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Tempo de dizer adeus
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E-book349 páginas4 horas

Tempo de dizer adeus

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Sobre este e-book

Como abandonas a pessoa que mais amas?
Com seis anos, Ella, a filha de Will Curtis, sabe que o pai nunca a abandonará. Afinal, ele prometera-lho quando a mãe morrera.
E fará tudo o que lhe for possível para manter a sua palavra. O que Will não sabe é que a promessa que fez à filha pode ser mais difícil de cumprir do que imaginava.
Quando confrontado com uma decisão impossível, Will descobre que a opção mais óbvia pode não ser a correta. Mas o futuro está cheio de surpresas inesperadas.
E pai e filha estão prestes a embarcar juntos numa viagem inesquecível ...
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mar. de 2017
ISBN9788491391173
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    Pré-visualização do livro

    Tempo de dizer adeus - S.D. Robertson

    HarperCollins 200 anos. Desde 1817.

    Editado por HarperCollins Ibérica, S.A.

    Núñez de Balboa, 56

    28001 Madrid

    Tempo de dizer adeus

    Título original: Time to Say Goodbye

    © 2016, S.D. Robertson

    © 2017, para esta edição HarperCollins Ibérica, S.A.

    Tradutor: Fátima Tomás da Silva

    Reservados todos os direitos, inclusive os de reprodução total ou parcial em qualquer formato ou suporte.

    Esta edição foi publicada com a autorização de HarperCollins Publishers Limited, UK.

    Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, acontecimentos ou situações são pura coincidência.

    Desenho da capa: HarperCollinsPublishers Ltd. 2016

    Imagem da capa: Shutterstock/Getty Images

    ISBN: 978-84-9139-117-3

    Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

    Sumário

    Tempo de dizer adeus

    Créditos

    Sumário

    Agradecimentos

    Dedicatoria

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    Capítulo 7

    Capítulo 8

    Capítulo 9

    Capítulo 10

    Capítulo 11

    Capítulo 12

    Capítulo 13

    Capítulo 14

    Capítulo 15

    Capítulo 16

    Capítulo 17

    Capítulo 18

    Capítulo 19

    Capítulo 20

    Capítulo 21

    Capítulo 22

    Capítulo 23

    Capítulo 24

    Capítulo 25

    Capítulo 26

    Capítulo 27

    Capítulo 28

    Capítulo 29

    Capítulo 30

    Capítulo 31

    Capítulo 32

    Capítulo 33

    Capítulo 34

    Capítulo 35

    Agradecimentos

    Diversas pessoas desempenharam um papel importante para dar vida a este livro. Foi um caminho longo até chegar à publicação e não o teria conseguido sem ajuda.

    Em primeiro lugar, agradeço à minha família por acreditar em mim sem hesitar. Obrigado por lerem os primeiros rascunhos, por estarem ao meu lado para ouvir todas as minhas perguntas e medos, e por me permitirem a liberdade de atingir o meu sonho. Claudia, Kirsten, mãe, pai e Lindsay, são todos maravilhosos.

    Em seguida, devo agradecer ao meu agente, Pat Lomax. Soubeste guiar-me através deste processo desde o princípio até ao fim. Acreditaste no meu livro desde o começo. Viste o que os outros não viram e lutaste por mim deste então. Agradeço enormemente o teu trabalho árduo e o teu apoio.

    Agradeço à equipa maravilhosa da Avon/HarperCollins, em particular Lydia Vassar-Smith, Katy Luftus, Eleanor Dryden e Kate Ellis, que transformaram o processo editorial num prazer. Duvido que exista um lugar mais agradável onde aprender os pormenores de como levar um livro para o mercado.

    Antes de ter agente ou editor, vários amigos tiveram a amabilidade de ler os primeiros rascunhos deste livro e de me dar conselhos. Agradeço-vos, Mervyn Kay, Tim Smith e Nick Coligan. São fantásticos.

    Também devo mencionar Maurice Cohen, Rosie Kaye e Hillary Shaw. A vossa ajuda não tem preço.

    E por último, obrigado, leitor. É a razão por que escrevo.

    Para Claudia e Kirsten

    Capítulo 1

    14:36. QUINTA-FEIRA, 29 DE SETEMBRO DE 2016

    Morrer não fazia parte da lista de coisas para fazer que redigira naquela tarde. Provavelmente, a condutora do jipe também não planeara matar um ciclista. Mas foi o que aconteceu. O carro preto e enorme atravessou-se no meu caminho. Atingiu-me de frente. Não houve tempo para reagir. Só o som horrível dos travões, a sensação de voar e uma dor súbita e intensa. Depois, ficou tudo às escuras.

    A próxima coisa que recordo é estar de pé na calçada, a ver dois paramédicos que lutavam para fazer reviver o meu corpo magoado e ensanguentado. Desejava que conseguissem e até me aproximei um pouco com a esperança de poder voltar a entrar no meu corpo no momento exato, mas foi inútil. Confirmaram a minha morte minutos mais tarde.

    Mas continuo aqui, pensei. No que me torna isso? E, então, pensei nela. O que lhe aconteceria se eu morresse? Ficaria sozinha, abandonada por ambos os pais: exatamente o que lhe jurei que nunca aconteceria.

    — Esperem! Não se rendam! — gritei para os paramédicos. — Não parem! Continuo aqui. Têm de continuar a tentar. Não sabem o que estão a fazer. Não me deixem assim, bolas! Não estou morto.

    Gritei com todas as minhas forças, rogando e suplicando que tentassem reanimar-me novamente, mas não me ouviam. Era invisível para eles e, ironicamente, para os espetadores reunidos à frente do cordão policial, vários deles a filmar com os telemóveis, ansiosos por ver um morto.

    No meu desespero, tentei agarrar um dos paramédicos. Mas, quando lhe toquei no ombro direito com a mão, fui empurrado para trás por uma força invisível. Fiquei caído no asfalto. Estava perplexo, mas, curiosamente, não me doía nada. Levantei-me e voltei a tentar com o colega, mas voltei a ver-me empurrado contra o chão. O que diabos estava a acontecer?

    Então, vi a condutora que me tinha matado. Fumava cigarros mentolados sem parar sob o olhar atento de um jovem polícia.

    — Foi um acidente — defendeu-se ela, sem parar de fumar. — O GPS caiu ao chão. Tinha-o nos pés. Estava a tentar apanhá-lo quando… Meu Deus, ainda vejo a cara dele a bater no para-brisas. O que fiz? Ficará bem? Diga-me que sobreviverá.

    — Parece-te que vou sobreviver? — perguntei eu, de pé à frente dela, a olhar para ela na cara e a esforçar-me para que me visse. — Parece-te que vou sobreviver? Mataste-me. Estou morto. E tudo por um maldito GPS. Olha para mim, pelo amor de Deus! Estou aqui.

    Teria tido um aspeto fantástico se não fosse pelo vómito nos sapatos de salto alto e nas pontas do cabelo. Estava pálida e tremia tanto que não tive coragem de continuar. Sabia o que fizera.

    — Porque continuo aqui? — gritei para o céu.

    — Podes dizer-me as horas? — perguntou um polícia a outro.

    — São três.

    Merda! Estava na hora de sair das aulas. A escola de Ella era a quinze minutos a pé. Segui o meu instinto e comecei a correr.

    Os últimos atrasados estavam a sair pelas portas da escola quando cheguei. Os efeitos colaterais do meu acidente já se deixavam ver na fila de carros e nas pessoas com a cara colada às janelas, que tapavam uma faixa da rua. Corri para a parte traseira do edifício, onde Ella estaria à espera, e via-a ali sozinha, com o olhar perdido.

    — Aqui, querida! — gritei, abanando a mão enquanto corria pelo pátio vazio. — Não faz mal. Já estou aqui.

    Não sei em que estava a pensar. Porque é que ela haveria de me ver quando mais ninguém me via? Ver a minha filha de seis anos a olhar para mim sem me ver foi como um balde de água fria.

    — Ella, o pai está aqui! — gritei, pela enésima vez, ajoelhado à frente dela para que ficássemos cara a cara, mas sem me atrever a tocar nela depois do que acontecera com os paramédicos. Tinha os lábios cortados e a mão direita, agarrada à marmita da Hello Kitty, suja de tinta vermelha de marcador. Deixei escapar um grito abafado ao perceber que não poderia recordar-lhe que devia usar o batom do cieiro ou ajudá-la a «lavar essas garras imundas». Alheia à minha presença, olhava para o outro extremo do pátio, expectante.

    A senhora Afzal saiu pela porta aberta atrás de Ella.

    — Ainda não chegou, querida? Será melhor entrares.

    — Chegará em breve — disse Ella à professora. — Talvez a pilha do relógio tenha voltado a acabar.

    — Anda. Vamos ao escritório para lhe telefonar.

    Senti pânico ao imaginar o meu telemóvel a tocar na parte traseira da ambulância enquanto levavam o meu corpo. Imaginei um dos paramédicos, com o uniforme verde ainda manchado com o meu sangue, a rebuscar nos meus bolsos para o tirar. Quanto tempo é que Ella demoraria a descobrir o que acontecera?

    Estava prestes a segui-las para o interior da escola quando senti que alguém me batia no ombro. Virei-me, assustado.

    — Olá, William. Lamento ter-te assustado. Eh, sou Lizzie.

    À minha frente, estava uma mulher roliça vestida com um fato de saia cinzento amarrotado e um impermeável bege. Tinha o braço estendido para me apertar a mão. Com cuidado, receando outro encontro com o asfalto, estendi o braço para a mão roliça. Estava fria, apesar do sol que brilhava naquela tarde de finais de setembro.

    — Como sabes o meu nome? — perguntei. — E como consigo tocar em ti?

    — Fui enviada para te buscar quando morreste. Provavelmente, tens muitas perguntas.

    — O que és? Uma espécie de anjo? Não brinques comigo.

    Lizzie, que devia ter vinte e muitos anos, passou uma mão pelo cabelo preto e ondulado, que apanhara num rabo de cavalo. Franziu o nariz e o gesto fez-me pensar num coelho.

    — Eh, não… Não sou um anjo. Estamos na mesma equipa, mas eles estão mais acima na ordem hierárquica. Considera-me uma guia. Este pode ser um momento confuso. Estou aqui para fazer com que a tua transição da vida para a morte seja o mais fluída possível. Como está a correr até agora?

    — Bom, estou morto. À exceção de ti, ninguém consegue ver-me. Nem sequer a minha menina, que está prestes a descobrir que é órfã. Como achas que estou?

    — Claro. Lamento muito. Há alguma coisa que possa fazer para te ajudar?

    — Poderias devolver-me à vida e levar aquela maldita condutora louca no meu lugar. Estou aqui por causa dela.

    Ela abanou a cabeça.

    — Receio que não seja possível. Mais alguma coisa?

    — Podias ajudar-me a comunicar com a Ella. Se realmente sou um fantasma, isso não significa que as pessoas conseguem ver-me em determinadas circunstâncias? Preciso que saiba que continuo aqui, que não a abandonei.

    — Não costumamos usar a palavra «fantasma». Tem demasiadas conotações negativas. Preferimos o termo «espírito».

    — Seja o que for… Estás a focar-te nos pormenores. Posso falar com a Ella ou não?

    — A Ella não consegue ver-te. Tu próprio o disseste. Não é assim que funciona. A razão por que estou aqui é para te guiar para o outro lado e para te mostrar os pormenores.

    — E se não quiser ir?

    — Não resta nada aqui.

    — E a minha menina? A Ella precisa de mim.

    — Já não é da tua responsabilidade, William. Está fora do teu controlo. Agora, és um espírito. O que te espera do outro lado é incrível e não pode explicar-se com palavras.

    — Não respondeste à minha pergunta. E se não quiser ir? Vais levar-me de rastos enquanto grito e esperneio?

    — Não vou levar-te a lado nenhum se não quiseres ir.

    — Então, posso ficar?

    Ela encolheu os ombros.

    — Tu é que decides…

    — E se for contigo? Posso mudar de opinião e regressar?

    — Não. É um bilhete de ida.

    — E ao contrário? Se não quiser ir contigo agora, posso ir mais tarde?

    Lizzie hesitou por um instante, antes de assentir com a cabeça.

    — Há um período de graça.

    — Agora, começamos a entender-nos. Quanto tempo?

    — Isso depende — olhou para o Céu. — É uma decisão de cima. Teria de voltar a entrar em contacto contigo.

    — Está bem. Então, também entrarei em contacto contigo. Como te localizo?

    Conforme disse aquilo, distraiu-me a voz de dois professores que se dirigiam para nós a conversar. Virei-me para olhar para eles por um instante e, ao virar-me novamente, Lizzie desaparecera.

    Olhei para a esquerda e para a direita, sem entender nada.

    — Olá? Estás aí? Ainda consegues ouvir-me? Não respondeste à minha pergunta. E porque não posso tocar em ninguém senão em ti?

    Fiquei calado e esperei que reaparecesse, mas não o fez.

    — Incrível — murmurei. — Suponho que estou sozinho.

    Abandonara a minha única filha. Quebrara a promessa que lhe fizera incontáveis vezes, geralmente, quando ela estava deitada na cama à noite e perguntava pela mãe, com os olhos esbugalhados e inquisitivos.

    — Papá, nunca me abandonarás, pois não?

    — Não, claro que não, querida. Não tenciono ir a lado nenhum. Nunca te abandonarei.

    — Prometes?

    — Prometo. Com toda a minha alma.

    Dentro da escola era evidente que já tinham descoberto qualquer coisa. Tinham tirado Ella do escritório e tinham voltado a levá-la para a sala de aula, onde a senhora Afzal a entretinha a desenhar. A professora sorria sem parar, mas eu vi a tristeza nos olhos dela. Disse a Ella que havia um pequeno problema e que teria de esperar um pouco mais na escola.

    — Quando é que o meu pai chegará?

    — Não sei quanto tempo terás de esperar, Ella. Mas ficarei contigo até alguém vir buscar-te.

    — Nunca tinha chegado tão tarde. Da última vez, o relógio estragou-se, mas chegou apenas um bocadinho atrasado. Nem sequer era a última que estava à espera.

    A senhora Afzal ajoelhou-se junto de Ella.

    — O que estás a desenhar?

    — Um gelado. Este é o pau de chocolate e vou pôr-lhe um pouco de molho vermelho. O meu pai disse que hoje, depois do chá, podia levar-me a comer um porque é verão na Índia.

    Foi a minha mãe que apareceu para ir buscar Ella. Aparentou normalidade pelo bem da neta, mas eu conseguia ver a angústia nos olhos dela. Já sabia. Normalmente, teria conversado com a senhora Afzal sobre a sua época como professora primária. Mas naquele dia, não.

    — Avó! — gritou Ella e correu para lhe dar um abraço. — Não sabia que vinhas buscar-me. O meu pai está muito atrasado.

    Vi que a minha mãe contraía a cara ao abraçar Ella com força contra o seu corpo magro. Mas voltou a disfarçar a sua dor quando se afastaram.

    — Olá, mamã — sussurrei, o mais perto que pude sem chegar a tocar nela. — Estraguei tudo. Lamento muito. Vais ter de cuidar dela por mim.

    A minha mãe levou Ella para casa e sentou-a na sala. Eu não conseguia acreditar no que estava prestes a acontecer. Vi que as lágrimas começavam a cair pelas suas faces. Aterrorizava-me, mas era a única coisa que podia fazer-se. Ella tinha de saber a verdade.

    — O que se passa, avó? Porque estás a chorar? O que aconteceu? O papá está bem?

    — Não, querida. Tenho de te dar uma notícia terrível.

    — O que se passa? O que aconteceu? Voltou a magoar-se? Está no hospital?

    A minha mãe chorava. Eu mal conseguia olhar.

    — Houve um acidente terrível, meu amor. O teu pai ficou ferido gravemente e… Lamento muito… Morreu.

    Ella ficou calada por um instante, antes de perguntar:

    — O que queres dizer? Que tipo de acidente?

    — O teu pai ia na bicicleta. E… houve um choque.

    — Um choque? Como? Com o quê?

    — Foi um carro.

    — Onde está agora? Levaram-no para o hospital?

    — Não, querida. Morreu. Já não está aqui. Está no Céu. Está com a mamã.

    Ella levantou-se.

    — Não pode ser. Vai levar-me a comer gelado depois. Só está um bocadinho atrasado. Não deves dizer mentiras, avó. Queres ver a minha nova fita para o cabelo? Vou buscá-la. Tenho-a no quarto.

    Saiu a correr da sala, subiu as escadas e deixou a minha mãe consternada.

    — Vai atrás dela! — gritei.

    Mas, naquele momento, o telemóvel dela começou a tocar.

    — Sim? Ah, Tom, és tu. Graças a Deus! Continuas com a polícia?

    Deixei a minha mãe a falar com o meu pai e subi as escadas para o quarto de Ella, que me tinha convencido há um ano a pintá-lo de um cor-de-rosa choque. Ao princípio, não a vi. Então, ouvi barulhos no castelo de princesa que lhe tinha oferecido há dois aniversários. Tínhamos falado de desarmar o castelo cor-de-rosa, porque há tempo que não o usava, mas, ao espreitar pela janela de tecido, vi-a. Estava abraçada ao Kitten, o seu peluche favorito, e olhava para o chão.

    Ajoelhei-me junto da janela.

    — Oxalá pudesses ouvir-me, Ella. És a minha vida, és tudo para mim. Estou ao teu lado e não tenciono ir a lado nenhum.

    — Sei que não estás morto, papá — replicou e assustou-me.

    — Ella? — perguntei eu, pus o braço no castelo para tocar nela, mas fui empurrado para trás e caí contra a parede do outro lado do quarto. Mais uma vez, não senti dor, mas era evidente que não podia tocar em ninguém.

    — Por favor, volta depressa para que a avó veja que está enganada — continuou a minha filha, alheia ao que acabara de acontecer. — Prometeste que nunca me abandonarias e sei que falavas a sério. Por favor, volta para casa, papá. Sinto a tua falta.

    Capítulo 2

    SETE HORAS MORTO

    Os meus pais decidiram ficar em nossa casa naquela noite para que tudo fosse o mais normal possível para Ella. Ocuparam o terceiro quarto minúsculo, que era ligeiramente maior do que a cama de casal que albergava. Eu teria preferido que ficassem no meu quarto, mas não lhes parecia apropriado, e também não era que conseguissem ouvir as minhas queixas.

    Era-me cada vez mais frustrante que ninguém conseguisse ver nem ouvir nada do que fazia ou dizia. A única confirmação externa da minha existência procedia do Sam, o cão dos meus pais, que tinha chegado com o meu pai. Normalmente, era um king charles spaniel aprazível, mas agora ladrava sem parar e corria em círculos sempre que estávamos na mesma divisão. Ao princípio, emocionei-me, porque me interroguei se poderia usá-lo para contactar com a minha família. Mas depressa ficou claro que era improvável que fosse comportar-se como a Lassie. Não era o animal de estimação mais inteligente do mundo. Além disso, nunca tinha gostado muito de mim quando estava vivo e, aparentemente, a morte não mudara isso. Tentar falar com ele só servia para aumentar o volume dos seus latidos, portanto, depressa abandonei essa possibilidade.

    Houve outro momento em que me entusiasmei, quando, para minha surpresa, percebi que via o meu reflexo no espelho. A minha mãe estava a lavar os dentes na casa de banho. Devia ter passado à frente de algum espelho mais vezes antes daquilo, mas aquela foi a primeira vez que me apercebi.

    — Eh! — gritei, dando saltos e abanando a mão como um louco. — Olha, mamã! Estou aqui!

    Mas ela não via o meu reflexo, tal como não ouvia o que lhe dizia.

    Esperei que o meu pai se aproximasse e voltei a tentar. Fiquei junto dele enquanto também lavava os dentes e a cara. Ali estava, ao lado dele, a pedir-lhe bem alto para olhar para mim. Mas, aparentemente, era o único que o via.

    Pelo menos, estava inteiro. Aliviou-me não ver vestígios das lesões sofridas no acidente.

    — Tudo isto me parece irreal — disse a minha mãe ao meu pai, quando ambos se deitaram na cama. — Continuo a pensar, a esperar, que acordarei e tudo terá sido um pesadelo.

    O meu pai apertou-lhe a mão e suspirou.

    — Sinto-me anestesiada — continuou ela. — Depois do choque inicial, depois de dizer à Ella o que aconteceu, é como se… não sei. Como se estivesse a acontecer a outra pessoa. Não a mim. Porque não estou a chorar agora? Sinto que não estou a reagir como devia.

    — Não há uma maneira correta de reagir — tranquilizou-a o meu pai. — Supostamente, os pais não devem sobreviver aos seus filhos.

    — Mas como te sentes, Tom?

    Ele voltou a suspirar.

    — Vou passo a passo. Temos de ser fortes pela Ella.

    Não podia continuar a ouvir a conversa. Sentia-me como se estivesse a bisbilhotar, portanto, fui ao quarto de Ella. Sentei-me no chão junto da cama dela e, de repente, o medo e a angústia consumiram-me.

    Como é que aquela criatura tão frágil conseguiria sobreviver sem mim? Algum dia conseguiria comunicar com ela? E, se não, como sobreviveria ali sozinho?

    «Meu Deus, estou morto», pensei, ao começar a assimilar a realidade crua. «Estou realmente morto. A minha vida acabou. Nunca voltarei a abraçar a Ella. Nunca voltarei a lavar-lhe o cabelo, a escovar-lhe os dentes ou a ler-lhe uma história. Todas essas coisas que costumava presumir que sempre teria. Acabaram. Para sempre.»

    Então, voltei a pensar no acidente. Porque tive de sair de bicicleta?

    Ella tossiu em sonhos. Observei a cara corada e os caracóis loiros, despenteados sobre a almofada, e aquilo bastou para me tirar daquela espiral de compaixão.

    — Para — disse. — Para de sentir pena de ti próprio. A Ella é a única pessoa que importa agora.

    Não sabia se os fantasmas, ou os espíritos, como Lizzie dizia, podiam dormir ou não. Não me sentia especialmente cansado. Mas deitei-me no chão junto da cama e tentei limpar a mente, mesmo que fosse apenas para poder tentar comunicar com Ella de manhã. Demorei um momento, mas acabei por adormecer.

    Acordei na manhã seguinte, sozinho no quarto de Ella. Aparentemente, já se levantara. Para minha desgraça, observei que a porta estava fechada. Até ao momento, a minha experiência como espírito demonstrara que não podia interagir com nada à minha volta. Isso significava que estava preso. No entanto, recordei uma cena do filme Ghost: Do Outro Lado da Vida em que a personagem de Patrick Swayze tinha de aprender a atravessar uma porta fechada. Era uma fonte de informação pouco credível, mas que outra opção me restava?

    Aproximei-me da porta, estendi as mãos à minha frente e tentei empurrar a tábua de madeira. Nada. Não fui empurrado para trás como depois de tocar em Ella ou nos paramédicos. Simplesmente, não conseguia atravessá-la. Depois, tentei virar a maçaneta, embora isso também não servisse de nada. A minha mão parou ao tocar nela, mas não sentia nada nem conseguia exercer pressão.

    Voltei a tentar atravessar a porta. Imaginei-me a fazê-lo, a atravessá-la como se fosse feita de líquido. Até tentei passar a correr e a gritar, com a esperança de que a minha raiva desbloqueasse alguma capacidade oculta. Mas nada funcionou. Fiquei preso até Ella entrar um momento mais tarde para ir buscar uma camisola ao armário e conseguir sair da maneira tradicional.

    A chamada da morte aconteceu depois do almoço. Estava à espera dela. Eu próprio participara em muitas delas ao longo da minha carreira. Pouco imaginava que, alguns anos mais tarde, seria o objeto de uma. Tendo em conta as minhas circunstâncias familiares e a maneira como tinha morrido, era inevitável que algum jornalista de um jornal local batesse à porta mais cedo ou mais tarde.

    — Podes abrir, Tom? — gritou a minha mãe do andar de cima, onde se encontrava a fazer tranças no cabelo de Ella.

    — Sim! — gritou o meu pai, apagou o cigarro que estava a fumar na porta das traseiras e atravessou o vestíbulo. Era um homem grande, embora fosse um dos poucos sortudos a quem o peso ficava bem. Graças em parte ao seu queixo forte e aos seus ombros largos, conseguira continuar a ser bonito, apesar do excesso de peso. Desfrutava da comida e da bebida e nunca corria para ir a lado nenhum. Naquele dia, andava ainda mais devagar do que o normal. Abriu a porta a uma rapariga atraente de vinte e muitos anos.

    — Olá! — cumprimentou ela, com o seu melhor sorriso de solidariedade. — Lamento imenso incomodar. Sou a Kate Andrews, do Evening Journal. Descobrimos o acidente trágico que o William Curtis sofreu ontem. Interrogava-me se algum membro da família quereria falar comigo brevemente. Estamos interessados em fazer um artigo a modo de tributo.

    Sorri para mim próprio. «Tributo» era um termo que eu costumava usar nas chamadas da morte. Sempre me parecera um método eficaz de conquistar a simpatia da família.

    O meu pai, cujos anos como advogado tinham gerado uma desconfiança para com a imprensa que eu nunca conseguira mudar, exigiu que se identificasse. Depois de dar a sua aprovação à identificação, deixou-a à porta e foi falar com a minha mãe.

    — Vamos, velho — disse eu, pois o jornalista que tinha dentro de mim sabia que seria hipócrita não lhe conceder uma entrevista. — Ajuda a rapariga.

    — O que pensas? — perguntou a minha mãe. — Não estou convencida de que seja uma boa ideia.

    — Porquê?

    — Queres mesmo que os nossos assuntos privados apareçam nas notícias?

    — Acho que é o que o Will teria desejado. Ao fim e ao cabo, era jornalista. É bom que lhe façam um tributo no jornal local.

    — A sério? E se interpretarem tudo mal?

    — É mais provável que isso aconteça se não falarmos com eles, não achas? Arranjarão um artigo de um modo ou de outro, Tom. Não se limitarão a ignorar o assunto. É melhor se tivermos alguma coisa a dizer.

    — Bom, não tenciono envolver-me. Fala com ela, se quiseres. Mas não deixes que te ponha palavras que não disseste na boca e não fales do acidente e menos de quem é o culpado. Eu levarei a Ella a dar um passeio.

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