Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Hope - As cores da verdade
Hope - As cores da verdade
Hope - As cores da verdade
E-book524 páginas7 horas

Hope - As cores da verdade

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

UM GOVERNO DE TERROR INICIA-SE quando o tirano Isaac Harper conquista a presidência dos Estados Unidos. Principais alvos do novo presidente, a comunidade LGBT perde todos os seus direitos, sendo submetida a uma vacina que logo se descobre ser uma espécie de “Cura Gay”, capaz de inibir a sexualidade por um preço terrível. Ao se levantarem contra os horrores do governo Harper, milhares de insurgentes LGBT são impiedosamente assassinados ou presos em HOPE – Homossexual Prison and Exclusion, um novo nome para o inferno.

IMUNE À VACINA, Sam Hatfield é um sobrevivente à perseguição sangrenta do governo Harper. O destino o coloca no caminho de Max Dillan, por quem se apaixona e une forças na guerra contra Isaac Harper. No entanto, Sam e Max descobrirão que a luta para derrubar um tirano em um país cego pela fé e pelo ódio precisará de muito mais que armas, e poderá custar muito mais que suas próprias vidas.
IdiomaPortuguês
EditoraBookerang
Data de lançamento1 de fev. de 2021
ISBNB08TLLYS2G
Hope - As cores da verdade

Relacionado a Hope - As cores da verdade

Ebooks relacionados

Ficção gay para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Hope - As cores da verdade

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Hope - As cores da verdade - M. V. Nery

    HOPE: As cores da verdade - Livro 1

    © M.V. Nery, 2020

    Todos os direitos reservados ao autor.

    3ª Edição

    Edição Danilo Barbosa

    Revisão Danilo Barbosa

    Capa e Projeto Gráfico INDIE 6 Design Editorial

    Edição Digital INDIE 6 Design Editorial

    Em memória de Heber J. M.

    AGRADEÇO primeiramente a Deus pelas luzes derramadas em formas de ideias para escrever esta obra. Bem como ao meu marido Cassio Ayres por sempre ter me incentivado a seguir em frente e me apoiado por todo o processo de escrita. Agradeço também a minha família e amigos que sempre acreditaram em mim. Ao meu agente literário Danilo Barbosa por ter sido tão criterioso no copidesque desta obra e pelas inúmeras dicas que me deu durante todo tempo de revisão.

    Agradeço ao leitor por se identificar com esta obra e aos LGBTQI, saibam que estamos todos unidos na nossa luta contra o preconceito, principalmente neste momento complicado pelo qual estamos passando em nosso país.

    HÁ QUEM DIGA QUE ESSE PRECONCEITO SEMPRE EXISTIU, ou nem se lembram de quando começou. Mas isso é o que eu sei a partir do que meus pais me contaram e do pouco documentado que restou. De tempos onde letras como LGBT eram ditas como sinônimo de orgulho, não de vergonha ou medo.

    Houve um tempo em que o mundo caminhou para a crença de que toda forma de amor era válida e o respeito pelas diferenças se tornaria a base para a convivência em sociedade. Mas então, a Era das Trevas ressurgiu diante de nós, e onde havia amor e respeito deu lugar ao ódio e medo.

    A maioria das fontes diz que foi a partir de 2040, quando o planeta havia chegado ao exorbitante número de nove bilhões de habitantes. A vida havia prosperado em abundância com a erradicação de doenças como a AIDS, câncer e outras, que dominavam as taxas de mortalidade. Com isso, o índice de mortos caiu drasticamente e de natalidade subiu na mesma proporção, elevando muito rápido o número de habitantes no planeta, levando o surgimento de outros problemas.

    Embora a tecnologia tenha mantido o progresso, foi incapaz de suprir às necessidades de um planeta superpopuloso. Desta maneira, com o propósito de conter a natalidade, casais foram obrigados a terem apenas um filho, caso quisessem… Só aqueles que faziam parte da alta hierarquia governamental podiam ter mais filhos — ou, caso quisessem, adotar. A esterilização dos pais tornou-se obrigatória após o nascimento do primogênito, para erradicar quaisquer chances de descumprirem as leis.

    Devido às circunstâncias, o governo e as igrejas foram forçados a legalizar e aceitar as famílias homoafetivas. As organizações daquela população, antes estigmatizada como minoria, finalmente conquistaram total liberdade de expressão — ao menos por parte dos governos. As igrejas, como sempre conservadoras e relutantes, foram forçadas a aceitar a situação, devido à quantidade de crianças disponíveis para adoção.

    Por isso, algum tempo depois, governantes do mundo todo se uniram para decidir como freariam o crescimento populacional, que fracassava ano após ano. Suprimentos se esgotavam principalmente nos países mais pobres. O mundo estava à beira do colapso.

    Naquela época, Leon Harrison era o presidente dos Estados Unidos. Um ótimo governante, por sinal. No entanto, pacífico demais para tempos sombrios como aquele. Harrison era um presidente carismático, amado por muitos e odiado por outros. Os mais tradicionais e conservadores o desprezavam.

    Harrison era um presidente que sempre tentava mostrar o lado bom das coisas, e guerra estava fora de seus planos, mesmo tendo os anteriores preparado o país para guerras futuras. Os Estados Unidos sempre foram um país que esteve à frente no quesito armistício, mas com Leon Harrison isso deixou de acontecer. Muitos cobravam uma atitude mais enérgica, que talvez jamais tivesse enquanto ele estivesse no poder.

    Foi seu vice-presidente, Isaac Harper, alguém até então escondido nas sombras de Harrison, quem mudou todo o rumo da história. À princípio era um homem cordial, que forçava um carisma dissimulado, quase uma cópia do presidente, contrastando-se apenas no fato de que era extremamente religioso, ao contrário de Harrison que acreditava que religião e política nunca deveriam ser misturadas, porque os Estados Unidos ainda eram um país laico.

    Quando Leon sofreu um acidente fatal, muitos acreditaram que Harper fora o responsável pela tragédia, já que após anos tentando chegar à presidência pelo sistema democrático, nunca conseguira. Muitos pensaram em acusá-lo, mas que provas havia para depô-lo do poder recém-adquirido?

    Assim, por vias indiretas, ele passou a comandar a maior potência do mundo.

    Mas os piores homens sempre aproveitam a oportunidade para fugirem de seus crimes, e o trunfo de Harper foi um evento de proporções globais: o Cavaleiro Amarelo.

    O nome da praga, advinda do livro de Apocalipse, com grau de virulência altíssimo espalhou-se repentinamente por milhões de pessoas pelos quatro cantos do mundo, e os cientistas demoraram para reconhecê-lo devido ao seu tempo de incubação de mais de trinta dias.

    Começando com os sintomas de uma gripe muito forte, a vítima morria no terceiro dia, com os pulmões entrando em colapso, sufocados pela própria secreção. Quando a maioria dos governos decidiram agir obrigando as quarentenas, muitos as ignoraram por priorizar a economia e o surto se tornou grande demais para ser contido. Cientistas descobriram que o vírus era uma mutação do H1N1, que havia se tornado extremamente potente, e imune aos mais poderosos medicamentos existentes. Vários países decretaram estado de emergência, em sua maioria, os mais pobres, onde o vírus se alastrava com uma velocidade inimaginável, assolando tudo que estivesse em seu caminho.

    O Cavaleiro Amarelo se propagava pelo ar sem deixar rastros da própria origem e nada parecia capaz de interceptá-lo.

    Com a situação chegando a níveis apocalípticos, religiosos voltaram a erguer suas vozes, insistindo na chegada do Apocalipse e tão breve a volta do Cristo. Uma onda de desespero se instalou na humanidade. Dor, medo e terror invadiram os corações num verdadeiro pandemônio. O ser humano estava vendo a própria espécie ser derrotada por um ser microscópico.

    Um ano após as primeiras vítimas pelo vírus começarem a aparecer, aproximadamente metade da população mundial já havia sido dizimada. Não era uma contagem exata e nem havia como saber, devido à velocidade do Cavaleiro portador da morte. A maioria eram bebês, crianças e pessoas acima dos cinquenta anos.

    Esse flagelo fez com que todas as nações se unissem, a fim de buscar uma cura. Mas mês após mês as buscas se mostravam infrutíferas. E os estragos causados pelo Cavaleiro Amarelo só aumentavam. Muitos países decretaram estado de sítio quando a economia e a saúde pública entraram em colapso. Ao abandonar a quarentena em busca de sustento, as pessoas voltavam a se aglomerar e o vírus continuava a se espalhar e fazer mais e mais vítimas.

    Foi só no momento em que o mundo já não mais acreditava em uma possível cura, que Isaac Harper anunciou em rede mundial que um dos seus cientistas, Ryan O’Connor, havia conseguido desenvolver uma vacina capaz de conter o vírus com sucesso, obtida por meio de um indivíduo que, de alguma forma misteriosa, era imune ao vírus. Através do sangue dele, o cientista desenvolveu uma vacina com cem por cento de eficácia.

    Os países se uniram na fabricação em escala mundial, e os Estados Unidos tomaram a frente do projeto, com o aval de Isaac Harper. Todos no planeta foram vacinados, sem exceção. E por fim o vírus foi erradicado com total sucesso, transformando Harper no homem que mudou o curso da história da humanidade. Tudo o que ele mais queria para deixar de ser o suposto golpista assassino para se tornar o homem que ajudou a salvar o mundo.

    O crápula ganhou tamanha popularidade que ninguém mais queria que ele saísse do governo. E lógico que o sujeito se aproveitou da situação, deixando vir à tona o monstro escondido dentro de si. Ter a nação ao lado dele favoreceu para que usasse das armas mais maquiavélicas, como a alteração das leis, excluindo um número limitado de reeleições, permitindo que se mantivesse no poder por vários anos. Onde, na verdade, ainda permanece e diz que só sairá de lá morto, já que se julga o melhor presidente e o único capaz de manter o país em ordem. E como seus eleitores acreditam piamente nisso, receio que sua vontade se cumpra.

    Como um cristão ferrenho, Harper insistiu em dizer que o mérito da cura para o Cavaleiro Amarelo havia sido de Deus, que o permitiu encontrá-la. Com discursos embasados em passagens bíblicas e fundamentalismo religioso, o presidente reergueu o poder das esquecidas igrejas. As diferenças que afastavam as religiões agora as aproximavam.

    Cristãos, Mórmons, Judeus e várias outras religiões que dominaram o país pós-apocalíptico compartilhavam do mesmo pensamento do político, de que Deus havia mandado o vírus para reestabelecer a fé do ser humano, que colocara a tecnologia acima Dele. Até mesmo os mais céticos, diante do cenário flagelante causado pela misteriosa doença, passaram a ter crenças em algo divino e apocalíptico.

    Os templos, que durante anos lutaram contra a racionalidade humana, voltaram a ser mais frequentados do que nunca. Os líderes religiosos, outrora esquecidos, ignorados, agora tinham o poder da palavra de Deus nas mãos: e aqueles que discordavam das Leis Divinas estavam contra o Senhor e não eram vistos com bons olhos. Segundo aqueles homens, os que sobreviveram ao flagelo tinham que levantar as mãos para o céu e louvar pela graça de seguirem vivos, quando muitos pereceram.

    E então outros fatores após o terrível evento começaram a surgir. Os governos de todos os países, principalmente dos desenvolvidos, passaram a se preocupar com o futuro do planeta, já que havia pouquíssimas crianças ainda vivas, e a grande maioria dos casais heterossexuais foi esterilizada anos antes.

    Para tentar contornar isso, inúmeras inseminações artificiais foram feitas apoiadas pelo próprio governo, junto à igreja, embora este fosse um método anticristão. Os bancos de esperma e óvulos foram insuficientes, já que muitas das tentativas fracassavam, e cada casal só poderia dispor de apenas uma para que a verba propiciada a saúde não acabasse.

    O mundo, antes superpopuloso, sofreu um efeito reverso. Havia pouca população para um planeta cercado de recursos, que necessitava ser reerguido. A tentativa de controlar a taxa de natalidade foi um erro irreversível, cujos frutos amargos estavam colhendo.

    Nos Estados Unidos, embora muitas igrejas fossem diferentes, havia entre elas um fator com o qual todas concordavam, e os líderes faziam questão de salientar: a homossexualidade era contra as leis divinas, pois estava na Bíblia que era uma abominação aos olhos de Deus.

    E aproveitando disso, o presidente Harper mostrou mais uma vez o lado sombrio de sua face, talvez o mais cruel: o ódio declarado por LGBTs, vetando todas as leis que protegiam a classe ou concediam-lhe direitos conquistados após anos de luta. Para ele, era inadmissível que um planeta necessitando ser repovoado permitisse que o relacionamento homoafetivo fosse algo natural, principalmente pelo fato de os homossexuais não terem sofrido a esterilização em massa.

    Estados outrora simpatizantes com as causas LGBTs como a Califórnia, por exemplo, sofreram o maior ataque de Harper. Até então era Donavan, gay assumido, quem estava à frente do estado. Mas Harper mostrou que estava acima da lei e não teve clemência. Não somente héteros estariam no poder, mas homens cristãos, cujos valores fossem os mesmos que os do presidente. Pouquíssimas mulheres receberam cargos no governo Harper e cada vez mais ele fazia questão de que elas não assumissem postos políticos de responsabilidades masculinas e engendrassem cargos que eram de sua responsabilidade, como o lar e o cuidado aos filhos ou algumas profissões que necessitavam impreterivelmente de cuidados femininos.

    Se quisessem formar uma nova nação, que as mulheres que tivessem filhos deixassem seus ofícios e ficassem em casa cumprindo seu verdadeiro papel de zeladora do lar. Em tempos difíceis, o país exigia homens de pulso firme e não mulheres emotivas e compassivas. Os discursos de Harper berrando um fundamentalismo de extrema direita, claramente machistas e misóginos, caiam na graça do povo cego. Um bando de ovelhas tontas e masoquistas servindo ao lobo prontas para devorá-las.

    Os tempos de escuridão haviam voltado. Novamente a luta por direitos recomeçava do zero, só que as chances de conquista eram mínimas, já que Harper havia empesteado o governo com fundamentalistas religiosos que o idolatravam e seguiam suas ordens à risca.

    O maior trunfo de seu governo foi quando o mesmo brilhante cientista, que encontrou a cura do Cavaleiro, trouxe à tona uma suposta cura para a homossexualidade, cujo nome era HDC, iniciais de ‘Homosexuality Disease Cure’ — Cura da Doença da Homossexualidade. Uma vacina capaz de neutralizar os hormônios responsáveis pelas três fases dos sentimentos de atração, paixão e amor. Impedindo primeiramente a pessoa de sentir prazer sexual atuando diretamente nos hormônios tanto da testosterona como do estrogênio, causando um leve desconforto no sistema ao transmitir as mensagens ao cérebro quando o indivíduo sente atração por outro.

    Depois a vacina atua sobre os hormônios da dopamina, serotonina e endorfina quando liberados causando um choque de grande desconforto, fazendo com que a pessoa fique extremamente triste por pouco tempo. Mas o impacto maior da vacina é sobre a oxitocina, chamada de hormônio do carinho, que impede que a pessoa tenha estas sensações por outra, causando um desconforto extremo, levando o indivíduo a entrar em colapso por minutos ou horas. Por fim, a vacina destrói os laços que unem as pessoas, desde o sexo ao amor. Nenhuma relação conseguiria se sustentar com um corpo sofrendo ataques diretos e ininterruptos de uma droga que não permite sentir quimicamente tudo aquilo que faz o ser humano manter uma relação amorosa.

    O caso foi mantido em total sigilo entre a mais alta hierarquia do governo e a população nem sequer sonhava com esta atitude tão cruel de Harper.

    Após a confirmação de eficácia do método pelo cientista, o governo emitiu uma nota exigindo que milhares de pessoas voltassem a ser vacinadas contra o Cavaleiro Amarelo, alegando que um lote estava invalidado devido a erros internos.

    Para melhor controle, os funcionários do governo iriam aos lares fazer as aplicações. Com o receio de que o vírus pudesse voltar, ninguém questionou a atitude do governo. O que não imaginavam era que as escolhas não foram aleatórias, mas previamente planejadas. E Harper sabia que a HDC retirava os impulsos hormonais, mas não tinha o poder de fazer nenhum homossexual virar heterossexual da noite para o dia. Mesmo assim ele seguiu com seu plano de acabar com a homossexualidade.

    Após algum tempo, inúmeros LGBTs subitamente começaram a sentir os efeitos da vacina. A eficácia foi comprovada como previsto.

    As poucas organizações de defesa à diversidade de gênero que ainda tentavam de alguma forma lutar contra o governo Harper exigiram uma explicação. Era nítido que algo estava acontecendo com as pessoas da considerada minoria. Mas como pressionar um governo fundamentalista e ditatorial se ninguém mais estava disposto a escutá-los?

    Fanáticos religiosos começaram a dizer que era Deus agindo sobre os homens para limpar o planeta de tudo que era antibíblico, tornando o caso ainda pior. LGBTs começaram a depredar igrejas e os motins alastraram-se pelos quatro cantos do país, forçando Harper a tomar medidas drásticas e violentas.

    Através das redes sociais e outras ferramentas da internet, o governo varreu o país atrás de homossexuais. Para que não ficasse óbvio que apenas os grupos LGBTs receberiam o medicamento, aplicaram a HDC em pessoas mais velhas, que muitas vezes nem sentiriam o efeito ou suspeitariam da façanha governo. Mas era óbvio que havia algo errado. E quando o público LGBT percebeu que ele foi alvo de um plano vil do governo, o estrago já havia sido feito. E isso, em vez de comover as pessoas, segregou-as ainda mais. Foi o estopim para que se iniciasse uma guerra civil. LGBTs de um lado e heterossexuais de outro, apoiados pelo governo, por conservadores e pelas igrejas.

    O discurso do presidente Isaac Harper, em transmissão nacional, foi incisivo, mas visto e divulgado em todo o globo. Nunca me esquecerei daquelas palavras embebidas de ódio que meus pais me mostraram quando estive pronto para entender o sistema no qual vivíamos:

    — … Por muito tempo nossa nação vem sendo corrompida por essa classe que empesteia e macula a sociedade hoje orgulhosamente cristã formada por cidadãos de bem. Julgam nossos métodos sujos, mas se esquecem de que são eles que maculam a humanidade com práticas sodomitas, pecaminosas e repulsivas aos olhos de Deus. Nós queremos apenas preservar as verdadeiras famílias cristãs, com conceitos precisos de moral e pureza. O planeta foi devastado por um vírus e agora temos que refazê-lo, povoando a Terra com nossos herdeiros, e ninguém pode recusar tal responsabilidade. Órgão excretor NÃO faz filho! Cometeram o grande erro de esterilizarem nossos irmãos de bem há anos para que pudessem conter a natalidade, mas Deus nos mostrou que não estamos no poder e nos fez pagar pelos erros. Deus fez o homem e a mulher e disse: frutificai e multiplicai-vos, enchei a Terra.... Se quisermos que nossa nação seja verdadeiramente cristã, então não podemos mais tolerar essa classe demoníaca transitando por aí, achando que temos a obrigação de suportá-los. Demos a eles a chance de se tornarem homens e mulheres decentes com a vacina, mas eles se rebelam contra nós e querem tirar-nos o direito da Família Tradicional que tanto tentamos manter imutável. Não podemos recuar diante desses ataques se quisermos continuar com o sonho de uma nação cristã unida. Passamos pelo momento mais difícil da história humana, um sinal de Deus para mostrar-nos o Seu poder e vermos o quanto estávamos pecando. Com a vacina, nossas crianças que estão nascendo e ainda nascerão a partir de agora serão homens e mulheres de bem. Não podemos permitir que estes rebeldes destruam o que estamos lutando para manter. Que ataquem nossas igrejas ou qualquer patrimônio público. Que deixem mensagens mentirosas nas redes sociais! Estes rebeldes deverão ser presos imediatamente e o mesmo acontecerá com quem tentar impedir que isso seja feito. Não teremos clemência. Vamos construir a nação que Deus quer, com cidadãos de bem. Uma vez Ele destruiu Sodoma e Gomorra pelo mesmo motivo. Agora é a nossa vez de limar essa classe imunda que denigre nossa nação! Por isso, vamos remover da sociedade quem está contra as leis do Altíssimo e, agora, contra nós. Vamos orar juntos. Senhor meu Pai...

    O pronunciamento gerou ainda mais ódio nas redes sociais e pelas ruas. Como ele mesmo dissera, não houve clemência. Milhares foram presos e centenas de pessoas mortas pela intolerância.

    Muitos tentaram fugir. O muro que separava o México dos Estados Unidos impedia que migrassem para lá. E houve quem diga que o México seguia o mesmo modelo norte-americano com relação ao público LGBT para um nível pior por ser um país ainda mais cristão e ultraconservador. As fronteiras do Canadá estavam superprotegidas e os que ousavam buscar asilo lá arriscavam suas vidas e muitos acabavam mortos. Harper ameaçou o Canadá se o país prestasse auxílio aos LGBTs que conseguissem cruzar a fronteira. Isso era uma questão que os Estados Unidos tinha que resolver e nenhum outro tinha o direito de intrometer. Ele havia dito que não mostraria clemência.

    A grande maioria das famílias sequer interferia. Estavam corrompidas pelas igrejas e cegas por um ideal utópico criado pela mente doentia do presidente. Acreditavam piamente que as medidas extremas de Harper eram para o bem de todos. A outra parte, que se recusava a deixar os entes queridos serem levados para a prisão ou mortos, tentaram de todas as formas escondê-los, mas ninguém estava preparado para o sistema mefistofélico do governo. Quem se negava a entregá-los também terminava na prisão, fazendo com que muitos LGBTs se entregassem antes, para impedir de aprisionar os inocentes.

    A mídia foi dominada pelo fascismo do governo e muitos artistas que sempre lutaram pela causa terminaram na prisão. No fim, todos tiveram de se curvar a Isaac Harper. A liberdade e a vida valiam mais do que uma luta que não havia meios de vencer.

    Dia após dia, uma quantidade considerável de homos, bis, trans, pansexuais, entre outras diversidades, era levada a uma prisão criada especialmente para eles, isolada de toda a população, chamada ironicamente de HOPE¹. O que, na realidade, era as iniciais de Homosexuals Prison and Exclusion, que significa Prisão e Exclusão de Homossexuais, já que segundo ele, todos aqueles que não eram servos de Deus faziam parte do grupo dos degenerados.

    Aqueles que conseguiam escapar da polícia e dos agentes governamentais, viviam como párias da sociedade, escondidos em lugares precários, esperando a qualquer instante serem denunciados e, por fim, presos ou mortos.

    A resistência que tentava de alguma forma lutar contra Harper sabia do que o desgraçado era capaz, mas não imaginava que ele pudesse ir tão longe ao obrigar toda população a partir dos treze anos a receber um chip implantado na nuca em formato de um triângulo prateado com as iniciais SC grafadas em alto relevo, cujo significado era Sexuality Control — Controle de sexualidade —, que os monitoraria em tempo integral. Uma inteligência artificial de última ponta capaz de reconhecer quando dois homens ou duas mulheres têm contato físico muito próximo por mais de trinta segundos. A atitude foi questionada até por seus próprios eleitores que achavam a medida muito extrema, temendo que não pudessem abraçar os filhos quando estes rompiam a puberdade ou os amigos sem temer acabar na prisão. Mas Harper, com extrema naturalidade, disse que a sociedade estava corrompida pelos sentimentos homoafetivos e precisava acabar com isto. O chip era uma medida paliativa, porém necessária, para que homens voltassem a ser homens e mulheres apenas mulheres e que os jovens aprendessem desde pequenos que o correto é macho e fêmea. E que este contato seja o único possível.

    Segundo informações oficiais, o governo recebe um alerta e envia os dados dos indivíduos para a central de controle. Todos sabem que é praticamente impossível haver mão-de-obra para controlar um país com milhões de pessoas, mas quem ousaria desafiar o sistema e acabar em HOPE? No entanto, nem foi Harper o responsável por fazer as pessoas aceitarem este sistema absurdo, mas a mídia e as igrejas através dele, obviamente. Tudo era em nome da construção de um mundo melhor. E o sistema ditatorial do governo deixava isto muito claro. Os inúmeros comerciais e programas mostrando famílias felizes, contentes, divertidas e inexistentes alimentavam a crença das ovelhas doutrinadas de que o governo Harper era impecável e realmente estava transformando a nação na verdadeira pátria que Deus sempre quis.

    Houve uma tentativa desesperadora para conseguir ajuda das Nações Unidas e impedir as barbáries que Isaac Harper estava fazendo no país. Mas após o apocalíptico evento com o vírus da gripe, os Estados Unidos abandonaram a Organização e decidiram seguir as próprias leis, nas quais nenhum outro país poderia interferir. O prédio da ONU em Nova York foi fechado a mando de Harper e nenhum país arriscava a desafiar os Estados Unidos, mesmo sabendo das atrocidades que acontecia no país. Muitos criticavam a postura de Harper mundo afora, mas ninguém tinha a coragem de confrontá-lo de frente. Assim aquele monstro tinha poder suficiente para fazer o que quisesse no seu país.

    Era uma questão de tempo até que a grande maioria das minorias fora do padrão heteronormativo fosse aprisionada nos Estados Unidos. Todos que tentavam sair do país passavam por um interrogatório, incluindo a passagem por um detector de mentiras. Caso o aparelho acusasse que o indivíduo pertencia a alguma denominação LGBT, era levado diretamente para a HOPE sem poder recorrer a qualquer ajuda judicial ou extra. Desta forma, raros eram os casos de quem se atrevia a sair do país.

    Os poucos que se mantiveram no armário e conseguiram voltar para ele, mesmo impossibilitados de ter qualquer tipo de relação, viram, após algum tempo de resistência, uma luz no fim do túnel. Esperavam que nas urnas o candidato Noah Wright, que ousou se candidatar mesmo sabendo que as chances eram mínimas, assumisse o poder. Ele defendia a ideia de que o amor não tinha padrões, e que era exatamente o que estava na Bíblia. Era um verdadeiro exegeta; tinha completo conhecimento do Livro Sagrado; e insistia que Deus amava a todos sem distinção, e o sentimento que Jesus pregou por todo o evangelho não excluía a condição sexual do indivíduo. Eram os homens que estavam colocando as suas leis acima das do Evangelho, e mesmo assim diziam ser cristãos. Diferente de Isaac Harper, Noah era carismático e acabou conquistando muitas pessoas. O que o levou a quase vencer uma eleição.

    Mas infelizmente o candidato não era apenas um rival para Isaac, era uma ameaça em potencial para destruir o novo mundo que este construía, e ele viu que precisava tomar medidas drásticas para retirar o inimigo do caminho.

    Meus pais me disseram que armaram para Noah e o infeliz sequer teve como se defender. Fotos comprometedoras foram espalhadas na mídia, nas quais ele dormia e fazia sexo com outro homem. Sob as novas leis do país, Noah foi preso em HOPE, sem direito algum de recorrer à decisão do Estado. Embora para alguns fosse nítida a armação, não havia meios de provar nada contra o governo, como sempre acontecia.

    Parecia impossível alguém tirar o poder daquele fascista ditador e de alguma forma modificar a situação. Qualquer um que ousasse a desafiar o governo sabia qual seria o resultado. E Isaac Harper não estava sozinho. A grande maioria, quiçá toda população, concordava com o slogan usado pelo governo: em prol da família tradicional. Ninguém se atrevia a fazer diferente, tão pouco se preocupar em defender uma minoria que se extinguia pouco a pouco sob o regime ditatorial de Harper e que diante da situação tornava-se cada vez mais difícil derrotá-lo. Seus inimigos políticos e não-políticos não tinham a menor chance de vencê-lo democraticamente. Harper destruía qualquer um que ousasse a interpor em seu caminho.

    Mas meus pais, aparentemente dentre toda a população LGBT que foi vacinada com a HDC, eram os únicos imunes a ela. E isto certamente era uma ameaça aos planos do governo para manter sua ideologia incólume.

    Eu sabia que meus pais estavam armando contra Harper e que algum dia eu também haveria de abraçar esta causa e lutar pelo meu povo. Nenhum sistema legal pode derrubar aquele monstro cheio de ódio e preconceito que se instalou como uma praga perenal no poder do nosso país, mas eu o farei, nem que seja com as minhas próprias mãos.


    ¹ Esperança, em inglês

    QUANDO COMECEI A ENTENDER sobre o mundo que me rodeava, compreendi que havia algo errado na minha família. Eu tinha dois pais gays que viviam sob o mesmo teto. Desde pequeno eu fui ensinado que nunca deveria dizer aos outros qualquer coisa sobre a minha família, não importa quem fosse.

    Assim como sabia que tinha algo diferente em mim referente aos outros meninos. Creio que meus pais também perceberam isso, mas por muito tempo fizeram vista grossa. Talvez por medo de que tivesse o mesmo fim de tantos iguais a eles. Hoje eu os entendo… Quando entrei na puberdade, eu percebi que sentia algo mais profundo por um garoto da minha sala de aula, e tudo pareceu ficar ainda mais confuso e difícil de lidar. E piorou assim que contei aos meus pais sobre este sentimento. Houve muita discussão, lamentaram-se e por fim decidiram me tirar da escola, bem como me afastar das amizades.

    Senti tanta raiva por tentarem inibir algo que eu via com orgulho e respeito, graças a eles. Tentei fazê-los mudar de ideia, insistir em ver meus amigos e voltar para a escola, mas a resposta era a mesma.

    — Sam, não podemos correr este risco.

    — Eu não tentarei beijar ninguém — ficava furioso. — Eu vou me controlar!

    — Você não sabe como são os hormônios, meu filho — redarguiam eles, sem rodeios. — Um erro que cometer será o seu fim e o nosso.

    — Mas se vocês podem, por que eu não? — contrapus.

    — Você sabe que somos imunes à vacina, Sam. Mas aprendemos a controlar nossos impulsos para nunca corrermos o risco de sermos pegos.

    — E como não estão presos? Vocês têm o chip, o governo saberia que moram juntos e que estão o tempo todo juntos.

    Eles se entreolharam.

    — São falsos.

    De alguma forma eles conseguiram burlar o sistema do governo e isso era arma que usaram para se manter juntos mesmo estando sob o nariz de Harper. Eu nunca os vi manifestando qualquer sentimento de afeto nem perto de mim muito menos em público. Sequer saíamos os três juntos. Sempre era com meu pai Hans.

    Nunca se beijaram na minha frente, ou pelo menos nunca os vi beijando, dividiam apenas uma cumplicidade mútua.

    Na mídia e na sociedade somente viam-se apenas relacionamentos heterossexuais. Com exceção dos meus pais, eu nunca tive qualquer outro contato com a homossexualidade para que eu afirmasse com toda veracidade que fui influenciado a sentir atração por outro homem desde a infância. Eu apenas sentia que havia nascido assim por alguma razão. E isto fez com que meus pais multiplicassem o excesso de cuidado comigo. A partir de algum ponto da minha criação, eles sabiam que eu seria gay quando atingisse a puberdade, de maneira que quando eu lhes disse sobre meu sentimento com relação ao outro garoto, nenhum dos dois se mostrou surpreso, mas sim preocupado com meu futuro e de nossa família. E sabia que para protegê-la eu precisava fazer tudo o que meus pais queriam por mais que fosse contra minha vontade.

    Desde pequeno eu sustentei a mentira que eles me pediram para jamais revelar: para todos, eles não tinham vínculo algum um com o outro. Meu pai Hans era meu pai biológico e meu pai Tedd um morador qualquer que vivia no nosso prédio no apartamento no andar debaixo que só conhecíamos de vista. Nunca saíamos ou chegávamos juntos. E após saber que ambos tinham chips falsos, entendi como o governo jamais suspeitou de qualquer relação entre os dois.

    Eu era órfão de mãe. Meus pais me disseram que sou fruto de uma gestação de barriga de aluguel, então nunca cheguei a conhecer minha mãe biológica. Mas para mim a melhor amiga do meu pai Hans, Grace, era como se fosse minha mãe. Quando eles saíam para viajar a trabalho, eu ficava com ela. Grace era uma mulher incrível e eu a amava. Não tinha filhos, mas me tratava como um. Por vezes, meus pais ficavam quase um mês fora e quem cuidava de mim era ela. Grace tinha uma galeria de arte que, segundo eles, foi onde eles se conheceram e passaram a ter um relacionamento às escondidas.

    Eu nunca pude ter um dia normal em família, em que meus pais saíssem comigo para um passeio num shopping ou pelos parques. Nossos únicos momentos juntos eram quando íamos acampar nas montanhas no Colorado na primavera. Mas, mesmo assim, eles nunca se sentiam à vontade, nunca demonstravam carinho. Ambos não davam chance para o azar. Sabiam que se fôssemos descobertos o governo iria nos caçar até nos prender ou nos matar.

    Quando completei treze anos, eles chamaram um homem em minha casa e ele inseriu um chip falso em minha nuca. Os jovens da minha idade recebiam seus chips em postos do governo espalhados pelo país e voluntariamente iam ou por ordens dos pais. Ninguém acima dos treze anos ousaria andar pelas ruas sem o chip e correr o risco de ser abordado por um policial ou agentes do governo e acabar na prisão. No governo Harper qualquer passo dado para fora da linha era um risco que ninguém gostaria de correr. Não havia qualquer possibilidade de ver algum indivíduo acima dos treze anos sem o triângulo prateado na nuca.

    Algum tempo depois, meus pais me chamaram para uma conversa séria. A mais séria que já tivemos. Recordei-me de que me aconcheguei no sofá e eles se sentaram diante de mim. Olhei para meu pai Hans e percebi o quanto eu me parecia com ele. O cabelo castanho e liso, bem como os olhos azuis cintilantes me faziam me ver mais velho. O nariz e boca desenhados com perfeição me deixavam com inveja. Eu sabia que era muito parecido com ele, mas a beleza exterior de meu pai era apenas um mero detalhe. Queria ser como ele. Forte, inteligente, astuto, articulador. A maioria das coisas que aprendi na vida foi com ele. E quanto mais tempo passávamos juntos mais eu o admirava e mais queria ser como ele. Eu não tinha nada do meu pai Tedd obviamente por não ter seus genes, mas se havia alguém tão bonito quanto meu pai biológico era papai Tedd. Sua pele morena, quase negra, me fazia entender que o amor não tem cor. A boca carnuda e os olhos grandes ornamentavam seu rosto triangular com garbo e com uma beleza atrevidamente exótica.

    Papai Hans era o pai amoroso que me ensinava sobre as questões emocionais, sobre como lidar com sentimentos, sobre como ser um ser humano e entender a vida sob a ótica de um gay em uma sociedade heteronormativa ferrenha. Papai Tedd, por outro lado, era o tapa na cara que por muitas vezes eu custei a entender. Achava-o severo demais, mas hoje entendo que ele também estava me preparando para o pior.

    Dentro de casa, quem mais me mostrou fatos sobre o passado e nossa história e me fez entender que o mundo fora da nossa casa não era um lugar de paz e serenidade foi papai Tedd. E eu sabia que eles estavam tramando uma guerra contra o governo e me preparando em doses homeopáticas para unir-me a eles.

    E naquele momento em que me chamaram para a conversa séria, seus olhares que outrora eram de complacência e serenidade deram lugar a olhares temerosos e tensos. Engoli em seco. E eles então me alertaram que algo ruim poderia lhes acontecer a qualquer momento. Naquele instante eu imaginei que eles haviam sido descobertos. Meu coração acelerou e senti medo. Eles continuaram dizendo que não sabiam se viveriam por muito tempo e que precisavam me preparar para o pior. Meu medo aumentou ainda mais.

    Caso alguma tragédia ocorresse, ensinaram-me passo-a-passo para um plano de fuga caso fossemos atacados em nossa própria casa ou em qualquer outro lugar. Antes de algo ruim nos ocorrer, meu pai Hans me ensinou a dirigir e ambos deixaram um carro reserva na garagem do prédio que eu só poderia usar em caso de fuga. Dentro do porta-luvas estaria o endereço para onde eu deveria ir e lá estaria alguém que me protegeria.

    — Quem estará me esperando? — questionei, com a cabeça ainda cheia de informações e medo.

    Eles se entreolharam e meu pai Hans disse:

    — Meus pais... seus avós.

    Meus olhos permaneceram arregalados para ele. Nenhum dos dois nunca havia mencionado nada sobre meus avós até aquele dia.

    — Você nunca me disse que eles estavam vivos — retruquei.

    — Por uma questão de segurança, Sam — volveu ele. — Tudo que ainda não relevamos para você é por uma questão de segurança. Mais algum dia você estará preparado, e então entenderá tudo que estamos fazendo para nossa família e por todos os LGBTs desse país.

    — Eu posso ficar com a Grace! — arrisquei.

    — Não, Sam! — A voz de meu pai Hans soou mais alta e imperativa do que o normal. — Grace não pode lhe garantir segurança, meu filho. Prometa para nós que irá para a casa dos seus avós.

    Hesitei.

    — Sam! — Os olhos do meu pai exalavam uma ordem autoritária demais para que eu dissesse que não.

    — Prometo — disse, balançando a cabeça languidamente.

    Meus pais sempre me mantiveram longe de muita coisa. Eu nunca soube ao certo o que faziam. Sempre estavam viajando a trabalho. Papai Tedd era o proprietário do apartamento debaixo, mas nunca entrei lá e tão pouco fui autorizado a entrar. Até aquele momento nunca soubera que tinha avós. Minha vida sempre fora uma fantasia até que eu me tornei adolescente e a puberdade veio, e com ela, desejos que me fizeram ser diferente de todos os demais e consequentemente uma ameaça para mim mesmo e para nossa família. Ser homossexual não era bom, era pior do que eu imaginava, ser um LGBT era correr o risco todos os dias ou de ser preso ou até mesmo morto. E por isso meus pais, com toda calma e paciência, disseram-me:

    — Filho, se algo acontecer conosco, faço tudo o que pedimos. E mais: seja forte. Muito forte. E lute para que este país seja um lugar melhor para você e para todos os LGBTs. Prometa-nos que irá lutar por um país melhor?

    — Eu não quero que vocês morram! — balbuciei, enquanto meus olhos se marejaram de lágrimas.

    — Apenas prometa, Sam — pediu meu pai Hans mais uma vez.

    — Eu prometo — murmurei, relutante.

    Eles me abraçaram e disseram que me amavam.

    Depois de saber dos riscos que minha família corria, uma onda de medo de que algo ruim pudesse bater a nossa porta a qualquer hora dominou minha mente. E não tardou muito para que isso acontecesse.

    Era quase no final da tarde daquele mesmo dia quando ouvi um estrondo e de repente meus pais entraram no meu quarto como um relâmpago e me arrancaram da cama enquanto eu jogava com meu videogame portátil, levando-me para o quarto deles.

    Naquele momento senti medo dos estrondos incessantes na porta da sala que não paravam enquanto eles me conduziam visivelmente tensos em direção ao seu quarto. Papai

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1