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A "Guerra das Cápsulas de Café":: Um Estudo sobre Aprisionamento Tecnológico e Uso da Propriedade Industrial em Mercados Secundários
A "Guerra das Cápsulas de Café":: Um Estudo sobre Aprisionamento Tecnológico e Uso da Propriedade Industrial em Mercados Secundários
A "Guerra das Cápsulas de Café":: Um Estudo sobre Aprisionamento Tecnológico e Uso da Propriedade Industrial em Mercados Secundários
E-book452 páginas5 horas

A "Guerra das Cápsulas de Café":: Um Estudo sobre Aprisionamento Tecnológico e Uso da Propriedade Industrial em Mercados Secundários

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Sobre este e-book

Atribui-se ao escritor Albert Camus a frase "Devo me matar ou tomar uma xícara de café?". Absurdos à parte, é inegável que a bebida não passa indiferente: amada por muitos e odiada por outros tantos, seu processo de extração evoluiu com o tempo, acompanhando em ritmo acelerado o surgimento de novas tecnologias. As cápsulas de café monodose tornaram-se um fenômeno mundial e, apesar de seu elevado custo, caíram rapidamente no gosto dos apreciadores diante da possibilidade de, no conforto do lar ou escritório, saborear um verdadeiro espresso italiano.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de fev. de 2020
ISBN9788547337865
A "Guerra das Cápsulas de Café":: Um Estudo sobre Aprisionamento Tecnológico e Uso da Propriedade Industrial em Mercados Secundários

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    A "Guerra das Cápsulas de Café": - Maria Fernanda Hosken de S. Perongini

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    A Mario Leopoldo,

    piccolo grande amore,

    ricordati di osare sempre.

    AGRADECIMENTOS

    Meus mais sinceros agradecimentos àqueles que, de forma generosa, contribuíram com os estudos que deram origem ao presente livro, em especial: Dr.a Lucia Helena Salgado e Silva e Dr.a Katia Freitas, responsáveis por importantes lições na seara da análise econômica do Direito; ao Dr. Fabrizio Jacobacci (Jacobacci & Partners) e o escritório do Obergericht des Kantons Zürich, Generalsekretariat, pela colaboração acadêmica consistente na gentil disponibilização de peças processuais (Caffè Vergnano e Denner AG, respectivamente); ao Dr. Celso Lage, Patrícia Trotte e demais professores do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), pelos conhecimentos ministrados e incrível apoio acadêmico dedicado durante todo curso de mestrado; a meus pais, avós, familiares e amigos que, muito amorosamente, tiveram a paciência necessária para me aturar durante a elaboração desta obra. A Marcello, teria sido impossível chegar a qualquer lugar sem você.

    Ao saudoso professor Dr. Denis Borges Barbosa (in memoriam), minha eterna gratidão. Uma pessoa maravilhosa, um verdadeiro mestre, uma das mentes mais brilhantes que já tive a sorte de conhecer. Uma existência inteira não seria suficiente para desfrutar de sua companhia, mas o breve período em que pudemos conviver foi o bastante para mudar a minha vida. Sem ele, este trabalho simplesmente não existiria.

    Por fim, e muito longe de ser o menos importante, mas a você, meu querido Dr. Enzo Baiocchi, sempre me faltarão as palavras adequadas. Danke schön, darling, danke schön...por tudo.

    PREFÁCIO

    O trabalho que agora chega à mão do leitor pela Editora Appris aborda tema de grande atualidade e interesse não apenas para juristas e economistas, mas para profissionais e pesquisadores das áreas de concorrência, inovação e propriedade industrial.

    O título original da pesquisa (Aprisionamento tecnológico e uso da propriedade industrial em mercadas secundários: um estudo de caso a partir da ‘guerra das cápsulas de café’), que à primeira vista parece ser autoexplicativo, merece, contudo, algumas rápidas considerações.

    Trata-se do caso típico identificado pela doutrina como subordinação técnica (ou "efeito lock-in"), que consiste na exploração de determinada inovação tecnológica suscetível de criar um vínculo duradouro de dependência técnico-funcional entre dois produtos e/ou serviços complementares. Nesse sentido, o correto funcionamento do primeiro produto (dito subordinante) dependente, necessariamente, de outro produto específico (o produto subordinado), concebido especialmente pelo fabricante para funcionar com o produto-subordinante.

    Os exemplos práticos abundam em nosso cotidiano. São os casos já conhecidos do amplo público como impressora e cartucho/toner, fotocopiadora e serviço de assistência técnica, hardware e programa de computador (de sistema operacional) e, mais recentemente, que é o caso específico deste trabalho, máquina de café expresso e cápsula de café monodose. A intensidade que se desenvolveu o debate em torno do assunto nos últimos anos, seja do ponto de vista comercial seja jurídico, foi tamanha que a questão ficou conhecida como a guerra das cápsulas de café.

    A intenção deliberada do fabricante, titular da marca e da tecnologia, é manter os consumidores aprisionados tecnologicamente, de modo a garantir um fluxo contínuo de vendas de produtos que dependam, constantemente, de peças ou itens – originais – de reposição, ou que impliquem em assistência ou manutenção técnica permanente. À venda do produto subordinante/primário sucede a do produto ou serviço subordinado/secundário, sendo este último o único compatível ou recomendável – assim faz crer o fabricante – para o correto funcionamento do primeiro. É, pois, justamente para garantir certa posição de monopólio no mercado secundário (conhecido também como aftermarket) que muitos fabricantes lançam mão de aprimoramentos tecnológicos protegidos por direitos da propriedade industrial, especialmente por patentes de invenção, desenhos industriais e até mesmo marcas tridimensionais.

    Dessa forma, o aprisionamento tecnológico ocorre no mercado secundário em razão da escassez forçada de produto concorrente, similar ou compatível, de modo que o consumidor – ante o risco de perda da garantia do produto original ou do seu mau funcionamento – compra o produto ou toma o serviço subordinado/secundário oferecido com exclusividade pelo fabricante, porém nem sempre com as melhores condições de preço. Cria-se, assim, uma relação permanente de subordinação de consumo, altamente prejudicial aos interesses do consumidor, à livre concorrência e, até mesmo, ao meio ambiente, como é o caso da fabricação e do consumo em larga escala das cápsulas descartáveis de café monodose.

    Em apertada síntese, são essas as principais questões abordadas no livro. O tema tem, por razões óbvias, interesse para toda a sociedade. Ninguém melhor do que a autora para nos apresentar o problema, descortinando todos os meandros dessa intrincada relação entre economia e direito.

    Maria Fernanda Hosken de Souza Perongini, além de mestre em Propriedade Intelectual e Inovação, milita na advocacia empresarial há muitos anos e tem grande experiência prática e teórica sobre o assunto em questão. O presente estudo é fruto da sua pesquisa de mestrado profissional, que tive o prazer de orientar no âmbito do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Propriedade Intelectual e Inovação da Academia de Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.

    Cumpre registrar que, na fase inicial do seu trabalho, a autora foi orientada pelo nosso saudoso e querido colega, professor Denis Borges Barbosa, a quem ela deve as primeiras discussões teóricas, incluindo a sugestão do tema da presente pesquisa. Em razão do agravamento do seu estado de saúde, e posteriormente, com o seu falecimento prematuro, em 2 de abril de 2016, recebi e aceitei, com muita honra, a nobre e difícil tarefa de seguir a orientação.

    O que o leitor pode esperar da presente obra é, antes de mais nada, o resultado do trabalho de dois longos anos de intensa e séria pesquisa acadêmica. O tema foi desenvolvido levando em consideração tanto os aspectos teóricos quanto práticos. Toda a controvérsia em torno do uso da propriedade industrial como forma de aprisionamento tecnológico em mercados secundários é estudada à luz da legislação e jurisprudência, nacional e estrangeira, com particular ênfase para a da União Europeia. Ponto central da pesquisa empírica é a análise de casos concretos. Aqui, recebeu particular atenção a chamada guerra das cápsulas de café, envolvendo o sistema Nespresso, marca líder nesse nicho mercadológico no Brasil e no mundo.

    Com base em decisões judiciais, e também administrativas das autoridades antitrustes na Europa, a autora examina com profundidade a difícil interação entre inovação, propriedade industrial e concorrência no mercado secundário. Tudo gravita em torno da inquietante questão em se saber o momento em que a concessão e exploração (pretensamente) legítimas de Direitos da Propriedade Industrial podem ser consideradas condutas que caracterizam infração da ordem econômica. É a tênue linha que separa o uso legítimo de um direito do seu abuso injustificado.

    O tema está na ordem do dia não apenas em tribunais e autoridades antitruste mundo afora, mas também, e principalmente, nas mais avançadas e renomadas instituições de ensino e pesquisa, nacionais e estrangeiras. Com a conclusão e apresentação deste trabalho que nos brinda a autora Maria Fernanda, a Academia de Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento do INPI posiciona-se na vanguarda dos estudos sobre a matéria, na mesma linha de instituições com grande tradição como o Max Planck Institute for Innovation and Competition, da Alemanha. À frente da criação da Academia e dessa linha de investigação estava – como não poderia ser diferente – o professor Denis Borges Barbosa, a quem prestamos, por fim, as nossas justas e sinceras homenagens.

    Boa leitura!

    Rio de Janeiro, dezembro de 2017.

    Enzo Baiocchi

    Doutor e mestre em Direito pela Ludwig-Maximilians-Universität, Munique

    Pesquisador convidado e ex-bolsista no MPI for Innovation and Competition, Munique

    Professor de Direito Comercial na UERJ e na UFRJ

    Professor da pós-graduação stricto sensu na UCAM e no INPI

    NOTA DA AUTORA

    O presente livro é uma adaptação, com algumas alterações e correções necessárias, da dissertação defendida em 2017 para obtenção do título de mestre em Propriedade Intelectual e Inovação junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O objetivo do trabalho era expor os litígios envolvendo o sistema Nespresso na União Europeia e, para tanto, foram observados os critérios necessários para a execução de pesquisa científica. Sendo ainda um assunto muito atual, certamente far-se-ão necessários ajustes e atualizações futuras.

    Esperamos, em qualquer caso, contribuir para exploração acadêmica do tema de forma que possa servir de histórico e/ou arcabouço teórico para aplicação a casos práticos envolvendo a propriedade intelectual e o direito concorrencial em mercados secundários. O texto, embora elaborado sob a égide da Academia, poderá ser compreendido também pelo público leigo, por meio de linguagem clara e simples.

    A Introdução traz a contextualização da questão, apresentando alguns primeiros conceitos sobre as vendas casadas e fornecendo informações gerais da indústria, além de expor a estrutura do trabalho e a delimitação do assunto. O Capítulo 1 apresenta o grupo econômico envolvido no empreendimento e os direitos de propriedade industrial em torno do referido sistema. Será abordado, outrossim, o regime de apropriabilidade que propiciou a retenção dos lucros advindos da inovação, propondo-se que o sistema Nespresso se definiu como paradigma tecnológico no setor de cafés expresso monodose.

    No Capítulo 2, serão examinados os litígios judiciais da Nestlé Nespresso S.A. (Nespresso) na Inglaterra, Suíça e Itália, dando-se ênfase às controvérsias em torno das patentes e marcas do sistema Nespresso, bem como à questão da publicidade comparativa. No Capítulo 3, será analisado o procedimento administrativo junto à Autorité de la Concurrence, órgão francês de defesa da concorrência, que levou a Nespresso a firmar uma série de compromissos para evitar sanções por abuso de posição dominante no mercado francês. Finalmente, no Epílogo, serão feitas breves considerações sobre trajetória tecnológica, sham litigation e sustentabilidade.

    LISTA DE ABREVIATURAS

    Sumário

    INTRODUÇÃO 21

    A) VENDAS CASADAS 22

    B) APRISIONAMENTO POR SUBORDINAÇÃO TECNOLÓGICA 26

    C) INDICADORES DA INDÚSTRIA 34

    D) DELIMITAÇÃO DO ASSUNTO E ESTRUTURA DO TRABALHO 40

    CAPÍTULO 1

    O MONOPÓLIO LEGAL DA NESPRESSO 43

    1.1 INTRODUÇÃO 43

    1.2 O GRUPO NESPRESSO 44

    1.2.1 Société des Produits Nestlé S.A. 44

    1.2.2 Nestec S.A. 45

    1.2.3 Nestlé Nespresso S.A. 45

    1.3 O SISTEMA NESPRESSO 49

    1.4 OS DPI’S SOBRE O SISTEMA NESPRESSO 55

    1.4.1 Patentes 56

    1.4.1.1 Patente CH 605 293 (cartouche pour la confection d‘une boisson) 57

    1.4.1.2 Patente EP 0 512 148 (enclosed cartridge for making a beverage) 58

    1.4.1.3 Patente EP 0 512 470 (method of producing beverages using sealed cartridges and apparatus for carrying out this method) 60

    1.4.1.4 Patente EP 2 103 236 (device for the extraction of a cartridge) 61

    1.4.1.5 Patente EP 2 205 133 (beverage brewing unit) 64

    1.4.2 Cipoal de patentes 66

    1.4.3 Marcas 71

    1.4.3.1 Marca NESPRESSO 75

    1.4.3.2 Marca nominativa WHAT ELSE? 76

    1.4.3.3 Marca tridimensional n.º P-486 889 78

    1.5 VANTAGENS DO PRIMEIRO ENTRANTE E APROPRIAÇÃO DOS LUCROS ADVINDOS DA INOVAÇÃO 79

    1.5.1 Regime de Apropriabilidade 80

    1.5.2 Estágio do design dominante 82

    1.5.3 Acesso a ativos complementares 84

    1.6 CONCLUSÕES 88

    CAPÍTULO 2

    A GUERRA DAS CÁPSULAS DE CAFÉ 89

    2.1 INGLATERRA 93

    2.1.1 Dualit Limited 93

    2.1.2 Prioridade tóxica 97

    2.1.3 Novidade 103

    2.1.4 Infração por contribuição 106

    2.1.4.1 Licenciamento implícito e exaustão de direitos 110

    2.1.4.2 Elemento essencial da patente 113

    2.1.4.3 Indução à exploração do objeto patenteado 114

    2.1.5 Conclusões 115

    2.2 SUÍÇA 117

    2.2.1 Denner AG 117

    2.2.2 Ethical Coffee Company S.A. 124

    2.2.3 Trade dress e marca tridimensional 125

    2.2.4 Funcionalidade 131

    2.2.5 Distintividade 137

    2.2.5.1 Secondary meaning 140

    2.2.6 Risco de confusão 144

    2.2.7 Conclusões 149

    2.3 ITÁLIA 151

    2.3.1 Casa del Caffè Vergano S.p.A 152

    2.3.2 Publicidade comparativa 157

    CAPÍTULO 3

    IN POD WE ANTITRUST 167

    3.1 INTRODUÇÃO 167

    3.1.1 O artigo 102 do TFUE 170

    3.1.2 Venda casada anticoncorrencial 171

    3.2 SÍNTESE DO CASO 176

    3.3 A IDENTIFICAÇÃO DOS MERCADOS RELEVANTES 179

    3.3.1 Substituibilidade entre os produtos 181

    3.3.2 Definição do mercado relevante de acordo com o tipo de produto 184

    3.3.3 Definição do mercado relevante de acordo com a área geográfica 185

    3.3.4 A definição dos mercados relevantes no caso Nespresso 187

    3.3.4.1 A existência de dois mercados de bens distintos e complementares 188

    3.3.4.2 O mercado primário de máquinas de café expresso monodose 190

    3.3.4.3 O mercado secundário de cápsulas de café compatíveis com máquinas

    Nespresso 192

    3.3.4.4 Os mercados geográficos 195

    3.4 POSIÇÃO DOMINANTE 196

    3.4.1 Market share 197

    3.4.1.1 A posição dominante da Nespresso no mercado primário 199

    3.4.1.2 A posição dominante da Nespresso no mercado secundário 200

    3.4.2 Barreiras ao ingresso e à expansão 202

    3.4.3 Poder negocial dos compradores 203

    3.4.4 Posição dominante exercida por mais de uma empresa 203

    3.5 ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE 205

    3.5.1 Encerramento anticoncorrencial do mercado 206

    3.5.2 Justificativas objetivas e ganhos de eficiência 210

    3.6 Os compromissos assumidos pela Nespresso 214

    3.7 Conclusões 215

    EPÍLOGO 219

    A) TRAJETÓRIA TECNOLÓGICA, INOVAÇÃO E CONCORRÊNCIA 219

    B) SHAM LITIGATION? 221

    C) SUSTENTABILIDADE E POLÍTICAS ANTITRUSTE 229

    REFERÊNCIAS 233

    INTRODUÇÃO

    Mais de 30 bilhões de doses de café vendidas. Quatorze bilhões de máquinas comercializadas ao redor do mundo (MUNDO DAS MARCAS, 2014). Uma marca com peso de 3,2 milhões de euros (GIRARD, 2014) representada por um ator famoso. Nespresso. What else?

    Por trás do sorriso de George Clooney e do famoso slogan está a Nestlé S.A., gigante da indústria alimentícia que reinventou o sistema de extração de café por meio de cápsulas descartáveis e o transformou em um negócio mundial de mais de 13 bilhões de dólares (Chaudhuri, 2016). Os números do empreendimento impressionam por qualquer ângulo que se examine: líder absoluta de um mercado bilionário que cresceu exponencialmente em meio à recessão e titular de milhares de patentes, a Nespresso, segmento de comércio de cápsulas de café do grupo Nestlé, acumula também incontáveis processos judiciais movidos contra (ou por) suas concorrentes (Alderman, 2010) e, mais recentemente, também foi alvo de críticas sobre a sustentabilidade de seu modelo de negócios (BBC, 2016). 

    Após anos de indisputada liderança, a perda dos primeiros direitos de propriedade industrial (DPIs) – instrumentos legais que garantiram à Nestlé Nespresso S.A. (Nespresso) a exclusividade sobre o luxo popular que conjuga máquinas acessíveis com cápsulas de café a preços exorbitantes (MELLO, 2009)¹ – começou a abrir o cipoal de patentes que a separava da concorrência. Face à iminente entrada de cápsulas compatíveis no mercado, a Nespresso passou a lançar mão de outras estratégias na tentativa de bloquear (ou ao menos retardar) a entrada de novos concorrentes e manter sua posição como líder de mercado. Paralelamente ao aumento do número de processos judiciais contra novos concorrentes, as batalhas da Nespresso na, assim chamada, guerra de cápsulas de café, culminaram nas denúncias perante a Autoritè de la Concorrence (ADLC), órgão francês de controle da concorrência (Lentschner, 2014).

    A) VENDAS CASADAS

    Inicialmente, vale ressaltar que o lock-in tecnológico explica, em parte, o sucesso da Nespresso em abocanhar os lucros advindos da inovação, eis que a venda casada dos produtos dessa marca somente foi possível enquanto titular de direitos de propriedade industrial. A chamada venda casada (ou acordo de subordinação, ambas versões do termo tying arrangements) ocorre quando uma empresa vende um produto mediante a condição de que o comprador também adquira um produto diferente (ou vinculado); ou quando o acordo entre as partes prevê que esse produto não seja adquirido de fornecedor diverso (USDOJ, 2008). Na definição dada pela União Europeia (UE):

    A subordinação refere-se geralmente a situações em que os clientes que compram um produto (produto subordinante) são obrigados a comprar igualmente outro produto da empresa dominante (produto subordinado). A subordinação pode assentar numa base técnica ou contratual. O «agrupamento» de vendas refere-se normalmente à forma como os produtos são oferecidos e tarifados pela empresa dominante. No caso do agrupamento puro, os produtos são apenas vendidos em conjunto e em proporções fixas. No caso do agrupamento misto, frequentemente referida como desconto multi-produtos, os produtos são igualmente disponibilizados separadamente, mas a soma total dos preços dos produtos vendidos em separado é superior ao preço do grupo. (CE, 2009a, par. 48)².

    Vale lembrar que a venda casada, de per si, não é necessariamente prejudicial (Ribas, 2011, p. 10):

    Na realidade, trata-se de prática comercial amplamente difundida e, na grande maioria das vezes, aceita pela indústria, pelos comerciantes e pelos próprios consumidores. Aliás, a grande maioria dos produtos ou serviços ofertados é composta de subprodutos ou subserviços que formam um todo homogêneo. A título exemplificativo, há a venda de calçados com os pés direito e esquerdo (o exemplo clássico citado pela doutrina), automóveis com serviços de pós-venda, cafeteiras com cápsulas contendo pó de café etc. Diferenciar a venda conjunta natural daquela coercitiva é, em alguns casos, um grande desafio que, se não for adequadamente enfrentado, pode gerar uma série de incentivos negativos sobre produtores e ofertantes de bens e serviços, podendo até mesmo prejudicar a oferta de produtos e serviços de maior qualidade.

    Em se tratando de venda casada lícita, a doutrina costuma fazer distinção entre os acordos de subordinação de natureza contratual e aqueles submetidos em função de requisitos tecnológicos (USDOJ; FTC, 2007). A subordinação contratual ocorre quando o comprador do produto subordinante fica obrigado a comprar igualmente o produto subordinado (e não produtos alternativos oferecidos pelos concorrentes) (UE, 2009). Ocorre, por exemplo, no caso do mimeógrafo (produto subordinante), sob proteção patentária; nesse caso, a venda do produto patenteado é condicionada à compra do produto não patenteado – o papel ou a tinta para uso no mimeógrafo (USDOJ; FTC, 2007).

    Por sua vez, a subordinação técnica (ou mediante aprisionamento tecnológico³), existe quando o produto subordinante é concebido de tal forma que só funciona de maneira adequada em conjunto com o produto subordinado (e não com produtos alternativos oferecidos pelos concorrentes) (UE, 2009). Pode ser definida como uma forma funcional de subordinação, pela qual a empresa projeta um produto que funcione apenas quando utilizado com um produto complementar, por exemplo, impressoras e cartuchos de tinta (FRATTAROLI, 2010), dentre tantos outros:

    The printer–toner example is one of many instances of industries characterized by a foremarket that is complemented by one or several aftermarkets. Typically, the foremarket corresponds to a durable good, whereas the aftermarkets correspond to non-durable products or services. Other than printers, examples include cameras and film, photocopiers and repair service, videogame consoles and games. (CABRAL, 2014, p. 1).

    Vários setores industriais são caracterizados pela existência de mercados primários e secundários⁴. Nota-se, em tais setores, a coexistência de dois produtos, subordinados entre si, mas complementares. Na lição de Grau-Kuntz:

    O produto chamado de primário é aquele adquirido na expectativa de que venha a ser utilizado por um período relativamente longo e caracterizado pelo fato de necessitar, com determinada frequência, de peças complementares, de reposição, de serviços de manutenção ou, em outras palavras, de produtos ou serviços secundários. (GRAU-KUNTZ, 2012, p. 32).

    Seguindo a mesma linha de raciocínio, mostra-se como mercado primário "aquele espaço de competição que pressupõe pluralidade de interessados que competem por oportunidades de trocas relativas ao bem primário" (GRAU-KUNTZ, 2012, p. 33). Já o mercado secundário (aftermarket), por sua vez, é o "espaço que pressupõe pluralidade de interessados que competem por oportunidades de trocas referentes a bens secundários" (GRAU-KUNTZ, 2010, p. 33). Nesse caso, quando para um produto primário escolhido houver um único produto secundário compatível, perfaz-se a relação de subordinação ou dependência tecnológica, caracterizando o chamado efeito lock-in:

    Partindo de situações deste tipo, WENDENBURG, (2004) fala em posterior exploração do cliente encarcerado (encarcerado no mercado secundário), exploração esta que iria de encontro com as expectativas geradas anteriormente (no momento da compra do produto primário, nota nossa) de conformidade concorrencial. Este fenômeno é também chamado de "installed-base opportunism" (vide aqui SALOP, 7 Antitrust 20,21, (1992) apud WENDENBURG, op.cit. pág. 5). Para se livrar dessa situação de encarceramento o consumidor teria de jogar fora a sua impressora e sair a procura não só de um novo produto primário, mas ainda deverá necessariamente agir racionalmente e de forma inteligente, comparando não só os preços de impressoras no mercado primário, mas também procedendo a cálculos comparativos que permitissem prever os possíveis gastos com os cartuchos de tinta. Para isto pressupõem-se necessariamente não só educação do consumidor – educação formal, isto é, capacidade real de proceder cálculos – mas ainda um grau elevado de transparência do mercado (GRAU-KUNTZ, 2012, p. 34, nota de rodapé) ⁵.

    Na direito norte-americano, o tying teve diferentes abordagens ao longo dos anos⁶ e sua interação com o direito concorrencial pode ser sintetizado conforme a seguir:

    Período Pré-Chicago: as decisões antitruste das décadas de 1950, 1960 e 1970 fazem antever um panorama muito desfavorável e um tanto simplista das restrições verticais. Muitas condenações per se foram lançadas pelas cortes. O objetivo era preservar a concorrência intramarca, assim como a independência do distribuidor ao comerciar o produto que, afinal de contas, lhe pertencia.

    Período do ápice da Escola de Chicago: a revolução antitruste efetivada por Chicago faz com que a concepção dos acordos verticais mude radicalmente. A proteção da concorrência entremarcas e não intramarca é o propósito da legislação antitruste, enuncia a Suprema Corte. O fim maior da defesa concorrencial é a eficácia alocativa que sempre induzirá ao bem-estar do consumidor. Alcançando esse intento, o antitruste cumprirá o seu papel.

    Revisionismo pós-Chicago⁷: mesmo durante o período em que a Escola de Chicago foi soberana, vozes já apontavam problemas anticompetitivos das restrições verticais [...]. Essa escola, mesmo aplaudindo a análise econômica introduzida por Chicago, acusa-a de ser demasiadamente simplista. Assim, com métodos mais aprofundados, indicam prejuízos concorrenciais os acordos verticais sem, contudo, desprezar os benefícios que deles arrivam. (FORGIONI, 2008, p. 22).

    A possibilidade de monopolização do mercado secundário pelo agente subordinante deu origem à doutrina do aftermarket, revisada por Cabral:

    An old argument (associated to the Chicago school) states that a seller can only have so much market power, and that an increase in aftermarket power is compensated by an equal decrease in power in the foremarket: the price of blades may be very high, but razor holders are very cheap. Some authors argue that the conditions for such an equivalence result are very stringent. For example, Borenstein et al. (1995) claim that economic theory does not support the argument that strong primary market competition will discipline aftermarket behavior, evenwithoutmarket imperfections (p. 459). Other authors, while recognizing the welfare reducing effects of market power, suggest that these are rather small in magnitude. For example, Shapiro (1995) concludes that "significant or long-lived consumer injury based on monopolized aftermarkets is likely to be rare, especially if equipment markets are competitive (p. 485⁸). (CABRAL, 2014, p. 2)

    B) APRISIONAMENTO POR SUBORDINAÇÃO TECNOLÓGICA

    Direitos de propriedade industrial e aprisionamento por subordinação tecnológica⁹ são duas áreas jurídicas distintas; interessante é investigar as formas de abuso na interação entre ambas e em que medida a combinação abusiva pode vir a impedir a entrada ou eliminar a concorrência no mercado. Inovações incrementais, com aplicações subsequentes a invenções anteriores, podem levar um empreendimento a manter a sua posição monopolista por um período mais longo. Aquele que tiver sucesso em tal estratégia poderá tornar-se agente dominante e controlar o mercado e a concorrência, o que, por sua vez, resultaria em um cenário onde poderia determinar as condições e preços do mercado ou controlar a produção ou a distribuição¹⁰.

    Pressupõe-se que a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial e à capacidade de excluir outros competidores dos possíveis benefícios advindos da inovação podem incentivar a provisão de recursos para investimento em novas tecnologias (USDOJ; FTC, 2007). Empresários e inventores investem seus

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