Indo à luta sim, por que não?: Mulheres com mais de 40 anos, casadas, com filhos, e o retorno à sala de aula
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Indo à luta sim, por que não? - Silvia Jurema Leone Quaresma
estudo.
Capítulo 1: As Escolhas da Pesquisa
O tema que escolhi estudar foi: mulheres, pertencentes aos estratos médios da sociedade brasileira, com mais de 40 anos, casadas, com filhos, que não trabalhavam fora de casa, mas que ingressaram num curso de graduação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)¹.
Primeiramente devo dizer que este estudo, realizado em 2001, se originou de um interesse pessoal, pois faço parte desse grupo de mulheres. Sendo assim, este tema está relacionado com minha trajetória de vida e despertou-me para conhecer o que outras mulheres, que passam pela mesma situação, pensam sobre isso.
Tratando-se de uma pesquisa qualitativa, primeiramente, investiguei a presença dessas mulheres nos cursos de graduação da UFSC com a colaboração dos departamentos de administração escolar (DAE) e núcleo de processamento de dados (NPD). Esses órgãos da universidade forneceram uma listagem na qual certifiquei-me da existência de 145 mulheres, com idades entre 40 e 59 anos, matriculadas regularmente em vários cursos de graduação. Com as informações fornecidas elaborei uma tabela demonstrativa por curso de graduação e faixa etária que está sendo apresentada a seguir.
TABELA 1 – Mulheres com mais de 40 anos cursando uma graduação na UFSC
Fonte: dados obtidos no DAE e NPD no ano de 2000
Nessa tabela é possível verificar que, no período pesquisado, as mulheres que estavam com mais de 40 anos se encontravam, em sua maioria, na área de Ciências Humanas, sendo o curso de Letras que apresentou o maior percentual. Portanto, este estudo se propôs, inicialmente, pesquisar mulheres com mais de 40 anos, casadas, com filhos, que não trabalhavam fora de casa e que estavam matriculadas nos seguintes cursos de graduação: Biblioteconomia, Ciências Sociais, Filosofia, História e Letras.
As questões norteadoras deste estudo foram as seguintes: quais os fatores que impulsionaram mulheres com mais de 40 anos, casadas, com filhos e que não trabalhavam fora de casa a ingressar na universidade? Por que essas mulheres escolheram ingressar na universidade e não escolheram fazer qualquer outra coisa? O que significa para elas esse ingresso na universidade?
O objetivo geral deste estudo foi identificar os fatores que desencadearam ou predispuseram às mulheres com mais de 40 anos, casadas, com filhos e que não trabalhavam fora de casa a ingressar na universidade.
Considero que os objetivos específicos foram alcançados, uma vez que identifiquei e entrevistei mulheres, com as especificações da pesquisa, que estavam matriculadas nos seguintes cursos de graduação: Ciências Sociais, Filosofia e Letras. Nas entrevistas foi possível resgatar a trajetória de vida dessas mulheres para entender o porquê do ingresso na universidade após os 40 anos e nas condições exigidas pela pesquisa. Ainda foi possível identificar e analisar os fatores que possibilitaram, nessas mulheres, uma ruptura com o status quo anterior à universidade; o significado do curso universitário na vida dessas mulheres através de seus projetos de vida; e, finalmente, as mudanças ocorridas no âmbito doméstico, do ponto de vista dessas mulheres, depois do ingresso na universidade.
A intenção da pesquisa era aumentar o conhecimento sobre essa geração de mulheres e o meio social em que estão inseridas. Além disso, considero o tema relevante socialmente, uma vez que ele pode ser uma injeção de ânimo para as futuras leitoras que gostariam de continuar a estudar e tentar ingressar num curso superior.
Para melhor esclarecimento das(os) leitoras(es) convém informar que este estudo abordou mulheres que nasceram em uma mesma geração. Segundo o Dicionário Aurélio (Ferreira, 1997), geração
é o conjunto de indivíduos nascidos pela mesma época, sendo que o espaço de tempo que vai de uma geração a outra é de 25 anos. Chaves Junior (2001), ao analisar esse conceito, menciona que uma geração distingue de outra não somente pela faixa etária que as delimita. Mas principalmente, pelo conteúdo que ela simboliza que acaba atuando como elemento de distinção das demais gerações. Para o autor, cada geração traz características e marcas próprias, compartilhadas por todo o universo social. Devendo observar-se que as gerações não se apresentam sob a égide de determinado grupo, mas como referência a todos os grupos que formam o conjunto social. Em cada geração, há um sentido próprio oriundo das vontades dos indivíduos e das tendências de natureza política, econômica e cultural.
1. As dificuldades da pesquisa
Após averiguarmos que havia na UFSC mulheres com mais de 40 anos matriculadas nos cursos de graduação, partimos para a identificação dessas mulheres nos cursos citados e que tivessem o perfil indicado, isto é, casadas, com filhos e que não trabalhassem fora de casa.
Inicialmente, gostaríamos de ter entrevistado um total de dez mulheres, sendo duas de cada curso nos quais elas se encontravam matriculadas regularmente. Mas após uma conversa com as orientadoras, chegamos à conclusão que quatro mulheres seria um número razoável para o estudo. Isso ocorreu, também, porque percebemos que as respostas das entrevistadas estavam se repetindo com certa frequência. Esse fato demonstrou que as experiências vividas pelas entrevistadas eram bastante semelhantes.
O perfil solicitado na pesquisa foi respeitado no que diz respeito: ao estado civil das mulheres, terem filhos e estarem matriculadas num curso de graduação. No entanto, tivemos muita dificuldade em encontrar mulheres que nunca trabalharam fora de casa depois de casadas. As mulheres que foram entrevistadas para este estudo não estavam trabalhando no momento da pesquisa fora de casa, porém todas já tiveram essa experiência por certo tempo, mas sempre menos de dois anos. Consideramos que todas tenham feito uma tentativa de sair do âmbito do privado, mas acabaram recuando por diversos motivos, e estes serão averiguados durante a análise das entrevistas. As entrevistadas nesses períodos de ida para o público tiveram trabalhos diversos, alguns formais e outros informais, mas isto também está detalhado no apêndice deste livro quando especificamos o perfil biográfico de cada uma delas (vide apêndice B).
Para estabelecermos um contato com essas mulheres contamos com a ajuda de algumas amigas, que faziam a ponte entre a pesquisadora e os sujeitos da pesquisa. Quando isso ocorria era mais fácil porque elas já sabiam sobre o que tratava a pesquisa. Sendo assim, fazíamos o contato, explicávamos a pesquisa, propúnhamos a entrevista anônima e deixávamos a cargo delas marcar o dia, a hora e o local da entrevista. Os encontros foram marcados para uma semana após o primeiro contato, sendo que um dia antes do encontro a pesquisadora telefonava para confirmar a entrevista. Aconteceu que todas as entrevistadas pediram para remarcar o encontro para dali uma semana. É muito difícil esse momento de remarcar o encontro, pois o pesquisador iniciante sente-se inseguro. Aí então perguntávamos se realmente estavam dispostas a serem entrevistadas e elas concordavam firmemente. Talvez essa prorrogação tenha acontecido porque essas mulheres precisavam de um tempo maior para digerir melhor nossa proposta.
Outra forma que encontramos de aproximação com essas mulheres foi com a colaboração do DAE e NPD, que forneceram o número do telefone de algumas delas. Mas antes de pedirmos essa colaboração aos departamentos, conversamos com duas professoras de metodologia e ambas asseguraram que não seria antiético utilizar essas informações, uma vez que essas estavam disponíveis em âmbito público, inclusive poderíamos procurá-las através da lista telefônica.
Quando ligávamos para as mulheres, cujos telefones foram indicados pelos departamentos, falávamos sobre a pesquisa, sobre o trabalho de conclusão de curso, sobre a especificidade da pesquisa. Observamos, primeiramente, que grande parte das mulheres com mais de 40 anos e que estavam na universidade trabalhavam fora, principalmente na área da educação. Em segundo lugar, percebemos que muitas eram solteiras. Infelizmente essas especificidades não faziam parte da pesquisa.
Houve também algumas mulheres que foram contatadas e se recusaram a dar entrevista alegando que não gostariam de falar sobre a sua vida pessoal e familiar; nós respeitamos seus argumentos e não insistimos. Outra ocorrência foi que algumas mulheres marcaram a entrevista, confirmaram e, no entanto não compareceram ao local marcado. Tornávamos a ligar e as mesmas davam uma desculpa, sendo assim, nós não insistíamos mais com a entrevista.
Portanto, fica aqui nosso depoimento das dificuldades da pesquisa por causa da sua especificidade. A dificuldade foi tanta que acabamos entrevistando mulheres que trabalharam fora depois de casadas por pouco tempo, mas no momento da pesquisa estavam em casa.
2. A maneira de pesquisar
Após a identificação das mulheres com mais de 40 anos, casadas, com filhos, que não trabalhavam fora de casa e que estavam matriculadas num curso de graduação na UFSC, conversamos com elas e marcamos uma entrevista.
No primeiro contato com as entrevistadas solicitamos que elas marcassem o local e a hora da entrevista e todas escolheram como local a UFSC. Acreditamos que essa escolha ocorreu porque esse era um campo neutro, longe da família, para poder falar mais livremente, sem muitas amarras. A todas as entrevistadas pedimos autorização para a gravação das entrevistas.
Houve um contrato ético entre a pesquisadora e as entrevistadas, no qual comprometemo-nos a não identificá-las. Dessa forma, elas concordaram que suas falas poderiam ser incluídas no estudo, mas não poderia haver a identificação da pessoa e, sendo assim, estaremos fazendo uso de pseudônimos no livro. Essa necessidade de segredo é muito importante quando trabalhamos com afetos e intimidades de um indivíduo, pois estamos tocando em algo que para ele é privado e secreto.
As entrevistadas receberam como pseudônimos os títulos de algumas músicas que falam sobre mulheres. A primeira entrevistada recebeu o pseudônimo de Amélia (da música Ai que saudades da Amélia, de autoria de Ataulfo Alves e Mário Lago); a segunda, Carolina (letra de Chico Buarque de Hollanda); a terceira, Madalena (letra de Ivan Lins); e a última recebeu como pseudônimo Marina (letra de Dorival Caymmi). Devemos deixar claro que esses pseudônimos nada têm a ver com as entrevistadas, foi só um modo da pesquisadora se referir a essas mulheres.
Devemos esclarecer, também, que em todas as entrevistas procuramos intervir o mínimo possível para não interferir no processo de conhecimento que estava sendo desencadeado. Ao escutarmos as entrevistadas tentamos respeitar o máximo a norma de não intromissão de valores, juízos ou conteúdos pessoais da pesquisadora, pois entrevistadas e entrevistadora pertenciam à mesma geração. Portanto, os temas cruciais eram comuns a ambas e temos consciência que grande parte das semelhanças entre essas mulheres não são mera coincidência.
Também convém explicarmos que quando qualificamos o projeto deste estudo foi sugerido pelas professoras que fizeram parte da banca que fossem realizadas entrevistas coletivas com essas mulheres (técnica de entrevista conhecida como grupo focal). Achamos que a sugestão era ótima, mas infelizmente, o tempo que é dado para fazer um trabalho de conclusão de curso é muito escasso e diante desse entrave não acatamos a sugestão.
Assim sendo, utilizamos como técnica de entrevista o tipo semiestruturada e não diretiva e deixamos a cargo das entrevistadas a organização de sua própria narrativa, pois de acordo com Thompson (1992, p. 258):
O argumento em favor de uma entrevista completamente livre em seu fluir fica mais forte quando seu principal objetivo não é a busca de informações ou evidência que valham por si mesmas, mas sim fazer um registro subjetivo
de como um homem, ou uma mulher, olha para trás e enxerga a própria vida em sua totalidade, ou em uma de suas partes. Exatamente o modo como fala sobre ela, como a ordena, a que dá destaque, o que deixa de lado, as palavras que escolhe, é que são importantes para a compreensão de qualquer