Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Esportes, lazer e vigilância: entre discursos e segurança pública
Esportes, lazer e vigilância: entre discursos e segurança pública
Esportes, lazer e vigilância: entre discursos e segurança pública
E-book352 páginas4 horas

Esportes, lazer e vigilância: entre discursos e segurança pública

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Transitando entre o teórico e o empírico, Rosa e Gadea investigam o caso de um programa de segurança pública no Brasil voltados para habitantes, principalmente os jovens, das classificadas "favelas" e "periferias", que vêm sendo alvo de um conjunto de medidas para a garantia de uma suposta paz social.

Para tanto, faz-se referência às culturas juvenis, e às diferentes formas de sociabilidades que são vivenciadas de múltiplos modos nesse contexto histórico e local. A pretensão dos autores consiste em oferecer elementos que contribuam com os debates e reflexões acerca dessa temática que tem inquietado, instigado e mobilizado estudantes e pesquisadores das Ciências Sociais e da Educação Física, mas a obra destina-se também a estudantes de graduação, professores e pesquisadores interessados, que só passa a fazer sentido e ter sua parcela de contribuição social e científica se pudermos debater, por meio de sua leitura, os assuntos aqui tratados, estimulando ideias, sensibilidade e generosidade para nos escutarmos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2016
ISBN9788547300081
Esportes, lazer e vigilância: entre discursos e segurança pública

Relacionado a Esportes, lazer e vigilância

Ebooks relacionados

Ciências Sociais para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Esportes, lazer e vigilância

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Esportes, lazer e vigilância - Cristiano Neves da Rosa

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2016 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Dedico esta obra aos meus pais, Maria de Lurdes Neves da Rosa e Solimar Farias da Rosa, minhas avós, Araci Neves e Zair Farias, aos meus professores do curso de graduação e hoje grandes amigos, Antônio Luis Carvalho de Freitas (Da Costa), José Geraldo Soares Damico, Cláudio Marques Mandarino, Osvaldo Donizete Siqueira, Luiz Antônio Barcellos Crescente e Ednaldo da Silva Pereira Filho e à minha companheira Patrícia Gonçalves Severo.

    Todas essas pessoas, nos momentos de dureza que a vida nos impõe, cada um ao seu modo, me proporcionaram oportunidades, acreditaram, incentivaram, permaneceram ao meu lado, numa amostra de que nos momentos mais difíceis, as pessoas podem fazer a nossa vida mais colorida.

    Dedico aos meus filhos, Christian Severo da Rosa e Nicollas Severo da Rosa, que desde que passaram a fazer parte de minha vida têm sido fontes inspiradoras de minha opção política, que é a atividade acadêmica e a docência na escola, renovando a cada dia a esperança por um mundo mais gereroso e igualitário.

    Dedico também esta obra, aos jovens do bairro Guajuviras, que para além do conjunto de representações sociais que os envolvem, assim como tantos outros habitantes das chamadas favelas e periferias Brasil afora, trazem à tona uma potência da vida que ainda tem sido pouco valorizada no seio das configurações sociais que estão posicionados.

    Meu agradecimento ao Professor José Odelso Schneider, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNISINOS, que com sua sensibilidade e generosidade, viabilizou uma bolsa de estudos que foi fundamental para a minha permanência no curso de Ciências Sociais e consequentemente, a continuidade de desenvolvimento do presente estudo.

    PREFÁCIO

    Não é difícil de se ouvir, nos meios de comunicação de massa, afirmativas enaltecedoras sobre os inúmeros projetos sociais esportivos que recorrentemente aparecem em diferentes cidades brasileiras, em grande parte relacionados ao universo das políticas governamentais, cujo foco são populações consideradas em situação de vulnerabilidade social. A eles são atribuídas diversas possibilidades educacionais, sustentadas na crença de que o esporte – por eventuais características intrínsecas capazes de conduzir para uma educação positiva – contribuiria para o enfrentamento de mazelas da sociedade brasileira, essas de diferentes especificidades. Dentre algumas das virtudes conferidas ao esporte destacadas na formulação de distintos projetos sociais esportivos, afirma-se que o esporte contribuiria para o desenvolvimento de hábitos saudáveis, para a formação individual e coletiva, para o desenvolvimento da cidadania e para a inclusão social.

    Também não é raro escutar, dos próprios integrantes do público-alvo desses projetos, posições favoráveis ao processo educativo pelo qual eles mesmos são submetidos nas diferentes iniciativas dessa natureza, cada vez mais encontradas nesse tipo de política social. Há não muito tempo, num programa de televisão que tratava do assunto, solicitado pelo repórter a falar sobre a experiência da sua participação num projeto social esportivo, um jovem dizia algo assim: é bom porque aqui eu não tenho tempo pra pensar besteira.

    Conforme salientado neste livro, que resulta de uma investigação, essa forma de reprodução do discurso oficial e midiático por parte de crianças e jovens também foi encontrada no local onde o estudo que o originou foi desenvolvido. Um desses fatos ocorreu na inauguração de um complexo esportivo no bairro, atividade em que foram realizadas várias apresentações. Numa delas, um MC que desenvolvia atividades sobre os elementos da cultura hip hop, solicitou que o público escolhesse quatro palavras, sobre as quais ele faria um improviso. Sem que isso surpreendesse os pesquisadores, as palavras propostas pelas crianças e jovens que estavam àfrente do palco foram capoeira, esporte, cultura e segurança (grifo meu). O MC então improvisou uma canção contendo essas palavras, e como a rima empolgou os jovens presentes, eles dançavam, batiam palmas e levantavam as mãos.

    Em grande medida, é disso que trata este livro. Nele são lançadas luzes sobre como e a partir de que pressupostos determinados projetos sociais de grande porte, voltados para populações jovens, são desenvolvidos numa importante cidade gaúcha. Num texto bastante bem realizado, os autores se esforçam para chamar atenção sobre como, discursivamente, o bairro Guajuviras, da cidade de Canoas-RS, foi sendo construído socialmente para ser posicionado como um local que mereceria receber a ação estatal para ser transformado em um Território de paz. Analisando também discursos que colocam os jovens moradores do bairro numa condição de uma juventude homogeneizada que necessita cuidados, a obra se detém sobre as políticas sociais lá realizadas, nas quais o esporte ocupa lugar especial.

    Desse ponto de vista, o texto também aponta para uma perspectiva utilitária e positiva atribuída ao esporte nesse contexto, na medida em que mostra como o Estado acaba por se apropriar de espaços e práticas de sociabilidade esportiva já existentes, na perspectiva de governá-las. Sendo assim, fica evidenciado que, ao invés do esporte ser identificado a partir da noção de direito social da população juvenil, ele é visto por aquilo que faz com que ele sirva como ferramenta de controle das formas de sociabilidade desses mesmos jovens.

    Além de ser bem realizado, como já dito, trata-se, assim, de um texto forte, posicionado, bem sustentado teoricamente e rico em material empírico que visa convencer o leitor acerca das suas interpretações. Essas já são razões suficientes para que a sua leitura seja recomendada. Mas há outras.

    O assunto de que trata o livro é relevante não só para a Educação Física, área de formação inicial do primeiro autor desta obra – Cristiano Neves da Rosa – e em que hoje ele realiza estudos de doutorado. Na medida em que o estudo se debruça sobre o que poderia ser considerado um padrão dominante de política social, com ênfase num modelo de segurança pública desenvolvido por meio do Pronasci, importa também para pessoas de diferentes áreas e que têm interesse em temas que gravitam no entorno deste livro: o esporte, o lazer, a juventude, a violência urbana, a educação, a segurança, entre outros. São esses temas que se imbricam neste estudo, articulados com a área das políticas públicas, o que está materializado num texto em que os autores não se satisfazem com as visões apologistas sobre os projetos sociais, mas, ao contrário, oferecem um olhar esclarecedor e provocativo ao leitor.

    Isso é ainda apresentado com muitas descrições e depoimentos, obtidos em exaustivo trabalho de campo. Neles são disponibilizadas várias situações do cotidiano dos moradores e também dos projetos sociais que ocorrem no Guajuviras, e as narrativas vão desde aspectos da história de lutas dos habitantes do bairro, passando por momentos de divertimento protagonizados pelos jovens em diversas atividades, até um grande número de situações em que a forte repressão policial está presente, em nome da promoção da segurança pública. Dessa forma, mesmo que se debruce sobre como o social vai sendo construído por determinados discursos oficiais, o trabalho também oferece elementos para que se visualize como esses discursos se materializam em ações governamentais, muitas vezes de difícil interpretação e impregnadas de ambiguidades e contradições.

    Sobre esse aspecto, uma situação descrita me chamou atenção, também por ser considerada instigante por parte dos pesquisadores. Trata-se de um episódio ocorrido no dia do lançamento de um dos programas voltados para a inclusão de jovens, realizado no bairro. Assim como o relato que referi anteriormente, era um dia de comemoração, e havia a expectativa de uma apresentação de dança preparada pelas meninas do bairro, sob a supervisão de uma estagiária. Os autores descrevem que ao iniciar a apresentação, "logo se percebeu que o estilo musical era o funk (ROSA; GADEA, 2016, p. 109), que o conteúdo da música tinha conotações vinculadas à sedução, e que a coreografia expressava movimentos corporais que lembravam relações sexuais. Isso causou insatisfação e repúdio por parte da várias pessoas presentes, dentre as quais a secretária de Desenvolvimento Social. Ela reagiu aos berros e dizendo que considerava aquilo um absurdo, que não acreditava no que estava vendo e exigia insistentemente saber quem teria a responsabilidade por aquele acontecimento. Enquanto ela era acalmada pelo subprefeito, a estagiária se justificava: Foram as alunas que elaboraram a coreografia, eu não sabia que era assim a letra dessa música. Na hora eu não pensei, na hora que elas me pediram e eu gravei o CD não pensei nisso" (ROSA; GADEA, 2016, p. 110).

    Em que pese a evidência dada a esses desencontros culturais existentes entre os valores dos jovens do bairro e as expectativas dos protagonistas dos projetos e, principalmente, os esforços no sentido de mostrar como esses últimos buscavam controlar os corpos do seu público alvo, o livro também apontou para situações nas quais a criatividade acabou por desembocar em posições crítico reflexivas sobre a realidade. Sobre isso, cito uma rica passagem do texto, desenrolada numa atividade teatral desenvolvida pelos jovens:

    o personagem protagonizado por Hector caminhava pelas ruas da vila, acompanhado dos amigos (Nando, Maxi e Daiane) quando, ao longo de suas andanças, tropeça em um buraco, provocando sua queda e a lesão em seu tornozelo. Hector, no chão, grita de dor ai, ai meu pé. Enquanto Nando e Daiane prestam socorro a Hector, Maxi, muito revoltada, manifestava seu descontentamento com a infraestrutura da vila: Também, essa rua cheia de buracos e pedras, a gente não pode nem caminhar aqui. Outro dia minha prima se machucou aqui na vila por causa desses buracos que nunca arrumam. Hector foi conduzido ao hospital no centro da cidade. A cena continua com a mobilização do grupo, que no dia seguinte se dirige até a prefeitura municipal solicitar providências em relação a melhorias nas ruas da vila. Quando chegaram à prefeitura, tiveram o acesso ao gabinete do prefeito impedido pela sua secretária (interpretada por Beta), por ordem do próprio prefeito (interpretado por Dinho). Com o acesso negado, retornaram à vila, onde iniciaram uma mobilização dos moradores, a fim de reunir o maior número possível de pessoas para retornarem à prefeitura e cobrar uma posição do prefeito. A cena foi finalizada com a seguinte manifestação de todo o grupo: Vamos lá, pessoal, que a união faz a força! (p. 138)

    Finalmente, como mais uma razão para que esta obra seja lida, vale destacar que o seu primeiro autor tem uma trajetória que o coloca num lugar especial para falar sobre o tema, já que, conforme ele mesmo afirma, a sua vida em certo ponto não era tão distante das vidas de parcela dos jovens que seriam o ‘público-alvo’ do investimento do Estado (p. 29). Trazendo consigo um olhar de dentro por ser advindo de grupos populares, Cristiano Neves da Rosa fez a sua graduação numa universidade privada, sustentado-se com bolsa de iniciação científica. Por conta disso, acabou por participar de diversas pesquisas cujo interesse eram as políticas públicas voltadas para populações pobres das periferias urbanas. Isso o conduziu a desenvolver a pesquisa que originou este livro, um texto pleno de sensibilidade social e autoria acadêmica.

    Marco Paulo Stigger

    Professor doutor em Educação Física e Ciências do Desporto da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

    Coordenador do Grupo de Estudos Socioculturais em Educação Física

    GESEF – UFRGS

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO ÀS INCURSÕES

    capítulo 1

    DOS INÍCIOS DO TEMA ÀS PESQUISAS E AOS JOVENS NO SEU ESPAÇO DE SOCIABILIDADES

    1.1 Dos inícios do tema ao recurso etnográfico

    1.2 A etnografia como aventura sociológica

    capítulo 2

    AS FORMAS DE SOCIALIZAÇÃO DOS CORPOS E AS SOCIABILIDADES

    2.1 O processo civilizatório

    2.1.1 A sociedade de soberania: o corpo supliciado

    2.1.2 A sociedade disciplinar: o corpo disciplinado

    2.1.3 A sociedade de controle: o corpo controlado

    2.1.4 As práticas políticas de governamentalidade em Foucault

    2.2 As formas de socialização em Berger e Luckmann

    2.2.1 Os processos de socialização como formas de construto social da realidade

    2.3 As formas de sociabilidades em Simmel

    2.4 Juventudes

    2.4.1 As juventudes e a sociedade de controle

    capítulo 3

    A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO BAIRRO GUAJUVIRAS

    3.1 Se tu lutas, tu conquistas

    3.2 As políticas de segurança pública: o caso Pronasci

    3.3 O Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC)

    3.4 Não são as notícias que fazem o jornal, e sim o jornal que faz as notícias: a invenção de uma população

    CAPÍTULO 4

    DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA E PARTICIPAÇÃO

    4.1 Ainda é só o começo... seja bem vindo!

    4.2 Preparando o território: as diferentes posições de sujeito e os espaços da tutela

    4.2.1 O lugar de sujeito coordenador

    4.2.2 O lugar de sujeito pesquisador

    4.3 Sociabilidades governadas

    CAPÍTULO 5

    AS MÚLTIPLAS FORMAS DE SOCIABILIDADES

    5.1 Rolê na vila: é um bom lugar

    5.2 A Praça Ildo Meneghetti e o futebol

    5.3 O futebol no campinho da Comtel

    5.4 O pedaço

    5.5 Vocês são loucos! Isto não vai acabar bem.

    5.6 O grupo de teatro

    5.7 O grupo de dança

    capítilo 6

    FAZER VIVER E DEIXAR MORRER: A FIGURA DO HOMO SACER E A VIDA NUA NA PERIFERIA

    6.1 O Homo sacer e a produção da vida nua

    6.2 Já ouviu falar no Mathiaca?

    capítulo 7

    A POLÍTICA DE EVENTOS E SUAS PUBLICIZAÇÕES

    7.1 Os eventos

    7.2 O 23º aniversário do bairro Guajuviras

    7.3 O 24º aniversário do bairro Guajuviras

    7.4 O servidor de dois patrões

    7.5 O evento no Centro Olímpico Municipal

    capítulo 8

    OS HOMENS DE FARDA SE TORNARAM NOSSOS INIMIGOS

    8.1 Vão invadindo o seu barraco... é a polícia!: O que eles fazem com o cara é uma violência

    capítulo 9

    AQUI É UM LUGAR BOM, MAS O GUAJÚ TÁ FICANDO SINISTRO

    9.1 A construção social de outras realidades

    9.2 O (des)governo: caminhos existenciais alternativos como focos de resistência

    9.3 Os aparelhos tecnológicos sinistros de vigilância e monitoramento

    capítulo 10

    ESTÁ RUIM? MAS ESTÁ BOM! A MUDANÇA TEM QUE CONTINUAR

    REFERÊNCIAS

    ANEXOS

    Materiais de divulgação e recortes de jornais

    INTRODUÇÃO ÀS INCURSÕES

    A violência está entre os fenômenos sociais que constituem a vida coletiva e que vêm se apresentando como problemática social na atualidade, de modo especial nas favelas e periferias no caso do Brasil, onde o tema da segurança pública está na ordem do dia. Em uma sociedade que vem sendo interpelada por constantes transformações quanto aos investimentos econômicos e políticos sobre a vida, aborda-se neste livro, como resultados de produções discursivas vão classificando, hierarquizando, categorizando, ou seja, vão posicionando sujeitos e grupos em determinados lugares sociais e politicos específicos.

    Diante disso, colocamos à luz o caso do bairro Guajuviras, localizado na cidade de Canoas, Rio Grande do Sul, apresentando, como o bairro foi sendo envolvido por discursos que o posicionou na condição de um local a ser governado para ser pacificado por meio de políticas de segurança pública. São justamente os modos de intervenção social no bairro e os discursos produzidos pelos sujeitos que estão sendo afetados pelo atual contexto que constituem a feitura deste livro. Nesse sentido, pesquisou-se, a partir de incursão etnográfica e análise do discurso, de que forma as ações de segurança pública, que têm no Estado uma entre as diversas forças envolvidas, foram sendo embasadas e justificadas em nome de uma suposta paz social.

    Com a realização da pesquisa, foram problematizadas as seguintes questões:

    Como os discursos sobre o corpo individual e coletivo atribuem aos sujeitos lugares sociais e políticos específicos?

    Como o bairro Guajuviras, desde sua ocupação, foi sendo construído socialmente como local a ser transformado em um Território de paz?

    Que formas de investimentos políticos sobre as vidas dos sujeitos habitantes do bairro Guajuviras, de modo especial dos jovens, estão sendo colocadas em movimento?

    Como são produzidas e vivenciadas as formas de sociabilidades dos jovens habitantes do Guajuviras?

    Quais discursos são produzidos pelos jovens acerca do local que habitam e das ações de segurança pública investidas no bairro que estão interpelando suas vidas?

    Enfim, a ideia central é que os jovens estão envolvidos e posicionados em uma teia discursiva que atribuiu status ao bairro que habitam como território de vulnerabilidade social a ser pacificado por um conjunto de ações de segurança, num lugar em que o cotidiano de potência de vida e histórias de lutas e resistências foi suprimido pelos discursos que construíram uma realidade social reprodutora do fenômeno da violência. Este estudo se nutriu de amplas consultas bibliográficas, observações diretas, discussões acadêmicas, conversações informais no dia a dia, entrevistas e grupos de discussão com os sujeitos da pesquisa e outros habitantes do bairro. Assim, ressaltamos que a proposta tem a pretensão de simplesmente apresentar um ponto de vista visto que os fenômenos produzidos que constituem a vida coletiva são múltiplos e complexos.

    O capítulo 1, Dos inícios do tema às pesquisas e aos jovens no seu espaço de sociabilidades, realiza as considerações iniciais ao tema, destacando as motivações pessoais e acadêmicas do primeiro autor do livro, bem como as que proporcionaram o início do estudo a partir das conexões estabelecidas com a temática estudada. O capítulo encerra explicando como se deu o desenvolvimento da presente pesquisa, à medida que se fez desta uma espécie de continuidade a uma pesquisa etnográfica anterior, quando ainda estava na condição de bolsista de pesquisa de iniciação cientifica, no qual, retornou ao campo de estudos ocupando a posição de coordenador de uma das ações do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania investidos no bairro: o Pronasci/PELC.

    O capítulo 2, As diversas formas de socialização dos corpos e as sociabilidades, talvez seja o mais teórico deste livro. Pretende-se, ao longo de suas seções, pontuar as diversas formas de controle usadas ao longo da história da sociedade ocidental. Nessa direção, apresentamos o estudo genealógico realizado por Michel Foucault, que sinalizou as transformações ocorridas ao longo dos anos nas formas de investimentos político-econômicos e sociais sobre a vida humana. O filósofo identificou a passagem de uma forma de investimento que chamou de sociedade de soberania a sociedade disciplinar, a partir do que denominou biopolítica (política sobre a vida) mediante um conjunto de dispositivos (discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis etc.) com vistas a tornar os sujeitos dóceis e produtivos para um ideal de sociedade. Para uma melhor compreensão e complemento acerca dos investimentos políticos e econômicos sobre a vida, também recorremos aos estudos de Peter Berger e Tomas Luckmann, que identificaram os processos de socialização primária e socialização secundária como formas de interiorização e manutenção de uma realidade socialmente construída. Assim, pensando com Foucault e dando prosseguimento às suas análises a partir do atual contexto, o filósofo Gilles Deleuze conceituou a atual sociedade como de controle, que os mecanismos de disciplinamento dos corpos não desaparecem, mas são ampliados e refinados, possibilitando o controle de modo contínuo, prescindindo mesmo das instituições disciplinares ou de socialização secundária, promovidos por um capitalismo que Richard Sennett apontou como mais flexível. Pensando com Deleuze, apresentamos de modo introdutório, trazendo como referência o Brasil, a identificação de focos de investimentos políticos característicos da sociedade de controle, como as ações do Estado, de modo especial nas favelas e periferias, onde são citados como exemplos os investimentos por meio de políticas de segurança pública, nas quais o principal alvo consiste no controle das formas de sociabilidades juvenis no sentido simmeliano.

    No terceiro capítulo, A construção social do bairro Guajuviras, apresentamos a história de lutas, resistências e conquistas dos habitantes do bairro desde sua ocupação, em 1987, e como, ao longo dos anos após sua ocupação, foi envolvido por uma produção discursiva que o inventou como uma população vulnerável a ser governada e pacificada por meio do conjunto de ações do Pronasci. Assim, são expostos quadros ilustrativos com excertos retirados de alguns jornais impressos de circulação local, regional e nacional a partir do ano de 2007, com abordagens, ressaltando os modos como foram sendo publicizados acontecimentos e eventos sobre o bairro. Como construímos e representamos nossa vida cotidiana? Como os sujeitos, os grupos ou as populações vão ocupando determinados lugares sociais e políticos na vida coletiva? A que se denomina realidade? Refletir sobre essas indagações conduz à análise de como os discursos atribuiram status ao bairro como mazela social, supondo que a mídia ocupa papel central, pois faz referência, colaborando e convocando em certo ponto a presença estatal por meio de ações de segurança, justificadas em discursos de gestores e servidores do Estado, bem como de parcela dos habitantes do bairro. Por isso, esse capítulo pretende refletir certas categorias que resultaram na fusão entre os discursos da segurança veiculados pela mídia, bem como por segmentos da sociedade, num exame da produção discursiva criada em torno do bairro que construiu uma realidade: do território a ser pacificado.

    No capítulo 4, Dispositivos de segurança e participação, abordamos como iniciou, na prática das ações do Pronasci no bairro Guajuviras. Também é relatado a dupla preocupação devido à condição complexa em que o primeiro autor deste livro estava posicionado, exercendo a função de coordenador e pesquisador, no sentido de que a condição de coordenador de núcleo do Pronasci/PELC não afetasse a sensibilidade necessária para a identificação da dinâmica social posta no bairro. Descrevo, ainda, como as sociabilidades juvenis foram governadas, ou seja, as mesmas atividades que os jovens do bairro Guajuviras já praticavam (futebol, basquete, dança, teatro) passaram a ser tuteladas, com o oferecimento dessas atividades sob a orientação e a vigilância de agentes de esporte e lazer em instituições e espaços públicos.

    Já no capítulo 5, Um bom lugar: as múltiplas formas de sociabilidades, ofereçemos uma observação das diversas práticas sociais e sociabilidades protagonizadas pelos jovens. A proposta consiste em focalizar as multiplicidades e as diversidades de gostos, interesses, significados, jocosidades e a inserção no que Georg Simmel conceituou como diferentes círculos sociais. Esse capítulo possui uma tarefa de problematização da produção discursiva hegemônica que embasou a implementação dos dispositivos de segurança e participação para a transformação do bairro em um Território de paz. O que propomos é colocar em cena o sujeito múltiplo, fazendo alusão às muitas e múltiplas formas de se significar no mundo. Assim, recupera-se, por exemplo, as análises de Georg Simmel, dos antropólogos brasileiros Jose Guilherme Cantor Magnani e Édison Luis Gastaldo, bem como outros estudos socioantropológicos, como os de Marcel Mauss e Radcliffe-Brown, na medida em que noções como

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1