Pesquisa qualitativa em marketing: a experiência dos pesquisadores brasileiros
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Sobre este e-book
acadêmica sobre procedimentos, métodos e técnicas de pesquisa: ela é a primeira obra
publicada no Brasil sobre pesquisa qualitativa em marketing, organizada e escrita por
autores brasileiros, todos atuantes no campo de marketing e estudos de consumo. A
partir do esforço empreendido por Marcelo de Rezende Pinto e Georgiana Luna
Batinga, seus organizadores, este livro expressa a contribuição de uma comunidade
vibrante, produtiva e engajada no exercício e na prática de pesquisa qualitativa em
marketing e consumo.
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Pesquisa qualitativa em marketing - Marcelo de Rezende Pinto
Pesquisa qualitativa em marketing: a experiência dos pesquisadores brasileiros
Marcelo de Rezende Pinto
Georgiana Luna Batinga
Organizadores
Editora PUC Minas
Belo Horizonte
2023
© 2023 – Os organizadores
Todos os direitos reservados pela Editora PUC Minas. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida sem a autorização prévia da Editora.
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Grão-Chanceler: Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Reitor: Prof. Dr. Pe. Luís Henrique Eloy e Silva
Pró-reitor de Pesquisa e de Pós-graduação: Sérgio de Morais Hanriot
Editora PUC Minas
Direção e coordenação editorial: Mariana Teixeira de Carvalho Moura
Comercial: Daniela Figueiredo Andrade Albergaria
Revisão: Patrícia Falcão, Thúllio Salgado, Luiza Seidel
Diagramação: Luiza Seidel
Conselho editorial: Alberico Alves da Silva Filho, Conrado Moreira Mendes, Édil Carvalho Guedes Filho, Eliane Scheid Gazire, Ester Eliane Jeunon, Flávio de Jesus Resende, Javier Alberto Vadell, Leonardo César Souza Ramos, Lucas de Alvarenga Gontijo, Márcia Stengel, Pedro Paiva Brito, Rodrigo Coppe Caldeira, Rodrigo Villamarim Soares, Sérgio de Morais Hanriot.
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Ficha catalográfica elaborada por Fernanda Paim Brito - CRB 6/2999
SUMÁRIO
Prefácio
Introdução
Capítulo 1
Aventuras de um pesquisador nas abordagens interpretativistas de pesquisa do consumo
Capítulo 2
Pesquisas etnográficas em marketing: no campo com os informantes
Capítulo 3
Diálogos e desafios sobre os desafios da proximidade em estudos (auto)etnográficos em marketing e organizações
Capítulo 4
Netnografia para o estudo das redes sociais: reflexões sobre origens e o estado da arte
Capítulo 5
Pesquisa qualitativa em marketing e consumo com fontes orais: uma introdução à história oral e às histórias de vida
Capítulo 6
Do texto às interações, do inteligível ao sensível: a semiótica aplicada aos estudos de marketing
Capítulo 7
Análise de discurso, práticas sociais e estudos do consumo: o que procurar?
Capítulo 8
Uma proposta decolonial de análise crítica de discurso para pesquisas qualitativas em marketing
Capítulo 9
A Análise Situacional ou Grounded Situacional: possibilidades para a pesquisa qualitativa em marketing?
Capítulo 10
O uso da técnica ZMET como método para coleta de dados qualitativos: uma análise das campanhas de prevenção ao HIV/AIDS
Capítulo 11
Possibilidades metodológicas para estudos sobre macromarketing na realidade brasileira
Capítulo 12
Métodos e técnicas de pesquisas qualitativas nas pesquisas transformativas do consumidor
Capítulo 13
Cartografia: método de pesquisa inadequado no marketing?
Sobre os autores
PREFÁCIO
Francisco Giovanni David Vieira
A presente obra representa algo ímpar no mercado editorial relativo à literatura acadêmica sobre procedimentos, métodos e técnicas de pesquisa: ela é a primeira obra publicada no Brasil sobre pesquisa qualitativa em marketing, organizada e escrita por autores brasileiros, todos atuantes no campo de marketing e estudos de consumo. A partir do esforço empreendido por Marcelo de Rezende Pinto e Georgiana Luna Batinga, seus organizadores, este livro expressa a contribuição de uma comunidade vibrante, produtiva e engajada no exercício e na prática de pesquisa qualitativa em marketing e consumo.
A pesquisa em marketing conta com mais de um século de tradição em termos de sua realização, documentação e disseminação. Ao longo de todo esse tempo, pesquisadores de diversas áreas de atuação, com diferentes tipos de formação acadêmica, têm procurado contribuir para o avanço do conhecimento em marketing. Em diversos momentos dessa trajetória se teve como desafio a tentativa de definir o que vem a ser o objeto de estudo de marketing, enquanto um campo acadêmico que se quer científico. Ao mesmo passo, também se teve semelhante desafio com a definição, escolha e, mais que isso, com a construção de procedimentos e protocolos de pesquisa que lhe dessem legitimidade, seja como campo de conhecimento ou como área de atuação administrativa.
Como é de se supor, não se trata de um processo simples e sem o surgimento de incertezas, conflitos e disputas. Em maior ou menor medida, é como se debater em busca de um caminho objetivo por meio do qual seja possível capturar, documentar, analisar e teorizar sobre a realidade de indivíduos e organizações. A construção do conhecimento em marketing, no entanto, não é linear. De modo contrário, ela envolve condições que são relacionais, subjetivas e intersubjetivas a um só tempo, além de serem processuais e recursivas, que ocorrem em meio às ações e práticas de diversos atores sociais, que respondem e atuam em função não só do contexto em que vivem, como também das circunstâncias presentes nesses contextos. As diferentes escolas de pensamento de marketing que foram surgindo ao longo do tempo refletiram em maior ou menor medida essas condições. Cada uma delas, ao seu modo, empreendeu percursos que tiveram desdobramentos e resultados variados no que concerne ao uso de procedimentos e técnicas de pesquisa. A pesquisa qualitativa, ou melhor, o uso da pesquisa qualitativa em marketing e estudos de consumo é fruto deste contexto.
Com origens, fundamentos e procedimentos alicerçados em um amplo espectro de áreas do conhecimento, como, por exemplo, Sociologia, Antropologia, Filosofia, Psicologia, História, Linguística, Semiótica, Comunicação, Mídia, e Computação, a pesquisa qualitativa é a síntese da relevância singular que se expressa por meio do rigor da pluralidade. A importância da pesquisa qualitativa para a produção do conhecimento em marketing é recrudescida pela ampla variedade de possibilidades metodológicas e protocolos de investigação que oferece. Trata-se de pesquisa não só importante, como necessária em um mundo multifacetado e complexo como o que vivemos.
Mais do que nunca as pessoas querem expressar o que pensam, o que sentem, querem relatar suas experiências e se posicionarem sobre o mundo em que vivem. O enorme impacto das redes sociais é uma prova inconteste desse fenômeno contemporâneo. Dessa maneira, pelas suas características e pelo seu modo de condução, a pesquisa qualitativa tem papel de destaque para a produção do conhecimento e teorização em marketing. Isso se manifesta pelo exercício metodológico do reconhecimento do lugar do outro, das histórias, das nuances, dos significados, dos símbolos, enfim, da maneira como a vida cotidiana é tecida em suas diferentes relações e inter-relações em atividades que compreendem marketing e consumo.
Em outro sentido, mas não distante daquilo que é realizado junto às pessoas enquanto indivíduos, a pesquisa qualitativa em marketing também envolve a busca por vozes e ações de marketing que são coletivas e organizacionais. Parte considerável das experiências de compra e consumo, de como escolhas individuais são constituídas, e de como os próprios atores de mercado se estruturam e se organizam, é moldada e definida a partir de ações que são engendradas sob orientação de marketing em organizações a partir de uma lógica liberal de mercado. Ainda que muitas vezes esquecida, a esfera organizacional também é fértil para o emprego da pesquisa qualitativa em marketing.
Por fim, cabe ressaltar que esta obra é ainda mais importante pela capacidade de resposta que ela oferece a desafios do passado e do presente existentes para o exercício da pesquisa qualitativa em marketing e estudos de consumo. Apenas a título de ilustração, por um lado ela representa uma resposta a um passado recente de desafios da pesquisa qualitativa em marketing no plano editorial e institucional no Brasil, caracterizado por meio da lida de pesquisadores junto a periódicos, revisores, editores científicos, agências de fomento e comitês de ética em pesquisa. Por outro lado, trata de procedimentos metodológicos que podem ser empregados para superar dificuldades de realização de trabalho de campo diante da situação sem precedentes que estamos vivendo, relativa à pandemia de Covid-19.
Leitores e leitoras encontrarão nessa obra uma ótima oportunidade para aprofundarem seus conhecimentos e aprenderem sobre o exercício da pesquisa qualitativa em marketing. Um conjunto representativo de autoras e autores brasileiros atuantes nos campos de marketing e estudos de consumo nos brindam com suas reflexões, ensinamentos e relatos de experiências em pesquisa qualitativa.
INTRODUÇÃO
Sabemos que, desde sua origem, as pesquisas dominantes em Marketing refletem sua formação social e ideológica, considerando que o campo foi colonizado pelos ideais da Economia neoclássica e pelo pragmatismo da Psicologia experimental, priorizando estudos construídos em torno de técnicas para identificar necessidades, criar produtos e apresentá-los aos consumidores (ELLIS et al., 2005). De fato, o interesse na aplicabilidade de suas pesquisas é predominante enquanto campo e prática, afinal o marketing sempre esteve a serviço dos interesses organizacionais como podemos observar na literatura gerencial e estratégica, assim como nas técnicas de desenvolvimento e teste de novos produtos (DAY; SHOCKER; SRIVASTAVA, 1979; GREEN; SRINIVASAN, 1978).
Para Tadajewski (2006), parece que uma confluência de forças ideológicas empurraram as Ciências Sociais, particularmente no contexto estadunidense, em direção a uma epistemologia empirista lógica, com ênfase na racionalidade, quantificação, controle metodológico e especificação de relações causais. Desse modo, o marketing acadêmico há muito tempo persegue um ideal de legitimidade científica (BROWN, 1996), por isso prontamente abraçou o empirismo lógico como seu paradigma dominante como motivação de pesquisa (TADAJEWSKI, 2006).
Esse posicionamento conduziu a posição epistêmica predominante nas pesquisas de marketing a um excessivo comprometimento com ideologias corporativas, minimamente direcionadas a observar as problemáticas, processos e atores envolvidos no ambiente mercadológico. De fato, os espaços de pesquisa em Marketing podem ser divididos em três categorias: i) um mainstream dominante de pesquisas positivistas que trabalham a partir de perspectivas não críticas voltadas aos interesses mercadológicos; ii) um pequeno, mas crescente fluxo de pesquisas não críticas, que utilizam abordagens interpretativistas, representado principalmente pela Consumer Culture Theory (CCT); iii) e um espaço ainda menor de estudos críticos (TADAJEWSKI, 2010).
Nesse sentido, consideramos importante resgatar o momento em que Arnould e Thompson (2005) criaram o termo Consumer Culture Theory (CCT), para nomear uma iniciativa que teve como objetivo agrupar o conjunto de pesquisas que romperam com o paradigma dominante do campo no início dos anos 1980. Depois dessa iniciativa, vários trabalhos despontaram com propostas metodológicas e epistemológicas que desafiaram a visão predominante do campo. Tais trabalhos representam um rompimento histórico com as normas disciplinares empiristas e com as lógicas que dominam as pesquisas de marketing, ao decidirem trabalhar com pesquisas qualitativas com uma orientação epistemológica interpretativista. Embora representassem um grande avanço à época, sendo reconhecidos como revolucionários e controversos
, ainda reproduziam algumas características do paradigma dominante (ASKEGAARD ; LINETT, 2011).
Caracterizadas do ponto de vista metodológico e epistemológico como pesquisas de marketing que se posicionam como qualitativas, pós-positivistas, interpretativistas, humanistas, naturalistas e pós-modernas e que privilegiam correntes teóricas voltadas para o papel do mercado e o consumo na vida cotidiana, tais pesquisas dialogam, sobretudo, com a Cultura Material, Antropologia, Sociologia, História e com os Estudos Culturais (ARNOULD; THOMPSON, 2018). Ainda no período de sua formação, ao longo da década de 1980 e início dos anos 1990, a pesquisa da CCT concentrou-se nas perspectivas fenomenológicas e antropológicas, com foco em projetos de identidade dos consumidores, simbolismos de consumo, rituais, rotinas e significados compartilhados coletivamente (ASKEGAARD ; LINETT, 2011). Neste sentido, na CCT, os consumidores ganham agência e são capazes de reformular, de maneira criativa e construtiva, os apelos e mensagens do marketing veiculados pela publicidade, (re)significando as mensagens corporativas, os aspectos materiais e sociais do consumo, argumentando que o mercado fornece recursos materiais e simbólicos, que lhes permitem transformar proativamente suas identidades e constituir vínculos sociais significativos (ARNOULD ; PRICE, 1993; MUNIZ ; O’GUINN, 2001).
Dessa forma, diante desse breve resgate sobre o lugar das pesquisas qualitativas em Marketing é importante dizer que nas Ciências Sociais há um vasto número de possibilidades de métodos e técnicas que podem ser utilizados a fim de privilegiar o acesso ao conhecimento, nas conduções de pesquisas acadêmicas. Entendemos que as escolhas feitas pelo pesquisador refletem sua perspectiva de mundo e o modo de fazer ciência reconhecido por seus pares (KUHN, 1978). E funcionam como lentes, por meio das quais enxerga o mundo e conduz sua pesquisa, acatando seus fundamentos filosóficos de modo explícito ou implícito (BURREL; MORGAN, 1979). Essas escolhas refletem ainda as crenças e convicções deste pesquisador e orientam a definição dos pressupostos epistemológicos e metodológicos de seu estudo (GUBA; LINCOLN, 1994), afinal acreditamos que os sujeitos conhecem, pensam e agem conforme os paradigmas que são culturalmente neles inscritos (MORIN, 2002).
No entanto, a suposta liberdade científica atribuída ao pesquisador parece conduzi-lo a um lugar um tanto obscuro, quando nos deparamos com discussões acerca das decisões sobre paradigmas das Ciências Sociais e o debate entorno da polarização entre as abordagens quantitativa e qualitativa, que parecem não ter sido inteiramente superados na Administração. Embora seja possível afirmar que algumas áreas dentro da disciplina demonstrem um avanço nessa discussão. Neste sentido, entendemos que o conjunto de pesquisas qualitativas no Marketing têm se fortalecido no Brasil, sobretudo nos últimos dez anos, com a consolidação de alguns temas que passaram a ocupar espaços em eventos e periódicos nacionais, que antes eram dominados pelas perspectivas funcionalistas de nosso campo. Entre eles, podemos citar Cultura e Consumo, Marketing e Sociedade, Macromarketing, Abordagens Críticas e Emancipatórias em Marketing, Construção e Dinâmicas de Mercado, entre outros, que carregam questões de interesses que se alinham as perspectivas interpretativistas e críticas de pesquisa.
Ainda que esse reconhecimento esteja presente em nosso campo, entendemos que temos uma caminhada para trilhar; dessa forma, considerando a importância política desse debate, tivemos a ideia de organizar esse livro, reunindo um grupo de pesquisadores brasileiros de Marketing que se identificam e conduzem suas pesquisas por meio de abordagens qualitativas. Tentamos colaborar, por meio de uma construção conjunta, na organização de um referencial metodológico sobre a produção acadêmica brasileira em torno das interfaces entre Marketing e abordagens qualitativas. Entendemos que nosso campo possui uma produção sólida em termos nacionais, mas, em muitos casos, de forma fragmentada, assim, propomos reunir nesse livro as reflexões de diversos pesquisadores especializados nesses temas em uma única obra, que pretende ser uma referência sobre esta temática.
Cabe salientar que todas essas questões e preocupações sempre estiveram presentes nos inúmeros debates e fóruns de discussão promovidos ao longo dos quase 10 anos de anos de existência do GEMACONS – Grupo de Estudos em Marketing, Consumo e Sociedade do Programa de Pós-graduação em Administração da PUC Minas. O grupo, composto por professores, pesquisadores, doutorandos, mestrandos, graduandos, bolsistas de iniciação científica, entre outros, julgou ser adequado, nesse momento, oferecer esta contribuição para o campo do marketing no Brasil. Contribuição que caminha no sentido de fomentar a pluralidade de propostas, de paradigmas, de correntes teóricas, de métodos, tanto de coleta como de análise dos dados, enfim, de possibilidades de pensar os fenômenos de marketing sem aquelas amarras tradicionalmente defendidas nos textos clássicos de pesquisa de marketing.
É bom frisar que todas as discussões presentes ao longo de todos os capítulos buscaram priorizar o contexto brasileiro, pois acreditamos que neste ponto há uma lacuna nos livros sobre métodos e técnicas de pesquisa qualitativa. São 13 capítulos escritos especialmente para essa coletânea, nos quais 20 pesquisadores, além dos dois organizadores, de diferentes lugares do país, apresentaram suas experiências, compartilharam ideias, ponderações, provocações e até mesmo indagações sobre questões envolvendo suas práticas, experiências de pesquisa em marketing e suas interlocuções com métodos e técnicas qualitativas.
Abrindo os capítulos, Daniel Carvalho de Rezende, no texto intitulado Aventuras de um pesquisador nas abordagens interpretativistas de pesquisa do consumo
, se dedica a trazer para os leitores uma série de reflexões acerca das pesquisas qualitativas em seu grupo de pesquisa. Ao final, chega a confessar que a grande mágica da pesquisa interpretativista reside na sua imprevisibilidade e na capacidade de agência do pesquisador, o que a aproxima de uma criação artística. No entanto, por outro lado, muitas são as armadilhas que podem estar à espera do pesquisador.
Na sequência, o texto Pesquisas etnográficas em marketing: no campo com os informantes
, Ronan Torres Quintão oferece inicialmente aos leitores uma discussão sobre o método da etnografia com ênfase nos principais trabalhos publicados no campo do marketing. Na segunda parte do capítulo, o pesquisador avança na descrição de duas de suas experiências com a pesquisa etnográfica em marketing: uma sobre o consumidor de café especial e outra sobre o consumidor atleta de ciclismo de estrada.
Já o capítulo seguinte, sob o título Diálogos e desafios sobre os desafios da proximidade em estudos (auto)etnográficos em marketing e Organizações
, elaborado por Severino Joaquim Nunes Pereira e Renan Gomes de Moura. Os autores jogam luz sobre os aspectos de duas abordagens teórico-metodológicas, sendo uma delas a etnografia e a autoetnografia. Em seguida evidencia a forma como as trajetórias de dois pesquisadores de idades e origens diferentes se articulam e se encontram em trabalhos etnográficos e autoetnográficos sobre marginalidade e gênero.
Ainda nas discussões sobre estudos etnográficos em marketing, Thaysa Nascimento e Maribel Suarez traçam de forma sucinta um histórico e evoluções importantes sobre o estado da arte da netnografia. As duas pesquisadoras no texto Netnografia para o Estudo das Redes Sociais: Reflexões sobre origens e o estado da arte
, entendem que podem oferecer uma oportunidade de reflexão sobre os desafios enfrentados por pesquisadores com a evolução das redes sociais e com o surgimento de novos fenômenos e atores transacionais, que navegam entre os ambientes online e offline.
Com o título Pesquisa qualitativa em marketing e consumo com fontes orais: uma introdução à história oral e às histórias de vida
, Denise Franca Barros, Alessandra de Sá Mello da Costa e Fernanda Tarabal Lopes propõem uma apresentação dos conceitos básicos a respeito da perspectiva baseada em fontes orais. Com isso, descrevem um breve panorama da história em Marketing e Estudos de Consumo, e oferecem um passo a passo da literatura fundamental em duas possibilidades metodológicas: história oral e história de vida.
Luis Alexandre Grubits de Paula Pessôa é autor do capítulo que se debruça sobre as questões envolvendo a semiótica e suas aplicações aos estudos de marketing. Com o título Do texto às interações, do inteligível ao sensível: a Semiótica aplicada aos estudos de marketing
, este texto tem como objetivo colaborar para o entendimento mais amplo da aplicação da Semiótica no campo do marketing, em especial, por meio da Sociossemiótica desenvolvida por Eric Landowski, a partir da concepção fundadora de Algirdas Julien Greimas.
Já no capítulo 8, Breno Giordane dos Santos Costa no texto cujo título é "Análise de discurso, práticas sociais e estudos do consumo: o que procurar?", busca contribuir com questões metodológicas acerca da teoria da prática com o intuito de demonstrar o que um pesquisador deve procurar ao realizar análise de discurso para investigar práticas sociais (e consumo). O pesquisador discute exemplos – originários de sua atividade de pesquisa – da análise de discurso em operação no campo das práticas.
O capítulo seguinte, de autoria de Marcus Wilcox Hemais, Laís Rodrigues e Alessandra de Sá Mello da Costa encoraja os pesquisadores para que mais pesquisas qualitativas sejam realizadas em marketing a partir da perspectiva Decolonial. Intitulado Uma proposta Decolonial de análise crítica de discurso para pesquisas qualitativas em marketing
, o texto tem o objetivo conciliar a perspectiva Decolonial com a análise crítica do discurso (ACD).
Introduzir uma metodologia da terceira geração da grounded theory – a Análise Situacional, proposta por Adele Clark – aos pesquisadores de marketing, é o objetivo de Bruno Medeiros Ássimos no capítulo A Análise Situacional ou Grounded Situacional: possibilidades para a pesquisa qualitativa em marketing?
. No texto, o pesquisador explana sobre a Análise Situacional como uma metodologia capaz de entender as relações entre indivíduos, coletividades, organizações, instituições, objetos não humanos, discursos, tecnologias, símbolos culturais, imagens, histórias e assim por diante, de maneira complexa e provocando um pensamento analítico que incentiva o aprofundamento.
Na sequência, Nayara Kelly Batista e Caíssa Veloso e Sousa no texto O uso da técnica ZMET como método para coleta de dados qualitativos: uma análise das campanhas de prevenção ao HIV/AIDS
discorrem sobre a utilização da técnica projetiva chamada Zaltman Metaphor Elicitation Technique (ZMET). As duas pesquisadoras se utilizam de dados de uma pesquisa empírica para identificar e analisar os elementos que devem estar presentes em uma campanha publicitária de prevenção de HIV/AIDS, segundo a percepção de jovens e adultos, residentes em uma capital brasileira.
O capítulo 12, de autoria de Ramon Silva Leite e Francisco Cláudio Freitas Silva, busca defender a ideia de que para os estudos de macromarketing em países emergentes, torna-se importante conciliar diferentes métodos de pesquisa, tendo em vista a diversidade e pluralismo dos contextos sócio-culturais. Com o título Possibilidades metodológicas para estudos sobre Macromarketing na realidade brasileira
, os dois pesquisadores destinam esforços em uma rica descrição sobre um estudo acerca das externalidades do sistema de marketing representado pela Rifa – atividade mascate contemporânea informal que se estende por diversas regiões do Brasil.
Já Gustavo Tomaz de Almeida oferece ao leitor uma discussão sobre o campo das pesquisas transformativas do consumidor na área de marketing. Sob o título métodos e técnicas de pesquisas qualitativas nas pesquisas transformativas do consumidor
, o capítulo foi organizado em cinco frentes: Discussão do campo no Brasil, discussões sobre os métodos e as técnicas utilizadas no campo de marketing, exemplos de aplicações dos métodos em situações de campo, indicação de leituras adicionais e reflexões finais, espaço no qual se propõem temáticas para futuros trabalhos nacionais.
Para fechar o volume, o capítulo escrito por Helga Silva Espigão acaba por fazer uma provocação para o leitor a partir da pergunta que nomeia o texto Cartografia: método de pesquisa inadequado no marketing?
No texto, a pesquisadora se dedica a rastrear o método da cartografia como um método inadequado para pesquisas no marketing. Uma possibilidade conturbada que requer do pesquisador um rigor ético-estético-político ao fazer pesquisa.
Entendemos que, se de um lado poderemos ser acusados de atrevimento em tentar concentrar em um único livro toda a pujança de uma área que se desenvolve de forma tão rápida, por outro também reconhecemos que este foi apenas um primeiro passo que deveria ser entendido como um chamado. Chamado este que possa funcionar como um convite a todos os pesquisadores de marketing no Brasil no sentido de permitir que haja uma maior pluralidade de opiniões tanto no que tange às formas de se pensar os fenômenos de marketing como também adotar diferentes paradigmas e diversos métodos e técnicas para avançar no conhecimento do campo.
Por fim, entendemos que esse livro representa uma ideia primária que deveria ser entendida como um convite a todos os colegas pesquisadores brasileiros em Marketing, no sentido de permitir uma maior pluralidade de opiniões no que tange às formas de se pensar os fenômenos no campo, assim como adotar diferentes paradigmas, métodos e técnicas para avançarmos no conhecimento do campo.
Referências
ARNOULD, E. J.; PRICE, L. L. River Magic: Extraordinary Experience and the Extended Service Encounter. Journal of Consumer Research, v. 20, n. 1, p. 24-45, 1993.
ARNOULD, E.; THOMPSON, C. J. Consumer Culture Theory (CCT): Twenty Years of Research. Journal of Consumer Research. v. 31. March 2005.
ARNOULD, E.; THOMPSON, C. J. Consumer Culture Theory. Los Angeles: Sage Publications, 2018.
ASKEGAARD, S.; LINNET, J. P. Towards an Epistemology of Consumer Culture Theory: Phenomenology and the context of context. Marketing Theory, v. 11, n. 4, p. 381-404, 2011.
BROWN, S. Q. Methodology and Qualitative Research. Qualitative Health Research, 1996.
BURRELL, G.; MORGAN, G. Sociological Paradigms and Organizational Analysis: Elements of the Sociology of Corporate Life. London: Heinemann, 1979.
DAY, G. S.; SHOCKER, A. D.; SRIVASTAVA, R. K. Customer-Oriented Approaches to Identifying Product-Markets. Journal of Marketing, v. 43, n. 4, p. 8-19, 1979.
GREEN, P. E.; SRINIVASAN, V. Conjoint Analysis in Consumer Research: Issues and Outolook. Journal of Consumer Research, 5, p. 103-123, 1978.
GUBA, E.; LINCOLN, Y. Competing paradigms in qualitative research. In: N. K. Denzin; Y. Lincoln (Eds.). Handbook of qualitative research. Thousand Oaks: Sage Publications, 1994, p. 105-117.
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KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1978.
MORIN, E. O Método 5: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2002.
MUNIZ, A. M., O’GUINN, T. C. Brand Community. Journal of Consumer Research, v. 27, p. 412-432, 2001.
TADAJEWSKI, M. The Ordering of Marketing Theory: The Influence of McCarthyism and the Cold War. Marketing Theory, v. 6, n. 1, p. 163-99, 2006.
TADAJEWSKI, M. Towards a history of critical marketing studies. Journal of Marketing Management, v. 26, n. 9-10, p. 773-824, 2010.
Capítulo 1
AVENTURAS DE UM PESQUISADOR NAS ABORDAGENS INTERPRETATIVISTAS DE PESQUISA DO CONSUMO
Daniel Carvalho de Rezende
Introdução
Quando fui convidado para escrever um capítulo sobre minhas vivências com metodologias de pesquisa qualitativa, logo me entusiasmei com a possibilidade de desenvolver e compartilhar alguns insights que tive ao longo dos últimos anos para estimular o debate e o refinamento dos métodos que a comunidade brasileira de Marketing tem utilizado. O crescimento das pesquisas qualitativas é notório, e com ele vem também a reação de positivistas prontos para jogar pedra em tudo que foge dos modelos tradicionais que dominam a disciplina desde o início de sua existência.
Nesse sentido, voltei meu olhar para pesquisas recentes que coordenei e orientei, buscando tópicos de discussão baseados em experiência prática, no intuito de auxiliar os pesquisadores interpretativistas no seu dia a dia de pesquisa. Como, na maioria dos casos, quem foi ao campo e liderou o trabalho de pesquisa foram meus orientados de mestrado e doutorado, recorri a eles para que externassem os desafios, aflições e descobertas que merecessem uma discussão aprofundada (e, em alguns trechos, trago citações diretas das falas deles a respeito). Embora a visão apresentada nesse texto seja minha, devo a eles uma grande parcela das informações e opiniões que enriqueceram a argumentação.
Minha trajetória com a pesquisa interpretativista em marketing se intensificou em 2007, quando passei a ser professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Universidade Federal de Lavras. Por meio de um projeto financiado pela Fapemig, obtive recursos para adquirir livros, e, entusiasmado com o que tinha visto em encontros científicos (Enanpad, por exemplo), mergulhei na obra de autores da antropologia e sociologia de consumo: Don Slater, Jean Baudrillard, Mike Featherstone, Lívia Barbosa, Everardo Rocha, Colin Campbell, Mary Douglas, Baron Isherwood, Grant McCracken, Pierre Bourdieu, Alan Warde e vários outros.
Essas leituras de base foram essenciais para que eu começasse a explorar o universo da pesquisa do consumo simbólico, que começava a se estruturar no mundo (no campo do marketing) por meio do batismo
da Consumer Culture Theory (CCT) anos antes (ARNOULD; THOMPSON, 2005), e no Brasil por intermédio de pesquisas pioneiras realizadas na década de 2000 por parte de professores como Leticia Casotti e Eduardo Ayrosa, entre outros (QUINTÃO, 2018).
Nesses 15 anos como pesquisador com fortes vínculos com a CCT e o paradigma interpretativista de pesquisa (coordenando o Grupo de Estudos em Marketing e Comportamento do Consumidor – GECOM/UFLA), desenvolvi projetos majoritariamente ligados ao estudo do consumo de alimentos e do consumo cultural. Além disso, após meu período de pós-doutorado em 2011-2012 na Universidade de Lancaster, meu interesse recaiu também sobre a emergente vertente da Construção de mercados (ou Estudos de Mercado Construtivistas), de modo que as pesquisas que irão ilustrar as discussões desse capítulo se inserem nessas duas grandes áreas temáticas.
Para início de conversa: quebrando alguns mitos sobre a pesquisa qualitativa
Decidi começar minhas reflexões por questões ontológicas e epistemológicas que me afligem e que são base para as escolhas metodológicas no campo de estudos da pesquisa interpretativista. Uma dessas questões é a necessidade de que uma tese de doutorado tenha necessariamente uma tese
a ser defendida, tese essa apresentada na forma de uma afirmação que aparece usualmente na seção introdutória.
Uma tese defendida pressupõe na tradição positivista a apresentação de algo que deriva do olhar do pesquisador sobre a teoria e que, num processo dedutivo, se estrutura por meio de uma ou mais hipóteses que podem ser testadas e confirmadas (ou não) ao final da pesquisa. Tudo certo com relação a isso.
No entanto, quando se pensa em um estudo interpretativista, que tem formato indutivo e circular, priorizando a descoberta e os achados imprevisíveis que vêm do campo e confrontando esses achados com a teoria existente, o pesquisador não tem uma tese a ser defendida a priori. O que ele produz são proposições/constatações baseadas no que foi observado no campo e que são apresentadas na discussão dos resultados e nas considerações finais. Essas proposições podem até ser chamadas de teses da pesquisa, mas elas são fruto do trabalho de investigação e devem ser apresentadas ao final. Elas também não podem ser defendidas no sentido estrito, pois não são testadas ou validadas nos moldes tradicionais.
Epistemologicamente, a relação do pesquisador interpretativista com a realidade é permeada pelo entendimento que a busca por verdades absolutas ou leis não faz sentido. Ou seja, as conclusões derivadas das pesquisas (sejam ou não chamadas de teses) dependem do olhar do pesquisador. A banca pode ou não concordar com a qualidade da argumentação apresentada, mas não existe mecanismo de verificação do que está certo ou errado, ou seja, o trabalho de tese não é algo que se pretende que seja disseminado como um achado cientificamente comprovado
.
Um trabalho qualitativo traz novas revelações e tem como principal riqueza instigar novos caminhos e pesquisas. Essas descobertas, por si só, podem ser articuladas para gerar teorias poderosas – na CCT um bom exemplo é teoria do self estendido (BELK, 1988) –, por meio de discussão e argumentação fundamentada. Isso desafia o pensamento positivista, pelo qual a teoria só estaria completa após a criação e tese de um modelo, o que se evidencia na famosa frase ouvida em bancas ou congressos quando um avaliador positivista faz um comentário sobre um trabalho qualitativo: agora para completar sua pesquisa você deve testar, em pesquisas futuras, se as proposições que você fez são válidas
.
Belk e Sobh (2019) e Askegaard e Linnet (2011) trazem contribuições relevantes para a discussão de como se gera teoria no âmbito da pesquisa interpretativista. Ao clamar por estudos que consigam estabelecer o contexto do contexto, Askegaard e Linnet (2011) defendem abordagens que superem o individualismo metodológico e possam levar em conta as restrições (não determinísticas) as