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Recursos no Novo C.P.C.: Teoria Geral De Acordo Com a Lei 13.256/2016
Recursos no Novo C.P.C.: Teoria Geral De Acordo Com a Lei 13.256/2016
Recursos no Novo C.P.C.: Teoria Geral De Acordo Com a Lei 13.256/2016
E-book1.338 páginas17 horas

Recursos no Novo C.P.C.: Teoria Geral De Acordo Com a Lei 13.256/2016

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Sobre este e-book

Certamente a comunidade jurídica receberá com interesse e satisfação a obra Recursos no novo CPC: teoria geral de autoria do magistrado e professor Artur César de Souza. A iniciativa do autor é extremamente oportuna, pois se lança na desafiadora tarefa de tratar do sistema recursal brasileiro, objeto de completa reforma pelo legislador nacional. Como se sabe, ao largo das naturais inquietações e elevadas expectativas que sempre acompanham o surgimento de um novo código de processo civil, há sempre a necessidade de dedicados estudiosos que se lancem na árdua tarefa de explorar o trabalho do legislador, apontando as inovações, retrocessos e as inevitáveis falhas. A par da profundidade da obra, o autor traz uma cuidadosa pesquisa de jurisprudência que permite ao leitor cotejar a melhor doutrina com o trato dado pelos tribunais aos temas jurídicos examinados. A edição de um novo Código de Processo Civil sempre vem acompanhada de uma renovação de esperanças na prestação jurisidicional mais célere e mais acertada. A presente obra também é uma profissão de fé na jurisdição e no seu papel harmonizador de uma sociedade que busca a justiça e confia nela.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mar. de 2017
ISBN9788584933723
Recursos no Novo C.P.C.: Teoria Geral De Acordo Com a Lei 13.256/2016

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    Recursos no Novo C.P.C. - Artur César de Souza

    1.

    Meios de Impugnação de Decisões – Impugnações em Geral

    Salvatore Satta preconiza que o conceito de impugnação não é um conceito exclusivo do processo, pois, segundo a linguagem comum, acolhida muitas vezes nas normatizações, impugnado pode ser um contrato como um testamento, um ato administrativo como uma deliberação de assembléia.

    No âmbito do direito civil, o conceito de impugnação reclama a distinção fundamental entre nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos, razão pela qual, a impugnação é a expressão de um interesse particular tutelado pela lei com a introdução do motivo de anulabilidade do ato: somente se o interessado desejar, o ato poderá ser removido. Se não desejar, o ato continuará a produzir os seus efeitos.

    O conceito de impugnação formulado por Salvatore Satta para o direito civil de certa forma tem alguma aplicação no direito processual civil, especialmente para as impugnações de decisões judiciais.

    Todavia, para se compreender exatamente o sistema legal, é conveniente recordar que entre as impugnações de decisões judiciais e aquelas dos atos jurídicos, em particular dos contratos, há uma profunda diferença: é que nas impugnações dos atos jurídicos há um fundamento de direito substancial, e se resolvem por meio de demandas autônomas, distintas uma da outra com base no fato constitutivo admitido pela lei (nulidade por dolo, por violência, por erro, por impotentia coeunid ou generandi etc); já as impugnações da decisão judicial são indissoluvelmente ligadas a um processo no qual a própria decisão se forma, são preordenadas à melhor justiça dessa decisão, e, então, em um sentido amplo, são elementos da formação da própria decisão judicial.

    Não obstante as decisões judiciais sejam proferidas com vocação à estabilidade, proporcionando um marco adequado ao princípio básico da segurança jurídica, a norma jurídica processual deve oferecer meios para que as partes possam solicitar, dentro dos limites necessários, a revogação ou modificação das referidas decisões quando concorram as causas que a lei processual estabelece.

    Não há dúvida de que um sistema que se assenta no princípio da irrecorribilidade das decisões judiciais gera, ainda que pareça o contrário, maior insegurança que outro que autoriza os recursos com a amplitude suficiente e prudente.¹⁰

    Dentre os problemas fundamentais para a construção de um justo processo, encontra-se justamente a necessidade de se levar em consideração e de se satisfazer, dentro de e em determinados limites, duas exigências que são, de certa forma, contrastantes: de um lado está a exigência de não se permitir que a questão se resolva apenas através de um primeiro julgamento, na possibilidade de que este juízo possa estar viciado por algum erro, ou simplesmente pelo fato de que este julgamento não seria justo. Isso dá lugar à oportunidade de encaminhar a questão a outro juízo, em relação ao qual, por sua vez, poderão surgir as mesmas dúvidas e as mesmas exigências, com a consequente ulterior oportunidade de outros juízos, em uma série infinita de julgamento; por outro lado, temos uma exigência contrária que é imposta pela necessidade de se conseguir aquilo que é o escopo fundamental principalmente do processo de conhecimento, ou seja, a certeza; a exigência, em suma, de se considerar o julgamento como não repetível e o seu resultado como definitivo.¹¹

    Todos os ordenamentos jurídicos modernos procuram resolver esse dilema por meio de uma solução de compromisso, ou seja, mediante a estabilidade da decisão, não sendo mais possível a repetição do julgamento após a oportunização de apenas uma possibilidade de sua renovação (duplo grau de jurisdição).

    Há também a possibilidade de se renovar a decisão proferida por meio de demandas autônomas ou, ainda, mediante a rescisão do julgamento através da demanda rescisória.¹²

    Portanto, a impugnação de uma decisão poderá ser feita por meio de recuso ou de demanda autônoma.

    Por impugnação entende-se o o instrumento colocado à disposição de uma parte interessada a solicitar a remoção de um provimento a essa prejudicial. Os ‘meios de impugnação’ são instrumentos processuais oferecidos às partes para levar a questão ao exame de um diverso juízo, e, em alguns casos, ao mesmo juiz: pode considerar-se como um remédio concedido pela lei à parte para solicitar a reforma de um provimento que essa entende como injusto ou ilegítimo¹³

    Na concepção de José Mª Asencio Mellado, por meio de impugnação entende-se aquele conjunto de instrumentos que, considerados em sentido amplo, são oferecidos às partes pela lei com o fim de que possam combater e, se for o caso, obter a modificação de uma determinada decisão judicial ou do Secretário judicial que consideram não ajustada ao direito e que, por tal razão, estimam que lhes produziu um prejuízo ou não lhes outorgou o benefício solicitado (art. 448,1).¹⁴

    A expressão impugnação, segundo Crisanto Mandrioli, apresenta, na realidade, uma dimensão muito ampla e uma gama de significados que devem ser analisados: Sob um aspecto generalíssimo, a impugnação éuma contestação que poderá ter objeto não apenas um provimento (de um juiz ou de outro órgão jurisdicional) mas, também, mais genericamente, um ato. Quando tem por objeto um ato, a impugnação tende a por em evidência um defeito ou, como se pode dizer, um vício de tal ato. Quando tem por objeto um provimento, e em particular o provimento de um juiz, pode, de um lado, tender à pura e simples eliminação daquele provimento e, por outro lado, tende a substituir tal provimento com um outro provimento, o que advém com um conjunto de renovação do juízo que deu lugar ao provimento anterior. Limita-se o discurso a esta hipótese (contestação de um provimento de juiz), dando ensejo às seguintes sucintas observações: a) a impugnação pressupõe a existência de um provimento em relação ao qual a parte impugnante possa lamentar um prejuízo; b) com a expressão ‘impugnação’ ou ‘meio de impugnação’ entende-se ulterior fase de julgamento na qual retorna em discussão o objeto do provimento impugnado ou o próprio provimento...c) em ambos significados, a impugnação pode ser referida, num primeiro sentido amplo, genericamente, a todo tipo de provimento não somente decisórios mas também ordinatórios, definitivo ou não definitivo e, em sentido mais estrito, especificamente ao provimento que tipicamente encerra uma fase do juízo de cognição, ou seja, a sentença.¹⁵

    Segundo Mandrioli, a impugnação específica de decisões judiciais, tendo em vista que apresenta caráter de ato introdutivo de um novo julgamento, não constitui exercício de uma ação diversa daquela já exercitada na fase que deu lugar ao provimento impugnado. O poder de impugnação seria, de fato, um dos poderes pertencentes à série, que no seu complexo, compõe o exercício da ação e da defesa. Encontra-se na faculdade de a parte exercitar ou não exercitar este poder: se o exercita, introduz a nova fase de julgamento, a qual, por sua vez, pode ser seguida por outra ulterior fase até o exaurimento da série das possibilidades de impugnações.¹⁶

    Tudo isso faz com que se defina que a série de impugnações previstas em determinado direito positivo (que de fato se trata de uma série limitada), é o instrumento técnico pelo qual o ordenamento se serve para alcançar a incontroversa da decisão judicial, seja por meio do exercício efetivo da integralidade da série das impugnações, seja por meio implícito da aceitação da decisão, em razão da falta do exercício da impugnação.¹⁷

    A maneira de se classificar concretamente as impugnações das decisões apresenta-se de modo distinto para cada direito positivo, pois, de todos os tipos de teorias sobre impugnação que se pode apresentar, cada ordenamento jurídico elege aquelas que lhe parece de inserção necessária em relação à administração da justiça.¹⁸

    Conforme já teve oportunidade de afirmar Andrea Proto Pisani, os meios de impugnação constituem o remédio típico e frequentemente único por meio do qual se provoca o controle sobre a validade e sobre a justiça das decisões.¹⁹

    A possibilidade de se impugnar a decisão (interlocutória ou sentença) proferida por um determinado órgão jurisdicional, a fim de que seja reavaliada a questão por outro órgão jurisdicional cuja competência é estabelecida na Constituição Federal ou em lei, é garantir no processo o efetivo contraditório e a ampla defesa, resguardar, portanto, o direito de ação e o direito de defesa.

    Disso resulta a notável diferença das espécies ‘meios de impugnação’ em relação ao genus ‘impugnação’, que compreende genericamente quaisquer meios de ataque direto à eliminação de um ato jurídico.²⁰

    Observam-se duas formas específicas de impugnação da decisão; uma que se dá por meio do sistema recursal; outra que ocorre através de ações (demandas) autônomas de impugnação. As raízes históricas dessa dicotomia de impugnação provêm da Roma antiga, que ao lado da appellatio, protótipo dos recursos, permitia também a restitutio in integrum, na qual se poderíam identificar traços assimiláveis aos das modernas demandas de impugnação.

    Há vozes que tentam diferenciar a demanda de impugnação dos recursos com base na existência ou não de coisa julgada. Se já houve coisa julgada, caberá a demanda de impugnação; porém, se ainda não houve, é cabível o recurso.

    No direito italiano, a doutrina distingue os meios de impugnação em ordinários, quando são propostos somente contra a sentença não transitada em julgado, e extraordinários, quando proponíveis também contra a coisa julgada.²¹

    Em relação ao nosso sistema jurídico brasileiro, a distinção não se apresenta tão nítida assim. Muito embora o recurso seja interposto anteriormente à formação da coisa julgada, o inverso não é verdadeiro. Existem demandas autônomas de impugnação oponíveis contra decisões não transitadas em julgado. É o que ocorre, por exemplo, com o mandado de segurança contra ato jurisdicional, bem como com o instituto da reclamação.

    Na concepção de Andrea Proto Pisani, analisando o art. 323 do C.P.C. italiano, os recursos de apelação, recurso de cassação, revogação, oposição de terceiro, caracterizam-se pelos seguintes requisitos: a) diferentemente da demanda judicial, dirigem-se contra um provimento do juiz; b) o provimento do juiz contra o qual se dirigem é a sentença, não a ‘ordinanza’; c) legitimados a impugnar normalmente são somente aqueles que assumiram a qualidade de parte no grau do juízo em que se concluiu com a sentença que se pretende impugnar; excepcionais são as hipóteses em que o legitimado a impugnar é um terceiro ou o Ministério Público que não tenha participado da demanda; d) a legitimação ou interesse para impugnar deriva da sucumbência.²²

    Em termos genéricos, numa prospectiva geral, impugnação designa qualquer meio de contestação de um ato jurídico, direto a eliminar-lhe os efeitos. Se a impugnação tem por objeto um provimento judicial decisório, ela passa a assumir, todavia, uma qualificação mais precisa, configurando-se como um remédio ou instrumento que tem por função assegurar o controle da legitimidade e da justiça da decisão. Nessa hipótese, o ‘meio de impugnação’ pode ser direto apenas para eliminar o provimento inválido, injusto ou não conforme a lei ou ser direto também para substituí-lo por meio de outro provimento, seguido do reexame integral da matéria substancial controvertida. Num e noutro caso, permanece evidente a função de controle da decisão contestada, aspirando-se a um provimento mais justo, correto e não mais contestável.²³

    O nosso ordenamento jurídico apresenta uma série de meios processuais para a impugnação de decisões judiciais, sendo que os mais utilizados são, sem dúvida, o agravo de instrumento e a apelação interpostos, respectivamente, contra decisão interlocutória e sentença.

    O mesmo ocorre no direito italiano, cujo objeto de impugnação são as sentenças e todos os provimentos de conteúdo decisórios ainda que,por determinação legal, tenham uma forma diversa daquela das sentenças (v. art. 111 da Constituição italiana). Não são admitidos os meios de impugnação indicados pela norma contra as ‘ordinanze’. (Cass. 28.8.97, n. 8158).

    Os atos praticados pelo juiz, nos termos do art. 203 do atual C.P.C. brasileiro, são as sentenças, as decisões interlocutórias e o despacho.

    Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487 do novo C.P.C., põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. Inclui-se também nessa definição os acórdãos que decorrem do julgamento proferido pelos tribunais.

    Decisão interlocutória, por sua vez, é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre na definição de sentença.

    Já os despachos são todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte.

    Por sua vez, os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário.

    De imediato pode-se afirmar que todos os despachos, assim como os atos ordinatórios de mero expediente, não estão sujeitos a impugnação recursal.

    Algumas decisões interlocutórias, como as descritas no art. 1.015 do atual C.P.C., estão sujeitas ao agravo de instrumento.

    É bem verdade que o conceito de decisão é um conceito genérico no qual pode inserir-se o conceito de sentença, de acórdão e também de decisão interlocutória.

    As sentenças proferidas pelos juízes de primeiro grau podem ser objeto de impugnação por meio da apelação.

    Há, ainda, no âmbito das impugnações, a denominada correição parcial ou reclamação.

    Segundo Nery Júnior, a correição parcial é uma medida administrativa ou disciplinar destinada a levar ao conhecimento do tribunal superior a prática de ato processual pelo juiz, consistente em error in procedendo que conduz à inversão tumultuária do processo, quando para o caso não existir um recurso previsto em lei processual. A correição parcial tem por finalidade fazer com que o tribunal corrija o ato que subverteu a ordem procedimental.²⁴

    É certo que se a decisão for de tal forma ilegal ou que possa configurar abuso de poder, existe a via extrema do mandado de segurança, medida constitucional e legal que substitui, com vantagem, a correição parcial, desde que a decisão não tenha transitado em julgado.²⁵

    Portanto, são diversos os meios de impugnação de decisões judiciais proferidas no âmbito do processo jurisdicional brasileiro, sendo ainda o mais comum desses meios a interposição de recursos previstos em normas processuais.


    ⁷ SATTA, Salvatore. Dirittoprocessualecivile. Sesta edizione riveduta e correta. Padova: CEDAM, 1959, p. 327 e 328.

    É certo, porém, que no âmbito do processo civil brasileiro encontra-se a possibilidade de se impugnar decisões judiciais por meio de ação autônoma, conforme se verifica nos casos de homologação de sentença e na hipótese em que há estabilização da tutela provisória de urgência antecipada antecedente.

    ⁸ SATTA, S., idem, p. 328.

    ⁹ MELLADO, José Mª Asencio. Derechoprocesalcivil. Valencia: Tirant lo Blanch, 2008. p. 197.

    ¹⁰ MELLADO, J. Mª. A. idem, ibidem.

    ¹¹ MANDRIOLI, Crisanto. Corso di dirittoprocessuale civile – il di cognizione. Quinta edizione. Torino: G. Giappichelli Editore, 2006. p. 235 e 236.

    ¹² A ‘ação rescisória’, posto seja um ‘remédio processual’ – porque se insere entre os meios capazes de produzir a cassação de um ato judicial – não integra o conceito de ‘recurso’porque não se destina a evitar a preclusão, mas a atacar a sentença de mérito já atingida por esta. Seja lembrado, como Pontes de Miranda, que ‘há mais meios de impugnação do que recursos, posto que todo recurso seja meio de impugnação. Não é como o similar italiano, a ‘revocazione straordinaria’, que desempenha a função da ação rescisória brasileira, mas recebe da lei a configuração de recurso; a noção de recurso não coincide por inteiro, em razão disso, no processo civil brasileiro e no italiano. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Os efeitos dos recursos. In: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. Coord.: Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002. p. 28).

    ¹³ ARIOLA, Luca; CAIRO, Antonio; CIAFARDINI, Luciano; CRESCENZO, Matteo de; GIORDANO, Luigi; PELLECCHIA, Roberto; PELUSO, Roberto; SCOGNAMIGLIO, Paolo; TARASCHI, Cesare. Codice diprocedura civile operativo. Napoli: Edizioni Giuridiche Simone, 2015. p. 323.

    ¹⁴ MELLADO, J. Mª A., op. cit., p. 197.

    ¹⁵ MANDRIOLI, C., op. cit., p. 237.

    ¹⁶ MANDRIOLI, C., idem, ibidem.

    ¹⁷ MANDRIOLI, C., idem, p. 238.

    ¹⁸ Todas as legislações se movem sobre a base de que a impugnação processual é uma figura admissível, porém que tem que ser limitada, porque a instauração de uma cadeia ilimitada de recursos traria consigo a impossibilidade de assegurar definitivamente os resultados processuais, o que se oporia à ideia da coisa julgada, especialmente a coisa julgada formal, que atribui a condição de irrecorribilidade de uma decisão judicial. (PISANI, Andrea Proto. Lezioni di diritto processuale civile. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1999. p. 437).

    ¹⁹ PISANI, A. P. idem. p. 482.

    ²⁰ PISANI, A. P., idem, ibidem.

    ²¹ ARIOLA, L.; CAIRO, A.; CIAFARDINI, L.; CRESCENZO, M.; GIORDANO, L.; PELLECCHIA, R.; PELUSO, R.; SCOGNAMIGLIO, P.; TARASCHI, C., op. cit., p. 323.

    ²² PISANI, A. P., op. cit., p. 482.

    ²³ COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. Il processo ordinario di cognizione. Bologna: Il Mulino, 2006. p. 589.

    ²⁴ NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 99.

    ²⁵ NERY JUNIOR, N., idem, p. 101.

    2.

    O Pedido de Reconsideração como Meio de Impugnação

    Alguns operadores do direito sustentam que a decisão judicial interlocutória proferida em processo jurisdicional pode ser objeto de pedido de reconsideração, que, segundo Nelson Nery Júnior, tem previsão legal no art. 220 do Código de Divisão de Organização Judiciária do Rio de Janeiro, com a redação dada pela Lei 2.727/79, quando estabelece que o prazo para apresentar reclamação conta-se a partir da publicação do despacho que indefere o pedido de reconsideração. Prevê essa possibilidade também no art. 527, p.u., com a redação dada pela Lei 11.187/05, do C.P.C. de 1973.²⁶

    O pedido de reconsideração é formulado pela parte a fim de que o juiz modifique decisão interlocutória proferida no âmbito da relação jurídica processual.

    Os operadores do direito, de uma maneira geral, têm se utilizado desse instrumental pragmático, muito embora seja discutível a eficácia de alguns eventuais efeitos jurídicos desejados pela interposição do pedido de reconsideração.

    É certo que o magistrado poderá rever sua decisão em face dos argumentos formulados no pedido de reconsideração, desde que haja fundamento importante para reconsiderar a decisão interlocutória anteriormente proferida.

    Porém, os tribunais não admitem o pedido de reconsideração como sucedâneo de recurso. Quando muito, o Superior Tribunal de Justiça, mediante a aplicação do princípio da fungibilidade, tem convertido o pedido de reconsideração em agravo interno. Nesse sentido, eis os seguintes precedentes:

    1. Consoante os princípios da instrumentalidade das formas e da fungibilidade recursal, é possível o recebimento do pedido de reconsideração como agravo regimental, desde que a irresignação tenha sido apresentada no prazo do recurso cabível. Precedentes.

    2. De acordo com a jurisprudência do STJ, são descabidos os embargos de divergência para o enfrentamento de temática que sequer foi suscitada no julgamento do recurso especial, tratando-se de inovação atingida pela preclusão consumativa.

    3. Pedido de reconsideração recebido como agravo regimental a que se nega provimento.

    (RCD nos EREsp 1302516/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015, DJe 29/04/2015)

    1. Muito embora não previsto no ordenamento jurídico pátrio, o pedido de reconsideração para impugnar decisão monocrática proferida em recurso no âmbito do Superior Tribunal de Justiça vem sendo admitido pela jurisprudência desta Casa, em homenagem aos princípios da fungibilidade e economia processual, como agravo regimental, desde que não decorra de erro grosseiro ou de má-fée seja apresentado tempestivamente. Precedentes. (RCD no AREsp 603.807/AP, Rel. MinistroLUISFELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 13/02/2015)

    2. A apresentação do pedido de reconsideração após o prazo recursal de 5 (cinco) dias (art. 258 do RISTJ) atrai o não conhecimento do recurso, por intempestividade.

    Pedido de reconsideração não conhecido.

    (RCD no AREsp 656.465/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/04/2015, DJe 20/04/2015)

    Contudo, fora dessa hipótese, o S.T.J. não tem admitido o pedido de reconsideração, justamente por lhe faltar previsão legal. Nesse sentido eis o teor dos seguintes precedentes:

    1. Os embargos de declaração não indicam a ocorrência de nenhuma das hipóteses do art. 619 do Código de Processo Penal, cuidam, na verdade, de expresso pedido de reconsideração, o que não é cabível, ante a ausência de previsão legal ou regimental, mormente em se tratando de julgados colegiados.

    2. De acordo com a pacífica jurisprudência desta Corte, a publicação do acórdão que nega provimento à apelação do Ministério Público, no caso, interposta contra a sentença condenatória, não constitui novo marco interruptivo da prescrição.

    3. Embargos de declaração rejeitados.

    (EDcl no AgRg no REsp 1382632/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 06/05/2015).

    1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é incabível a interposição de pedido de reconsideração contra decisão colegiada em virtude da ausência de previsão legal e regimental.

    2. Pedido não conhecido.

    (RCD no AREsp 104.474/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 27/04/2015).

    É importante salientar que mesmo sendo juridicamente admitida a interposição do pedido de reconsideração, essa maneira informal de se requerer a revisão de decisão judicial monocrática não suspende o prazo para a interposição do respectivo recurso cabível, geralmente a interposição do recurso de agravo de instrumento ou de agravo interno. Nesse sentido, eis os seguintes precedentes:

    1. Embora tenha a defesa protocolizado pedido de reconsideração, cumpre observar que o pleito não tem o condão de interromper ou suspender o prazo para interposição do recurso cabível.

    2. Agravo regimental improvido.

    (AgRg no AREsp 544.115/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe 03/02/2015).

    1. O pedido de reconsideração, por não ser qualificado como recurso, não interrompe nem suspende o prazo para interposição do recurso cabível.

    2. Epacífico o entendimento desta Corte no sentido de que o único recurso cabível contra a decisão que inadmite recurso especial é o previsto no art. 544 do CPC, sendo, portanto, intempestivo o agravo nos próprios autos.

    3. Agravo regimental a que se nega provimento.

    (AgRg no AREsp 402.076/RJ, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 10/12/2013, DJe 18/12/2013).

    É bem verdade que estabelecendo o novo C.P.C. hipóteses bem reduzidas para a interposição do agravo de instrumento contra decisão interlocutória proferida pelo juízo de primeiro grau, conforme previsão estabelecida no art. 1.015 do novo C.P.C., o pedido de reconsideração de decisões interlocutórias que não permitem a interposição do agravo de instrumento (podendo ser alegadas como preliminar de apelação) poderá ser muito mais utilizado, especialmente nas questões de deferimento ou indeferimento de meios probatórios.

    O S.T.J. pacificou entendimento sobre a impossibilidade de recebimento de embargos de declaração, quando possuírem nítida pretensão infringentes, como mero pedido de reconsideração e, por consequência, sem interrupção de prazo para futuros recursos. Sobre o tema, eis o seguinte precedente:

    RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECEBIMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM PEDIDO DE EFEITO MODIFICATIVO COMO MERO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 538 DO CPC. RECURSO PROVIDO.

    1. Configura violação ao art. 538 do CPC o recebimento de embargos de declaração como mero pedido de reconsideração, ainda que contenham nítido pedido de efeitos infringentes. 2. Tal descabida mutação: a) não atende a nenhuma previsão legal, tampouco aos requisitos de aplicação do princípio da fungibilidade recursal; b) traz surpresa e insegurança jurídica ao jurisdicionado, pois, apesar de interposto tempestivamente o recurso cabível, ficará à mercê da subjetividade do magistrado; c) acarreta ao embargante grave sanção sem respaldo legal, qual seja a não interrupção de prazo para posteriores recursos, aniquilando o direito da parte embargante, o que supera a penalidade objetiva positivada no art. 538, parágrafo único, do CPC. 3. A única hipótese de os embargos de declaração, mesmo contendo pedido de efeitos modificativos, não interromperem o prazo para posteriores recursos é a de intempestividade, que conduz ao não conhecimento do recurso. 4. Assim como inexiste respaldo legal para se acolher pedido de reconsideração como embargos de declaração, tampouco há arrimo legal para se receber os aclaratórios como pedido de reconsideração. Não se pode transformar um recurso taxativamente previsto no art. 535 do CPC em uma figura atípica, pedido de reconsideração, que não possui previsão legal ou regimental. 5. Recurso especial provido.

    (REsp 1.522.347-ES, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 16/9/2015, DJe 16/12/2015).

    No voto do Relator, Min. Raul Araújo, encontra-se a seguinte fundamentação:

    Com a devida vênia dos de entendimento contrário, a melhor interpretação é a que segue o comando na regra processual do art. 538 do CPC, por afastar a insegurança jurídica causada pela aplicação de interpretação, de construção meramente jurisprudencial, sem efetivo apoio legal. Os embargos de declaração são um recurso taxativamente previsto na Lei Processual Civil e, ainda que contenham indevido pedido de efeitos infringentes, não se confundem com mero pedido de reconsideração, este sim, figura processual atípica, de duvidosa existência. Não se trata, frise-se, de aplicação do princípio da fungibilidade recursal, que levaria a que os aclaratórios fossem recebidos como outro recurso mas não como mero pedido de reconsideração, que não é recurso. Vale destacar, na doutrina, as lições de Araken de Assis, acerca do princípio da fungibilidade recursal: Conforme se realçou anteriormente, o princípio da fungibilidade se aplicará nos casos em que haja dúvida objetiva acerca da admissibilidade de certo recurso. Essa espécie de dúvida há de ser atual, pois o direito evolui e problemas que já se mostraram agudos acabam resolvidos pela jurisprudência dominante, e fundada em argumentos respeitáveis. O erro inexplicável revela-se insuficiente para subtrair do recorrido o legítimo direito a um juízo de inadmissibilidade do recurso impróprio. Na incidência do princípio da fungibilidade, todavia, a reminiscência algo longínqua do art. 810 do CPC de 1939 exerce, paradoxalmente, flagrante atração. A regra subordinava o conhecimento do recurso impróprio à inexistência de má-fé ou de erro grosseiro. Transparece nos julgados, principalmente, a influência decisiva do erro grosseiro. É irrelevante, ao invés, a má-fé. A parte pode interpor o recurso próprio e, nada obstante, recorrer de má-fé – praticando o ato com intuito protelatório (art. 17, VII). A sanção para tais recursos se encontra no art. 18. Na linha preconizada no direito derrogado, proclamou a 1ª Turma do STJ: A adoção do princípio da fungibilidade exige sejam presentes: a) dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto; b) inexistência de erro grosseiro, que se dá quando se interpõe recurso errado quando o correto encontra-se expressamente indicado na lei e sobre o qual não se opõe nenhuma dúvida; c) que o recurso erroneamente interposto tenha sido agitado no prazo do que se pretende transformá -lo. (in Manual dos Recursos, 6ª ed. revista, atualizada e ampliada, Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2014, p. 106). Assim, com arrimo na doutrina transcrita, deve-se reconhecer que os embargos de declaração, com pedido de efeitos infringentes, tempestivamente apresentados não devem ser recebidos como pedido de reconsideração , porque tal mutação não atende a nenhuma previsão legal, tampouco a requisito de aplicação de princípio da fungibilidade, pois este último (pedido de reconsideração) não é recurso, não havendo dúvida objetiva sobre qual o recurso cabível, sendo inviável falar-se em erro grosseiro ou em apresentação no mesmo prazo recursal. Ademais, no sentido oposto, a jurisprudência desta eg. Corte é firme pela impossibilidade de recebimento de mero pedido de reconsideração como embargos de declaração, por ausência de previsão legal e porque tal constitui um erro grosseiro. Nesse sentido, confira-se: PETIÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO. DESCABIMENTO. ERRO GROSSEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. 1. Nos termos da consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, revela-se manifestamente incabível a interposição de pedido de reconsideração contra decisão colegiada, ante a ausência de previsão legal e regimental. 2. O recebimento do pedido como embargos de declaração também revela-se inviável, uma vez que, tratando-se de erro grosseiro, fica afastada a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. 3. Pedidos de reconsideração não conhecidos. (Pet no AREsp 6.655/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em F/10/2013, DJe de 15/10/2013 – grifou-se). Ora, se inexiste respaldo legal para receber-se o pedido de reconsideração como embargos de declaração, é evidente que não há arrimo legal para receber-se os embargos de declaração como pedido de reconsideração. Não se pode transformar um recurso taxativamente previsto em lei (CPC, art. 535) numa figura atípica, pedido de reconsideração, que não possui previsão legal ou regimental. Ademais, a possibilidade de o julgador receber os embargos de declaração, com pedido de efeito modificativo, como pedido de reconsideração traz enorme insegurança jurídica ao jurisdicionado, pois, apesar de interposto tempestivamente o recurso cabível, ficará à mercê da subjetividade do magistrado. Nesse sentido, destaca-se o seguinte excerto do judicioso voto condutor do já invocado REsp 1.213.153/SC, de relatoria do eminente Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado pela Primeira Turma, em 15/9/2011, DJ de 10/10/2011: 12. Outrossim, condicionar o recebimento dos Embargos de Declaração ao convencimento do Magistrado acerca da possibilidade ou não de produção dos efeitos infringentes cria insegurança jurídica para o recorrente, que poderá ser surpreendido com a não interrupção do prazo para os demais recursos, como aconteceu no presente caso. Incide aqui a proteção da confiança como corolário da segurança jurídica. 13. Por fim, a modificação do julgado por meio dos Embargos de Declaração somente acontecerá caso ele seja omisso, obscuro ou contraditório, de sorte que, a partir de sua integração, o fundamento desta acarrete, necessariamente, a alteração da decisão. Se não houver vício a ser sanado, mas, apenas, a pretensão do recorrente em rediscutir a decisão, a única penalidade cabível será, conforme o caso, a multa prevista no art. 538, parág. único, e, mesmo nessa hipótese, a interrupção do prazo para os demais recursos é impositiva. 14. Assim, a razoabilidade impõe ao Magistrado que, caso necessário, aplique referida penalidade, ao invés de transmudar um recurso expressamente previsto em lei para um sucedâneo recursal e, como conseqüência, prejudicar o recorrente com a não interrupção do prazo para os demais recursos. Realmente, o surpreendente recebimento dos aclaratórios como pedido de reconsideração acarreta para o embargante uma gravíssima sanção sem previsão legal, qual seja a não interrupção de prazo para posteriores recursos, fazendo emergir preclusão, o que supera, em muito, a penalidade prevista no parágrafo único do art. 538 do CPC. A inesperada perda do prazo recursal é uma penalidade por demais severa, contra a qual nada se poderá fazer, porque encerra o processo. Nessa linha de intelecção, o recebimento dos aclaratórios como pedido de reconsideração aniquila o direito constitucional da parte ao devido processo legal e viola, ainda, o princípio da proibição da reformatio in peius. Inexiste maior prejuízo para a parte do que a perda da possibilidade de recorrer, assegurada na lei processual, apresentando seus argumentos às instâncias superiores, no fito legítimo de buscar a reforma de julgado que entende equivocado. Por sua vez, o Código de Processo Civil já estabelece no parágrafo único do art. 538 a penalidade cabível quando o jurisdicionado desvirtua a função dos embargos de declaração, qual seja, as multas. Assim, o recebimento dos aclaratórios como pedido de reconsideração padece de, ao menos, duas manifestas ilegalidades, sendo a primeira a ausência de previsão legal para tal sanção subjetiva, e a segunda, a não interrupção do prazo recursal", aniquilando o direito da parte embargante e ignorando a penalidade objetiva, estabelecida pelo legislador no parágrafo único do art. 538 do CPC.

    Portanto, é discutível juridicamente a existência em nosso ordenamento jurídico do denominado pedido de reconsideração como sucedâneo de recurso.

    Admitida a possibilidade de formulação de pedido de reconsideração, algumas considerações jurídicas devem ser feita: a) não poderá ser objeto de pedido de reconsideração decisãopreclusapro iudicato, ou seja, que não foi objeto do competente recurso cabível, sob pena de se ferir o princípio da segurança jurídica; b) sendo cabível o pedido de reconsideração contra decisão sem preclusãopro iudicato, deverá o magistrado, antes de avaliar a decisão impugnada, ofertar o contraditório à parte contrária para que se manifeste sobre o pedido de reconsideração.


    ²⁶ Opedido de reconsideração existiu na vigência das Ordenações Filipinas (Livro III, título 65, §2°), tendo sido mantido pela Consolidação Ribas (arts. 504 e 505) e por alguns Códigos estaduais (Rio Grande do Sul, art. 508; Paraná, art. 240, ‘caput’; Ceará, art. 336, ‘caput’; Minas Gerais, art. 160; Rio Grande do Norte, art. 90, III, b). Convivia lado a lado com o recurso de agravo, podendo a parte optar entre um e outro remédio. Sua finalidade era a revogação de decisão interlocutória, sendo cabível desde que preenchidas algumas condições. Nãopoderia ser revogada mais de uma vez. A lei não lhe dava, ainda, o nome de ‘pedido de reconsideração’, mas o exame das disposições reguladoras da revogação das interlocutórias pelo juiz nos dá a certeza de que se tratava, mesmo, do instituto ora analisado. (NERY JUNIOR, N., idem, p. 102).

    3.

    Vícios da Decisão Judicial

    Segundo uma divisão tradicional, os vícios que podem afetar determinada decisão judicial, e, consequentemente, justificar a sua impugnação, distinguem-se em error in procedendo e em error in iudicando. O primeiro diz respeito à violação de norma processual ou procedimental, enquanto que o segundo está vinculado à violação de normas substanciais ou a determinado critério de julgamento.

    O error in procedendo ou vício de atividade determina a invalidade da decisão. Esse vício pode consistir-se: a) na falta de requisito formal não sanado ou não sanável: defeito de jurisdição, de competência, de legitimação para agir, de litisconsórcio necessário, de interesse de agir etc; b) nas nulidades formais não sanadas que por força do princípio da extensão das nulidades aos atos dependentes (art. 281 do atual C.P.C. brasileiro) atinjam a decisão impugnada; c) em vícios atinentes à própria decisão, isto é, em defeito de condições extraformais ou de requisitos formais próprios da decisão.²⁷

    O error in iudicando ou vício de juízo promove a violação de norma substancial e a injustiça da decisão. Esse vício atinge diretamente, para adotar a expressão de Calamandrei, a operação lógica destinada a determinar qual é a vontade concreta do Direito que irá regular o caso controvertido. Pode consistir: a) em erros na individuação e/ou na interpretação da norma jurídica: em erros relativos à questão jurídica; b) em erros cometidos no acertamento dos fatos controvertidos (ou a acertar); em erros relativos à questão de fato.²⁸

    Em relação ao error in iudicando, anota Crisanto Mandrioli: (...) ou o provimento pode ser (ou ser) afirmado ‘simplesmente injusto’, ou seja, não afetado por um determinado erro de direito, epor isso imune a vícios, mas, todavia, injusto no seu conteúdo, na medida em que se assuma que isso decorre de uma injusta valoração da prova, dos fatos ou da referência dos fatos ao direito, ou, em geral, de tudo isso que, no âmbito do mérito do julgamento, é deixado à valoração mais ou menos discricionária do juiz.²⁹

    Historicamente, os instrumentos por meio dos quais se faz valer a invalidade da decisão, evoluíram da seguinte forma: inicialmente, o remédio utilizado era a ação de nulidade: imprescritível, suscetível de ser proposta por qualquer um que tivesse interesse e com conteúdo exclusivamente rescindente; b) sucessivamente, o sistema evoluiu prevendo o instituto da querela nullitatis, remédio específico utilizável contra as sentenças inválidas, sujeito a prazo, utilizável unicamente pela parte cujo dano era decorrente do vício (diremos hoje, somente pelo sucumbente prático), mas ainda com conteúdo exclusivamente rescindente; c) a última fase dessa evolução consistiu no prever qual o único remédio por meio do qual se faz valer o meio de impugnação à invalidade da decisão: remédio sujeito a prazo determinado, utilizável unicamente pela parte praticamente sucumbente, não apenas à eliminação, mas também à substituição da decisão.³⁰

    Para efeito de interposição do recurso não importa a qualidade do erro que foi acometida a decisão. Portanto, tanto o erro in procedendo, que enseja a anulação da decisão, quanto o erro iudicando, que enseja a correção e reforma da decisão, pode ser corrigível por meio do recurso.³¹

    No âmbito do direito espanhol, José Mª Asencio Mellado faz uma importante distinção entre ‘medio de impugnación’ e ‘medios degravamen, a saber: Constitui uma distinção já clássica aquela que diferencia entre meios de impugnação e meios de avaliação. Os meios de impugnação são aqueles recursos que têm por finalidade a correção de meras ‘ilegalidades’ e que são autorizados somente sobre a base da concorrência de determinados motivos expressamente taxados em lei. Por sua vez, meios de avaliação são os que tendem a reparar ‘injustiças’ ou, em outras palavras, remediar o gravame sofrido pela parte em face de uma sentença; por tal razão, não são limitados os motivos que justificam sua interposição e tendem a capacitar o tribunal a uma revisão ampla ou integral da matéria que tenha sido objeto do recurso. Porém, apesar da diferença existente entre ambos os tipos recursais, sua diferenciação geralmente é mais teórica que real, pois a regulamentação legal não corresponde nitidamente à sua conceituação....³²


    ²⁷ PISANI, A. P., op. cit., p. 485.

    ²⁸ PISANI, A. P., idem, ibidem.

    ²⁹ MANDRIOLI, C., op. cit., p. 243.

    ³⁰ PISANI, A. P., op. cit., p. 486.

    ³¹ NERY JUNIOR, N., op. cit., p. 205.

    ³² MELLADO, J. Mª A., op. cit., p. 198.

    4.

    Definição de ‘Recurso’

    Proferida e notificada a decisão, surge uma nova etapa do procedimento, na qual a decisão estará à mercê de impugnação de qualquer das partes.

    Essa prerrogativa de impugnação consiste na possibilidade de as partes interporem contra a decisão judicial os recursos correspondentes previstos na normatização processual.

    A palavra recurso advém do latim recursus, e significa a repetição de um caminho já percorrido. Esse significado já se encontrava previsto no direito romano, conforme se pode verificar pelo texto dos imperadores Diocleciano e Maximiano, compilado no Código de Justiniano.³³

    O atual C.P.C., seguindo metodologia então existente no C.P.C. de 1973, não define o que seja recurso, pois apenas indica expressamente, em seu art. 994, quais seriam os recursos cabíveis.

    A definição de recurso tornou-se uma incumbência da doutrina.

    Segundo anota Adolf Schönke, recurso é um meio de submeter uma resolução judicial, antes que adquira o caráter de coisa julgada, a um novo exame por uma instância superior, sustando, assim, a formação da coisa julgada. Esta suspensão da entrada na coisa julgada (efeito suspensivo) e a aquisição da competência por um Tribunal superior (efeito devolutivo) é o que caracterizam os recursos.³⁴

    O recurso tem por finalidade justamente evitar que a decisão se torne preclusa ou que esteja submetida à autoridade da coisa julgada.

    Para Leo Rosenberg, todo recurso é uma petição, de outorga de tutela jurídica contra uma ‘resolução’ que não há outorgado em todo ou em parte ao sucumbente.³⁵

    Para Pontes de Miranda, recurso é a impugnativa dentro da mesma relação jurídica processual.³⁶ Por isso o recurso prolonga a litispendência.³⁷

    A essa prorrogação da litispendência, a doutrina denomina de efeito obstativo do recurso.

    Segundo Eduardo J. Couture: "Los recursos son, genéricamente, hablando, medios de impugnación de los actosprocesales. Realizado el acto, laparte agraviada por él tiene, dentro de los límites que la ley le confiera, poderes de impugnación destinados a promover la revisión del acto y su eventual modificación. Tal como se decá en el pasaje de Ulpiano, ‘appellandi ussus... necessarius est quum iniquitatem judicatium, vel imperitiat corrigat. Esta proposición referente a la apelación es válida para todos los recursos procesales.

    Recurso quiere decir, literalmente, regreso al punto de partida. Es um re-correr, correr de nuevo, el camino ya hecho".³⁸

    Nelson Nery Junior define o recurso como o remédio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público ou de um terceiro, afim de que a decisão judicial possa ser submetida a novo julgamento, por órgão de jurisdição hierarquicamente superior, em regra, àquele que a proferiu.³⁹

    Assim, não será recurso, remédio algum cujo uso produza a instauração de processo distinto daquele em que se proferiu a decisão impugnada.⁴⁰

    Segundo Barbosa Moreira, pode-se definir recurso no direito processual civil brasileiro: como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna.⁴¹

    Diante dessa definição de recurso, percebe-se que não é qualquer decisão que pode ser objeto de recurso, mas sim aquela que ainda não transitou em julgado. Se já transitou em julgado, poderá ser objeto ou de demanda rescisória ou de nulidade. Por isso, a demanda rescisória não apresenta natureza recursal.

    4.1. Efeitos jurídicos de uma decisão submetida a recurso

    Conforme já teve oportunidade de afirmar Cândido Rangel Dinamarco, o que confere a um acontecimento da vida a conotação de juridicidade, fazendo dele um ato ou fato jurídico, é a capacidade que tenha de atuar sobre a esfera de direito das pessoas, seja para dar vida a uma relação jurídica ou para extingui-la ou modificá-la, ampliando-lhe ou reduzindo-lhe o objeto, dando-lhe novas feições. Daí por que os atos jurídicos processuais, como condutas humanas voluntárias realizadas no processo, destinam-se a produzir efeitos sobre uma especial relação entre sujeitos, que é a relação jurídica processual.⁴²

    E a decisão judicial, como ato jurídico processual, tem por finalidade justamente produzir efeitos sobre a esfera jurídica de outrem.

    Porém, decisão judicial desprovida de auctoritas rei iudicatae é uma decisão que de certa forma apresenta instabilidade jurídica, pois a prolação de um novo pronunciamento em grau recursal poderá retirar toda a aptidão da decisão anterior, evitando-se a coisa julgada. Segundo Eduardo J. Couture e Barbosa Moreira, várias e interessantes teorias têm sido propostas para explicar essa figura, a saber: "a) A sentença sujeita a recurso seria ato submetido a ‘condição resolutiva’: nasceria desde logo provida dos requisitos necessários para viver de maneira estável, mas exposta a perder a eficácia originária no caso de sobrevier novo pronunciamento... (concepção de Mortara, Kohler); b) utilizou-se também, para caracterizar a natureza da sentença passível de recurso, o conceito de ‘situação jurídica’, entendido como circunstância que, com o concurso de outras, pode gerar determinado efeito, mas permanece ineficaz se essas outras não se verificaram. A decisão do órgão inferior seria, então, menos uma sentença propriamente dita que mera ‘possibilidade de sentença’, à espera, para aperfeiçoar-se, de que fique em definitivo excluída a hipótese de novo pronunciamento (concepção de Chiovenda); c) de acordo com outra opinião, a sentença recorrívelseria ato em si perfeito, mas ‘sujeito a revogação’, ocorrendo esta apenas quando o órgão ‘ad quem’ a reformasse, não quando a confirmasse... (concepção de Hugo Rocco); d) éum ato imperativo, ainda que não imutável (Carnellutti); e) uma quarta explicação, que nos parece a preferível, com ressalva dos casos em que a lei, por exceção, antecipa ao trânsito em julgado a produção de efeitos – vê também, na sentença sujeita a recurso, um ato condicionado, porém esclarece que se trata, na verdade, de ‘condição suspensiva’: a decisão nasce com todos os requisitos essenciais de existência, mas tolhida em sua eficácia; a não-superveniência de outro pronunciamento, na instância recursal, é a condição legal negativa cujo implemento lhe permite irradiar normalmente os efeitos próprios... (Calamandrei)".’⁴³

    Na concepção de Eduardo J. Couture, deve-se ter em mente que a situação jurídica da decisão, especialmente da sentença, durante o prazo dentro do qual as partes podem interpor os recurso (quinze dias em regra no ordenamento jurídico brasileiro), é de caráter suspensivo (salvo se a lei não outorga tal efeito), pois dentro deste prazo a decisão é um ato jurídico submetido à condição suspensiva. Se o recurso não for interposto, a condição não se cumpre e o ato se considera puro e simples desde o dia de sua outorga. Assim, para Eduardo J. Couture, "se um imóvel for adquirido por um dos cônjuges imediatamente depois da sentença de divórcio, dentro do prazo de apelação, tal imóvel pertence à sociedade conjugal se houver a interposição do recurso de apelação, e ao cônjuge que o adquiriu se não for interposto recurso contra a decisão.⁴⁴

    Ainda, segundo Eduardo J. Couture, a situação jurídica de uma decisão quando se tenha interposto recurso de apelação, não é a de um ato jurídico perfeito, tendo em vista que constitui somente uma das etapas das duas ou mais etapas que constituem a obra da jurisdição. Assim, a unidade somente se logra mediante o acordo duplo de vontade originária e da vontade confirmatória. A vontade originária, por si só, não completa o ato; a vontade confirmatória, por si só, sem o antecedente da vontade originária, tampouco constitui o ato. Somente a vontade originária e a confirmatória o completam.⁴⁵


    ³³ NERY JUNIOR, N., op. cit. p. 198.

    ³⁴ SCHÖNKE, Adolf. Direito processual civil. Campinas: Editora Romana, 2003. p. 395. Evidentemente que no nosso ordenamento jurídico haverá recurso que não será julgado por uma instância superior, como ocorre com os embargos de declaração e os embargos infringentes nos embargos à execução fiscal.

    ³⁵ ROSENBERG, Leo. Tratado de derecho procesal civil. Trad. Angela Romera Vera. Tomo II. Buenos Aires, 1955. p. 349.

    ³⁶ Pontes de Miranda. Comentário ao C.P.C. de 1973. Tomo VIII. Rio de Janeiro: Forense, s/d., p. 277.

    ³⁷ Tal constatação chocava-se com a definição de sentença prevista no art. 162, §1º, do C.P.C. de 1972, segundo a qual, sentença seria o ato do juiz que punha fim ao processo.

    ³⁸ COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. 4ª edición. Buenos Aires: Editorial IBdeF, 2009. p. 277.

    ³⁹ NERY JUNIOR, N., op. cit., p. 202.

    ⁴⁰ BARBOSA MOREIRA, J. C., op. cit., p. 217.

    ⁴¹ BARBOSA MOREIRA, J. C., idem, ibidem.

    ⁴² DINAMARCO, C. R. , op. cit., p. 23.

    ⁴³ BARBOSA MOREIRA, J. C., idem, p. 220; COUTURE, E. J., op. cit., p. 279.

    ⁴⁴ COUTURE, E. J., idem, p. 279.

    ⁴⁵ COUTURE, E. J., idem, p. 279 e 280.

    5.

    Natureza Jurídica do Recurso

    Quanto à natureza jurídica do recurso, há aqueles que entendem que a interposição do recurso provoca a instauração de uma demanda distinta e autônoma em relação àquela que se vinha exercitando no processo (Betti,⁴⁶ Gilles,⁴⁷ Provinciali, Del Pozzo, Leone, Guasp, Mortara etc).⁴⁸

    Na concepção de Jaime Guasp e Pedro Aragoneses, o recurso pode ser caracterizado como um proceso de impugnación, ou seja, um processo especial que tem por finalidade depurar o resultado de um processo distinto. A impugnação processual não seria uma continuação do processo principal por outros meios, posto que o processo de impugnação apresenta caráter autônomo; é um processo independente com seu regime jurídico peculiar, isto é, com seus requisitos, procedimento e efeitos distintos das correspondentes categorias do processo a que se refere, o que não significa dizer que, ainda que seja um processo autônomo, não guarde conexão com o principal, pelo contrário. O processo de impugnação recebe, em geral, o nome de recurso. Entendida com essa amplitude, a categoria da impugnação processual tem, certamente, caráter doutrinário e não de direito positivo estrito.⁴⁹

    Os autores que compreendem o recurso como tendo natureza jurídica de uma ação autônoma fazem um paralelo entre o direito de ação e o de recorrer, identificando este último como sendo o exercício, após a decisão judicial, do próprio direito de ação. Para tanto, exigem a presença das condições da ação recursal, bem como dos pressupostos processuais.⁵⁰

    Porém, a maior parte da doutrina prefere caracterizar o direito de recorrer como simples aspecto do direito de ação exercido no processo (Ugo Rocco,⁵¹ Zanzucchi, Carnelutti, Mandrioli etc). Não obsta esse entendimento a interposição do recurso pelo réu, tendo em vista o caráter bilateral da ação.⁵²

    Como bem leciona Crisanto Mandrioli, Qualquer dessas impugnações, tendo em vista a característica de ato introdutivo de um novo julgamento, não constitui exercício de uma ação diversa daquela já exercitada na fase que deu origem à decisão impugnada. O poder de impugnação é, de fato, um dos poderes pertencentes à série que, no seu complexo, constitui o exercício da ação.⁵³

    Os recursos, de certa forma, apresentam as seguintes características: a) somente podem ser exercidos antes da preclusão ou do trânsito em julgado da decisão ; b) não promovem a instauração de uma nova demanda; c) caráter voluntário.

    É bem verdade que existe ainda no nosso ordenamento jurídico a remessa necessária prevista no art. 496 do atual C.P.C. Para alguns, o instituto jurídico previsto no art. 496 do novo C.P.C. não guarda natureza de recurso.

    Diante dessas características, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes conceituam o recurso como o meio voluntário de impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão.⁵⁴

    Apesar de o recurso ser uma atividade voluntária do recorrente, o certo é que ele também pode ser configurado como um ônus processual, pois se não recorrer, a decisão que lhe foi desfavorável transitará em julgado ou tornar-se-á preclusa e não poderá mais ser objeto de nova análise na mesma relação jurídica processual, gerando aquilo que se denomina de coisa julgada formal.⁵⁵

    Segundo Dinamarco, se o recurso não for interposto no prazo, ocorre a preclusão temporal e a decisão torna-se firme no processo. O grau máximo de imunização de decisões judiciárias a impugnações pelas partes é a coisa julgada formal, tradicionalmente referida pela doutrina como ‘praeclusio maxima’ e capaz de impedir, desde quando consumada, a admissibilidade de qualquer recurso.⁵⁶

    Porém, o ônus de recorrer sofre atenuações diante do reexame necessário, também conhecido como recurso de ofício, uma vez que nessa hipótese a sentença proferida somente transitará em julgado após ser reavaliada pelo tribunal de segundo grau.

    Há também outra atenuação ao ônus de recorrer quando se está diante de litisconsórcio necessário unitário, pois, nesse caso, mesmo que um dos litisconsortes não ingresse com o recurso, a decisão do tribunal, em razão do recurso interposto pelo outro litisconsorte, a todos vinculará.


    ⁴⁶ Nada obstante defender a posição de que o recurso é também uma ação, Betti não faz a ressalva de que tal ação não seria autônoma. Seu posicionamento é omisso quanto a este ponto, de onde é lícito concluir que adota a tese da autonomia da ação recursal em relação à ação da qual o recurso se originou... Quanto à lide recursal (Streitgegenstand eines Rechtsmittels), já que Betti qualifica o recurso como ação autônoma, defende o ilustre processualista italiano ser ela coincidente com a lide da ação principal, se sucumbente o autor, e o contrário, se perdedor o réu. Evidentemente, esta se examinando o recurso contra a sentença injusta, isto é, aquela onde se aponta um ‘error in iudicando’ do juiz. Quando, no entanto, o recurso tem por finalidade imputar defeito de ordem processual contido na decisão impugnada, a lide recursal não coincide com a lide principal. Nesta linha de raciocínio, observamos que podem ser o objeto do recurso não somente questões de direito material, mas também aquelas de índole eminentemente processual, onde a falha na decisão se constitui como um ‘error in procedendo’ (NERY JUNIOR, N., op. cit., p. 209).

    ⁴⁷ Chega ao requinte de conferir-lhe natureza constitutiva, já que, normalmente, tem a finalidade de desconstituir a decisão impugnada...Gilles não admite o recurso como uma sequência do procedimento,pois tem o seu próprio objetivo, diferente da finalidade da ação dita principal. O objeto litigioso (Streitgegenstand) na ação principal não coincide com o objeto litigioso do recurso (Streitgegenstand des Rechtsmittels) (NERY JUNIOR, N., idem, p. 211).

    ⁴⁸ BARBOSA MOREIRA, J. C., op. cit., p. 221.

    ⁴⁹ GUASP, Jaime; ARAGONESES, Pedro. Derechoprocesalcivil. Tomo II, Parte Especial. Séptima edición. Navarra: Thomson Civitas, 2006. p. 436.

    ⁵⁰ NERY JUNIOR, N., op. cit. p. 209

    ⁵¹ Doutrina Rocco que o direito de impugnar está compreendido no direito de ação. Nega, no entanto, autonomia a esta ação de impugnação, salientando que ela ‘pressupõe’sempre o exercício de outras faculdades que as normas processuais consideram cronologicamente precedentes ao recurso. (NERY Junior, N., idem, p. 213).

    ⁵² BARBOSA MOREIRA, J. C., op. cit., p. 221.

    ⁵³ MANDRIOLI, C., op. cit., p. 237.

    ⁵⁴ GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. Recursos no processo penal. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 30.

    ⁵⁵ Se as partes promovem voluntariamente execução à sentença de primeiro grau ou renunciam ao exercício do poder de impugnação, ou, ainda, se as impugnações forem exercitadas e foram exauridas no sentido de que o processo foi concluído, em todas estas hipóteses, a própria sentença adquirirá uma qualidade que consiste na sua normal inatacabilidade ou, segundo outros termos, torna-se incontroversa. Nenhuma outra fase de impugnação poderá substituir, modificar ou corrigir o ato sentença, do que deriva como consequência a inexistência de controvérsia sobre os efeitos de acertamento nesta contida... (COMOGLIO, L. P.; FERRI, C.; TARUFFO, M., op. cit., p. 592).

    ⁵⁶ DINAMARCO, C. R., op. cit., p. 26.

    6.

    A Essência do Recurso

    Segundo anota Rosenberg,⁵⁷ a essência do recurso está configurada por três aspectos:

    a) O primeiro, chamado efeito suspensivo, impede que se produza a autoridade de coisa julgada e serve para dar seguimento à controvérsia que foi instaurada. Por isso, não seriam recursos as demandas que visam a anular a sentença transitada em julgado, como ocorre com a demanda rescisória.

    Impedir-se-á a autoridade de coisa julgada sempre que o recurso tenha sido interposto e motivado dentro do prazo e na forma legal.

    É certo que pelo fato de que alguns meios de impugnação impedem o trânsito em julgado da sentença, surge o problema do valor jurídico da própria sentença no período em que está sujeita a recurso.

    Segundo Salvatore Satta, "porque a passagem em julgado é o pressuposto do valor da sentença como ato jurídico, não se pode duvidar que até aquele momento a própria sentença não possa ser normalmente invocada fuori delprocesso’, isto é, como regra vinculante da situação substancial, nem das partes nem dos terceiros ou nos confrontos entre eles. Deseja-se dessa afirmação estabelecer que a sentença, ‘como acertamento do direito’frequentemente não existe: essa seria um elemento de acertamento, que com o concurso de um outro elemento (o decurso do prazo), poderá promover o acertamento do direito (concepção de Chiovenda). Esta concepção parece impugnável em razão de vários argumentos, que se fundam sobre dados positivos que não podem ser descurados. Antes de tudo, existem casos em que a lei atribui à sentença pleno valor de ato jurídico no momento em que é publicada, como ocorre no tema de interdição ou da pronúncia de falência... A nós parece que não se pode desconhecer a perfeição da sentença, e então a sua existência como acertamento do direito, não obstante a sua mutabilidadepor efeito de determinadas impugnações. É verdade que a mutabilidade (em função das regras processuais às quais a sentença está sujeita) é um dado relevante ou irrelevante no que concerne aos fins que a lei positiva leva em consideração, sem que isso influa sobre a natureza da sentença, tornando-a menos sentença num caso do que no outro."⁵⁸

    b) O segundo, chamado efeito devolutivo, indica que sobre o conteúdo do recurso debruça-se a instância superior (em regra). Por isso, não seriam recursos a impugnação apresentada no cumprimento de sentença, assim como os embargos à execução de título executivo extrajudicial;

    c) O terceiro, chamado objetivo de exame sobre a justiça da decisão impugnada, preconiza que o inconformismo da parte recorrente se dá sobre a justiça da decisão, pois o fim último da atividade jurisdicional, segundo o Código Ibero-Americano de Ética Judicial, é justamente a realização da justiça por meio do direito.


    ⁵⁷ ROSENBERG, L., op. cit., p. 549.

    ⁵⁸ SATTA, Salvatore. Diritto processuale civile. Seta edizione riveduta e corretta. Padova: CEDAM, 1959, p. 332 e 333.

    7.

    Justificativas e Finalidades para a Evolução do Sistema Impugnativo Jurídico Processual

    Tem-se observado, seja numa avaliação histórica,⁵⁹ seja com base no direito comparado, que o legislador brasileiro, nos últimos tempos, vem realizando uma contínua evolução nos sistemas de impugnação, visando a melhorar os instrumentos processuais recursais, tentando conciliar a ampla defesa com a celeridade processual.

    Contudo, não se pode deixar de registrar as diversas dúvidas e incertezas que constantemente se apresentam diante das inovações e contradições que surgem com as modificações propostas nos sistemas de impugnação.

    Não obstante essas incertezas, que sem dúvida advirão com as reformas propostas, o certo é que há necessidade de se preservar e aprimorar os sistemas recursais, especialmente pelo fato de que há algumas ponderações que justificam a existência do duplo grau de jurisdição, a saber: a) numa primeira perspectiva, a falibilidade do conhecimento humano, em especial a possibilidade de erro que possa ser cometido pelo juiz ao decidir. É bem verdade, porém, que não se pode garantir que a decisão a ser proferida num segundo momento de julgamento possa conduzir a uma decisão mais justa e correta. Muito embora o juiz de segundo grau, em regra, seja mais velho, mais sagaz, apresenta, por vezes, mais títulos meritórios e esteja numa composição colegial e não unipessoal, como o juiz de primeiro grau, o que poderia significar maior garantia de correção do julgado, pode-se objetar que se assim for, o certo seria, para se conseguir de imediato a decisão mais justa e correta, que o julgamento fosse proferido unicamente e diretamente pelo órgão colegiado; b) numa segunda perspectiva, afirma-se que o exercício do meio de impugnação corresponderia à exigência da parte sucumbente, ou melhor, a um direito de defesa tendente a substituir a decisão desfavorável; contudo, também se pode objetar a essa afirmação, sob o argumento de que a consequência seria uma serie de impugnações sem limites, maculando o não menos importante princípio da celeridade processual.⁶⁰

    Conforme anotam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, "o duplo grau de jurisdição é uma exigência que decorre da natureza falível dos julgamentos humanos. É, pois, possível ocorrência de um erro judiciário que justifica a consagração da garantia do reexame da causa por um diferente tribunal, lançando sobre ela um novo olhar. E é a maior experiência do coletivo de juízes do tribunal superior que garante a maior probabilidade de acerto da decisão obtida nesta nova instância.

    Quando o tribunal ‘ad quem’ não deteta qualquer erro de julgamento, confirmando a decisão da lg instância, sem voto vencido, não existe fundamento racional bastante para se admitir novo recurso, abrindo-se um terceiro grau de jurisdição. É certo que o último tribunal desta série de dois também pode cometer um erro; mas essa possibilidade existe relativamente ao último julgamento feito, qualquer que seja o número de tribunais a integrar a série. Mesmo a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça já foi objeto de reponderação.

    A mera possibilidade de erro, imanente à condição humana, não pode servir de fundamento para se abrir a porta a um terceiro, a um quarto ou a um quinto graus de jurisdição, quando não existe qualquer indício ‘objetivo’ de poder ter sido cometido um erro, isto é, quando não há um conflito jurisprudencial (hoc sensu) entre as decisões das instâncias (art. 671°, n.s. l e 3), ou entre a decisão da Relação e outra decisão de uma das Relações ou do Supremo. O conflito jurisprudencial (lato sensu), criador da ‘dúvida razoável’ sobre a ocorrência de um erro de julgamento do último tribunal a pronunciar-se, é, pois, o único fundamento ‘geral’ aceitável para abertura de um terceiro grau de jurisdição".⁶¹

    Na realidade, as decisões do juiz proferidas no âmbito da atividade de gestão processual assentam, em boa medida, em ‘critérios de conveniência e de oportunidade. Consciente de que o juiz só poderá desenvolver esta atividade se lhes for reconhecida uma confortável margem de discricionariedade de apreciação – que não se confunde com a discricionariedade de decisão -, o legislador sujeitou a recorribilidade desta decisão a um ‘fundamento específico’. Apenas a violação da lei – mais, apenas a agressão a princípios matriciais do processo -, e já não o mérito – no sentido administrativista do termo -, pode servir de solução legal reflete a referida contaminação por elementos de carácter ‘administrativo’ e a peculiar natureza da decisão degestão processual.

    A violação da lei deve resultar, pois, da agressão aos princípios descritos na norma decorrente do ‘conteúdo’ da decisão tomada. A ofensa ao princípio do contraditório (art. 3°, n. 3) ocorre quando a decisão obsta à normal participação das partes no desenvolvimento da instância – por exemplo, quando não admite um requerimento de respotas (admissível)"⁶²

    Há aqueles, ainda, que saem em defesa do recurso como forma de obrigar o juiz de primeiro grau a ter maior cuidado e responsabilidade na tarefa de julgar.⁶³

    Para Ada Pellegrini Grinover et al, "o principal fundamento para a manutenção do princípio do duplo grau é de natureza política: nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles. O Poder Judiciário, principalmente onde seus membros não são sufragados pelo povo, é, dentre todos, o de menor representatividade. Não o legitimaram as urnas, sendo o controle popular sobre o exercício da função jurisdicional ainda incipiente em muitos ordenamentos, como o nosso. E preciso, portanto, que se exerça ao menos

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