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O Céu dos Passarinhos
O Céu dos Passarinhos
O Céu dos Passarinhos
E-book395 páginas4 horas

O Céu dos Passarinhos

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Sobre este e-book

Amália é uma garota de 18 anos habitante de um país em que mulheres eram vítimas de opressão constante. Para evitar que a população feminina sobrepusesse em número a população masculina, constava na lei que as garotas, ao completarem 18 anos, teriam um ano para encontrar um emprego e, caso não o fizessem, seriam mandadas para o exílio. O prazo de Amália estava se esgotando, já que beirava os 19 anos de idade.
Existiam também, nesse mesmo país, diversas leis e políticas de perseguição às fadas, condenadas à morte depois de diversos desentendimentos com os líderes governamentais. Isso não seria um problema tão grande para Amália se ela fosse uma garota como todas as outras, mas, claro, não era o caso.
Fugindo da perseguição, ela foi deixada escondida ainda bebê em uma das Casas de Recolho, lugares onde as crianças do sexo feminino eram mandadas até completarem o primeiro ano de vida. Como todas as fadas que continuavam a tentar sobreviver em meio ao ódio, se é que existissem outras, Amália escondia tudo o que pudesse revelar sua verdadeira natureza de todos e até de si mesma.
Entretanto, a necessidade de buscar um emprego começou a colocar em jogo seu disfarce. Além disso, dilemas e experiências pessoais trazidas à tona poderiam dificultar ainda mais a vida da garota.
Será que ela estaria mesmo do lado certo da história ou seria, de fato, a vilã do País?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de jun. de 2024
ISBN9786583009098
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    O Céu dos Passarinhos - Amanda Gambogi

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    Sobre o Livro

    "O livro tem um poder mágico especial: a assimilação. É muito fácil se colocar no lugar de Amália. No fim das contas, todas nós, as fadas – de dentro ou de fora do reinado do Rei Augusto e da Rainha Fátima – nos sentimos diante do exílio. E o livro provoca, em cada leitor, a reflexão do próprio exílio.

    O Céu dos Passarinhos te convida a ser infinito através dos desafios enfrentados por Amália, que assim como nós, enfrenta os desafios de um mundo que sequer percebe que precisa de conserto. "

    Vanessa Godoy, autora de Brigada dos Amaldiçoados

    prologo

    Prólogo:

    Outra vez a tesoura já estava em minhas mãos. Olhei para o espelho e me deparei com uma pessoa assustada, infeliz, temerosa, talvez perigosa, mas tinha muito mais medo dos outros do que de mim. Estava sozinha, desamparada. Talvez fosse meu destino, entretanto, devia me apresentar como um ser humano, então encarei novamente a tesoura de metal, aquela que mais uma vez arrancaria pedaços de mim, me consumindo aos poucos.

    Segurei toda minha pequena mecha de cabelos prateados da parte de baixo da cabeça, próxima à minha nuca. Eu costumava chorar de dor, mas já começava a me acostumar. Era para o meu bem, tentei pensar, porém não mudou meu medo, no entanto, era melhor do que a dor que sentira muitos anos atrás.

    Naquele tempo, eu estava no meio da floresta assombrada, ninguém mais ia ali. Nunca tive muita prática em voar, porém ao menos podia esticar as asas naquele local vazio, algo que me aliviava.

    Só que essa fora a última vez que estivera lá.

    Ainda prendia minha mecha prata para dentro do cabelo, de forma a ficar escondida dos olhares curiosos, contudo, por um breve momento, dei-me a liberdade de soltá-la. Era uma delícia, eu em meu pleno estado de vida, unida aos elementos naturais como todas as fadas deveriam ser.

    Já tinha passado um tempo e estava com fome. Peguei uma ameixa bastante vermelha que tinha surrupiado do refeitório da Casa de Recolho e dei uma mordida. Estava, de fato, deliciosa. Um doce sabor de liberdade, mas efêmero.

    Naquele instante eu já tinha recolhido minhas asas, mas meu cabelo ainda estava a mostra, arrumaria antes de voltar à Casa. O que eu não esperava, porém, era que apareceria um buscante bem neste momento.

    Eu não tinha sequer comido metade da ameixa quando o sujeito surgira.

    — O que faz no entardecer aqui na floresta sozinha, menina?

    Ainda mastigando, respondi assustada:

    — Vim buscar um pouco de paz longe da cidade, mas estou de saída.

    O homem estreitou o olhar.

    — Esta floresta ainda é esconderijo de fadas, tome cuidado. — Um arrepio percorreu minha espinha, apesar das risadas internas: fadas não andavam por lá, não andavam em lugar nenhum e era tudo culpa de sujeitos como aquele. Deveria ser algum tipo de piada.

    — Sim, senhor. Obrigada pelo aviso, já vou indo, então. — Dei as costas, tentando disfarçar o susto, e comecei a andar em direção à cidade. Joguei a ameixa longe, pois a fome dera lugar ao medo. Fazia mais de uma década do segundo expurgo e, ainda assim, buscantes trabalhavam à procura de fadas como eu.

    Dei passos apressados antes que ele notasse algo diferente.

    — Pare, garota.

    Congelei.

    — Volte aqui.

    Continuei congelada no lugar.

    — Não ouviu? Volte aqui. — Mandou, ríspido, em tom odioso. Segui a ordem com passos vacilantes. Parei na frente do homem.

    — De costas.

    Virei, rezando para todas as forças naturais que lembrava para que não me deixassem morrer ali. Ainda era muito nova.

    Ele puxou meu cabelo, mechas pratas à mostra; segurou-as brutalmente e agonizei com a dor.

    — Não é que você é uma dessas infelizes fadas? Estão tentando uma rebelião, por acaso? Se encontram aqui aos grupos? — As perguntas jorravam em meio à fúria.

    Minha boca estava congelada. A dor em minhas mechas era grande.

    — Responda, criatura!

    Não conseguia falar. O desespero e a dor me consumiam. Ele me deu um tapa no rosto.

    — Se não me responde por bem, responde por mal.

    Outro tapa. Mais outro. Estava ainda mais incapaz de falar.

    Rajadas e rajadas de dor brotaram em meu rosto. Tapas, socos, chutes. Lágrimas caíam de meus olhos.

    — Responda!

    Não sabia mais se minhas lágrimas eram pela dor, pelo susto ou pela solidão. Fadas não se juntavam e não faziam nada em conjunto. Rebelião era algo impensável. Era absurdo, ridículo. Não existiam outras além de mim.

    — Se não responder, morre.

    Chutes e socos e tapas e arranhões. Ao menos nenhuma arma. Ouvira certa vez que armas não machucavam fadas. Nunca soube se era verdade, mas aqueles golpes machucavam e muito. O corpo e a alma.

    Fui atacada até perder os sentidos e cair no chão. Uma pessoa, um ser, uma criatura, uma aberração, uma coisa, um nada. Um corpo, um lixo.

    Ele deve ter pensado que eu estava morta, só que fadas não morrem fácil assim.

    Pelo menos não fisicamente.

    Acordei de madrugada, a lua estava alta. Corri para meu banheiro, lutando contra aquilo que sentia. Então cortei, chorando de dor, física e sentimental, minhas mechas pratas com a tesoura de metal. Doía, mas parecia necessário.

    Era o que eu estava repetindo em minha cabeça, sem ao menos conseguir me olhar no espelho. Passava a lâmina pelos fios, mutilando um por um. A cor prata esvanecia, ficava castanha escura, sem brilho, como o resto de meu cabelo. Joguei no vaso sanitário e dei descarga. Os fios de vida se juntaram ao esgoto.

    Perder minha identidade de fada era necessário. A sobrevivência importava, pelo menos era o que eu pensava.

    Saí do banheiro e fui para o quarto dormir. Apenas mais um dia com essa rotina.

    1

    Casa de Recolho

    Aquele seria mais um dia normal em que eu, apesar do sono, acordava cedo, me vestia, tomava café da manhã, observava o quadro de empregos disponíveis, escolhia um, ia para a entrevista e tentava ser aprovada. Mas, para quebrar a rotina, uma das garotas da Casa de Recolho fazia seu aniversário de 18 anos. Só que não era qualquer garota, era a queridinha das cuidadoras e, portanto, o momento não iria passar despercebido.

    Claro, era de se esperar que uma pessoa dessas que completam a maioridade já com um emprego e lar garantido tivesse seu dia de princesa, ao contrário de mim, que ainda tinha que correr para achar um trabalho enquanto os 19 ameaçavam bater à minha porta. Até porque, se não encontrasse nenhum até essa idade, seria exilada. Uma regra maravilhosa, grande perspectiva.

    Esse era o destino das garotas de todo o país: nascer, ser mandada para a Casa de Recolho, completar 18 anos, achar um emprego — ou ser exilada por falta de habilidade — casar, ter filhos, mandar as filhas para a Casa de Recolho, viver e morrer. Claro, para os garotos, a situação se resumia a nascer, crescer, trabalhar no negócio da família, casar, viver e morrer. Era, de fato, uma ideia melhor, porém eu não me importaria tanto com o destino das pessoas se tivesse um emprego garantido. O medo do exílio era maior.

    Catarina entrou no salão das refeições toda cheia de pompa, chamando a atenção de todos que ali estavam, inclusive de minha pessoa. De fato, ela estava maravilhosa: usava um vestido vermelho de manga longa com detalhes em renda, provavelmente feito sob medida por seus novos contratantes que, aparentemente, eram ricos. Seus cabelos castanhos e lisos estavam presos em um coque trançado meio solto, acomodando uma pequena presilha de pérolas. O tom de pele bronzeado da menina contrastava com seu traje de forma que ela parecesse até um pouco mais velha do que era.

    A etiqueta mandava que a garota empregada deveria, em mais perfeita condição, ser apresentada à realeza em presença de seus contratantes, e era a vez de Catarina.

    — Ai, meu amor, meus parabéns! — Celebrou a cuidadora Marilda, uma das mais severas comigo, mas que adorava a aniversariante do dia e a tratava com todo carinho. — Você está linda, Catita! — Aproximo-se a melhor amiga de Catarina, alguns meses mais nova. — Hoje é seu dia especial, não vejo a hora de ter 18 e poder curtir a liberdade contigo!

    — Uma hora chega, Luísa, uma hora chega, está perto! — Completou Marilda, a cuidadora de cabelos ruivos que também a adorava.

    Por todo o salão as garotas parabenizavam a aniversariante. Parecia até mesmo que a rainha em pessoa estava ali, de tantos elogios que reverberavam pelo ambiente, contudo, a maioria era de puxa-sacos. Nenhuma pessoa em sã consciência gostaria de verdade de Catarina e seu bando.

    — Muito obrigada, meninas, mas já vou indo, não quero me atrasar! Marilda, me acompanha, por favor?

    Por um momento, cheguei a pensar que ficaria por isso mesmo, que em seguida a manhã fluiria normalmente. Claro, eu estava enganada.

    — Amália, leve as malas até a porta. Elas estão no antigo quarto de Catarina, no terceiro andar — pediu Marilda

    Olhei para a cuidadora, ela sabia que eu tinha pouco tempo até a entrevista de emprego que escolhi para o dia, pois havia comentado com ela na tarde anterior e, claro, sabia que eu mal tivera tempo de terminar meu café da manhã.

    — Amália, não adianta fazer essa cara. Você não consegue emprego, não faz nada de útil, faça isso agora, antes que tenha que te castigar — completou Paula, outra cuidadora, austeramente.

    Eu sabia que não tinha como escapar, nunca tinha. Não adiantava que dissesse que teria entrevista em pouco tempo, elas sempre insistiam que eu era à toa e, só de pensar nos castigos, me arrepiava.

    Sentia muita saudade de Lídia, a cuidadora que ficara comigo até meus sete ou oito anos, já não me recordava. Ela era doce e carinhosa comigo, quando estava perto de mim, não deixava que as outras garotas e cuidadoras me maltratassem. Era a única que sabia minha história, que sabia que eu era fada. Só que um dia ela desapareceu e as demais cuidadoras não quiseram me contar o motivo, até que, anos depois, descobri que tinha sido presa pelo governo enquanto entreouvia escondida uma conversa entre duas cuidadoras. Nunca mais a vi, mas, às vezes, sonhava em encontrá-la em algum dos cômodos da Casa de Recolho, no típico uniforme verde oliva das cuidadoras. Rezava para as divindades que ainda voltasse a vê-la. Aspirava muito por esse momento.

    Por agora, o que me restava era obedecer às ordens de Marilda.

    — Sim, senhora. — Eu disse em pura monotonia enquanto me dirigia pela escada, passando ao lado de Catarina e Luísa.

    Não importava que o dia era especial para a primeira garota, ela ainda não teria cumprido sua meta diária se não me provocasse.

    — Rápido, escrava — cochichou em meu ouvido. Ignorei, revirando os olhos assim que passei por ela, deixando para trás as risadinhas provocativas.

    Subi aquela escadaria infernal, agradecendo por ter meu quarto no primeiro andar, apesar de ser cheio de mofo e nem um pouco arejado, com apenas uma minúscula janela; garotas feias e inúteis como eu não mereciam um bom quarto, como sempre dizia Catarina, Luísa e as demais garotas do grupo que, apesar de mais novas do que eu, já haviam completado seus dezoito anos e conseguido um emprego. Como era de se esperar, as cuidadoras ouviam as falas depreciativas daquelas meninas e ainda colocavam pilha. Por sorte, apesar de nunca entender o porquê daquele ódio gratuito, tinha me acostumado com isso.

    Mas não com descer aqueles três andares segurando uma mala, uma mochila que tinha mais de dez quilos e uma pilha enorme de livros que tinha certeza que Catarina jamais lera, pois passava tempo demais se preocupando em encher minha paciência para gastar o resto com leitura. Depois de quase tropeçar umas seis vezes tentando atingir o primeiro andar com aquilo tudo, finalmente cheguei e deixei as coisas na porta principal onde Catarina esperava com as demais meninas. Tentei passar despercebida e ir direto para meu quarto, precisava me arrumar logo para a entrevista.

    Falhei na missão.

    — Não vai se despedir de mim, sua grande companheira, Amália? — inferiu a felizarda em um claro tom de provocação. Pelo visto ela ainda não tinha atingido sua meta de perturbações diárias.

    Ignorei mais uma vez e rapidamente me virei para ir embora mas, claro, Luísa tinha algo mais planejado. Aquelas duas tinham uma sincronia que chegava a assustar. Assim que dei meu primeiro passo rumo ao quarto, Luísa pôs o pé em minha frente, me fazendo dar de cara com o chão.

    Como eu odiava aquelas meninas…

    — Isso que dá ignorar as amigas, Amália — riu Luísa junto com Catarina.

    Se eu pelo menos dominasse meus poderes de fada, daria um jeito naquelas mocreias…

    Como a realidade era outra, apenas respirei, me levantei e fui ao quarto ouvindo os burburinhos e as risadinhas ao fundo.

    Não é como se eu tivesse muitas opções de roupa, mas ao menos tinha uma calça bege não rasgada e um suéter vinho pouco desbotado que, junto com o único cinto que eu tinha, cairiam bem para minha entrevista de emprego.

    Eu sabia que era em uma fazenda, porém não tinha ideia do que esperar, o convite do trabalho apenas dava essa informação, os horários de disponibilidade e o local. Vesti as roupas com pressa e prendi meu cabelo em um rabo de cavalo que ficou incrivelmente bem feito, apesar de minha falta de habilidade. Por fim, calcei uma bota mais ou menos confortável que eu mantinha guardada para esse tipo de ocasião.

    Olhei no meu pequeno relógio de parede, faltavam vinte minutos para o horário e era do outro lado da cidade. Saí depressa pela porta dos fundos, já que assim me livraria das garotas encrenqueiras. Não tive tempo de separar uma fruta para o lanche, mas todas as entrevistas mais longas que fizera até hoje ofereciam refeições, algumas extremamente saborosas. Esse era o costume e, portanto, não tinha motivo para me preocupar.

    Cheguei apressada e já um pouco suada no estábulo e peguei o primeiro cavalo disponível, que parecia até bastante saudável, com uma pelagem marrom escura, parecia ser recentemente adquirido, pois não lembrava de ver cavalos tão bem cuidados naquele local a um bom tempo.

    Depressa, coloquei a cela no animal e o montei. Ele foi trotando com rapidez pelos arredores da cidade até que chegamos ao caminho que levava à fazenda. Infelizmente chovera muito nos últimos dias e havia muito barro na estrada. O cavalo teve que passar vagarosamente por ali e tive sorte de conseguir chegar limpa ao meu destino. Não percebi quanto tempo tinha gastado nesse trajeto enlameado, mas não parecia ter sido muito além do esperado.

    Mais tarde daria uma maçã escondida ao bichinho pelo esforço. Ele merecia. Fui caminhando até a casa principal da fazenda. Era muito suntuosa, toda bem cuidada. Suas paredes eram todas brancas com alguns detalhes em azul nos batentes das portas e janelas. Tudo aquilo dava um ar de paz muito grande.

    O jardim tinha flores muito coloridas, recheado de lavandas, gérberas e margaridas que deixavam o ar perfumado. Todas as árvores estavam bem aparadas e algumas tinham belos frutos. A grama era verde, refletindo a beleza da temporada chuvosa que estava prestes a se encerrar.

    Passarinhos voavam por ali, cantarolando com o raiar do dia. Se não fosse por eles, estaria tudo em mais completo silêncio. No chão, cabritinhos pastavam, deixando tudo aquilo mais vivo.

    Eu adoraria trabalhar aqui, pensei. Amarrei o cavalo em uma cerca perto da entrada e coloquei um sorriso no rosto enquanto subia os poucos degraus da escadaria à frente da porta do casarão. Dessa vez eu estava confiante que sairia empregada.

    finalcap2

    Fazenda

    Antes de bater na porta, respirei bem fundo. Rezei bem rápido à todas as deidades que me lembrava para que desse tudo certo naquele emprego. Já estava passando da hora de conseguir um lugar para trabalhar e, se fosse tão belo quanto aquele, melhor ainda.

    Já com a mão estendida, me surpreendi com um barulho atrás de mim. Virei-me depressa.

    — Psiu, aí não! — Cochichou uma mulher mais velha que parecia trabalhar na fazenda. Seus olhos estavam assustados. Ela não parecia estar muito bem, suas olheiras eram enormes. Seu uniforme verde musgo com um avental branco estava em perfeita condição, mas uma das mangas estava arregaçada, deixando levemente à mostra uma marca escura que parecia ser um hematoma. Ela também aparentava estar mais magra do que o normal e seu cabelo parecia ralo por baixo da pequena touca branca.

    — Olá, eu vim para buscar a vaga de emprego que estão anunciando. É aqui mesmo, né? — questionei.

    A idosa tinha começado a andar em círculos com dificuldade e de um jeito bastante assustador, como se algo a perseguisse. Não consegui entender o motivo.

    — Emprego? Emprego? É, acho que é aqui. Mas não pode ser… Aqui não… — disse ainda andando em círculos, em um tom muito baixo, quase inaudível. Sua voz era rouca, ilustrando sua idade já avançada.

    — Ei, ei, tá tudo bem conti… — Tentei perguntar, me aproximando dela, mas me interrompeu no mesmo instante se afastando de mim.

    — Baixo, baixo… fale baixo ou eles podem notar… baixo, bem baixo…

    Realmente não consegui entender o que estava se passando na cabeça daquela mulher. Ela definitivamente não estava bem. Em todo caso, tentei não me preocupar muito. Ouvi a porta se abrindo. De dentro da majestosa casa, saiu uma mulher extremamente bem arrumada, usando uma blusa branca e saia azul engomada, cabelos castanhos presos em coque, com um chapéu na cabeça e um sorriso acolhedor. Estaria tudo em ordem, caso não tivesse reparado que aquela idosa que não parava de girar tinha saído correndo dali, tropeçando no meio do caminho, com um desespero notável.

    Engoli a surpresa da reação da senhora e tentei manter o tom calmo:

    — Bom dia, fiquei sabendo que estão oferecendo uma vaga de emprego aqui, gostaria de me candidatar.

    A mulher em minha frente manteve o sorriso e se apresentou:

    — Bom dia, seja bem vinda! É aqui mesmo! Assenti, satisfeita de estar no lugar certo.

    — Antes de começar, gostaria de perguntar se está tudo bem com aquela mulher que estava aqui antes, ela parecia bastante consternada. — Eu disse, pois não aguentaria não perguntar o que havia de errado. Não me sentiria bem vendo alguém daquele jeito sem saber se poderia ajudar.

    Por um instante, percebi o sorriso da mulher vacilar, mas logo retornou à sua firmeza.

    — Ela é uma de nossas empregadas. Coitada, já chegou aqui assim, sempre achando que alguém a perseguia. Mas estamos fazendo o possível para garantir uma boa qualidade de vida à ela.

    Respirei aliviada.

    — Que bom! Fico feliz em saber disso, espero que ela fique melhor. — Sorri. — Meu nome é Amália. Como posso chamar a senhora?

    — Por favor, Amália, sente-se aqui neste banco — Apontou para um banquinho próximo à porta. Estranhei não ter me convidado para entrar, mas obedeci. — Me chame de dona, não gosto de ouvir meu nome saindo pela boca de meus empregados, se torna algo banal, entende?

    Na verdade, não entendi, porém a necessidade de emprego era maior. Era apenas um tratamento de nome, afinal.

    — Claro, como preferir.

    — Excelente! Seu trabalho é o seguinte: manter a pintura de toda a casa e as cercas em dia. Tudo sempre com bastantes cores vivas. — Ótimo, eu poderia fazer isso com tranquilidade, adorava pintar. — Seu uniforme está no anexo que fica detrás do curral das ovelhas. Ali também ficam as camas de todos os empregados e é onde você deve dormir. Jamais entre na casa principal, apenas as empregadas de dentro da casa têm permissão para permanecer ali. Fora isso, está contratada. Vamos acertar os detalhes para sua apresentação à Família Real amanhã?

    Definitivamente estranhei a proposta mas, mais uma vez,

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