As Táticas para Superação do Discurso de Ódio
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As Táticas para Superação do Discurso de Ódio - Bruno Burgarelli Albergaria Kneipp
1 INTRODUÇÃO
Há um crescente movimento de radicalização ideológica, notadamente da chamada extrema-direita, em todo o mundo.
Tem-se assistido a manifestações neofascistas, com destaque em países do leste europeu que, décadas antes, vivenciaram o modelo socialista burocrático influenciado diretamente pela antiga União Soviética.
Contingentes de pessoas, principalmente de jovens, estão aderindo a um discurso xenófobo, supremacista, conservador e preconceituoso em diversas facetas. Eles encontram nas redes sociais, cada vez mais disseminadas, um espaço perfeito para a divulgação de suas ideologias. A presença contemporânea de lideranças de extrema direita são representações reais desse cenário.
O Direito, independentemente da coloração ideológica, possui uma missão, que é contribuir com a construção e consolidação de uma Democracia. Será que isso de fato é suficiente? Como efetivamente resistir a tamanhos ataques diante de avanços concretos contra os chamados Direitos Humanos e a ordem vigente?
O reposicionamento das pessoas, com identidade de discurso, tem sido algo recorrente e com forte apelo popular, com diversas bandeiras e tendências, entretanto sem terem elas, de fato, uma proposta de Estado e sociedade palpáveis; tal posicionamento encontra boa análise na própria crise das ideologias. Qual seria então o caminho a ser tomado?
Não obstante a suposta superação de vários regimes de exceção – dentre os quais as ditaduras militares, na América Latina – não se avançou automaticamente para a construção de democracias e superação das intolerâncias no seio da sociedade. Muito antes pelo contrário; em locais em que a mesma se colocava supostamente consolidada, discursos de Ódio² são incorporados por lideranças locais com ressonâncias elevadas.
Nessa linha de argumentação, o discurso desses grupos possui pontos em comum: o descrédito com as instituições, com o modelo tradicional de Estado, bem como com a solução pela força e superioridade de uns sobre os outros. Ou seja, a ruptura total do Contrato Social
rousseauniano.
Entretanto, esses movimentos não indicam ser uma ruptura real com as estruturas, notadamente com o próprio capitalismo.
Se há uma radicalização a ser feita, é aquela que faça um real contraponto a todo esse processo, nenhuma outra. Flertar com autoritarismo e totalitarismo é saber claramente qual é o objetivo final – a manutenção das estruturas já colocadas, sem qualquer transformação qualitativa.
Há elementos, portanto, pré e extrajurídicos que precisam ser analisados para melhor apuração das eventuais soluções a serem apontadas.
São essas e tantas outras indagações que se pretende investigar.
O problema crescente do Ódio, como práxis cotidiana, suscita, no mínimo, em termos de dialética, que se estabeleça um contraponto.
Essa obra tem como referência não apenas obras jurídicas, mas necessariamente dialoga com áreas afins, com o objetivo de compreender o fenômeno hora desencadeado, inclusive comparando-o com situações anteriores para melhor compreensão de sua gênese, notadamente a evolução de uma ultradireita e o discurso do Ódio.
A construção histórica dessa questão inclusive é ponto chave. Não se pode simplesmente acreditar que se trata de uma situação nova e isolada. Tradicionalmente, movimentos de radicalização são antecipados por profundas crises – normalmente econômicas – que levam ao descrédito e ao fortalecimento de extremismos e do próprio discurso de Ódio.
Ignorar tudo isso pode levar à falência a própria humanidade – que provavelmente precisa ser reinventada.
O processo decolonial, muitas vezes apontado nesta obra, fruto direto da Modernidade, já demonstra toda uma face de construção de um capitalismo excludente, que evidencia todo um processo de construção de privilegiar uma elite e, principalmente, um sistema econômico, o que tem continuidade em situações mais contemporâneas com o fascismo. Nessas perspectivas e nos pontos que se seguem, o referencial teórico parte de um pressuposto de autores que dialogam com Karl Marx – além de suas próprias reflexões trazidas nesta obra.
Portanto, com esses objetivos inicialmente traçados, alguns pontos foram analisados no transcorrer do texto: A Guerra Híbrida, o fascismo, a ideologia, o identitarismo e, por fim, os possíveis caminhos e soluções.
A Guerra Híbrida é analisada em seus diversos aspectos, inclusive o próprio conceito clássico de guerra
– e o resgate de seu sentido político – e como efetivamente tudo isso tem sido utilizado e contribuído nas táticas de preservação das atuais estruturas, principalmente na presença do Ódio na sociedade.
Com relação ao fascismo e sua (íntima) ligação com o capitalismo, se faz necessária uma análise do próprio capitalismo e suas eventuais mutações para ter sua sobrevivência e perenidade. Do liberalismo clássico até o fascismo, percebe- se o quanto se resume a estratégias milimetricamente traçadas – e com objetivos muito clarividentes.
Um possível contraponto passa pelo registro da importância da ideologia para a correta compreensão de todo o problema exposto. O combate às ideologias, aliás, faz parte dessa luta (o que ironicamente é uma manobra ideológica). Negar as ideologias é consolidar hegemonias muito bem definidas.
O identitarismo tem sido extremamente utilizado como fenômeno de apelo e diálogo com as massas. Mas será que, sendo utilizado de forma isolada e sem objetivos mais globais, contribui com a superação do Ódio? Ou será que se torna mera cortina de fumaça retroalimentando todo o sistema? E mais: os identitarismos são movimentos necessariamente relacionados às chamadas esquerdas? Indagações que buscam respostas claras e que ousam aparecer neste trabalho.
E, ao final, o que de fato fazer para se superar toda a concepção de Ódio presente na sociedade. Quais as etapas e pontos a serem reforçados? Que amarras ou vendas precisam se desfazer? Qual é o verdadeiro inimigo a ser superado?
Enfim, este estudo sabe dos desafios e até mesmo os contrapontos que irá enfrentar. Porém, são tais dificuldades que o motivaram e espera trazer reais reflexões e alguns esclarecimentos mais consolidados sobre o desafio de confrontar – e quem sabe vencer – o Ódio.
Sinteticamente pode-se afirmar, portanto, que a presente obra analisa o Ódio sendo utilizado como tática real de afirmação de uma classe dominante sobre as demais e, a partir disso, as possibilidades de sua superação. Verifica como o capitalismo se utiliza desses mecanismos , através do fascismo e outros meios; apresenta como objetivo situar de que forma o discurso identitário e a ideologia devem se articular diante dos desafios de superação dos conceitos apresentados. Verifica as reais necessidades da luta contra o Ódio e assinala eventuais distorções ocorridas nesse processo. Conclui- se pela necessidade de unidade de ação para superação das adversidades apontadas pelos diversos movimentos, observando-se suas particularidades e a necessidade de novas estratégias.
Urge retomar marcos civilizatórios mínimos. É o que se busca refletir na presente obra.
2 O uso da palavra Ódio
com maíscula se faz proposital, não apenas para destacar o termo, mas também para denotar um pensamento próprio, muito bem definido, como irá se demonstrar no decorrer de todo o texto.
2 GUERRA HÍBRIDA
A g uerra é a falência da diplomacia, de uma saída negociada, a inexistência de bom senso e razoabilidade entre as partes envolvidas. Essa é uma conclusão natural – e mesmo óbvia, sobre esse fenômeno. Entretanto, há fatores muito mais complexos por detrás de um conflito bélico.
A guerra, por mais absurda que seja, é ato juridicamente regulado e objeto de diversos estudos no âmbito do Direito Interno e Internacional. É recheada de elementos da política, levando a estrategismos extremos por todas as partes envolvidas. Não se tem, na imensa maioria das vezes, a ideia de Guerra Total
(com eliminação por completo do inimigo), mas sim de rendição do outro lado, até mesmo para que se tenha proveito econômico da parte derrotada. Por isso, em inúmeros momentos, o encerramento do conflito se dá por uma rendição condicional
, em que os termos são ajustados por vencedores e vencidos. Nesse sentido Carl von Clausewitz afirma que
(…) a guerra, no seu conjunto, tem de libertar-se da estrita lei da necessidade interna e ater-se a um cálculo na sequencia das circunstâncias que lhe deram origem, tanto mais isto é verdadeiro, ou seja, tanto mais fracos são os motivos e as tensões existentes. Sendo assim, pode-se muito bem pensar que esse mesmo cálculo de probabilidades virá a transformar-se num motivo de paz. Portanto, nem sempre é necessário combater até que um dos campos sejam aniquilados, e pode-se conceder uma situação em que os motivos e as tensões sejam tão fracos que a menor probabilidade, apenas perceptível, basta para decidir o campo a que ela é desfavorável a ceder. Ora, se o outro está antecipadamente persuadido, é natural que todos os seus esforços tendam para fazer prevalecer esta probabilidade, sem sequer tentar um desvio pela via da derrota completa do inimigo.
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 33 e 34)
Na mesma direção, a obra clássica de Sun Tzu nos ensina que não há quaisquer benefícios no prolongamento de um conflito armado:
- Porque nunca houve uma guerra prolongada com a qual qualquer país tenha se beneficiado.
³ (SUN TZU, 2002, p. 34)
Assim sendo, é importante observar as lições da guerra, principalmente em seus aspectos políticos. Muitos de seus movimentos são constantemente repetidos em movimentos de dominação ideológica e esmagamento do outro.
Os movimentos, aliás, são meros instrumentos para imposição de interesses muito maiores, que objetivam a consolidação do poder.
Chegamos agora a um outro meio de ponderar a probabilidade de êxito sem que haja derrota das forças armadas inimigas, isto é, as operações que estão em relação direta com a política. Se somos capazes de levar a cabo operações particularmente aptas a romper as alianças do adversário, ou a torná-las inoperantes, cabe a nós fazer novos aliados, suscitar atividades políticas a nosso favor e assim sucessivamente; é fácil imaginar o quanto esses meios poderão aumentar a possibilidade de êxito e nos conduzir ao objetivo bem mais rapidamente do que a derrota das forças armadas do inimigo.
(CLAUSEWITZ, 1996, p. 35 e 36)
Em resumo, é fundamental se concentrar nas ideias que a motivam e também fazer movimentar as peças de uma guerra para perceber o quanto há uma engenharia muito mais complexa do que se imagina.
Obviamente que esse padrão se repete no conceito de Guerra Híbrida.
Em excelente artigo coletivo escrito por Antônia Mara Vieira Loguércio, Rodrigo Duarte Maia, Márcio Ortiz Meinberg, Guilherme da Hora Pereira e João Paulo Santos, pode-se claramente perceber essa conexão:
Em uma primeira aproximação, o paradigma da guerra híbrida oscila entre a teoria das relações institucionais e o desenvolvimento das ciências militares, firmando um giro estratégico que passa a centralizar a incessante luta cultural enquanto alterna a sua efetiva aplicação para a realização de guerras indiretas, revoluções coloridas, golpes brandos e até mesmo as denominadas guerras não-convencianis ou os golpes rígidos
. (LOGUÉRCIO; MAIA; MEINBERG; PEREIRA; SANTOS, 2021, p. 21)
A discussão mais notável sobre o tema certamente se encontra no livro Guerra Híbrida: das revoluções coloridas aos golpes
, escrito pelo analista político e jornalista russo, Andrew Korybko, no qual podemos observar que as Guerras Híbridas são caracterizadas como conflitos provocados por agentes externos (daí teremos algumas variáveis) que exploram uma série de fatores e se utilizam de elementos das revoluções coloridas e da guerra não convencional.
Se consideradas em conjunto em uma dupla abordagem, as revoluções coloridas e a guerra não convencional representam os dois componentes que darão origem à teoria da guerra híbrida (...)
(KORYBKO, 2018, p. 15)
Sobre as chamadas "revoluções coloridas afirma Korybko:
As revoluções coloridas são um dos mais novos modelos para desestabilização de Estado. Elas permitem que atores externos manifestem negações plausíveis quando acusados de interferir ilegalmente nos assuntos domésticos de um Estado soberano, e a mobilização em massa do ‘poder do povo’ faz delas altamente eficazes na óptica da mídia mundial. Além disso, o aglomerado de muitos civis protestando contra o governo também aumenta a pressão sobre ele e limita suas opções para lidar com eficiência contra a desestabilização em andamento. Todas as revoluções coloridas seguem à risca o mesmo modelo, e entender a natureza dessa tática de desestabilização na prática permitirá elaborar contramedidas adequadas para se defender contra ela.
(KORYBKO, 2018, p.