Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O Leão da Montanha: dos campos da morte aos Campos do Jordão
O Leão da Montanha: dos campos da morte aos Campos do Jordão
O Leão da Montanha: dos campos da morte aos Campos do Jordão
E-book333 páginas4 horas

O Leão da Montanha: dos campos da morte aos Campos do Jordão

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

"O Leão da Montanha", de Arie Yaari, é o relato único e emocionante de um porta-voz de seis milhões de judeus assassinados no Holocausto nazista que não puderam contar ao mundo o que viveram. Nestas páginas, conhecemos a vida pobre num pequeno vilarejo judeu da Europa antes da 2ª Guerra Mundial a experiência pessoal em meio ao inferno dos campos da morte nazistas, o exemplo de superação e otimismo, na luta pela independência do Estado de Israel e, finalmente, no Brasil, terra que escolheu como pátria amada. Arie adotou uma missão: independente de qualquer sofrimento, sempre é possível recomeçar e ser um vitorioso na vida. A fórmula? Nunca desista dos seus sonhos. – A resposta deste homem àqueles que assassinaram milhões de vidas humanas é a sua longa travessia dos campos da morte para os Campos do Jordão, onde construiu o Hotel Leão da Montanha, fonte de emprego e lazer para muitos. Eis a mensagem: não esquecermos as atrocidades do passado, para que não se repitam, e acreditarmos em nós mesmos para construirmos um futuro melhor, com dignidade e paz.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de jan. de 2019
ISBN9788561080266
O Leão da Montanha: dos campos da morte aos Campos do Jordão

Relacionado a O Leão da Montanha

Ebooks relacionados

Holocausto para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de O Leão da Montanha

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O Leão da Montanha - Arie Yaari

    MONTANHA

    Folha de rosto

    ARIE YAARI

    O LEÃO DA MONTANHA

    Dos Campos da morte aos Campos do Jordão

    Créditos

    O LEÃO DA MONTANHA

    Dos campos da morte aos Campos do Jordão

    Copyright © 2009 by Arie Yaari

    Originalmente publicado por: Editora e Livraria Sêfer Ltda., em 2005

    Direção editorial: Júlia Bárány

    Redação e preparação desta edição: Júlia Bárány

    Revisão desta edição: Barany

    Layout e capa originais: Ivo Minkovicius

    Criação da Capa para esta edição, com a foto da edição da Sêfer: Emília Albano

    Arte final de capa: Guilherme Xavier

    Projeto gráfico, tratamento das imagens e diagramação: SGuerra Design

    Produção para ebook: Janaína Salgueiro

    Agradecimentos: Uri Lam, Olívia Yaari, Jairo Fridlin e equipe Sêfer, Carlos Andreotti (LCT)

    Nota: Na transliteração de palavras hebraicas, adotou-se o CH para o som de RR,

    como caRRo em português.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Yaari, Arie

    O leão da montanha : dos campos da morte aos Campos do Jordão / Arie Yaari. -- 2. ed. -- São Paulo : Barany Editora, 2009.Apoio: Hotel Leão da Montanha Campos do Jordão.

    ISBN 978-85-61080-26-6

    1. Guerra Mundial, 1939-1945 - Judeus - História 2. Judeus - Perseguições 3. Nazismo 4. Sobreviventes do Holocausto 5. Yaari, Arie, 1922-I. Título.

    09-01900                                                CDD-940.5318092

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Holocausto judeu : Sobreviventes :

    Autobiografia 940.5318092

    2. Sobreviventes : Holocausto judeu :

    Autobiografia 940.5318092

    Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio,

    sem a autorização expressa da Barany Editora.

    ISBN: 978-85-61080-04-4

    Dedicatória

    Dedico este livro à minha querida esposa Olívia Yaari que, com muito esmero, ajudou-me a relembrar fatos já quase apagados da minha memória.

    Sem sua ajuda, não sei se conseguiria escrever este livro.

    Que este relato sirva aos meus filhos, netos e bisnetos das famílias Yaari, Antar e Shucman, para que nunca se esqueçam de sua origem e da luta pela nossa sobrevivência.

    A. Y.

    É melhor necessitar de menos, do que ter demais.

    Mahatma Gandhi (1869-1948)

    É fácil fazer coisas certas. Difícil é saber o que é certo.

    Não estou de acordo com suas ideias, mas vou me deixar matar para que você possa expô-las livremente.

    Voltaire (1694-1778)

    Schau ich mir die Juden an, hab ich wenig Freud daran – Fallen mir die andere ein bin ich froh, ein Jude zu sein.

    Ao observar os judeus, tenho pouca alegria nisso – ao ver os outros povos, fico orgulhoso por ser judeu.

    Albert Einstein (1879-1955)

    Nada é mais perigoso do que uma pessoa convencida de sua superioridade moral, pois nega a seus opositores justamente este predicado.

    O liberal é, por natureza, um reformador social. A diferença entre ele e os demais reformadores é que o liberal não se deixa conduzir por paixões ideológicas e fé cega, reconhecendo que os capitalistas não são os únicos a terem privilégios egoístas e predatórios. O operariado organizado e crenças religiosas que abrangem milhões de pessoas também podem ser predatórios e perigosos ao bem comum.

    Arie Yaari

    Prefácio à a segunda edição

    Prefácio à

    a segunda edição

    Este livro apareceu primeiro em uma pequena edição do autor, com o título A História da Minha Vida. Em 2005 foi publicado pela Sêfer, já com o título atual, revisto e ampliado. Essa é, de fato, a terceira edição, com detalhes que estavam faltando na segunda, e alguns trechos reescritos e melhorados.

    Senti-me honrada em receber a incumbência do Sr. Arie em preparar uma segunda edição do seu livro publicado em 2005. Aos poucos, envolvendo-me na sua história e em tudo o que ela representa, fui me percebendo parte dela e responsável em dar a melhor forma possível ao livro, para que ele transmita às novas gerações o valor de um ser humano que não se deixou abater pelos horrores perpetrados pela cegueira humana, pelo preconceito, pela força da propaganda que provoca uma lavagem cerebral, pelo idealismo baseado em conceitos desumanos, pelo sofrimento inconcebível para quem não passou por isso, e do nada reconstruiu a vida.

    Sem dúvida que esses horrores não passaram sem deixar suas cicatrizes. Assim como qualquer um se encolhe diante de um gesto ameaçador porque já provou a dor da pancada, a alma humana se encolhe depois de ter sofrido tanto. E o amor borbulhando no coração para com a família e amigos e todos os seres humanos que encontra pelo caminho fica tímido para se expressar.

    No entanto, se o Sr. Arie não tivesse vencido a dor e o desespero, se não tivesse persistido com sua enorme força interior, nenhum dos seus filhos, netos, bisnetos existiria hoje. Todos devem suas vidas a essa coragem!

    E o maior presente que todos podem dar-lhe é se unir e se amar uns aos outros.

    O Sr. Arie é um grande representante do sonhador pragmático. É o sonhar acordado, o sonho que quer se tornar realidade e, com espírito de empreendedor, esforço, dedicação e muito trabalho persistente, se manifesta. Sua obra está aí, concreta, palpável, serve de exemplo para todos admirarem e se inspirarem.

    Como ele disse uma vez numa palestra aos funcionários do Hotel: todos vocês podem se tornar empreendedores. Eu comecei do nada, havia perdido tudo, e hoje vocês trabalham no meu empreendimento. É preciso muito trabalho, perseverança, não desistir e acreditar em si mesmo.

    Júlia Bárány

    Editora

    Março 2009

    Prefácio à primeira edição

    Prefácio à primeira edição

    Na última reunião que tive com o senhor Arie Yaari, lemos pela última vez juntos os originais do seu livro. Então ele me convidou para fazer este prefácio, e me senti muito honrado. Conheci o seu Arie, como sempre o chamo, há dois anos mais ou menos, quando, como hazán, passei a cantar esporadicamente na sede da pequena comunidade israelita de Taubaté, que ele frequenta. Lá conheci esse patrimônio vivo, escondido e quase perdido entre as ruas do interior do Estado de São Paulo. Em pouco tempo nos tornamos amigos e ele me presenteou com a primeira versão deste livro, impressa para ser distribuída entre a família. Algum tempo depois, ele me pediu para fazer esta revisão, e indiquei a Editora Sêfer para editá-lo. No começo fiquei receoso se eu seria capaz de contribuir para contar esta história, mas convencido por ele e a esposa Olívia, por quem tenho um enorme carinho, acabei aceitando. Graças a Deus, foi a decisão mais acertada.

    Mais do que o relato, tocavam-me, durante os serviços de Cabalát Shabát, as poucas palavras e o olhar do Arie. Um olhar azul dos céus, de olhos que eu nunca sabia quando deixavam ou não derramar lágrimas. Nunca disse isso ao Arie, mesmo quando vi suas lágrimas brotarem em silêncio, tímidas, durante nossas leituras. Eu tinha também que conter as minhas, porque pela primeira vez me sentia não apenas ouvindo uma história de um sobrevivente, mas sendo como que transportado para aqueles anos. Senti a alegria do jovem Arie de cabelos loiros e esvoaçantes, correndo de bicicleta para comprar mantimentos para sua família, arriscando de ser preso e morto pelos nazistas. Senti o desespero dele e do seu irmão Moshe quando, em meio a um comboio, se depararam com a invasão nazista e viram seus pais, assustados, esconderem-se, sem saber como reagir. Senti meu rosto queimar com o frio que fazia nos campos de concentração, a pele doer, arrancada em contato com os trilhos dos trens, minha barriga doer de fome ou de tanto comer, nos momentos de aflição extrema. Senti a dor da traição do amigo, que deixou de cuidar dele para namorar, e também das relações amorosas, ou não tão amorosas assim. Percebi que, mesmo depois de tudo, sempre é possível se recompor e continuar a viver.

    Como este livro é uma história viva, eu fui incapaz de não misturar seus sentimentos aos meus. As dores e as alegrias, os amores e decepções do Arie serviam de shamash, de chama-guia para as minhas próprias relações e experiências, para os meus próprios amores e desamores, para a minha própria luta e perseverança na busca de ser feliz. Sempre que lia e relia os capítulos, sentia que este não era um livro para ser lido, mas vivenciado. É praticamente uma aventura transcendente.

    Aprendi com o Arie que não devemos jamais desistir, mesmo quando perdemos uma batalha, seja no campo profissional, afetivo, seja na luta muitas vezes inglória pela sobrevivência. Aprendi que devemos contar com a Providência Divina, que jamais nos abandona, embora nós a abandonemos muitas vezes. Arie leva quase ao pé da letra, talvez como efeito da passagem pela guerra, o sentimento de que poderá morrer amanhã, e por isso não pode perder tempo no presente: Viva hoje como se fosse o último dia de sua vida, diz a tradição judaica. Arie é a encarnação disso.

    O que mais o seu livro me transmite? Que não se trata apenas de mais um relato de um sobrevivente, mas de como um ser humano é capaz de viver no limite da sua capacidade emocional e física, e reconstruir literalmente sua vida. Mais do que isso: como os grandes justos e sábios, ser capaz de preparar o terreno para as próximas gerações, sem egoísmo.

    Em um mundo em que muitos da coletividade judaica, mesmo uns tantos que passaram por experiências semelhantes às do Arie, acham que não se deve mais falar tanto assim do Holocausto, como se tudo já tivesse sido dito, ou como se a história dos outros não importasse tanto quanto a sua própria, este Leão da Montanha demonstra, nas oito décadas de vida, humildade e uma garra que muitos jovens perdem após poucos meses de esforço.

    Sim, muitos de nós, mais jovens, acham a vida uma porcaria, injusta, hipócrita, e reagem como se todos estivessem contra eles. Acham que devem combater toda essa injustiça com alienação – chamam a alienação de lucidez, e a lucidez de alienação, o que, aliás, é um erro de dimensões bíblicas. Talvez aprendam com o seu Arie: injustiça se combate com enfrentamento, com luta, com resistência, com otimismo e confiança em si mesmo, nas pessoas e em Deus. Aqueles que se alienaram e se entregaram emocionalmente na época da guerra, morreram em poucos dias ou meses. Não vejo isso como uma metáfora para os dias de hoje, mas como exemplo: quem não enfrenta a vida e, em vez disso, aliena-se, morre, mesmo que fisicamente esteja vivo.

    O relato da vida deste homem é inicialmente porta-voz da realidade de muita gente que morreu sem poder contar ao mundo o que viveu: a vida pobre, mas relativamente boa dos shteiteles (aldeias judaicas) da Europa; o inferno da Shoá (Holocausto), a desintegração de famílias, identidades, relações de amizade, crenças, sonhos. Mas na segunda parte do livro, passa a ser um exemplo original de superação e otimismo: a crença na missão de mostrar ao mundo que é um vitorioso, apesar de ter sido tão maltratado no passado. O respeito por um pedaço de pão que seja, por ter sentido de fato o que é a falta do mesmo. E principalmente a coragem – chamada por ele de loucura – de enfrentar o mundo e seguir atrás dos seus sonhos de forma íntegra. Às vezes dá certo, às vezes não, mas como Arie mesmo repete: Não se arrependa do que fez, mas do que não fez.

    Em princípio, Arie pretendeu, ao escrever sua história, transmiti-la aos filhos, netos e bisnetos, para que não se esquecessem do seu sofrimento, e que aprendessem com sua experiência. Mas como Arie faz parte integrante do povo de Israel, que é uma grande mishpuche, uma grande família, reivindico o direito de me considerar uma espécie de filho ou neto adotivo e, como tal, aprender com a sua experiência, que desde já me serve de apoio e motivação. Exijo ainda estender a condição de filhos a todos os que venham a ler este livro, independente de origem e idade: leiam como se fossem filhos conhecendo a história do próprio pai, e sentirão todas as suas nuances. Caso contrário, será mais uma leitura e nada mais. Hoje, toda vez que me vejo triste ou desiludido, lembro-me das palavras do Seu Arie, daquilo que ele passou e como venceu as dificuldades, e sigo em frente.

    Este não é um livro comum, portanto tampouco poderia ter um prefácio comum. Escrevo-o num só fôlego, com todo o coração, com toda a alma e com todas as minhas forças, como ordena o Shemá Israel, a principal oração judaica, que afirma o nosso amor num Deus único. A melhor maneira de amar a Deus é amando nossos semelhantes, pois cada um de nós foi feito igualmente à Sua imagem e semelhança. Sei que este livro é um ato de amor que o Arie estende a todos nós.

    Tenha a certeza, Leão da Montanha, meu trabalho de revisar e reorganizar, de tirar o pó e lustrar suas memórias, reflexões e emoções, e este prefácio mesmo, é apenas uma pequena retribuição amorosa do tanto que você me transmitiu e que, espero, possa transmitir a muita gente.

    Que Deus o ilumine, o proteja e lhe dê ainda muitos anos de vida, para ver as obras da sua mão florescerem cada vez mais: o povo de Israel, os filhos, netos e bisnetos, o hotel, e principalmente a esperança inesgotável em um mundo melhor.

    Uri Lam

    Dezembro de 2004

    Introdução

    Introdução

    Chamo a atenção do leitor para vários acontecimentos que vivi e presenciei, referentes a fatos que ocorreram e ainda ocorrem nos dias atuais.

    A partir de uma carta do meu filho Josef, que a seguir reproduzo, resolvi registrar um pouco da minha história.

    Em 1992 ele me escreveu:

    Pai, já fiz muitas tentativas de me aproximar de você. É verdade que ultimamente conquistamos uma grande amizade e um mútuo respeito, mas ainda sinto que precisamos aprofundar muito mais esta nossa relação.

    Afinal, somos pessoas vivendo em polos opostos, o que é normal com o primeiro filho. Conviver com sua atuação, com seu exemplo, constitui a base sobre a qual eu construí a minha vida.

    Mais ou menos até os 30 anos de idade, eu quis mostrar-lhe que meu outro mundo de valores e experiências era mais correto que o seu, ou que, no mínimo, também tinha sua verdade. Hoje, aos 45 anos, a perspectiva é muito diferente. Já passei da época de querer provar alguma coisa. Tenho dedicado minha vida a elaborar, na prática e na teoria, sínteses novas, e se possível, de fato criativas. Nada de ficar polarizando, com a ilusão de assim estar sendo livre ou inovador. Isso não tem mais sentido.

    Então, fica a admiração pela sua obra. Tenho orgulho por você ter construído não só um respeitável patrimônio físico e espiritual, mas por ter se estabelecido como um pioneiro, um homem empreendedor que, com muitas lutas, conseguiu provar, primeiro a si mesmo e depois aos outros, o acerto de seus valores que, diferentes dos meus em alguns pontos, evidenciam sua inegável eficácia.

    Parece que estamos um diante do outro, confirmando a importância de se construir uma obra material estável ao lado de um, também estável, cultivo da atenção ao mundo em seus aspectos sensoriais e suprassensoriais. Será que eu estou certo?

    Aprendemos muito e concordamos, hoje, que há muito já passou o tempo das ideologias, dos belos discursos que ainda iludem tantas pessoas. Sim, hoje temos muitos pontos de contato. Na verdade, sabemos que muitas diferenças são apenas aparentes e, no fundo, todas as conversas e discussões são tentativas de um verdadeiro encontro humano.

    Como pai que agora sou de jovens adultos, já aprendi que todo pai que se assume como tal guarda em si longos olhares e ternuras que nunca pode demonstrar. São inúmeros momentos de dúvidas e longos pensamentos que em muitas noites tiram o sono e continuam atormentando até que a sabedoria da vida traga novas soluções.

    Fica assim o estímulo: vamos nos encontrar. Vamos crescer para um vínculo maduro de mútuo aprendizado. Acho que é possível, e muito bom.

    Como foi bom receber este estímulo...

    Pergunto-me sobre a validade de minha iniciativa, já que sou de opinião de que toda pessoa precisa encontrar sua melhor maneira de contribuir com a sociedade.

    Atribui-se a Confúcio a ideia de que todo ser humano digno deveria ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Entendendo o aspecto simbólico dessa frase, fica, portanto, minha iniciativa de escrever um livro ou pelo menos apresentar um documento, um relato biográfico centrado nesse período tão triste da humanidade, o Holocausto. Mãos à obra, então!

    Sempre trabalhei com fatos materiais. Portanto, obviamente há muito tempo não creio em qualquer ideologia. Hoje vejo que, nos últimos anos, meu filho, como tantos outros, sofisticou muito o seu discurso. Para mim é difícil entrar em discussões filosóficas; não consigo acompanhar ou concordar com algumas de suas afirmações.

    No entanto, fico muito estimulado por ele buscar se aproximar de mim. É claro que eu sempre quis isso, mas durante a minha vida, por muito tempo amarga, estive por demais envolvido com o trabalho e a necessidade vital de sobrevivência.

    Assim, fiquei distante dos meus filhos. Além do que, é preciso dizer, nossa vida familiar foi muito difícil. Fui casado com Feiguel, minha Fela, por 37 anos, e tivemos três filhos, cada um em um país: Josef nasceu na Alemanha; Shoshana, em Israel; e Paulina, no Brasil. Durante todo esse tempo me preocupei mais com o trabalho do que com os aspectos afetivos. Entre tantas coisas, para sustentar meus filhos nunca soube o significado da palavra preguiça: Fui encanador em uma empresa alemã sediada em São Paulo, depois me mudei para Santo André. No início passei por muitas dificuldades financeiras. As coisas começaram a melhorar quando recebi a indenização de guerra do governo alemão. Com este dinheiro passei a comprar terrenos, construir casas e vendê-las. Como um homem saído de uma guerra e pressionado pela realidade, disposto a alcançar materialmente a condição em que me encontro hoje, dediquei-me pouco à educação de meus filhos.

    Há também uma questão que tem sido importante para mim – sim, até já foi mais forte, tempos atrás: sinto que o judaísmo está acabando; nossos filhos e netos o estão abandonando. Não falo somente da religião, mas dos costumes e de algo que talvez deva chamar de missão do povo judeu.

    Os judeus sempre estiveram em comunidades separadas, em qualquer país da Europa ou da América; sempre tiveram costumes diferentes; e, talvez por isso mesmo, sempre foram perseguidos ou desprezados. Havia coisas que o judeu não fazia, como empunhar armas, trabalhar aos sábados, comer carne de porco, e outras assim. Enquanto era perseguido, o judeu podia sentir mais o judaísmo e manter-se dentro dele. Hoje, com o nascimento de Israel, o judeu é igual aos outros. Uma anedota, que dizem ser verdadeira, ilustra essa nova condição. Disseram a Ben Gurion, primeiro-ministro de Israel: Lá numa rua de Tel-Aviv há mulheres judias prostitutas! (e mulheres judias jamais se prostituíam no passado). Ben Gurion respondeu: Graças a Deus, agora somos iguais a todos. Porque nós éramos sempre diferentes.

    Semioficialmente, os poloneses eram antissemitas, considerando o judeu um ser inferior. Mas inversamente, nesta época era vergonhoso um judeu se casar com uma não judia, trazendo com isso vergonha para a família. Isso poderia ser atenuado se a mulher se convertesse ao judaísmo. Era pior se um judeu passava para outra religião. Hoje, há muita mistura e assimilação.

    Em casa, nós falávamos iídiche e hebraico. Na escola, polonês e alemão. Eu e minha esposa, a Felá, falávamos iídiche. Meu primogênito, Iossi (Josef) falava iídiche e hebraico. Ele fez um ano de escola em Israel. Eu larguei o Iossi mais do que os outros, e ele começou a procurar amigos fora da sociedade judaica, onde foi bem aceito. Das minhas filhas, Shoshana e Paulina, eu exigi que se casassem com judeus. A Paulina não foi feliz na escolha, embora nós tenhamos aceitado o marido dela por ser ele um judeu. Exigimos dos filhos que frequentassem a sociedade judaica.

    Foi essa a maneira que tentei preservar o judaísmo na minha família.

    Divido minha vida judaica em dois períodos: antes e depois da Segunda Guerra Mundial. A geração atual não vê necessidade e sentido em seguir todos os preceitos judaicos. Devido à assimilação, os jovens judeus de hoje não se sentem diferenciados do resto da população, e adaptam e adotam crenças e costumes da população local, ou seja, renegam sua própria origem judaica. Na verdade, isso está acontecendo em outros grupos de imigrantes, também de outras origens culturais.

    Apoio minha opinião no comentário do grão-rabino de Paris, ainda na época da Segunda Guerra, que diz mais ou menos o seguinte: judeus não ortodoxos comentaram com ele que havia muitos costumes antiquados, como não usar elevador ou acender a luz aos sábados; que comer carne de porco não faz mal, enfim, que a religião deveria se modernizar. O rabino respondeu: Se retirarmos essas proibições, abriremos mão de todos os nossos fundamentos e a casa vai cair. Não haverá mais razões para ser judeu. Poderemos fazer tudo o que os outros fazem, mas o judaísmo vai acabar.

    Não sei se nossos descendentes seguirão isso que

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1