York: Longamn, 1994).¹⁴ Interesse nacional, manutenção da ordem, desafio constitucional e nuances políticas, além da carga de trabalho (woorkload), orientam a discricionariedade da Suprema Corte. Daí a tendência contemporânea em julgamentos vinculados a ações afirmativas (affirmative action) e a direitos de homossexuais (gays rights).¹⁵ Segundo William Burnham, a discricionariedade é exercida nos seguintes termos: Em conferência privada realizada semanalmente, são decididos os certiorari, de acordo com a ‘regra dos quatro’ (...). A Suprema Corte não se vê no papel de corrigir erros judiciários, vê-se como servidora de amplos interesses da lei e do sistema legal. Assim, seu regulamento prevê que questões serão apreciadas somente quando tribunal federal ou estadual decidira questão de lei federal em conflito com outro tribunal, ou quando tribunal estadual ou federal decidira importante questão que não fora, porém deveria ser, decidida pela Suprema Corte, ou ainda que tais tribunais tenham decidido de forma distinta ou conflitante com as decisões da mesma Suprema Corte
.¹⁶
Direito e política são funções interligadas no modelo norte-americano.
Segundo afirmou o Ministro Robert Jackson, a função política desempenhada pela Suprema Corte, resume-se em dois princípios: Numa sociedade em que transformações rápidas tendem a romper todo equilíbrio, a Suprema Corte, sem ultrapassar seus próprios poderes limitados, deve empenhar-se por manter o grande sistema de compensações sobre o qual baseia-se nosso governo livre. Se esses contrapesos e controles são essenciais à liberdade em outros lugares do mundo, é fora de questão, são necessários na sociedade que conhecemos
.¹⁷
Na verdade, segundo determinada perspectiva, a lei não seria outra coisa que uma predição da decisão do magistrado perante um determinado fato, predição essa baseada não num método dedutivo lógico, mas segundo determinado comportamento humano.¹⁸
Observa-se que com o judicial revew surge na história uma forma de controle de constitucionalidade, seja pela revisão de decisões judiciais, seja pela verificação da constitucionalidade de normas provenientes de outros poderes do estado.
O controle jurisdicional de constitucionalidade pode ser dividido em modelo difuso (de natureza norte-americano) e modelo concentrado (aus-
tríaco).
O modelo brasileiro adotou o sistema misto, pois tanto aplica o modelo concentrado quando o modelo difuso.
Pelo controle constitucional concentrado, a atribuição para o julgamento de matéria constitucional é de um único órgão que tem por fim resguardar a constituição federal. Já pelo controle difuso qualquer órgão do poder judiciário que exerça função jurisdicional poderá avaliar a aplicação da lei em face da norma incompatível com a constituição.
O novo C.P.C. regula o controle difuso de constitucionalidade por meio do recurso extraordinário.
O recurso extraordinário tem origem norte-americana, muito embora não tenha sido criado pela Constituição Federal dos E.U.A. A Constituição norte-americana apenas outorgou à Suprema Corte a competência originária e a competência recursal (appellate jurisdiction) em relação a determinadas questões.
Foi o Judiciary Act de 1789 que permitiu a revisão pela Suprema Corte de decisões finais dos mais altos tribunais dos Estados, mediante writ of error, em diversas hipóteses relacionadas com a constitucionalidade de leis e com a legitimidade de normas estaduais. Rotulou-se de inconstitucional, mais de uma vez, essa competência constitucional instituída por lei ordinária. Porém, a Corte, por meio de duas decisões famosas, casos Martin v. Hunter’s Lessee e Cohens v. Virginia, deu por válida a norma. Legislação posterior conferiu à Corte Suprema, de modo explícito e em termos de crescente amplitude, o poder de reexaminar decisões dos Estados, quer por meio do appeal, quer do writ of certiori".¹⁹
O controle difuso de constitucionalidade passou a ser uma realidade no ordenamento jurídico americano a partir do julgamento do caso Marbury v. Madison, de 1803.
Em 1800, Thomas Jefferson derrotou John Adams na concorrência para a Presidência da República. Após a derrota, John Adams promoveu a nomeação de diversos juízes em cargos relevantes, para manter certo controle sobre o Estado. Entre eles se encontrava William Marbury, nomeado Juiz de Paz. O secretário de Justiça de John Adams, devido ao curto espaço de tempo, não entregou o diploma de nomeação a Marbury. Já com Jefferson no poder como presidente, seu novo secretário de justiça, James Madison, negou-se a intitular Marbury. Marbury apresentou um writ of mandamus (Mandado de Segurança) perante a Suprema corte Norte-Americana exigindo a entrega do diploma. O processo foi relatado pelo Presidente da Corte, Juiz John Marshall, em 1803, quando ele concluiu que a lei federal que dava competência para a Corte analisar o mandado de segurança era inconstitucional, pois não cabia à Suprema corte decidir do pedido de mandado de segurança. Essa decisão configura uma mudança de paradigma, pela simplicidade da forma, sendo aplicada em diversos países do mundo.²⁰
É certo que a doutrina do judicial review, muito embora esteja atualmente consolidada nos países com Constituição rígida democrática, não esteve à margem de algumas dificuldades inicial. Lúcio Bittencourt indica ao menos três, a saber: Marshall renuncia à supremacia do judiciário, propondo a criação de uma corte constitucional dentro do congresso, em virtude do insopitável partidarismo do ‘justice’ Samuel Chase, cujo ‘impeachment’ lhe foi intentado, causando a reação da opinião pública e o desgaste da facção federalista da Corte. Ao final o ‘impeachment’ foi rejeitado e a lógica de Marshall permaneceu íntegra. No segundo momento, a dificuldade se deveu a Andrew Jackson, que pretendeu declarar a inconstitucionalidade do ato de reorganização do Banco dos Estados Unidos, cuja qual já havia sido declarada constitucionalpor Marshall. Susentava Jackson que a decisão do judiciário era apenas opinativa, sem força compulsória. Finalmente, a terceira dificuldade foi obrada por Lincoln ao recusar acatar decisão da corte, à época presidida por Taney, que declarava a inconstitucionalidade do chamado ‘Missouri Compromise e, consequentemente, ter invalidado a emancipação do escravo negro Dred Scott
.²¹
¹
Cooley
, Thomas M. Princípios gerais de direito constitucional nos estados unidos da América. Traduzido e anotado por Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russell, 2002. p. 21
²
Cooley
, T. M., idem., p. 22.
³ Nos assuntos mais importantes, muitas vezes não foram atendidos, e a Confederação esteve a ponto de se desmantelar, devido à falta de um elo legal de união e de um poder, também legal, para obrigar o desempenho de deveres a ela (Confederação) inerentes por parte de seus diferentes membros
(
Cooley
, T. M., idem. p. 23).
⁴
Colley
, T. M., id., p. 27.
⁵
Rosas
, Roberto. Suprema corte Americana: acompanhamento da realidade política e econômica. In Arquivos do Ministério da Justiça. ano 49, número 187, janeiro/junho de 1996, (91-110), p. 91.
⁶ The judicial Power of the United States, shall be vested in one supreme court, and in such inferior Courts as the Congress may from time to time ordain and establish. The Judges, both of the supreme and inferior Courts, shall hold their Offices during good Behavior , and shall, at stated Times, receive for their Services, a Compensation, which shall not be diminished during their Continuance in Office
. (O Poder Judiciário dos Estados Unidos será investido em uma Suprema Corte e nos tribunais inferiores que forem oportunamente estabelecidos por determinações do Congresso. Os juízes, tanto da Suprema Corte como dos tribunais inferiores conservarão seus cargos enquanto bem servirem, e perceberão por seus serviços uma remuneração que não poderá ser diminuída durante a permanência do cargo).
⁷ Hamilton, o gênio financeiro da Confederação, mais tarde Tesoureiro sob a Constituição, tinha suas funções descritas durante o período de guerra como ‘Recebedor dos Impostos Continentais’ – o ‘Recebedor’ e não o ‘Coletor’
. (
Burger
, Warren E. Constituição norte-americana. Conferência pronunciada perante a ABA (American Bar Association), publicada in Revista de Direito Público, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, n. 80 – out./dez de 1986, (143/146), p. 143.
⁸
Rosas
, R., op. cit., loc. cit.
⁹
Rosas
, R., id., p. 92.
¹⁰
Rosas
, R., id., p. 93.
¹¹
Meador
, Daniel John. Os tribunais nos estados unidos. Tradução de Ellen G. Northfleet. Brasília: Serviço de Divulgação e Relações Culturais dos Estados Unidos da América – USIS, 1996. p. 29 e 30.
¹²
Godoy
, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito nos estados unidos. Obra inédita. p. 8.
¹³
Godoy
, A. S. M., id, ibid.
¹⁴
Godoy
, A. S. M., id., ibid.
¹⁵
Godoy
, A. S. M., id., ibid.
¹⁶
Godoy
, A. S. M., id., ibid.
¹⁷
Rosa
, R., op. cit., p. 94.
¹⁸
Rosa
, R., idem. p. 92.
¹⁹
Moreira
, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. Vol. V. (arts. 476 a 565). Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 534 e 535.
²⁰
Mendes
, Gilmar Ferreira,
Branco
, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 1185.
²¹
Valadão
. José Arildo. A nova função do recurso extraordinário. Coleção Andrea Proto Pisani. Coord. Ada Pellegrini Grinover e Petronio Calmon. Vol. 8. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.
p. 108 e 109.
2.
Antecedente histórico no Brasil do recurso extraordinário
Conforme já teve oportunidade de afirmar o Ministro José Celso de Mello Filho, o Supremo Tribunal Federal, como se sabe, projetando-se numa linha histórica de sucessão direta, constitui o legítimo continuador – na condião de órgão de cúpula do sistema judiciário – da Casa da Suplicação do Brasil, que, investida da mesma alçada e competência da Casa de Suplicação de Lisboa, foi instituída, logo após a chegada da Corte Real portuguesa ao nosso Páis, pelo Princípe-Regente D. João, mediante Alvará de 10.05.1808, ‘para se fundarem ali todos os pleitos em última instancia, por maior que seja o seu valor, sem que das últimas sentenças proferidas em qualuqer das Mezas de sobredita Casa se possa interpor outro recurso(...)’, estendendo-se a sua competência a todas as causas julgadas no Brasil e, também, durante o período de um ano, àquelas oriundas das ‘Ilhas dos Acôres, e Madeira(...)
.²²
Um dos objetivos que justifica a existência do Supremo Tribunal Federal no nosso sistema Constitucional processual é justamente a permissibilidade Constitucional de se conceder a esse órgão jurisdicional natureza de Corte Constitucional, assim como ocorreu com a Suprema Corte norte-americana e outras Cortes europeias, masi diretamente, no plano da construção de uma ‘jurisprudência das liberdades’ concedida e formulada em favor dos direitos e garantias da pessoa humana
.²³
O Supremo Tribunal Federal mantém, na realidade, a função precípua de guardião da Constituição Federal, cometindo-lhe a guarda da Constituição, preservando e interpretando as normas constitucionais, especialmente por meio da uniformização da jurisprudência constitucional nacional quanto à interpretação das normas constitucionais. Daí porque as decisões do STF, ainda que no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, despontam como paradigmáticas, devendo ser observadas pelos demais tribunais da federação.²⁴
E uma das formas de nossa Corte Constitucional exercer sua atividade jurisdicional/constitucional é justamente pelo controle difuso ou incidental proveniente do recurso extraordinário.
O recurso extraordinário tem por finalidade assegurar no âmbito da jurisdição constitucional brasileira: a inteireza positiva; a validade; a autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição
.²⁵
No Brasil, o recurso extraordinário passou a viger a partir do Decreto 848/1890, que organizou a Justiça Federal, por inspiração do writ of error do direito norte americano, cujo pedido consistia na ampla revisão de decisões proferidas por tribunais inferiores, pela Suprema Corte americana. Já no Brasil, o recurso foi concebido para possibilitar a revisão extraordinária de julgados de segunda instância, desde que houvesse exaurimento das vias ordinárias.²⁶
O recurso extraordinário foi acolhido pelo art. 60, §1º, da Constituição de 1891, que assim dispunha:
Art 60 – Aos juizes e Tribunaes Federaes: processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
a) as causas em que alguma das partes fundar a acção, ou a defesa, em disposição da Constituição Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
b) todas as causas propostas contra o Governo da União ou Fazenda Nacional, fundadas em disposições da Constituição, leis e regulamentos do Poder Executivo, ou em contractos celebrados com o mesmo Governo; (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
c) as causas provenientes de compensações, revindicações, indemnização de prejuizos, ou quaesquer outras, propostas pelo Governo da União contra particulares ou vice-versa; (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
d) os litigios entre um Estado e habitantes de outro; (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
e) os pleitos entre Estados estrangeiros e cidadãos brasileiros; (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
f) as acções movidas por estranteiros e fundadas, quer em contractos com o Governo da União, quer em convenções ou tratados da União com outras nações; (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
g) as questões de direito maritimo e navegação, assim no oceano como nos rios e lagos do paiz; (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
h) os crimes políticos. (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
§ 1º Das sentenças das justiças dos Estados em ultima instancia haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: (Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
a) quando se questionar sobre a vigencia ou a validade das leis federaes em face da Constituição e a decisão do Tribunal do Estado lhes negar applicação; (Incluído pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
b) quando se contestar a validade de leis ou actos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federaes, e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses actos, ou essas leis impugnadas;(Incluído pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
c) quando dous ou mais tribunaes locaes interpretarem de modo differente a mesma lei federal, podendo o recurso ser tambem interposto por qualquer dos tribunaes referidos ou pelo procurador geral da Republica; (Incluído pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
d) quando se tratar de questões de direito criminal ou civil internacional. (Incluído pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926)
Contudo, a denominação de recurso extraordinário somente foi incorporada em nosso ordenamento jurídico quando da entrada em vigor do primeiro Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 24, do Dec. n. 3.084, de 5.11.1898, Parte III, arts. 678, letra ‘d’, e 744.²⁷
A Constituição Federal de 1934, previu o recurso extraordinário em seu art. 76, inc. III, a saber:
Art 76 – A Corte Suprema compete:
(...).
III – em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instância:
a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado;
b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válido o ato ou a lei impugnada;
d) quando ocorrer diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre Cortes de Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou entre um deste Tribunais e a Corte Suprema, ou outro Tribunal federal;
Na Constituição Federal de 1937, o recurso extraordinário foi disciplinado no art. 101, inc. III, in verbis:
Art 101 – Ao Supremo Tribunal Federal compete:
(...).
III – julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instâncias:
a) quando a decisão for contra a letra de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado;
b) quando se questionar sobre a vigência ou validade da lei federal em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válida a lei ou o ato impugnado;
d) quando decisões definitivas dos Tribunais de Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou decisões definitivas de um destes Tribunais e do Supremo Tribunal Federal derem à mesma lei federal inteligência
diversa.
A Constituição Federal de 1946 regulou o recurso extraordinário em seu art. 101, inc. III, nos seguinte termos:
Art 101 – Ao Supremo Tribunal Federal compete:
(...)
III – julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes:
a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal;
b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;
d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada for diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros Tribunais ou o próprio Supremo Tribunal
Federal.
Na Constituição Federal de 1967, com a Emenda Constitucional n. 1 de 1969, o recurso extraordinário foi regulado no art. 119, inc. III, in verbis:
Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal:
(...).
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato do govêrno local contestado em face da Constituição ou de lei federal; ou
d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.
A partir da Constituição Federal de 1988, o recurso extraordinário tornou-se cabível apenas para reapreciação de matéria constitucional. A sua disciplina está esculpida no art. 102, inc. III, letras ‘a’ a ‘d’ da C.F.:
"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...).
Inc. III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única e última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Nas letras ‘a’ a ‘c’, há expressa menção de que a decisão violou de alguma forma a Constituição.
Por outro lado, a hipótese descrita na letra ‘d’ não traz qualquer menção expressa de violação à constituição, pois permite a interposição de recurso extraordinário quando a decisão recorrida julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Porém, como a competência do Poder Legislativo para legislar, seja no âmbito federal, estadual e municipal, é estabelecida pela Constituição Federal, o cabimento do recurso extraordinário se justifica pela não observância das regras constitucionais de competência legislativa.
É importante salientar que não caberá recurso extraordinário por simples ofensa a direito local, conforme estabelece a Súmula 280 do
S.T.F.
No RE n. 117.809/PR em que o Supremo Tribunal Federal tratou da autonomia municipal para fixar tarifas de serviço público local, consta-se a seguinte passagem no voto proferido pela Ministra Carmen Lúcia, referente ao conflito entre lei local e Constituição:
"Conforme relatado, o exame do que alegado no presente recurso extraordinário tornou-se possível após a apreciação da questão de ordem trazida ao Plenário pelo então Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, quando se decidiu pela competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer deste recurso.
Anote-se que Sua Excelência, o Ministro Sepúlveda Pertence, partiu da premissa de que, nos casos de conflito entre lei federal e lei estadual ou municipal, haverá questão constitucional a ser dirimida pela via do recurso extraoridinário, e não do recurso especial, quando a preferência pela aplicação da norma local em detrimento da lei nacional adotada no acórdão recorrido tiver-se baseado na circunstância de esta ter cuidado de matéria de competência municipal. Daí o reconhecimento do juízo de constitucionalidade feito pela decisão recorrida a atrair para este Supremo Tribunal a competência
recursal.
É a conclusão do Ministro Sepúlveda Pertence: ‘Ora, se entre uma lei federal e uma lei estadual ou municipal, a decisão optar pela aplicação da última por entender que a norma central regulou matéria de competência local, é evidente que a terá considerado inconstitucional, o que basta à admissão do recurso extraordinário pela letra b do art. 102, III, da Constituição, como, aliás, ocorreu neste processo. Ao recurso especial, assim, coerentemente com a sua destinação, o que tocará é a outra hipótese, a do cotejo entre lei federal e lei local, sem que se questione a validade da primeira, mas apenas a compatibilidade ou não com ela, a lei federal, da norma estadual ou
municipal...".
O recurso extraordinário, cujas espécies são indicadas no art. 102, inc. II, letra a) a d) da Constituição Federal de 1988, foi introduzido no Brasil com a República federativa. Prende-se ele, como galhos a tronco de raiz, à necessidade de se assegurar em todo território nacional e em todas as dimensões do ambiente jurídico nacional, a observância, o respeito e a melhor interpretação da Constituição Federal. Não se pode afirmar, como anota Pontes de Miranda, que seja inerente ao regime federativo, porque não é impossível o Estado federal com unidade de Justiça, nem, tão-pouco, o Estado unitário com Justiça múltipla
.²⁸
Note-se que o recurso extraordinário no direito brasileiro não se assemelha às figuras recursais a que se costuma, em vários ordenamentos jurídicos estrangeiros, aplicar essa designação. Em algumas legislações estrangeiras, essa nomenclatura de ‘extraordinário’ refere-se a recursos interponíveis contra decisões já transitadas em julgado, nos mesmos parâmetros da nossa demanda rescisória.
A Constituição Federal de 1988, ao manter o Supremo Tribunal Federal como órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro , estabeleceu as seguintes regras de conformidades para sua instituição e competência Constitucional:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da
República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos