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Montado no ponteiro grande do relógio
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Montado no ponteiro grande do relógio
E-book79 páginas34 minutos

Montado no ponteiro grande do relógio

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Sobre este e-book

Livro de estreia de Ricardo Filho para o público adulto, lançado exclusivamente em formato digital, Montado no ponteiro grande do relógio recupera a tradição do flâneur: figura que vaga despreocupadamente pela cidade encontrando ao acaso diversas possibilidades de construção de significados. Diferentemente da celebração da metrópole proposta pelo flâneur típico da Belle Époque, Ricardo Filho sabe que a cidade contemporânea acabou por catalisar todas as angústias e crises ainda não evidentes durante aquele início festivo da modernidade urbana. Não haveria mais o que celebrar. Ou haveria?

Com escrita seca e econômica, e certa casmurrice, Ricardo Fillho escreve minicrônicas que a todo momento nos fazem questionar quem é esse narrador que adora Rolling Stones, se entristece com os rumos da cidade de São Paulo e que, apesar de encontrar pequenas alegrias no cotidiano de cidades interioranas, é um homem urbano por natureza. Misturando ódio e lirismo, e um tipo de humor cada vez mais raro porque altamente reflexivo, identificamos no narrador do livro um sujeito capaz de concentrar e expressar todas as dores e as delícias de se viver a experiência caótica, mas irresistível, da vida na cidade.

Se muito do que foi prometido pelos famosos andarilhos parisienses de 100 anos atrás nunca se cumpriu, é certo que Ricardo Filho nos leva a refletir sobre a possibilidade de ainda se celebrar a vida na cidade mesmo com tantas frustrações. Apenas em meio ao caos urbano é possível criar um mínimo de sentido para as nossas vidas neste início de século.
IdiomaPortuguês
Editorae-galáxia
Data de lançamento4 de jul. de 2018
ISBN9788567080048
Montado no ponteiro grande do relógio

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    Montado no ponteiro grande do relógio - Ricardo Filho

    Texto

    Autorretrato

    Brasileiro. Cidade maravilhosa remota. Lembrança de férias passadas em casas de parentes que finaram ou mudaram de endereço. Ruas do Leblon, amendoeiras espalhando folhas pelo chão das calçadas que margeavam um canal bonito. Vive em São Paulo desde muito pequeno, paulista por adoção. Gosta do bairro de Pinheiros e dos ipês que tingem de amarelo as ruas em determinadas épocas do ano. Procura ser otimista, embora seja impossível manter essa determinação. Já foi mais alegre do que é. Irrita-se fácil. Não gosta de vizinhos, barulho de qualquer espécie, aglomerados de gente. Falta de educação e de sensibilidade tiram-no do sério, perde os modos. Não bebe, não fuma. Tem pavor da morte. Se algum dia morrer, será contra a sua vontade. Gosta do número quatro. Bem disposto na mesa, adora prato com molhos, queijo e risotos. Tudo que leva arroz. Doces feitos com ovos são tentadores. Já foi mais magro e saudável. A solidão não o assusta. Sente-se bem em livrarias. Lê muito menos do que gostaria. Escritor favorito: Machado de Assis. Cinema, sempre. Ouve música e canta com alguma frequência. Vaidoso, importa-se com aparência. Acreditou em política, não mais. Apaixonado. Odeia telefone. Inverno, nada como o frio. Ateu com poucos pecados.

    Blue

    A segunda amanheceu carrancuda. Não gosto de chuva, fico cinzento. Tomei o café em silêncio na padaria e sorri amarelo para a Margareth. No metrô, irritado com o aperto, escureci mais ainda. Muito também pela mulher empurrada. Berreiro de desaforos. Gritos me deixam roxo. O grotesco se aproximou. Um homem de uma perna só, muletas, tentou andar com o vagão em movimento. Não pode. Caiu em cima de mim, quebrou-me o guarda-chuva. Vermelhei. Cheguei ao ponto final. Blue.

    Bandejão I

    Almoço em silêncio mastigando, sozinho, as ideias. Senta-se em minha frente um senhor grisalho também desacompanhado. Apoia a bandeja sobre a mesa. Aperta os olhos franzindo o cenho e coloca as mãos na testa. Talvez esteja mal, cansado, alguma coisa doendo. Engano-me. Fica um tempo naquela posição. Os lábios movendo-se vagarosamente emitem pequenos e suaves estalos, delicados muxoxos. Termina a prece com um sinal da cruz distraído. Suspira profundamente livrando-se de boa quantidade de ar. Abre espaço para atacar o prato, subitamente interessado no feijão; talheres em punho. Abaixo a cabeça e olho desconfiado para a escarola refogada, carne assada ao molho, arroz integral, batatas coradas. Falta pimenta.

    De joelhos?

    Tenho o sono leve. Qualquer ruído noturno faz minha cabeça crescer sobre o travesseiro. Se forem palavras, então, imediatamente fico atento, curiosíssimo. Aconteceu essa madrugada. Por volta das quatro horas uma voz invadiu meu quarto. Irritada, autoritária, identifiquei pessoa mais velha por trás dela. Adulto, maduro. Por mais que me esforçasse, esticando-me no colchão e apontando os ouvidos na direção do som, não consegui identificar direito o que estava acontecendo. A discussão parecia ter apenas um interlocutor. Ninguém rebatia ao que estava

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