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Axilas e outras histórias indecorosas
Axilas e outras histórias indecorosas
Axilas e outras histórias indecorosas
E-book154 páginas1 hora

Axilas e outras histórias indecorosas

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Sobre este e-book

Os contos de `Axilas e outras histórias indecorosas` mostram uma obsessão com a decadência física e com a deficiência em suas mais variadas formas, sempre percebidas por personagens impiedosos consigo mesmos e principalmente com os demais.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de mar. de 2013
ISBN9788520934173
Axilas e outras histórias indecorosas

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    Axilas e outras histórias indecorosas - Rubem Fonseca

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    Copyright © 2011 by Rubem Fonseca

    Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Editora Nova Fronteira Participações S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copirraite.

    Editora Nova Fronteira Participações S.A.

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    http://www.novafronteira.com.br

    e-mail: sac@novafronteira.com.br

    Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico.

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    F747a

    Fonseca, Rubem, 1925-

    Axilas e outras histórias indecorosas / Rubem Fonseca. - Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2011.

    ISBN 978-85-209-3417-3

    1. Conto brasileiro. I. Título.

    CDD 869.93

    CDU 821.134.3(81)-3

    SUMÁRIO

    Folha de Rosto

    Ficha catalográfica

    Sapatos

    Bebezinho lindo

    Axilas

    Janela sem cortina

    Livre-alvedrio

    O ensino da gramática

    Paixão

    Intolerância

    O disfarce e a euforia

    Beleza

    Mordida

    Gordos e magros

    O vendedor de livros

    A mulher do CEO

    Suspeita

    Amar o seu semelhante

    Confiteor

    O misantropo

    O autor

    Créditos

    SAPATOS

    Não está fácil arranjar emprego. Topo fazer qualquer coisa, mas sei que tenho problemas, como esse dente faltando na frente, um buraco feio que eu sei que causa uma impressão ruim. As pessoas que conheço perderam dentes lá de trás da boca, eu fui perder logo na frente. O Ananias diz que pelo menos eu posso mastigar os bifes sem problema, coisa que ele, que tem todos os dentes da frente mas perdeu os lá de trás, não pode fazer direito. Mas o que o Ananias não sabe é que eu não como bife há muito tempo, apenas arroz com feijão diariamente, e às vezes uma carne-seca. Minha mãe acha que eu não arranjo emprego porque não tenho sapatos. Diz que as sandálias que uso são muito feias e assustam as pessoas. Um dia ela me disse que tinha resolvido o problema. O seu patrão lhe dera um par de sapatos que apertavam tanto o pé dele que não podiam ser usados.

    Minha mãe me mostrou os sapatos. Uma coisa linda. Olhando para o bico deles, que brilhava que nem um espelho, quase dava para ver a minha cara. Garanto que agora você arranja um emprego, ela disse.

    Experimentei os sapatos. Eles apertavam muito o meu pé. Eu ia ter que amansá-los, como dizia o meu irmão que morreu atropelado. Na verdade ele não morreu atropelado, foi assassinado pela polícia quando fugia depois de assaltar um turista na praia, mas ninguém pode saber isso, para todo mundo a gente diz que ele morreu atropelado e todo mundo acredita. Turista assaltado e bandido assassinado pela polícia era uma coisa tão corriqueira que os jornais quando noticiavam era numa coluna mínima, sem foto, sem nada. Mas o meu irmão dizia, sapato apertado a gente tem que amansar, usando todo dia, no fim de algum tempo ele vai abrindo e não machuca mais.

    Naquela noite fiquei andando de um lado para o outro dentro de casa com os sapatos nos pés, o sapato tinha um número pequeno, o patrão da minha mãe tinha pé pequeno, como todo sujeito rico. Os sapatos apertavam os pés pra caralho, e quando fui deitar os meus pés doíam como se um ônibus tivesse passado por cima deles.

    No dia seguinte coloquei os sapatos e fui procurar emprego. As pessoas já me atendiam melhor, pediam para eu voltar dentro de alguns dias, isso já era coisa do sapato novo.

    Quando cheguei em casa, logo no primeiro dia, tirei os sapatos correndo. Meus pés já estavam cheios de bolhas. Seu filho da puta, eu disse para o sapato, vou amansar você, você não sabe com quem está se metendo.

    As bolhas no pé foram aumentando, andar com aqueles lindos sapatos era uma tortura, mas quem ia se foder eram eles. Toda noite eu os limpava cuidadosamente. Eles até pareciam ter ficado mais bonitos.

    Continuei andando e depois de algum tempo as bolhas dos dedos viraram calos, e andar com os sapatos foi deixando de doer. Claro que eu usava uns macetes, colocava algodão em cima dos calos para eles incomodarem menos, mas aquela dorzinha de merda dos calos era nada comparada com a dor que eu sentia enquanto amansava os sapatos.

    O melhor de tudo é que consegui um emprego como porteiro de um prédio na zona sul. Naquele dia, no dia em que consegui o emprego, cheguei em casa, tirei os sapatos e com eles na mão perguntei, então, viram quem manda, quem dá as ordens? E mais uma vez, limpei-os cuidadosamente. Para falar a verdade, eu cada vez gostava mais daqueles sapatos.

    Minha mãe ficou muito feliz quando soube que eu tinha arranjado um emprego, eu ia poder ajudar nas despesas da casa, principalmente comprar comida. Mas acho que a razão principal foi porque ela tinha medo que eu me tornasse um marginal, como o meu irmão, e arranjando um emprego isso não ia acontecer.

    Então aconteceu. Uma coisa pior. Minha mãe já tinha saído para trabalhar e eu estava em casa, feliz da vida, pois acabara de receber o uniforme de porteiro e começaria a trabalhar no dia seguinte.

    Como eu disse, então aconteceu. Um sujeito tocou a campainha da porta. Abri, era um cara ainda mais escuro do que eu, que disse, eu sou da polícia, e me mostrou uma carteira.

    Onde estão os seus sapatos?

    Meus sapatos? Meus sapatos?

    Sim, seus sapatos. Você é surdo?

    Apanhei os meus sapatos e com eles nas mãos disse, esses são os meus sapatos.

    Vou levar, ele disse.

    Perdi a paciência e até mesmo o medo.

    Vai levar os meus sapatos? Está maluco? Foi minha mãe quem me deu.

    Esses sapatos foram roubados por ela, ele disse.

    Dei a ele os sapatos, que o tira colocou numa saca. Vesti as minhas sandálias nojentas. Depois o tira me levou para o carro da polícia que estava na porta, felizmente nenhum vizinho viu essa coisa toda.

    Quando cheguei na delegacia, me levaram para uma sala onde estavam minha mãe, debruçada num banco com a cabeça curvada, um sujeito todo bem-vestido, que devia ser o patrão dela, e, sentado atrás de uma mesa, um homem de óculos que devia ser o delegado.

    Quando entrei na delegacia, vi que o puto do patrão da minha mãe olhou para os meus pés e deve ter ficado feliz de ver as sandálias nojentas que eu estava usando.

    Esse é o seu filho?, perguntou o delegado.

    É, respondeu baixinho a minha mãe.

    Você trabalha onde?

    Vou começar amanhã, como porteiro de um prédio, respondi, dando o endereço do prédio e o nome do síndico.

    Quando eu falei, o puto do patrão notou que não tenho o dente da frente e ficou satisfeito em ver o fodido que eu era, o cachorro devia ser vingativo.

    O tira que me levara tirou os sapatos da saca.

    São esses os seus sapatos?

    São, disse o puto do patrão. Deixa eu experimentar. Colocou os sapatos e deu uma volta pela sala.

    Engraçado, disse o puto, eles não apertam mais os meus pés. São ingleses, sabia?

    Eu tinha amansado os sapatos para aquele filho da puta. Nunca senti na minha vida um ódio tão grande como o que senti por aquele sujeito naquele momento.

    O patrão tirou os sapatos e voltou a calçar os que usava antes. Depois se debruçou sobre a mesa e cochichou qualquer coisa no ouvido do delegado.

    Encerrar? Deixar ela ir embora?, disse o delegado.

    Mais um cochicho do filho da puta.

    Então está bem, disse o delegado.

    O patrão de merda saiu, carregando os sapatos.

    Logo em seguida o delegado disse para mim e para minha mãe:

    Vocês podem ir embora.

    Podemos ir embora?

    Podem. Mas vê se a senhora não faz mais besteira, ouviu?

    Saímos da delegacia.

    O puto do patrão estava ao lado de um carro, parado perto da delegacia, a saca com os sapatos na mão.

    Dona Eremilda, ele disse.

    Eremilda é o nome da minha mãe.

    Vamos embora, dona Eremilda, a senhora ainda é minha empregada. Anda, entra aí na frente ao lado do motorista.

    Sim, senhor, ela disse humildemente.

    Minha mãe entrou no carro. O patrão virou-se para mim e me deu a saca com os sapatos.

    Pode levar, ele disse, são seus. Mas continua cuidando bem deles.

    O patrão entrou no carro, o carro foi embora. Olhei os sapatos dentro da sacola. Estavam

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