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Não-me-esqueças-azuis: Os Mistérios de Abby Foulkes
Não-me-esqueças-azuis: Os Mistérios de Abby Foulkes
Não-me-esqueças-azuis: Os Mistérios de Abby Foulkes
E-book350 páginas4 horas

Não-me-esqueças-azuis: Os Mistérios de Abby Foulkes

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Sobre este e-book

Um corpo aparece numa praia de uma ilha grega. Duas mulheres que estão num retiro na ilha descobrem o corpo uma manhã bem cedo, antes da sua aula de yoga. São as duas chamadas a prestar declarações na polícia mas ambas escondem qualquer coisa.

A Sargento Detetive Abby Foulks está de volta à Grécia para investigar o assassínio de um amigo nos idos anos 90. Ela é convidada a voltar pelo Tenente Angelo Christofis  a quem conheceu enquanto passava férias em Skiathos, em 2014. Mas ele teve recentemente um bebé e ela sente que há qualquer coisa de errado. Ela não conseguiu entrar em contacto com ele e dá por si completamente sozinha na Grécia, numa outra ilha, a seguir uma pista, fora da jurisdição dele. À deriva, ela tem que manter-se alerta enquanto investiga velhos e novos crimes ao mesmo tempo.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mar. de 2020
ISBN9781547559084
Não-me-esqueças-azuis: Os Mistérios de Abby Foulkes

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    Não-me-esqueças-azuis - Alison Gray

    DEDICATÓRIA

    Para Joe

    Abril de 1975

    Grécia

    PRÓLOGO

    O líquido quente jorrou pelas suas pernas abaixo juntando-se numa poça aos seus pés. Estava a acontecer de novo. Os gritos eram o pior. Era como se animais estivessem a ser torturados.

    Pensou no que a mãe lhe tinha dito.

    É apenas um sonho. Não é real. Não contes connosco. Volta a dormir. De manhã vais sentir-te melhor outra vez.

    Mas ele podia ouvir as vozes. Implorando, gritando, suplicando, choramingando, sussurrando. E depois o silêncio.

    Ficou imóvel pelo que parecia terem sido horas mas que podiam ter sido apenas minutos, sem saber o que fazer, recordando as outras vezes. Fora um sonho? Já não sabia. Mas sabia que os seus pais queriam que se mantivesse afastado. Ele não tinha a certeza se era dos seus sonhos que eles tinham medo, ou se era dos sonhos deles que ele tinha medo ou se ele receava que não fosse, de todo, um sonho.

    O pai tinha-o levado uma vez com ele para o trabalho, quando ele era pequeno, e tinha-lhe mostrado aquilo a que chamava o seu laboratório. Era desde essa altura que tinha estes

    sonhos... pesadelos. O pai tinha pescado os ossos cuidadosamente para fora do tanque para lhos mostrar. Falou sobre a matança ser recente e sobre o pensamento do sabor da carne fazendo cócegas no seu palato. Disse que os ossos estavam imaculados. Ele não sabia o significado da palavra, mas para ele, os ossos pareciam apenas cinzentos e aborrecidos. Ele não tinha dito nada. Limitara-se a ficar ali a olhar enquanto o pai falava da jovem corça que tinha matado. Mas na sua mente, mesmo enquanto o pai falava, vira o veado a correr e aos saltos na encosta como se ainda estivesse vivo. Foi só nisso que se concentrou durante a visita ao laboratório.

    O pai tinha resmungado qualquer coisa sobre os machos serem mais fibrosos do que as fêmeas e de como a carne não se separava com tanta facilidade. Nem era tão tenra. Mas era boa em tartes. A mãe não conseguia perceber porque é que ele odiava as suas tartes desde essa altura e o pai tinha-lhe puxado as orelhas por ele não comer a boa comida que ela preparara.

    Lembrava-se de ver o pai a retirar a carne dos ossos. Saíam filamentos. Quando viu aquilo, sentiu na boca a carne fibrosa das tartes da mãe. Outras vezes a carne explodia dos ossos como um pêssego demasiado maduro ou uma melancia que rebentava. O pai colocava a carne de um lado, os órgãos do outro. E o esqueleto, depois de lhe ter retirado o máximo possível, era colocado dentro do tanque. Depois o pai virava-se e abria a porta da fornalha, atirando os órgãos lá para dentro, sem hesitar.

    Isto foi o que ele pensou quando acordou com os gritos. O pai a torturar os animais cujos ossos tinha limpo de carne, no

    laboratório. Só que nos gritos ele ouvia palavras. Por favor. Pára.

    Não faças isso. Mas os animais não falam. Ele perguntava-se se teria uma afinidade especial com os animais que lhe permitia ouvir as suas palavras, a sua dor, com tanta clareza.

    Por fim percebeu que os gritos tinham parado e, no silêncio, tirou as calças do pijama e usou-as para limpar o chão, para que os pais não soubessem que o tinha feito de novo.

    Enfiou-as no fundo do guarda-roupa e fechou a porta para que não pudesse sentir o cheiro pungente do seu medo. Pela manhã levá-las-ia às escondidas para lavar com o resto da roupa suja. Agora que tinha dez anos, a roupa era responsabilidade sua. Ninguém precisava de saber. Jurou manter aquilo em segredo, manter todas as coisas em segredo, de agora em diante.

    Abril de 2015

    Newcastle upon Tyne

    UM

    Tu és só um esqueleto.

    Abby Foulkes pensou no que o professor de Pilatos tinha dito. Inicialmente sentiu que era um ataque pessoal à sua leveza. Ela sabia que estava demasiado magra. Tinha perdido peso depois que o seu companheiro, Rafe Bardo, o amor da sua vida e pai do seu filho, Johnny, tinha sido assassinado.

    O tapete de Pilatos escorregou-lhe pelo braço abaixo e ela voltou a puxá-lo para cima. Enquanto o fazia, olhou para a mão como se fosse apenas ossos em vez de uma parte do seu corpo coberta de carne, com sangue quente e viva. Imaginou um raio-X da sua mão: ossos finos e semelhantes a galhos que se estendiam a partir do pulso, dando a impressão de uma forma de vida alienígena.

    No entanto, enquanto o fazia, lembrou-se das palavras seguintes do professor.

    São os teus músculos que suportam o teu esqueleto e que permitem que ele se movimente.

    Ela podia ser magra mas era forte. Abby ponderou a firmeza dos seus músculos conduzindo a sua estrutura óssea a caminho de casa quando saiu da aula de Pilatos. Nos últimos meses, tinha começado uma variedade de classes – Pilatos, Chi Kung e Yoga. Inspirada pelas terapias de dança e movimento sobre as quais tinha lido durante o seu último caso - o assassinato de uma jovem terapeuta do movimento – tinha decidido experimentar algumas para si própria. Aquilo parecia sinistro – o seu último caso. Será que era mesmo o seu último caso?

    Ela corou ao recordar o seu telefonema da semana anterior com o Inspetor Markham.

    - Estou pronta para regressar ao trabalho, Senhor.

    - Você não tem ido às sessões de aconselhamento, Sargento Foulkes. Sabe que isso faz parte das condições que precisa cumprir antes de regressar ao trabalho. Sei que está ansiosa por regressar, por isso, não se preocupe. Vá, e tê-la-emos de novo de regresso quando tiver autorização para voltar.

    Ela ficou zangada com ele. Quando ele lhe ordenara que tirasse uns dias antes do Natal, não dissera que tinha que procurar um psicólogo. Mas agora tinha sido apanhada pelos procedimentos normais e sabia que tinha que obedecer. Ela tinha ido algumas vezes, mas odiava encontrar-se com a mulher e agora já lá não ia há algumas semanas.

    A forma como a sua raiva surgia tão rapidamente à superfície quando alguém estava a tentar ajudá-la só mostrava como ela estava mesmo a precisar de espaço para respirar. Isso fora o que a psicóloga tinha dito. Abby estava a pensar em afastar-se da polícia por completo. Talvez fosse tempo de se afastar e aprender uma forma de estar diferente. O problema era que não sabia o quê e, depois, havia a pequena questão do dinheiro. Apesar de Rafe ter herdado dinheiro e por isso parte da casa estar paga, ela ainda tinha uma pequena hipoteca e precisava de um rendimento para se sustentar a si e a Johnny.

    Em casa, arrumou o tapete de Pilatos, encheu a chaleira e ligou-a. Enquanto esperava que a chaleira fervesse, deitou algumas das ervas que tinha comprado no Chinese Herbal Medicine Centre. Alguém na aula de Chi Kung tinha recomendado uma mistura chinesa de ervas para a ajudar a acalmar, e, o que era aquilo? Detoxify. Ela tinha-se mesmo aberto a todo um mundo de diferentes possibilidades desde que tinha sido afastada do trabalho. Deitou a água quente por cima das ervas e começou a mexer a bebida.

    Enquanto o fazia avistou o cartão-de-visita que o Inspetor Jack Markham lhe tinha dado. Estava pregado no quadro de cortiça que estava na parede, juntamente com outras notas e tinha o número de telemóvel do Tenente Angelo Christofis com quem ela tinha trabalhado em Skiathos, no ano anterior. Mas nos

    quatro meses e meio desde que o Inspetor Markham lhe tinha sugerido que contactasse o Tenente Christofis, não lhe tinha apetecido pegar no telefone para lhe ligar.

    A luz do sol cintilava nos pioneses. Ela recordou-se de como ela e Angelo tinham começado como colegas relutantes mas acabaram como amigos que se tratavam pelo primeiro nome. Tinha sido intenso. Se ele não estivesse com alguém e ela não estivesse tão em baixo com saudades de Rafe. Ela suspirou. Angelo tinha-lhe ligado para o telemóvel algumas vezes e enviado mensagens. Ela tinha copiado os ficheiros dos homicídios do círculo de ossos que ele tinha enviado para o seu computador. Mas até agora, não tinha tido energia nem vontade de os ler.

    Ao colocar a chávena em cima da mesa viu os seus dedos finos e longos a envolver a chávena de café e imaginou os ossos da mão a fazer as coisas que faziam por baixo da camada de músculo e pele. Não conseguia esquecer-se do Tenente e do homicídio do círculo de ossos no Mar Egeu, por causa de um jovem de cabelo escuro preso atrás num rabo-de-cavalo. Ele tinha estado com Rafe quando ela o tinha conhecido em Skiathos, em 1998. Ela recordava-se do rosto dele, desde que o conhecera, todos aqueles anos atrás. Também se recordava do soco no estômago quando, no ano anterior, virou a página dos ficheiros da polícia em Skiathos e viu a fotografia dele a olhar para ela.

    Subiu as escadas para o que antes fora o quarto das visitas mas que agora era mais um armazém para  todos os pertences de Rafe de que ela não suportava separar-se. Começou por ver o que tinha escrito nas tampas das caixas e separava-as uma de cada vez até chegar àquelas que estavam guardadas mesmo ao fundo do quarto. Por fim, encontrou o que procurava – a caixa com as coisas de quando ela e Rafe se tinham conhecido em Skiathos. Abriu-a, inclinou-a e despejou tudo no chão. Seixos, conchas, rolhas de garrafas de vinho, pedaços de papel, uma garrafa de areia da praia e alguns livros que tinham lido na altura. Depois as fotografias. Ela e Rafe abraçados como fazem os recém-apaixonados e tinha sido Joe a tirar as fotografias. Ele estava a estudar fotografia, por isso, as fotos eram boas. Melhores do que os habituais instantâneos de férias. Mas não era destas fotos que ela andava à procura. Era outra. Onde é que ela estava? Tinha sido ela a tirá-la: um instantâneo deles os dois. Será que a tinha visto quando tinha separado as coisas de Rafe? Não conseguia lembrar-se. Sentou-se nos calcanhares e sentiu-se de repente muito cansada, ficou a olhar para a confusão que tinha arranjado.

    Barney tocou-lhe na mão e soltou uns pequenos latidos. Isto obrigou-a a reagir. Era a hora do passeio dele.

    - Já vamos, - disse ela levantando-se e apanhando as coisas do chão para as arrumar outra vez. Foi quando

    apanhou os livros que Rafe tinha andado a ler naquele verão que a encontrou. Como Rafe era um escritor de viagens, Abby não ficou surpreendida por ele ler Bill Bryson, mas o romance surpreendeu-a. Era uma das primeiras cópias de revisão de Sobre um Rapaz, de Nick Hornby, que tinha sido publicado naquele ano. Além de escrever os seus próprios livros, Rafe também tinha sido um editor freelance e revisor, e por isso é que devia ter recebido aquela cópia de revisão. Quando folheou a cópia, reparando nos vincos na lombada, nas bordas ásperas das páginas, a fotografia caiu. Não era muito boa. Tinha sido superexposta e a qualidade era fraca em comparação com a resolução que se pode conseguir com os telefones com câmara dos dias de hoje.

    Na foto, os rapazes estavam a rir e o braço de Rafe rodeava o pescoço de Joe. Joe era esquisito em relação a isso. Ele usava uma corrente de ouro com uma medalha de S. Cristóvão que os pais lhe tinham dado e estava sempre com cuidado para que não se danificasse. Joe apoiava o braço de Rafe para que não se prendesse no fio e Abby lembrava-se de o ter arreliado por o usar no mar uma vez que era tão cuidadoso. Ela passou com o dedo sobre o fio, na fotografia, e perguntou-se o que é que lhe teria acontecido. Mas o que ela queria saber, mesmo, era o que é que tinha acontecido a Joe.

    Rafe era uns bons trinta centímetros mais alto que Joe e Abby lembrava-se de eles lhe dizerem para se apressar porque o sol lhes batia nos olhos. Ao olhar para a foto ainda conseguia sentir o cheiro a suor na pele deles por causa do jogo da apanhada que tinham jogado na praia e, antes, na água. Ela corou sentindo-se quente quase como se estivesse neste preciso momento em Skiathos a tirar a fotografia aos dois.

    Era estranho como, assim que ela e Rafe tinham começado a namorar, Joe rapidamente se tinha mudado. Eles não tinham voltado a falar disso. Entretanto, ela tinha-se deparado com a foto dele nos ficheiros da polícia. Ele tinha morrido pouco tempo depois de ela e Rafe o terem visto pela última vez. Nessa altura ela não tinha conseguido perceber e continuava a não conseguir. Na verdade não.

    Perante a insistência de Barney, largou a caixa, levou a foto para baixo e prendeu-a no quadro, na cozinha, ao pé do cartão com o número de telefone do Tenente Angelo Christofis. Olhou para ele e sentiu algo a deslisar dentro de si. Como se estivesse de regresso à sala de operações, no trabalho – ela tinha a fotografia de duas vítimas de homicídio no quadro dela. Rafe, inexplicavelmente esfaqueado até à morte perto de Three Mile Inn em Gosforth, em abril de 2014. E Joe, a quem ela e Rafe tinham visto pela última vez no verão de 1998 e cujos restos mortais tinham sido encontrados

    a 13 de junho do ano 2000 por um turista alemão, em Alonissos.

    DOIS

    Naquela tarde, antes de jantar, sentaram-se à mesa da cozinha para ele fazer os trabalhos de casa de matemática. Distraído, Johnny apontou para a foto que estava no quadro de cortiça.

    - Quem é aquele?

    Abby pensou rapidamente, desejando ter previsto que isto podia acontecer, mas tal nem lhe passara pela cabeça quando há pouco tinha pregado ali a foto.

    - É só um velho amigo. Alguém que a mamã e o papá conheceram há muito tempo, antes de tu teres nascido.

    - Porque é que o papá está a abraçá-lo?

    Abby riu-se.

    - Não está. Está só... eles são jovens, estão a brincar. É só.

    Mas a pergunta de Johnny fez com que ela olhasse para a foto de forma diferente. E ficou, momentaneamente, confusa.

    Johnny franziu a testa por um momento.

    - Podemos ir visitá-lo?

    - Não.

    - Porquê?

    Abby desejou ter retirado o retrato do quadro antes de Johnny chegar a casa. Devia ter percebido que aquilo iria despertar o interesse dele.

    - Ele morreu há muito tempo, antes do papá, - disse ela.

    A pergunta de Johnny continuava a pairar nos limites do seu pensamento. Porque é que o papá está a abraçá-lo? Johnny estava com ciúmes, claro. Porque o seu papá tinha um braço em redor de Joe e nunca mais poderia abraçar Johnny. O seu devaneio foi interrompido pela pergunta seguinte de Johnny.

    - Então porque é que está ali? É uma foto estragada.

    - Encontrei-a hoje e pensei que era gira, - disse ela.

    - Não se consegue ver bem as caras deles porque há demasiada luz.

    Abby foi apanhada de surpresa porque era, quase palavra por palavra, o que Rafe podia ter dito. E ela percebeu que, num dado momento, Johnny tinha, provavelmente, ouvido Rafe dizer qualquer coisa

    parecida. Ela tinha a certeza de que, à medida que Johnny crescia, iriam surgir muitos mais momentos como este. Era melhor habituar-se à ideia.

    Inclinou-se para a frente e acariciou-lhe o cabelo.

    - Bem, eu gosto dela, - disse ela. – E, por enquanto, vou deixá-la ali.

    Johnny fez uma careta mas remexeu nos livros e começou a vasculhar no estojo de lápis à procura de um que estivesse suficientemente afiado para fazer os trabalhos de casa.

    Ao dar uma vista de olhos aos trabalhos de matemática, Abby voltou a sentir saudades de Rafe. Ele teria sido muito melhor do que ela a ajudar Johnny, porque era bom a matemática assim como a escrever. De facto, agora que pensava nisso, ele tinha sido mesmo bom em tudo. Mordeu o lábio. Ao contrário dela – que agora nem sequer conseguia manter um emprego.

    Depois de Abby ter colocado Johnny na cama, pegou no portátil e levou-o lá para baixo, para a cozinha, e colocou-o em cima da mesa. Uma notícia do dia anterior chamou-lhe a atenção e surpreendeu-a. Leu-a de novo – Homicídios do Egeu que abalaram a Grécia e desencadearam uma caçada de 20 anos.

    Era sobre os homicídios do círculo de ossos mas da perspetiva de uma mãe – Verónica Gomez – a mãe

    de uma das três vítimas identificadas, uma jovem chamada Pia. Fazia agora cinco anos que os seus ossos tinham sido encontrados – 23 de abril. A mãe de Pia esperava que a notícia pudesse incentivar alguém na Grécia, ou em outro lugar qualquer, a apresentar informações sobre a morte de Pia.

    Agora, Abby abriu o relatório sobre os homicídios do círculo de ossos que o Tenente Christofis lhe tinha enviado. Sentia um desejo súbito e intenso de ajudar a mãe de Pia a encontrar alguma paz. Ela tinha lido o relatório do Tenente há menos de um ano mas deu-lhe uma vista de olhos para refrescar a memória.

    Onze conjuntos de ossos humanos foram recuperados ao longo do Egeu entre 1990 e 2010: dois em Skiathos; quatro em Alonissos; dois em Skopelos; um em Naxos e outro em Tinos; e outro no fundo do mar em Alonissos. Apenas três vítimas tinham sido identificadas por isso não havia muito a escrever sobre as suas histórias pessoais.

    A 10 de novembro de 1993, um mergulhador australiano descobriu ossos dispostos em círculo próximo de Patitiri em Alonissos. Os ossos eram de uma mulher afro-americana de vinte e poucos anos, identificada como Raechell Jamal, de Boston, USA. Ela tinha sido dada como desaparecida pelos pais após não regressar de uma viagem às Ilhas Gregas, em 1992. Era

    ma estudante de História de Arte e Arquitetura na Universidade de Boston e tencionava especializar-se em Grego e Arquitetura Romana. Tinha andado a viajar sozinha na região, no verão de 1992, a fazer uma pesquisa para a sua tese de doutoramento.

    A 13 de junho de 2000, um turista alemão e a namorada descobriram um círculo de ossos numa floresta de pinheiros no caminho para as pequenas capelas de Aghii Anarghiri, em Alonissos. Estes eram de um homem caucasiano com cerca de vinte anos. Este era Joe. Os pais dele, Elsie e Graham Tranter, deram-no como desaparecido após não ter regressado de uma viagem às Ilhas Gregas, no verão de 1998. Joe era um jovem fotógrafo da Universidade de Nottingham Trent que estudava Fotografia Europeia.

    A 23 de abril de 2010, um habitante local que passeava o seu cão em Skiathos, encontrou um círculo de ossos numa mata próxima do aeroporto de Skiathos. Estes eram de uma mulher hispânica com cerca de 20 anos, e o ADN recolhido correspondia a um relatório de pessoas desaparecidas, de 2008. Pia Gomez, do México, tinha sido dada como desaparecida pelo namorado. Eles tinham brigado e tinham-se separado e depois ela tinha desaparecido. O namorado esteve sob suspeita até terem encontrado os ossos, colocando o desaparecimento de Pia numa linha de descobertas que confirmavam que havia um assassino em série no Egeu.

    A assinatura, um círculo de ossos completamente limpos, sem crânio, significava que a identificação era difícil. Não havia registos dentários para ajudar na identificação, a reconstrução facial a partir dos crânios era impossível, e não havia quaisquer impressões digitais dos corpos. Eles tinham conseguido verificar através do ADN que cada conjunto de ossos pertencia a uma pessoa e se a vítima era masculina ou feminina. Também sugeriam a origem racial através da densidade óssea. Mas tudo isto significava que a polícia estava reativa e ficar para trás em relação ao assassino nas suas ações. Era muito frustrante. O lugar habitual para começar uma investigação criminal era com a vítima. Assim que se sabia quem elas eram podia-se trabalhar recuando no tempo desde que tinham sido vistas pela última vez e identificar os movimentos que tinham conduzido à sua morte.

    Mas neste caso, as três vítimas identificadas não estavam relacionadas. O único ponto em comum era a disposição dos seus ossos em círculos. A maioria dos círculos de ossos foi encontrada nas ilhas mais próximas do continente Grego. Isto tinha levado Abby a perguntar-se se o perpetrador se via como artista, ou se era um viajante oportunista do continente. Contudo, ela voltava sempre à única vítima que tinha conhecido. O relatório tinha dito que ele viajava sozinho. No entanto, ela sabia que isso não era rigorosamente verdade. Sim, ele tinha ido para a Grécia sozinho, mas andava a viajar com Rafe quando ela

    conheceu Joe Tranter; depois de ela e Rafe terem começado a namorar, ele tinha viajado sozinho de novo. Ela mordeu o lábio pensando no seu próprio papel na morte dele. Se ela não tem aparecido em cena, talvez ele tivesse continuado a viajar com Rafe. Ele ainda hoje podia estar vivo. Ela parou ao sentir o sabor do sangue e limpou-o rapidamente. Agora não havia nada que pudesse fazer em relação a isso.

    Ela tinha encontrado o décimo primeiro conjunto de ossos no fundo do mar enquanto mergulhava em Alonissos, em 2014. Deu uma vista de olhos a esta parte do relatório, mas teve que o ler várias vezes para ter a certeza de que tinha percebido bem. Apesar de os ossos terem sido posicionados num círculo semelhante aos outros conjuntos de ossos que tinham sido encontrados, estes eram de um homem muito mais velho, um caucasiano que se calculava que tivesse uns sessenta ou setenta anos. Tinha havido uma extração de ADN dos ossos mas, devido ao efeito da água salgada, o perfil foi considerado comprometido e não tinha sido possível fazer corresponder o que tinha sido extraído com ninguém em nenhuma base de dados de pessoas desaparecidas. Talvez a qualidade corrosiva da água também tivesse tornado impossível determinar a idade com precisão. Parecia improvável que um assassino cuja preferência fosse por jovens adultos, fosse escolher uma pessoa madura. Os assassinos em série não tendem a desviar-se do padrão escolhido. Mas quem sabe? Mais uma vez, ela recordou a máxima de não tentar perceber porquê,

    mas simplesmente perceber o que aconteceu e quem tinha motivo e oportunidade.

    Abby passou algum tempo às voltas com várias ideias e a pesquisar no Google, na Internet. Tirou algumas notas. Quando voltou a erguer os olhos viu a fotografia de Rafe e Joe, o comentário de Johnny é uma foto estragada a provocá-la quando se lembrava de Johnny a perguntar porque é que Rafe estava a abraçar Joe, na foto. Ficou a pensar durante algum tempo, sem fazer nada. Depois levantou-se e serviu-se de um copo de vinho – o primeiro em meses. No calendário estavam marcadas as próximas viagens de Johnny. Eram como os autocarros. Horas sem passar nenhum e depois vinham todos ao mesmo tempo. Uma viagem de um fim de semana a Londres com a escola para visitar o Museu Britânico e uma viagem de uma semana a Lake District para uma aventura desportiva. Depois havia a viagem com a mãe dela para visitar Edinburgh. E uma viagem dos escoteiros a York. E depois Tanya ia levá-lo à Disneylândia em Paris durante as férias escolares. E depois havia ainda as noites que ele passava, todas as semanas, em casa da mãe dela, o que fazia desde a morte de Rafe. Quando olhou para o calendário, os dias em que ele ia ficar em casa durante as próximas seis semanas podiam contar-se pelos dedos de uma das mãos.

    Já era tempo, pensou, de seguir em frente, inclusivamente com a sua própria vida.

    Pegou no telefone e marcou cuidadosamente o número do Tenente Angelo Christofis que estava no cartão-de-visita ao lado da foto.

    Sentia o coração a bater com força enquanto ouvia o sinal de chamada. Talvez ele tivesse saído. Mas este era um número do telemóvel. Após nove toques ouviu-se um pequeno click.

    - Χαίρετε.

    Abby reconheceu a voz do Tenente quando ele disse olá em grego.

    TRÊS

    Depois dos cumprimentos iniciais de Abby felicitando Angelo pelo nascimento do seu filho, Iannis, agora com dois meses, e de Angelo agradecer a Abby por ter ligado, ele avançou rapidamente para os homicídios do círculo de ossos.

    Abby ficou surpreendida por ele não se alongar mais a falar sobre a beleza e desenvolvimento do seu primeiro filho. Mas havia qualquer coisa no tom de voz dele que a impediu de lhe fazer mais perguntas. Talvez houvesse algum problema com o bebé e ele não quisesse contar. Ela sentia a distância entre eles, ao telefone, e ansiava por vê-lo de novo para poder perceber qual era o problema.

    - A maior parte das ideias sobre que escrevi no ano passado, agora já não contam, - disse ele. – Penso que temos que começar do zero, com aquilo que sabemos.

    - E isso é?

    - As três vítimas que foram identificadas.

    - Investigar Raechell não levou a lado nenhum. Tu viste a informação recolhida pelo IP americano que os pais de Raechell Jamal contrataram para descobrir o

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