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A Reforma: As Transformações de um Mundo em Conflito
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E-book313 páginas6 horas

A Reforma: As Transformações de um Mundo em Conflito

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Sobre este e-book

Neste livro, o pesquisador Andrew Atherstone traça a impressionante história da Reforma Protestante desde a Renascença até as guerras da religião no século XVI, seguindo a ação a partir da Alemanha e passando pela Suíça, França, Itália, Inglaterra, Escócia e Holanda. Concentrando-se nas principais personalidades e acontecimentos, Atherstone explica as ideias complexas que estavam em jogo, bem como as questões políticas e religiosas envolvidas. Esta é uma narrativa lúcida e confiável de um movimento que mudou a face da Europa para sempre. Um produto CPAD.
IdiomaPortuguês
EditoraCPAD
Data de lançamento17 de mai. de 2018
ISBN9788526315655
A Reforma: As Transformações de um Mundo em Conflito

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    A Reforma - Andrew Atherstone

    Alfabético

    1

    O Alvorecer de uma Idade de Ouro

    De muitas maneiras, a igreja cristã na Europa no início do século XVI estava prosperando. As pessoas em todo o continente gostavam de participar em suas atividades, contribuíam alegremente para o seu ministério e expressavam confiança em suas provisões espirituais. As antigas tradições e rituais da igreja deram forma à vida cotidiana de homens e mulheres em todas as comunidades, seja no palácio do príncipe ou na cabana do camponês. Do berço à sepultura, a igreja oferecia alimento espiritual para todo indivíduo por meio dos sacramentos, começando com o batismo e terminando com a extrema-unção (unção com óleo no momento da morte). Os eventos religiosos, festas e dias santos eram comemorados com entusiasmo e davam um padrão ao ano, recordando os acontecimentos significativos da vida de Jesus Cristo e da Virgem Maria ou os feitos heróicos dos santos. Procissões, peregrinações e jogos de mistério (teatralizações de narrativas bíblicas) proporcionavam entretenimento regular e participação comunitária. Incontáveis milhares de pessoas viajavam à Terra Santa ou aos principais santuários da Europa para provar sua devoção a Deus, cumprir um voto ou buscar uma bênção. Igrejas, capelas e mosteiros dominavam a paisagem. Os devotos contribuíam liberalmente para financiar o ministério do clero ou para construir novas catedrais, capelas, faculdades e escolas. Ouvir sermões também era um passatempo popular e grandes multidões aglomeravam-se para ouvir evangelistas itinerantes. O cristianismo estava profundamente enraizado no modo de vida europeu. A igreja medieval era uma instituição extremamente durável, flexível e enérgica, a qual se esperava amplamente que fosse de força em força.

    Um sinal de vitalidade era a gama de movimentos inovadores de renovação que vicejavam em cada geração. Longe de ser uma organização estática e monolítica, a igreja acolhia a diversidade regional e incentivava novas expressões do cristianismo. Por exemplo, o século XV viu os Irmãos da Vida Comum, uma confraria fundada na Holanda por Geert Groote, ganhar importância. Sua ênfase na oração particular e santidade pessoal ficou conhecida como devotio moderna (devoção moderna), uma forma de piedade popular entre os leigos e os clérigos. Sua teologia foi mais bem expressa na Imitação de Cristo (c. 1418), livro escrito pelo Irmão Tomás, um monge de Kempen, da Alemanha.

    Outro sinal de revitalização foi o ressurgimento do papado. Tinha se recuperado dos traumas do Cisma Papal ou Grande Cisma, quando dois papas rivais disputaram o poder entre 1378 e 1417 na França e Itália. As divisões foram lentamente curadas e, na década de 1450, o papa Nicolau V iniciou o projeto ambicioso de reconstruir Roma como a gloriosa cidade capital da igreja reunida. Sua visão de um Vaticano rejuvenescido, com a Basílica de São Pedro em seu centro, foi mantida por seus sucessores.

    A igreja católica também estava indissoluvelmente ligada com o movimento de renovação mais significativo do século XV, a revolução intelectual e cultural rotulada de Renascença (Renascimento). Associada primeiramente a uma rede de estudiosos, poetas, filósofos e artistas na Itália que cruzou os Alpes e espalhou-se pelo resto da Europa. A Renascença foi marcada por uma explosão no conhecimento, criatividade e descoberta em áreas tão diversas como História, Cosmologia, Arquitetura, Linguística, Geografia, Tecnologia, Matemática e Teoria Política. Eram os tempos de polímatas como Leonardo da Vinci e Nicolau Maquiavel.

    Em Roma, o papado demonstrou seu compromisso com a busca intelectual pela fundação da biblioteca do Vaticano em 1475, a maior biblioteca da Europa. Importantes artistas renascentistas como Botticelli, Rafael e Michelangelo receberam grandes incumbências papais para decorar a Capela Sistina e outros edifícios do Vaticano. Enquanto isso, na Polônia, o astrônomo Nicolau Copérnico, cônego da catedral de Frauenburg (Frombork), descobriu a ordem heliocêntrica do universo. Copérnico pôs em circulação seus cálculos matemáticos para amigos já em 1514, embora tivesse sido impedido de publicá-los por trinta anos, porque parecia desafiar a visão de mundo geocêntrica da Bíblia.

    Enquanto Copérnico explorava os céus, um Novo Mundo abriu-se para os aventureiros europeus através dos oceanos. Cristóvão Colombo, colono genovês, atravessou o Atlântico em nome de Fernando e Isabel de Aragão e Castela, e seu comboio avistou terra em outubro de 1492 no que hoje são as Bahamas. Os conquistadores logo prosseguiram adiante do Caribe e chegaram ao México e ao Peru, encontrando antigos povos americanos, como os incas e os astecas. A descoberta deste vasto novo continente ofereceu oportunidades sem paralelo para o evangelismo e aquisição, ganhando almas para Deus e ouro para o tesouro espanhol.

    Enquanto isso, em 1497, Vasco da Gama navegou ao longo da costa oeste da África e contornou o Cabo da Boa Esperança, patrocinado pelo rei Manuel I de Portugal, desbravando lucrativas rotas comerciais para a Índia, China e Japão. Na própria África, Nzinga Nkuvu, o poderoso governante do Congo, aceitou o batismo pelas mãos de missionários portugueses e teve o nome mudado para rei João I. Embora ficasse desiludido com o cristianismo, seu filho Mvemba Nzinga (rei Afonso I a partir de 1509) foi um convertido zeloso e estabeleceu Congo como um estratégico reino católico. O catolicismo estava rapidamente se tornando uma religião global.

    De Volta às Fontes?

    Os estudiosos da Renascença estavam ávidos de reencontrar a sabedoria das civilizações antigas, sobretudo do mundo greco-romano. Com o lema ad fontes (de volta às fontes), procuraram reapossar-se dos textos clássicos que haviam sido esquecidos na Europa medieval. O reengajamento com os escritos de Platão, Cícero, Sêneca, Galeno e outros ajudaram a estimular os avanços contemporâneos na Filosofia, Direito e Medicina. O estudo do grego estava especialmente em voga quando manuscritos do dizimado Império Bizantino, que caiu diante das tropas islâmicas em 1453, começaram a circular na Europa ocidental.

    Essa rede de estudiosos era conhecida como humanistas, derivado de studia humanitatis, o currículo universitário clássico (não confundir com os humanistas seculares modernos). Eram otimistas quanto à potencialidade e progresso da raça humana, conforme expresso em De Hominis Dignitate (Sobre a Dignidade do Homem), um discurso de 1486 feito pelo filósofo florentino Giovanni Pico della Mirandola diz: Oh grande e maravilhosa felicidade do homem. É-lhe dada para ter o que ele deseja e ser o que ele quer

    Os humanistas da Renascença ajudaram a renovar a teologia da igreja católica no século XV e princípios do século XVI, desafiando o domínio dos escolásticos. Este movimento filosófico foi dividido em escolas rivais, mais notavelmente avia antiqua [modo antigo] associada a Tomás de Aquino e João Duns Escoto, e a via moderna [modo novo] associada a William de Ockham. Os escolásticos mantinham o desejo comum de fundir a filosofia de Aristóteles com os ensinamentos da Bíblia, exemplificado pela Summa Theologiae (Suma Teológica) de Aquino na década de 1260. Os humanistas começaram a usar o nome de Duns (ou Dunce) como termo de insulto para autores estúpidos e pedantes que eram bem-versados em Filosofia, mas ignorantes no cristianismo autêntico.¹ Por exemplo, em 1499, Erasmo de Roterdã ridicularizou os escolásticos, porque eles simplesmente envolvem todos na escuridão e passam a vida em meras discussões sobre trivialidades e usando palavreado sofístico.² Alegrou-se com a derrocada de Aquino e a redescoberta do cristianismo do Novo Testamento e profetizou: Podemos logo ver o surgimento de um novo tipo de idade de ouro

    Um humanista que colocou a formação linguística em bom uso foi o estudioso italiano do século XV chamado Lorenzo Valla, que serviu na corte de Afonso, o Magnânimo, rei da Sicília e Nápoles. Ele investigou a suposta Doação de Constantino, um documento que pretendia provar que, no início do século IV, o imperador Constantino, o Grande, havia concedido toda a metade ocidental do Império Romano ao papa Silvestre I e seus sucessores. O documento era usado pelo papado para defender seu poder territorial, mas Valla provou que era uma falsificação feita tardiamente.

    Em seguida, Valla colocou a Bíblia sob os holofotes. Em Collatio Novi Testamenti, ele examinou a precisão da Vulgata, a tradução latina da Bíblia feita por Jerônimo no século V, a versão padrão em uso por toda a cristandade ocidental. Valla a comparou com três códices do texto original grego e notou discrepâncias significativas. Por exemplo, Jesus proclamou no início do seu ministério: "Metanoeite, porque é chegado o Reino dos céus (Mt 4.17), que Jerônimo traduziu por fazei penitência em vez de arrependei-vos". Esse versículo promovera a ênfase na igreja medieval no cerimonial religioso externo e não na mudança internado coração. Da mesma forma, o anjo Gabriel cumprimentou a Virgem Maria com kecharitomene (Lc 1.28), que Jerônimo traduziu por cheia de graça em vez de altamente agraciada. Essa tradução permitiu que Maria fosse vista como fonte da graça divina e estimulou o crescimento da devoção popular a Maria na Idade Média. Valla advertiu que os teólogos escolásticos, como Tomás de Aquino, haviam caído em erro ao usar as traduções equivocadas de Jerônimo. A acusação tinha o potencial de abalar as fundações da igreja, mas as conclusões de Valla permaneceram enterradas entre seus manuscritos por cinquenta anos.

    A Erudição Bíblica

    O engajamento cristão com o texto original da Bíblia avançou no início do século XVI. O hebraico era pouco estudado, mesmo nas universidades, mas desde a década de 1480, Johannes Reuchlin (destacado humanista alemão) esteve trabalhando com os estudiosos judeus para aprender a língua e padronizar sua forma impressa. Em 1506, ele publicou Os Rudimentos da Língua Hebraica (uma gramática e um dicionário), que abriu a porta para uma melhor compreensão do Antigo Testamento na Europa cristã.

    Nesse ínterim, outro grupo de humanistas da Universidade de Alcalá, Espanha, estavam envolvidos no projeto memorável de publicar a Bíblia inteira nas línguas originais, sob a orientação do cardeal Francisco Jiménez de Cisneros, arcebispo de Toledo. Foi chamada de Bíblia Poliglota Complutense, porque Alcalá era conhecida em latim como Complutum, e foi impressa em seis volumes infólios com colunas paralelas em hebraico, aramaico, grego e latim. A obra foi dedicada ao papa Leão X, e Jiménez expressou sua esperança de que o estudo da Sagrada Escritura até aqui adormecido comece agora a reviver. O cardeal observou que com o acesso ao texto original, o estudante da Bíblia poderia matar a sede no próprio manancial de água que salta para a vida eterna e não ter de contentar-se apenas com os riachos.⁴ Embora os volumes fossem impressos entre 1514 e 1517, só foram oficialmente publicado sem 1522, o que permitiu que Erasmo tomasse a frente e ganhasse os aplausos como a primeira pessoa a publicar o Novo Testamento em grego.

    Erasmo era o principal estudioso humanista no norte da Europa, um polímata prodigioso, nascido na Holanda, mas um incessante viajante entre os literatos da França, Inglaterra, Itália e Suíça. Sua vasta gama de publicações continha manifestos sobre educação e eloquência, coletâneas de provérbios, tratados religiosos e doutrinários, sátira mordaz e livros sobre Filologia e estudos clássicos. Via-se seu amor pela antiguidade e pelo cristianismo primitivo na devoção a Jerônimo, cujos escritos ele propôs-se a editar. Erasmo chamava Jerônimo de o defensor, expositor e ornamento supremo da nossa fé, com habilidade retórica que não só ultrapassa em muito todos os escritores cristãos, mas até rivaliza com o próprio Cicero.⁵ Como parte da pesquisa sobre a Vulgata de Jerônimo, Erasmo dominou o grego e também tentou aprender hebraico, mas desistiu, porque ficou desconcertado pela estranheza da língua e, ao mesmo tempo, a brevidade da vida.⁶

    Durante a procura dos códices da Bíblia em inúmeras bibliotecas e arquivos monásticos, Erasmo deparou com um exemplar manuscrito do Collatio Novi Testamenti, de Valla, em Parque Abbey, perto de Lovaina, em 1504, e publicou-o no ano seguinte. Uma década depois, Erasmo estava pronto com sua própria edição do Novo Testamento grego, publicado em Basileia, em fevereiro de 1516, ao lado de uma versão revista da Vulgata e suas anotações sobre o texto. A obra foi dedicada ao papa Leão X, que acolheu essa erudição bíblica como bênção para a igreja, encorajando o autor: Você receberá do próprio Deus uma recompensa digna por todos os seus trabalhos, de nós o elogio que você merece e de todos os fiéis de Cristo renome duradouro.⁷ As primeiras duas edições venderam três mil exemplares. Foi um marco na campanha de Erasmo para reviver a erudição clássica e renovar a igreja cristã.

    A seção mais amplamente lida do inovador Novum Testamentum de Erasmo foi o prefácio apaixonado intitulado de O Paráclise, uma exortação para os cristãos voltarem a envolver-se com a Bíblia e uma crítica da prática da igreja contemporânea. Erasmo declarou que era vergonhoso que os que afirmavam seguir Jesus Cristo soubessem muito pouco de seus ensinos, ao contrário dos judeus e muçulmanos que eram bem-versados nos seus livros santos.⁸ Lamentou que a igreja prestasse mais atenção aos filósofos pagãos, como Aristóteles e Platão, ou aos autores escolásticos, como Aquino e Escoto, do que a Cristo e os apóstolos. As ordens religiosas como os beneditinos, agostinianos e franciscanos reverenciavam as normas de São Bento, Santo Agostinho e São Francisco, mas as mantinham em maior honra do que as instruções de Cristo. Da mesma forma, Erasmo ridicularizou os que se agarravam a relíquias religiosas e não à Bíblia:

    Se alguém nos mostra as pegadas de Cristo, como, na qualidade de cristãos, devemos nos prostrar, como devemos adorá-las! Mas em vez disso, por que não veneramos a vida e inspiração semelhante a Ele nesses livros? Se alguém exibe o manto de Cristo, a qual canto da terra não correremos para beijá-lo? Todavia, se você trouxesse todo o guarda-roupa de Cristo, não se manifestaria Cristo de forma mais clara e verdadeira do que nos escritos dos Evangelhos. ⁹

    Ele pediu aos leitores que ansiassem pela Bíblia: Vamos abraçá-la, vamos nos ocupar continuamente com ela, vamos beijá-la carinhosamente, após um longo do tempo vamos morrer em seus abraços, vamos ser transformados nela.¹⁰

    A frase favorita de Erasmo para encapsular a mensagem cristã era philosophia Christi (a filosofia de Cristo), que ele resumiu como a preocupação pela piedade interior e estilo de vida moral, e não pelo dever ou dogma religioso exterior. Erasmo argumentou que os melhores cristãos não eram necessariamente mestres de teologia na universidade ou monges no claustro, mas todo aquele que modelasse a virtude, mesmo que fosse um tecelão ou trabalhador comum. [...] Só uns poucos podem ser cultos, mas todos podem ser cristãos, todos podem ser devotos e, ouso acrescentar, todos podem ser teólogos.¹¹ Diferente da filosofia aristotélica, que exigia conhecimento complexo de literatura acadêmica obscura, ele acreditava que o evangelho cristão poderia ser facilmente compreendido pelos cultos e incultos igualmente. Tudo que era necessário era uma mente piedosa e aberta, dotada, acima de tudo, por uma fé pura e simples.¹² Isso levou logicamente à proposta mais radical de Erasmo, no cerne de O Paráclise, de que a Bíblia deveria ser amplamente distribuída em traduções acessíveis. Proclamou:

    Gostaria que até as mulheres mais humildes lessem os Evangelhos e as Epístolas Paulinas. Gostaria que fossem traduzidos em todas as línguas para que pudessem ser lidas e entendidas não só por escoceses e irlandeses, mas também por turcos e sarracenos. [...] Gostaria, como resultado, que o agricultor cantasse parte desses textos enquanto trabalhasse com o arado, que o tecelão cantarolasse alguns desses textos enquanto movimentasse a lançadeira, que o viajante aliviasse o cansaço da viagem com histórias desse tipo! Que todas as conversas de todos os cristãos fossem pautadas por essa fonte.¹³

    As Bíblias em Vernáculo

    Quando Erasmo apelou em O Paráclise que a Bíblia fosse traduzida para todas as línguas e dada a todos os cristãos, seus oponentes o rotularam de wiclefista e hussita, de acordo com duas seitas notórias. John Wycliffe, padre católico na Universidade de Oxford, argumentou em A Verdade da Sagrada Escritura (1378) que todo ensino da igreja deveria ser posto à prova em relação à Bíblia, a qual deveria ser traduzida para o vernáculo. Com esse incentivo, seus seguidores produziram uma tradução em inglês da Vulgata Latina em 1384, e uma segunda versão em 1396, que foi usada em segredo pelo movimento dos wiclefistas (ou lolardos) em todo o século XV. Sua teologia também foi influente em Praga, Boêmia, entre os discípulos de John Huss e, em 1415, os dois homens foram condenados pelo concílio ecumênico de Constança, na fronteira suíço-alemã. Huss foi queimado na fogueira, mas Wycliffe já estava morto há trinta anos. Então, exumaram seu corpo e o queimaram.

    A ameaça do lolardismo persuadiu o arcebispo da Cantuária a proibir a tradução da Bíblia para o inglês, proibição que permaneceu em vigor até a década de 1530. Contudo, muitas outras línguas europeias tiveram traduções vernáculas antes do final do século XV. A primeira tradução alemã da Bíblia inteira foi publicada em Estrasburgo em 1466 e já havia nove versões em 1483. Traduções também foram produzidas em italiano, holandês, tcheco, francês, catalão, espanhol e português antes de 1500. Todavia, todas foram traduções feitas da Vulgata Latina. Erasmo propôs começar como hebraico e o grego, as línguas bíblicas originais, e que as traduções estivessem disponíveis a todos os cristãos, não apenas para a elite literária.

    A publicação de Bíblias foi possibilitada graças a um dos grandes avanços tecnológicos do século XV, a prensa mecânica de tipos móveis. Iniciada por Johannes Gutenberg, um ourives em Mainz, Alemanha, que imprimiu cento e oitenta exemplares da Bíblia de Gutenberg (Vulgata Latina) em 1455. Em meio século, havia sessenta prensas tipográficas na Alemanha e aproximadamente cento e cinquenta na Itália, produzindo principalmente literatura católica padrão. A máquina foi exportada de Colônia para a Inglaterra por William Caxton, mercante e diplomata, em meados da década de 1470. Os livros impressos permitiram a rápida disseminação de ideias e logo tomou o lugar dos caros manuscritos. No início do século XVI, essa nova tecnologia foi avidamente aproveitada para a propaganda da Reforma.

    Piedade e Profanação

    Os eruditos e pregadores humanistas não só promoveram o estudo bíblico, mas usaram suas habilidades literárias e de oratória para exigir a mais ampla reforma da igreja cristã. Apesar da vibração e popularidade da religião contemporânea, eles identificaram muitas áreas que precisavam de melhoria. Seus alvos mais frequentes eram a escolástica, a superstição e a hipocrisia. Erasmo foi o primeiro com o Enchiridion Militis Christiani (Manual do Soldado Cristão), publicado pela primeira vez em 1503. Era um manual sobre espiritualidade interior, com ênfase no comportamento moral e não na observância religiosa exterior. No prefácio para a nova edição de 1518, ele declarou a frase memorável: "Monachatus non est pietas (Ser monge não é o mesmo que piedade).¹⁴ Erasmo insistia que o verdadeiro cristianismo não dizia respeito a ser um paroquiano assíduo, prostrando-se diante das estátuas dos santos, acendendo velas e repetindo certo número de rezas. [...] Deus é aplacado somente pela piedade invisível".¹⁵ Ao contrário dos reformadores posteriores, ele não exigia a abolição das peregrinações ou relíquias sagradas, mas lembrava aos leitores que essa devoção externa era menos importante do que o comportamento piedoso:

    Qual é a utilidade de ser borrifado com algumas gotas de água benta, já que você não limpa a impureza interior da alma? Você venera os santos e tem prazer em tocar as relíquias deles. Mas você desconsidera o maior legado que deixaram: o exemplo de uma vida irrepreensível.¹⁶

    O mesmo argumento foi feito por Konrad Mutianus Rufus, importante líder humanista alemão, que denunciou a crença comum de que o desempenho religioso ganharia recompensa divina, observando que só os ignorantes procuram salvação por meio de jejuns.¹⁷

    Em um dos ensaios em seus Adágios, Erasmo desenvolveu esse tema ainda mais. Reclamou que grande parte do cristianismo contemporâneo dizia respeito à aparência exterior que camuflava todo tipo de pecado. Em particular, atacou a hipocrisia dos bispos que se vestiam de reluzentes vestes com mitras incrustadas de joias, mas olhando em baixo, você encontra nada mais que um soldado, um comerciante ou, por fim, um déspota, e você verá que todas essas insígnias esplêndidas eram pura comédia.¹⁸ Erasmo lamentou que tantos líderes cristãos estivessem tentando viver de modo mais pagão do que os pagãos na paixão pelo acúmulo de riqueza, no amor pelo prazer, na suntuosidade da vida, na selvageria da guerra e em quase todos os outros vícios.¹⁹ Criticou especialmente a misturados reinos espirituais e temporais, denunciando os papas e bispos de espírito belicoso que estavam bem armados com lanças e mísseis, mas absolutamente desarmados com a Sagrada Escritura.²⁰

    Muitos outros concordavam com a avaliação de Erasmo das necessidades da igreja e juntavam-se ao seu apelo por renovação espiritual. Na Saxônia, por exemplo, o duque Jorge, o Barbudo, disse que a igreja não era mais a noiva de Cristo, mas um cadáver fétido em decomposição.²¹ Enquanto isso, na Inglaterra, William Melton (chanceler de York) afirmou que o clero era indolente e ignorante, um bando de sacerdotes retardados e grosseiros.²² Logo depois, seu amigo John Colet (decano da Catedral de São Paulo em Londres), lançou um furioso ataque contra a corrupção da igreja na abertura da Convocação de Cantuária (sínodo do clero) em fevereiro de 1512. Seu sermão provocativo baseou-se na exortação de Paulo no Novo Testamento: Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento (Rm 12.2). Colet lamentou que a igreja se tornara uma prostituta louca e deformada.²³ Reprovou a ambição, sensualidade, avareza e mundanismo clerical, queixando-se de que muitos sacerdotes estavam envolvidos em assuntos seculares, enquanto ignoravam seus deveres espirituais. Entre as soluções que o decano propôs estavam a repressão à simonia (compra de cargos eclesiásticos), ao absentismo e à imoralidade sexual, e a melhora dos padrões para candidatos à ordenação.

    Apenas três meses após o sermão de Colet, o Quinto Concílio de Latrão foi aberto em maio de 1512, na Basílica de São João de Latrão, famosa catedral de Roma. Esse grande encontro de bispos e cardeais convocado pelo papa Júlio II tinha o objetivo primário de demonstrar a autoridade papal em reação à tentativa de rei Luís XII da França patrocinar um concílio em Pisa. Todavia, alguns teólogos esperavam que eles tratassem da necessidade urgente de reforma eclesiástica. Na sessão inaugural, Egídio de Viterbo (prior geral da ordem agostiniana) exortou os bispos a buscar a ajuda do Espírito Santo para que a igreja fosse purificada de toda mancha que recebeu e [...] restaurada ao seu antigo esplendor e pureza.²⁴

    O Concílio de Latrão continuou a reunir-se por cinco anos, até março de 1517, e emitiu leis reformistas relativa à disciplina do clero e censura de livros, mas essas medidas tiveram pouco impacto. Foi uma oportunidade desperdiçada. Quando o concílio estava prestes a ser encerrado, Gianfrancesco Pico della Mirandola fez um discurso ao papa, pedindo-lhe que agisse:

    Estas doenças e estas feridas devem ser curadas por ti, Santo Padre. Caso contrário, se não curares essas feridas, temo que o próprio Deus, cujo lugar na terra tu tomas, não

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