Relações de Trabalho no Setor Público Federal Brasileiro: a participação da sociedade na gestão de conflitos
De Warner Lucas
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Relações de Trabalho no Setor Público Federal Brasileiro - Warner Lucas
Dedico este trabalho ao meu orientador, Prof. Dr. Gilson Batista de Oliveira, em agradecimento especial pelo estímulo e sugestões que me impulsionaram nos momentos em que mais precisei.
AGRADECIMENTOS
À UNILA, na sua totalidade, por ter me proporcionado a pós-graduação e ter aceitado ser objeto desta pesquisa.
Aos participantes da pesquisa, pela seriedade e espírito colaborativo.
Aos membros das bancas de qualificação e de defesa da dissertação, pelo espírito cívico e valiosas contribuições.
À Aurelúce, ao Saul e à Lívia, por terem vivenciado comigo todos os momentos e sentimentos dedicados a este trabalho.
E, por fim, a todas as pessoas que acreditaram no meu potencial e na importância desta obra para a gestão democrática das relações de trabalho no setor público federal brasileiro.
Não foi sorte!
Serviços públicos eficientes e relações de trabalho democráticas são indicadores de uma sociedade isonômica, justa e solidária. A constante busca por melhoria na prestação desses serviços tem resultados mais eficazes quando envolve o servidor como partícipe da relação de trabalho.
Duvanier Paiva Ferreira
PREFÁCIO
O papel do Estado nas economias capitalistas sempre está entre os principais temas de debate no mundo moderno. Desde a publicação da obra clássica de Adam Smith¹, intitulada de Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas das Riquezas das Nações
, em 1776, os cientistas sociais indagam sobre o que, o como e o quanto o Estado deve intervir no sistema econômico e social. Smith defendia um Estado mínimo, onde as forças de mercado deveriam conduzir os interesses privados para um equilíbrio, com um nível de emprego máximo (pleno emprego) e ajuste automático dos preços (princípio da mão invisível). No entanto, o Estado para Smith não deveria ser ausente da organização social, política e econômica, pois sua ação seria necessária sempre que o mercado fosse ameaçado, principalmente, no que tange a competição entre as firmas e as ameaças à expansão do capitalismo. Para não deixar dúvidas sobre o papel do Estado no mundo capitalista, Smith dedicou o livro quinto de sua obra para definir onde o Estado deveria concentrar seus gastos. Para o autor, o Estado deveria gastar com: i) a defesa; ii) a justiça; iii) as obras e as instituições públicas, notadamente, para facilitar o comércio, para educação da juventude e instruções de pessoas de todas as idades; e iv) o sustento e a dignidade do governante.
Em 1936, após as medidas adotadas pelos países industrializados para sair dos efeitos perniciosos da crise de 1929, Jhon Maynard Keynes² publica sua obra A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda
, cuja ideia principal é centrada na crítica às ideias de Smith, principalmente, do mecanismo de ajuste automático, o Estado mínimo e equilíbrio com pleno emprego. A crise de 1929 evidenciou, também, a necessidade de se criar um aparato de bem-estar social, onde o trabalhador sem emprego conseguisse manter sua vida com dignidade, pois o mecanismo de ajuste automático do mercado é muito cruel com a classe trabalhadora. Keynes argumentou que para sair de uma crise o Estado não pode ser mínimo, pois precisa exercer seu papel de executor de políticas anticíclicas e usar os gastos públicos para fomentar o emprego e a renda da economia, é o chamado Estado interventor. O autor criticava, sobretudo, o mecanismo de autoajuste ou ajuste automático, pois o ajuste para baixo tende a não ocorrer na velocidade que o mercado precisa para fixar o pleno emprego e pode deixar muitos trabalhadores em condições desumanas. Na visão de Keynes, mesmo em equilíbrio, a economia pode ter pessoas que buscam emprego, aceitam salários menores e, ainda assim, não conseguem colocação no mercado de trabalho, o que reflete uma situação de equilíbrio de preços abaixo do nível máximo de produção ou do pleno emprego. Esse desemprego apontado por Keynes é chamado de desemprego involuntário e para combatê-lo o Estado deve gastar com obras capazes de gerar emprego, renda e demanda efetiva, pois os gastos públicos com obras têm o mesmo efeito que os investimentos privados na economia e afetam o nível de renda do país pelo efeito multiplicador, isto é, cada unidade monetária gasta pelo Estado em obras gera mais que uma unidade monetária em renda e emprego em outros setores da economia.
As ideias de Keynes influenciaram as políticas econômicas e o papel do Estado em quase todos os países do mundo capitalista, principalmente, após a segunda grande guerra. O Estado se tornou um grande player, cujas ações influenciam o desempenho de todo o sistema econômico. Para cumprir seu papel de executor de políticas anticíclicas e elaborador e mantenedor da política e do aparato organizacional para garantir ao trabalhador o bem-estar social, o Estado criou instituições e organizações para cumprir seu novo papel de interventor, o que explica a ampliação da estrutura estatal nas economias capitalistas. Atualmente, todas as economias capitalistas possuem um Estado interventor, com maior ou menor grau de intervenção, mas sempre intervindo em prol do bem-estar social.
Nas economias em desenvolvimento e no Brasil, a história evidencia esse mesmo fenômeno. Cada vez mais, os países precisam de mais e melhores estruturas e funcionários públicos para implementar com sucesso as novas funções do Estado interventor, assim como as funções de Estado regulados. Para atender as demandas sociais o Setor Público – o Estado – aumentou rapidamente seu tamanho, passando a atuar em todos os segmentos do sistema econômico e, com isso, gerando necessidade de implementar uma gestão pública qualificada.
No Brasil, o Setor Público cresceu e, ao mesmo tempo, vem adotando formas de ofertar serviços com qualidade e aumentar sua eficiência. Com isso, somados a estruturas burocráticas, pressão de gestores nomeados por interesse político e críticas da sociedade, as relações de trabalho no setor público tendem a gerar conflitos que afetam a qualidade de vida e a qualidade dos serviços prestados pelos servidores públicos. Na maioria das vezes os conflitos desencadeiam uma greve, como mecanismo de iniciar uma negociação, seja para recompor perdas salariais, seja por melhores condições de trabalho, seja, também, pela ampliação e melhor qualidade dos serviços prestados.
Na literatura há uma vasta discussão sobre os conflitos no mundo do trabalho e as negociações no setor privado. Já quando se trata das relações de trabalho e dos conflitos existentes no setor público, o debate é escasso. Nesse sentido, o trabalho de Antonio Warner Lucas Alves, fruto de sua dissertação de mestrado acadêmico em Políticas Públicas e Desenvolvimento, que discute as relações de trabalho no setor público federal brasileiro, traz luz sobre o papel e a participação da sociedade na gestão de conflitos na estrutura estatal do Brasil, tão essenciais para se ter um serviço público com a qualidade desejada por todos.
Prof. Dr. Gilson Batista de Oliveira
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)
1 SMITH, A [1776]. A Riqueza das Nações. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
2 KEYNES, J. M [1936]. A Teoria Geral do Juro, do Emprego e da Moeda. São Paulo: Editora Atlas, 1992.
PREFÁCIO
Weber, em seu texto clássico A ‘objetividade’ do conhecimento nas Ciências Sociais
coloca o termo entre aspas, justamente, para problematizar a falsa ideia de que seria possível a produção um conhecimento totalmente objetivo. Contudo, o autor explica que a constatação da impossibilidade da objetividade, não é passaporte para que o rigor científico seja esquecido. Ao contrário, compreender a impossibilidade da objetividade, coloca o pesquisador na posição de constante vigilância, para que o conhecimento que este se dedica a produzir, obedeça às normas exigidas método científico vigente. Assim, a objetividade deve ser encarada como uma utopia, isto é, deve ser alvo de uma busca constante.
Jamais perder a objetividade de vista é a missão daqueles que se dedicam a estudar a nossa sociedade com todas as suas complexidades e contradições. E por que a objetividade não é totalmente possível? Porque cientistas buscam compreender aqueles problemas que lhes apresentam algum significado. Portanto, a escolha de qualquer objeto de pesquisa relaciona-se, diretamente, para usar um termo colocado por Bourdieu, com a trajetória do pesquisado, e disso nenhum pesquisador consegue escapar.
A retomada dos ensinamentos de um autor clássico, como Weber, ocorre por um lado, porque este se apresenta como uma das importantes referências utilizadas no livro e, por outro lado, para entendermos por que Antônio Warner Lucas Alves se dedica, com tamanha acuidade, a estudar a resolução de conflitos no setor público. Alves é formando em Ciências Contábeis, tem especialização em Negociação Coletiva e é mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento, pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana - UNILA. Ademais, tem uma trajetória profissional dedicada ao serviço público. Atuou na área de gestão de pessoas e, desde 2016 dedica-se a militância sindical. Dessa trajetória decorrem suas principais preocupações científicas. Assim, relações de trabalho e participação sindical são temas que permeiam seus interesses acadêmicos e que norteiam sua formação. Tais interesses se refletem nos principais temas abordados no presente livro: luta de classes, conflitos nas relações trabalhistas, atuação sindical, greves, acordos coletivos, atuação de servidores públicos e administração pública, são assuntos com os quais o autor dialoga.
Por isso, nesta obra o leitor encontrará uma reflexão que vincula esses temas à possibilidade de participação da sociedade nas resoluções de conflitos no serviço público. Nestes termos, o autor procura entender como os conflitos entre servidores públicos e Estado que, comumente, desembocam em greves, são avaliados pela sociedade como um todo, já que a greve realizada por servidores de qualquer setor público, explica o autor, impactam diretamente, na vida cotidiana dos usuários dos serviços, diferentemente, daquelas ocorridas no setor privado, cujos efeitos, majoritariamente, atingem as empresas. Partindo do pressuposto de que é a sociedade que sente os impactos das greves no setor público, o autor procura entender se existem estratégias desenvolvidas pelo segmento, para incluir a participação dos usuários desses serviços na gestão dos conflitos.
O lócus de pesquisa escolhido por Alves, consiste na instituição em que dedicou mais de uma década de trabalho: a Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Aqui encontra-se um desafio metodológico colocado ao autor: Tentar se afastar da instituição que conhece tão bem, para que consiga transpor o obstáculo de uma possível naturalização das relações sociais que ali ocorrem, dada sua proximidade. Nesse sentido, o livro também apresenta o exercício metodológico do distanciamento, tão necessário para garantir a busca da objetividade, colocada por Weber.
Desse modo, apoiado em autores como Marx, Weber, Poulantzas, Nogueira, dentre outros e na revisão do aparato legal relacionado à temas como liberdade sindical, negociação coletiva, greve e relações de trabalho, Alves analisa como se deram as gestões dos conflitos, nas relações de trabalho na referida Universidade, entre os anos de 2011 e 2020. A intenção é evidenciar se a sociedade de fato, participou da gestão dos conflitos identificados.
Com esse objetivo Alves realiza um estudo de caso. Tal estudo, é orientado por uma abordagem qualitativa. Essa abordagem é assentada por um lado, em pesquisa documental, especialmente, em documentos públicos e privados pertinentes às relações de trabalho e à gestão dos conflitos na UNILA, nas entidades sindicais, no DIEESE e na administração pública federal, e, por outro lado, nos dados coletados a partir da aplicação de vinte e três entrevistas semiestruturadas a atores chave da instituição, dentre os quais encontram-se dirigentes sindicais, reitor e ex-reitores da Universidade. Realizar o referido número de entrevistas já consiste em um feito importante, dado o trabalho exigido não só no momento da coleta de dados, mas, sobretudo, em sua análise. Cabe ressaltar que o autor conseguiu fazê-lo em um contexto extremamente adverso, o da Pandemia de Covid-19, que assolou o mundo, principalmente, entre os anos de 2020 e 2021. Para manter distanciamento necessário em tempos de pandemia, as entrevistas foram feitas por intermédio de plataformas de videoconferência.
Com a análise do material coletado, em consonância com a reflexão teórica, Alves proporciona ao leitor um panorama sobre como se dão as negociações de conflito em uma instituição tão complexa e plural como uma universidade. Assim, mostra ao leitor a importância que as entidades sindicais (locais e nacionais) têm na representação das diversas categorias, que atuam junto à gestão universitária, nomeadamente, na mediação dos conflitos. Ao mesmo tempo o autor verifica como a participação da sociedade ainda é incipiente na mediação das situações conflituosas, apesar de ser afetada pelos conflitos, em especial, aqueles que resultam em greves. Sendo assim, o livro torna-se importante fonte para aqueles que se dedicam ao estudo da gestão pública com toda sua complexidade e contradições. Ademais, configura-se em um registro dos processos de gestão da Universidade Federal da Integração Latino-Americana.
Profa. Dra. Silvia Lima de Aquino
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)