Somente Uma Escolha (coleção Novos Romances)
De Jamila Mafra
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Somente Uma Escolha (coleção Novos Romances) - Jamila Mafra
ESCRITÓRIO
Aquela parecia ser mais uma tarde monótona, daquelas bem sem graça. Há dois dias eu havia mudado de sala. Comprei, por um preço irrisório, móveis seminovos que pertenceram a uma advogada que largou a carreira para se dedicar ao lar. Em breve ela seria mãe. Para muitas mulheres a família é a prioridade. Eu queria dar uma cara mais feminina à minha sala; meus móveis antigos eram escuros, combinavam mais com homem. Logo você entenderá porque as coisas que aconteceram naquela tarde transformaram minha vida para sempre.
Éramos quatro advogados, sendo eu a única mulher do grupo. O escritório costumava ser movimentado durante a semana, apesar de, em certos dias, não ser possível ver um só cliente passar por aquela porta.
O meu drama era o mais comum de todos: escolhi a profissão que eu não gostava, passei anos da minha vida estudando o que eu não queria de verdade, só para não ficar sem direção e dar uma satisfação à família. Eu queria mesmo era ter estudado ciências, os astros, a natureza.
Não que eu odiasse a advocacia, mas ocorria o que dizia à minha vizinha, a Doris, uma advogada falida que vivia da pensão que o marido pagava para seu filho:
— Ah, querida, lamento por você ter escolhido essa profissão. A advocacia não é fácil no Brasil, sobreviver dela exige uma perspicácia e, digamos, até um malabarismo de artista para fidelizar clientes e conseguir receber honorários. O pior é o começo: a carteira de advogado custa quinhentos reais, sem contar a prova da Ordem que é de um valor absurdo. Quero dizer, o estudante mal sai da faculdade e já tem uma despesa de setecentos reais, quase um salário mínimo. Isso é uma afronta contra o jovem advogado. Uma vergonha, você não acha?
Pobre Doris! Ela tinha transtorno bipolar; às vezes dava até escândalo na rua. Mas em uma coisa ela estava certa: como um jovem que acabou de sair da faculdade vai desembolsar setecentos reais para ter o direito de exercer a profissão? Eu é que sei. Passei por isso. Tive que pegar dinheiro emprestado com o banco e demorei mais de um ano para pagar. Lutei tanto para conseguir a bolsa de estudos. Estava desesperada para conseguir qualquer coisa e ser alguém na vida.
Como a Doris disse, quando se tratava de um advogado iniciante, tudo ficava mais complicado, e eu era iniciante. No começo da faculdade diziam que essa era sem dúvida a profissão fantástica.
Um ano depois de concluída a graduação, a realidade com a qual me deparei mudou completamente o discurso otimista dos docentes. Fui à uma entrevista de estágio, quando o entrevistador, um advogado veterano, me disse sem papas na língua:
— Garota, para não dizer que é o mais desvalorizado, o advogado é um dos profissionais mais desvalorizados do país. Um dia já foi glamoroso ser doutor, mas agora é uma guerra para que esse doutor (ou doutora) consiga que os clientes paguem o preço justo pelo seu trabalho. Você está preparada pra enfrentar essa guerra interminável?
Fiquei meio sem graça e fiz que sim com a cabeça, mas não convenci. Era mais que evidente que eu não estava disposta e enfrentar guerra nenhuma, eu queria mesmo era paz e tranquilidade. Ter que lutar para alguém pagar pelo meu serviço? Ah, isso não!
Infelizmente foi nesse clima de motivação que a realidade se apresentou diante de mim. Eram essas as palavras de incentivo que eu ouvia quase sempre. Mas tudo bem, nem tudo estava perdido, estudar Direito teve suas vantagens. A parte teórica me interessava muito. Pensei em ser doutrinadora, escrever uns manuais de Direito Civil e ganhar um dinheirinho.
Nos dias de maior desespero, cheguei a me olhar no espelho e pensar: Caramba! Passei seis anos sentada no banco daquela universidade pra não chegar a lugar nenhum agora!
O jeito era fazer o que eu não queria. A vida é assim para todo mundo.
Minha história na advocacia começou turbulenta mesmo. Depois de várias desilusões, uma crença de que eu jamais seria aceita no meio profissional me dominou de modo avassalador. Eu sei, era falta de autoestima, uma espécie de síndrome do impostor, e tudo isso pelo fato de me sentir estranha e um peixe fora d’água entre tantos advogados elegantes e bem-sucedidos.
Eu já havia tentado antes, em outra cidade, mas não tive sucesso nas primeiras empreitadas. Sofri deboches por ser inexperiente, cometer alguns erros e não ter grana. Mas então, naquele escritório, encontrei colegas que me acolheram até de modo inesperado. Enfim meu preconceito foi embora, e eu já não achava mais grande coisa os advogados bem-sucedidos e bem vestidos. Tudo se tornou comum, normal, trivial.
Como eu fui parar naquele escritório? Vi a vaga no site da Ordem dos Advogados e decidi arriscar, não porque eu queria nem porque eu estivesse decidida a me engajar na advocacia, mas sim pura e simplesmente pela pressão da família e de pessoas conhecidas que me crucificavam por eu não exercer a profissão.
Está certo; estudei por seis anos, lutei horrores para concluir a faculdade, para depois ficar sem exercer? Sim, é quase inaceitável não fazer nada depois de tanto penar, mas o fato era que eu não me sentia bem no mundo jurídico. Parecia que tudo aquilo não era para mim.
Com o primeiro divórcio remunerado que fiz, consegui um dinheiro legal e renovei meu guarda-roupa. Enfim eu passei a me vestir elegantemente, como tinha que ser, tratando-se de uma advogada. Ninguém riria mais das minhas calças jeans azuis largas, compradas na promoção.
Voltando àquela tarde monótona no escritório, eu estava distraída em meus serviços paralelos no computador, corrigindo trabalhos acadêmicos. Sim, eu também era orientadora particular de monografias e trabalhos de conclusão de curso; havia me pós-graduado em Docência no Ensino Superior há alguns meses, pois, como expliquei anteriormente, viver apenas da advocacia no início era muito