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Lua de Morango: Um Mistério de Jacaranda Dunne, #3
Lua de Morango: Um Mistério de Jacaranda Dunne, #3
Lua de Morango: Um Mistério de Jacaranda Dunne, #3
E-book373 páginas5 horas

Lua de Morango: Um Mistério de Jacaranda Dunne, #3

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Sobre este e-book

Na véspera de São João, os corpos de dois jovens ciganos são encontrados em um local ermo próximo a uma praia de Málaga. Tudo indica que o casal cometeu suicídio — um pacto final entre amantes — e assim, a polícia encerra o caso rapidamente. Mas Jacaranda Dunne, uma investigadora particular que costumava trabalhar para a Met, pensa diferente.

Quando o primo da garota morta pede à JD para investigar, revela que a prima estava grávida, e que o homem morto era gay — ambos fortes motivos para um cigano se desesperar, mas não para chegar ao extremo do suicídio.

A investigação se mostra mais difícil do que o usual, encontrando barreiras impeditivas na cultura e costumes da comunidade cigana, que se fecha contra qualquer interferência externa, e por um comandante teimoso da polícia civil. JD não pode contar com muita ajuda de nenhum deles, então ela e sua equipe elaboram formas alternativas de reunir evidências.

No início, não parece haver motivo que justifique o homicídio desses jovens, mas gradualmente, à medida que JD avança mais a fundo na realidade em que viviam, algumas verdades desagradáveis começam a surgir.

“Lua Morango” é o terceiro livro da série “Os Mistérios de Jacaranda Dunne”, escrito pela premiada autora Joan Fallon. Se você gosta de detetives que desafiam às regras, vai adorar JD.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento28 de nov. de 2023
ISBN9781667466620
Lua de Morango: Um Mistério de Jacaranda Dunne, #3
Autor

Joan Fallon

Dr. Joan Fallon, Founder and CEO of Curemark, is considered a visionary scientist who has dedicated her life’s work to championing the health and wellbeing of children worldwide. Curemark is a biopharmaceutical company focused on the development of novel therapies to treat serious diseases for which there are limited treatment options. The company’s pipeline includes a phase III clinical-stage research program for Autism, as well as programs focused on Parkinson’s Disease, schizophrenia, and addiction. Curemark will commence the filing of a Biological Drug Application for the first novel drug for Autism under the FDA Fast Track Program. Fast Track status is a designation given only to investigational new drugs that are intended to treat serious or life-threatening conditions and that have demonstrated the potential to address unmet medical needs. Joan holds over 300 patents worldwide, has written numerous scholarly articles, and lectured extensively across the globe on pediatric developmental problems. A former adjunct assistant professor at Yeshiva University in the Department of Natural Sciences and Mathematics. She holds appointments as a senior advisor to the Henry Crown Fellows at The Aspen Institute, as well as a Distinguished Fellow at the Athena Center for Leadership Studies at Barnard College. She is also a member of the Board of Trustees of Franklin & Marshall College and The Pratt Institute. She currently serves as a board member at the DREAM Charter School in Harlem, the PitCCh In Foundation started by CC and Amber Sabathia, Springboard Enterprises an internationally known venture catalyst that supports women–led growth companies and Vote Run Lead, a bipartisan not-for-profit that encourages women on both sides of the aisle to run for elected office. She served on the ADA Board of Advisors for the building of the new Yankee Stadium and has testified before Congress on the matters of business and patents and the lack of diverse patent holders. Joan is the recipient of numerous awards including being named one of the top 100 Most Intriguing Entrepreneurs of 2020 by Goldman Sachs, 2017 EY Entrepreneur of the Year NY in Healthcare and received the Creative Entrepreneurship Award from The New York Hall of Science in 2018.

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    Lua de Morango - Joan Fallon

    Lua de Morango

    Joan Fallon

    ––––––––

    Traduzido por Mariana Magalhães 

    Lua de Morango

    Escrito por Joan Fallon

    Copyright © 2023 Joan Fallon

    Todos os direitos reservados

    Distribuído por Babelcube, Inc.

    www.babelcube.com

    Traduzido por Mariana Magalhães

    Design da capa © 2023 Alex Allden

    Babelcube Books e Babelcube são marcas comerciais da Babelcube Inc.

    Lua de Morango:

    Um Mistério de Jacaranda Dunne

    ––––––––

    PRÓLOGO

    CAPÍTULO 1

    CAPÍTULO 2

    CAPÍTULO 3

    CAPÍTULO 4

    CAPÍTULO 5

    CAPÍTULO 6

    CAPÍTULO 7

    CAPÍTULO 8

    CAPÍTULO 9

    CAPÍTULO 10

    CAPÍTULO 11

    CAPÍTULO 12

    CAPÍTULO 13

    CAPÍTULO 14

    CAPÍTULO 15

    CAPÍTULO 16

    CAPÍTULO 17

    CAPÍTULO 18

    CAPÍTULO 19

    CAPÍTULO 20

    CAPÍTULO 21

    CAPÍTULO 22

    CAPÍTULO 23

    CAPÍTULO 24

    CAPÍTULO 25

    CAPÍTULO 26

    CAPÍTULO 27

    CAPÍTULO 28

    CAPÍTULO 29

    CAPÍTULO 30

    CAPÍTULO 31

    CAPÍTULO 32

    PRÓLOGO

    Silenciosamente, Florica colocou as pernas para fora da cama e sentou-se. Aguardou, prestando atenção se havia algum mínimo som indicando que mais alguém pudesse estar acordado, mas só ouviu o zumbido incessante das cigarras. A casa não era pequena, mas estava superlotada. Durante toda a vida, dividiu quarto com uma das irmãs. Ela enxergava claramente as duas irmãs mais novas com a ajuda da lua que brilhava pela janela aberta. Encolhiam-se juntas na cama ao lado da dela. Lalá, a caçula da família, dormia de boca aberta, e o ressonar suave e rítmico da menina flutuava delicadamente pelo ar úmido. Nenhuma das duas se mexeu. Cuidadosamente, ela saiu da cama e foi ao banheiro, onde havia escondido algumas roupas no cesto de roupa suja.

    Vestiu-se rapidamente, e carregando os sapatos na mão, desceu furtivamente as escadas e saiu para o pátio dos fundos. Já havia combinado previamente o plano com Hanzi, porque não queria deixar nada ao acaso. Ele a disse para preparar a mala e deixá-la do lado de fora do galpão, pronta para quando saísse. Agora, só precisava pegá-la no esconderijo e partir. Roki, o cachorrinho deles, dormia sobre um monte de sacos ao lado do galpão. Ela rezou para que não latisse quando a visse, mas ele apenas abanou o rabo a cumprimentando.

    — Bom garoto, Roki - sussurrou, abaixando-se e acariciando as orelhas dele.

    Adoraria levá-lo consigo, mas era impossível. Ele a ficou observando com grandes olhos tristes enquanto ela pegava a mala. Ele sabia que algo estava errado. Ela sentiria falta dele. Sentiria falta de todos. Era difícil deixar a própria casa, mas não tinha alternativa. Já não era mais bem-quista aqui. Pensou nas irmãs adormecidas. O que diriam na manhã seguinte ao descobrir que ela tinha partido? Chorariam. Disso ela não tinha dúvida. Afinal, choravam por qualquer coisinha, gatos perdidos, filmes tristes, músicas sentimentais. Elas sentiriam falta da irmã mais velha, mas e quanto os outros? A mãe? Não. Tinha achado que a mãe entenderia quando soubesse o que acontecera a ela, e até a apoiaria, no entanto deveria ter previsto que a mãe nunca enfrentaria o patriarca. Ela olhou para trás, para a casa. Estava na escuridão. Todos dormiam profundamente. Até dali onde estava, ouvia os roncos altos do pai. Se voltasse agora, ninguém jamais saberia o que tinha planejado fazer. Enxugou uma lágrima da bochecha e destrancou o portão do pátio. Era tarde demais para mudar os planos. Hanzi esperava por ela.

    Florica seguiu pela cidade em direção ao mar e virou para o oeste ao longo da costa. O calor dera uma trégua, mas ainda pairava como um cobertor quente sobre Málaga. Muitos bares e restaurantes ainda estavam abertos com luzes brilhantes, música alta e risadas de clientes ainda mais altos, mas alguns já começavam a encerrar a noite. Os garçons mal a notaram enquanto se apressava ao longo do calçadão. Todos só pensavam em voltar para as próprias casas e no sono que os aguardava. Não notaram a jovem cigana de cabelos negros e sedosos enrolados no topo da cabeça e presos com pentes de madrepérola. Não perceberam como ela, às vezes, fazia breves pausas e colocava a mão nas costas, como se sentisse dor. Não se deram conta do desespero e da angústia nos olhos dela enquanto amarrava o xale vibrantemente colorido na cintura rechonchuda.   

    Será que alguém já tinha notado sua ausência, ou ainda dormiam, alheios ao que ela havia feito? A escuridão ao longe indicava que estava chegando ao fim do calçadão e às últimas luzes residenciais. A sua frente estava a Reserva Natural Guadalhorce. Mesmo à luz da lua, era um lugar sombrio e sinistro. Apesar do calor, ela tremia. Durante o dia, era um local encantador, frequentado por observadores de pássaros e pessoas passeando com cachorros, entretanto, à noite parecia ameaçador, e tudo que se ouvia eram os coaxares dos sapos e o zumbido familiar das cigarras. Por que raios Hanzi escolheu um lugar tão ermo para se encontrarem à noite? Torcia para que já estivesse lá a esperando. Nesse momento, a lua saiu de trás de uma nuvem, então ela olhou para cima e sorriu. Estava cheia e tinha um leve tom rosado essa noite. Muitos a denominavam de lua de morango, outros de lua rosa. Qualquer que fosse o nome, sem a lua como guia, seria muito fácil errar o caminho e acabar em um dos pântanos, mas com ela brilhando no céu, pôde distinguir a ponte e o caminho que levava até lá. Encarou a escuridão à frente, mas não havia sinal do primo.

    Pegou o celular no bolso e olhou para a tela. Já era quase três horas. As fogueiras que haviam sido acesas ao longo da praia para celebrar a noite de São João já se apagavam, restando apenas um brilho quente entre as cinzas e um cheiro acre no ar da noite. Quanto aos foliões exaustos, estes esticavam-se na areia para dormir ou seguiam o caminho de casa. Eles mergulharam os pés no mar para trazer sorte, e provavelmente mais de um deles devia ter pulado sobre uma fogueira, arriscando queimar os pés na esperança de sonhar com um futuro noivo ou noiva. Tudo superstições sem sentido, segundo o primo, mas Florica acreditava nessas coisas.

    Hanzi logo estaria lá. O esperaria na ponte de madeira, conforme ele havia instruído. Enquanto começava a caminhar ao longo da trilha de terra, uma garça voou na frente dela e pousou ao lado de um dos lagos. O coaxar dos sapos cessou imediatamente e as cigarras ficaram em silêncio. Ela se deteve. O silêncio repentino parecia ameaçador e ela sentiu o coração acelerar. Respirou profundamente algumas vezes para se acalmar e inalou o perfume das árvores de eucalipto que margeavam a margem. Tudo estava calmo. Nada se mexia. Então, de repente, ouviu o som das asas da garça batendo ao decolar novamente, desta vez com um sapo pendurado no bico. Ela observou aquela silhueta escura voar sobre a superfície brilhante do lago até desaparecer de vista. O perigo passara, as cigarras e os sapos retomaram os cantos noturnos, antes irritantes, mas agora surpreendentemente reconfortantes. Era o silêncio que a assustava.

    Florica não era uma pessoa muito aventureira. Durante toda a vida, teve o pai, os irmãos, os tios e, principalmente, o avô para protegê-la. O avô era o patriarca, a pessoa mais importante do clã. Ela sempre o respeitara e pensou que ele a apoiaria, mas não foi assim. O pai dela contou a ele o que havia acontecido, mas o avô se recusou a ajudá-la. Agora ficaria sozinha, excluída do clã da família. Não teria mais a segurança familiar ao seu redor. Eles a protegeram a vida toda, porém também a isolaram do mundo lá fora. Agora, enquanto admirava os raios rosados da lua refletidos nas águas do mar, entendia como a própria vida tinha sido limitada. Não tinha conhecidos fora de Málaga e quase nenhum além do seu clã. Como diabos ia sobreviver?

    Amanhã, Hanzi a levaria de volta à Gibraltar, e ficaria fora do alcance da família, mas como seria lá? As pessoas a aceitariam? Gibraltar não fazia parte da Espanha, então talvez não gostassem de ciganos. Talvez a lei não a protegesse lá. Bem, já havia tomado sua decisão e agora não tinha volta. Vai dar tudo certo, disse a si mesma. Tinha Hanzi para ajudá-la. Afinal, o primo havia conseguido viver fora do clã por dois anos. Se ele conseguiu, ela também poderia.

    Assim que que se deu conta do que estava acontecendo, sabia que Hanzi era a única pessoa a quem poderia recorrer em busca de ajuda. Sabia que podia confiar no primo porque ele também tinha sofrido nas mãos do patriarca. Portanto, não ficaria parado assistindo a história se repetir com ela. Florica parou perto da ponte e encarou a água escura. Se ao menos tivesse conseguido se consultar com a vidente antes de sair de casa. Era o que normalmente se fazia antes de tomar qualquer decisão importante, mas quando mencionou essa ideia para Hanzi, ele disse que não era uma boa. Explicou que a vidente se sentiria obrigada a contar ao patriarca o que tinha descoberto, e assim poderiam impedir Florica de partir.

    Um movimento leve atrás dela a fez olhar para trás.

    — Hanzi? É você? Estou aqui em cima, na ponte - ela viu uma figura escura se aproximando pelo caminho. — Hanzi? - não houve resposta. — Hanzi. Tá me assustando. Pare de brincadeira - Florica começou a se apavorar. Se não era Hanzi, então quem era? A silhueta escura de um homem se aproximava. Agora pôde identificar que era maior e mais robusto do que o primo. — Quem é você? - indagou. — O que quer? - sentiu a pele arrepiar. Tinha algo familiar na maneira como o homem se movia. Mas não identificou quem era. Soltou um grito abafado, virou-se e correu.

    CAPÍTULO 1

    JD empurrou a bicicleta para dentro do escritório, tentando não estragar as paredes recém-pintadas. Com o dinheiro que receberam da polícia pelo último caso, ela decidiu dar uma repaginada na sede, o que incluiu novas janelas com vidros duplos que exibiam a gravação Jacaranda Dunne, Investigadora Particular, além de uma porta de entrada muito mais segura. Nacho já estava na mesa dele, encarando a tela vazia do computador. Não percebeu ela entrar.

    — Bom dia, está tudo bem? - perguntou, derrubando alguns arquivos no chão ao encostar a bicicleta na mesa. O assistente técnico não parecia entusiasmado como de costume.

    Ele respondeu apenas com um grunhido.

    — O que foi? - ela se preocupou. — Aconteceu alguma coisa? Cadê o seu café? - Nacho normalmente não conseguia iniciar o dia sem algumas xícaras de café arábico, mas hoje não se sentia o aroma usual de café, nem havia copos descartáveis vazios na lixeira.

    Ele fechou o computador e se virou para ela. Estava com o rosto abatido, e ela notou que ele tinha chorado.

    — Ouviu as notícias? - perguntou.

    — Não. Por quê? O que aconteceu?

    — Encontraram dois corpos essa manhã. A polícia tá dizendo que foi suicídio. Overdose.

    — É? E o que mais disseram? - sentou-se e abriu o computador. — Onde ouviu falar disso, aliás? Acha que pode ser um caso em potencial para investigarmos?

    — Só se preocupa com isso? Não pensa nesses coitadinhos?

    — O que foi, Nacho? Você não é assim. Por acaso os conhecia, o casal que morreu? É isso que está te perturbando?

    — Não eram um casal. E sim, os conhecia, mas não muito bem.

    — Entendo que esteja chateado, mas infelizmente, jovens morrem de overdose o tempo todo. E já sabem o porquê?

    Nacho pegou um lenço amassado no bolso e assoou o nariz.

    — Não. Mas sei que não estavam envolvidos com drogas. Eu conhecia melhor o homem e nunca o vi usar nada. Ele sequer fumava, e mal bebia. Sempre dizia que o corpo era um templo e tentava tratá-lo com respeito. Nunca, nem em um milhão de anos, morreria de overdose.

    — Então, não acha que foi suicídio?

    — Não, eu não acho.

    — Olha, por que não vamos tomar um café no Antonio's e aí me conta o que sabe?

    Nessa hora, a porta do escritório se abriu e Linda entrou.  

    — Bom dia, pessoal - cumprimentou com o seu forte sotaque de Manchester.

    — Ótimo! Que bom que chegou, Linda. Nacho e eu vamos sair por uns dez minutinhos. Pode ficar aqui, certo?

    — Sem problema. Temos um novo caso? - perguntou, pegando automaticamente os arquivos do chão. — Espero que seja algo interessante. Estou entediada de procurar cachorros desaparecidos.

    — Não tenho certeza. É possível. Te respondo quando voltarmos.

    — Cada vez mais e mais mistério!

    — Não quer dizer cada vez mais e mais curioso? - JD brincou, citando a fala da protagonista de Alice no País das Maravilhas, o livro favorito da infância dela.

    — Tanto faz.

    O bar do Antonio era bem pertinho, e depois de se sentarem em um canto tranquilo e Nacho tomar um expresso, ela começou:

    — Ok, agora me diga como conhece o homem morto? Qual é o nome dele?

    — Bem, já me ouviu falar do meu amigo, Juan?

    — Sim, é o baterista da sua banda, não é?

    — Não, esse é o Ernesto. Juan é um gitano, ou cigano, e é o nosso vocalista. Tem uma voz incrível.

    — Ok - JD não era muito fã de música flamenca, em parte porque não a entendia e em parte porque achava muito repetitiva. — Então ele é o cara que foi encontrado morto?

    — Não. Foi ele quem me ligou pra contar sobre Hanzi e Florica.

    — O casal morto?

    Nacho assentiu e fez um sinal para o garçom trazer outro expresso.

    — Florica era prima dele. Fazem parte do mesmo clã.

    — Então ela era cigana?

    — Sim. Ambos eram.

    — E quanto ao Hanzi? De onde o conhecia?

    — Uns três anos atrás, ele veio tocar com a nossa banda. O Juan o convidou porque sabia que era amigo da Florica. Era um cara legal. Tocava guitarra e às vezes cantava, embora não fosse nem de longe tão bom quanto o Juan. Mas não ficou muito tempo com a gente, só um ano mais ou menos.

    — E por que ele parou de tocar na sua banda?

    — Não teve escolha. Ele se meteu em encrenca com o patriarca, e foi expulso da família. Ele era gay, saca? E eles não aceitam os gays.

    — E podem fazer isso? Proibi-lo de ver a família só por ser gay? Isso é discriminação. Homofobia. É contra a lei!

    — Pelas próprias regras, podem. O que a polícia poderia fazer? Prender a família inteira porque não querem ter contato com um homem gay? O patriarca é o líder do clã cigano e todos seguem as determinações dele. Ele pode fazer o que quiser. Todos vão até ele sempre que surge um problema. Se rolar briga entre dois homens, por exemplo, e não conseguirem ou não quiserem resolver entre si, aí o patriarca manda um deles cair fora. E quando digo cair fora, é pra nunca mais voltar ao clã. São banidos! É como se nunca tivessem existido. Os nomes deles nunca mais são mencionados e não pode nem ter fotos deles na casa.

    — Mas como ele pode fazer isso? Existem leis neste país! Ele tem que obedecê-las tanto quanto qualquer um - com certeza Nacho estava exagerando. Isso soava tão medieval!

    Nacho sorriu tristemente para ela.

    — Bem, é aí que se engana. Ele não obedece. A palavra dele é a lei. A maioria dos ciganos vive dentro da própria cultura. A família é extremamente importante, e a pior coisa que pode acontecer a um deles é ser expulso. Claro, alguns acabam se casando com payos, aí sim, passam a viver como um cidadão espanhol como qualquer outro.

    Payos?

    — É como chamam os não-ciganos. Você e eu, por exemplo. Nós somos payos.

    — Que coisa mais tribal! - exclamou.

    — Exatamente, embora não se autodenominem como tribo.

    — Bem, voltando ao suicídio, ou acidente, seja lá o que for. Está me dizendo que o Juan não acredita que tiraram as próprias vidas?

    — Sim. Afirmou que não tem como ter sido suicídio. Pra início de conversa, isso é considerado um pecado mortal, e a maioria dos ciganos é bem religiosa. O suicídio traria desonra à família. Por isso, o Juan quer que a gente investigue as mortes. Vai nos pagar, mas não podemos contar a ninguém de onde veio o dinheiro, porque se souberem que ele foi à polícia, teria problemas com o patriarca.

    — Mas não somos a polícia.

    — Eu sei, mas trabalhamos com eles, né? Pro patriarca, daria no mesmo.

    — Então eles nunca vão à polícia, nem mesmo em caso de homicídio?

    Nacho balançou a cabeça negativamente.

    — Nunca voluntariamente.

    — O que mais sabe sobre as pessoas que morreram? Onde Hanzi morava, já que tinha sido banido da família?

    — Ele se mudou para Gibraltar.

    — E Florica?

    — Até onde sei, ainda estava aqui em Málaga, morando com a família.

    — Então ela não tinha feito nada de errado?

    — Até onde sei, não - colocou a xícara de café vazia de volta na mesa. — O que digo a Juan? Vamos investigar?

    — Não fale nada por enquanto. Não quero alimentar falsas esperanças. Deixe eu conversar com o Federico e ver o que a polícia está fazendo a respeito. Não podemos passar por cima deles, senão seremos banidos também.

    — Ok, JD. Você é a chefe.

    Ela sorriu para ele. Aparentava estar um pouco mais animado, embora ele soubesse tão bem quanto ela que esse seria um caso difícil de investigar. Se os ciganos não se relacionavam mesmo com a polícia, provavelmente não iam querer falar com policiais.

    — Melhor voltar ao trabalho - ele disse, afastando a cadeira e se levantando. — Linda deve estar se perguntando onde nos metemos.

    — Ok. Vou ficar aqui e ver se consigo falar com o Federico.

    — Tá tudo bem entre vocês? - perguntou.

    Ela o olhou surpresa. Nacho nunca perguntava sobre a vida pessoal dela. Nunca!

    — Sim, estamos bem - respondeu. — Vai indo. Não demoro. Veja se encontra alguma coisa online sobre os suicídios.

    — Não são suicídios - murmurou ao sair.

    Ela ficou encarando o celular por alguns minutos. O rosto do namorado, capitão Federico Rodriguez Lopez, sorria para ela na tela. Por que Nacho perguntou se estava tudo bem entre ela e o capitão? Será que sabia de algo que ela não sabia? Não que ela soubesse de muita coisa. Desde que Federico a pedira em casamento algumas semanas atrás, ele se tornara mais distante. Será que era pela falta de uma resposta direta dela? Não queria terminar o relacionamento, só não estava pronta para casar. Ainda não. Certamente ele entendia isso.

    — Tudo bem, JD? - o garçom perguntou. — Posso te trazer mais alguma coisa?

    — Não, obrigada, Antonio. Só preciso fazer uma ligação e depois vou embora.

    — Não tenho te visto com o capitão ultimamente - comentou, retirando as xícaras de café vazias e limpando a mesa.

    — Andamos bem ocupados - aguardou até que ele se afastasse e então ligou para o número de Federico. — Buenos días, carinho. Tem um tempinho?

    — Jacaranda. Como está? Já faz um tempo desde a última vez que me ligou.

    — Bem. Tenho andado ocupada.

    — Então, como posso te ajudar?

    — Nacho me disse que encontraram os corpos de dois jovens ciganos. Queria saber o que estão fazendo a respeito?

    — Nacho te contou? Os corpos foram descobertos apenas há algumas horas. Como ele ficou sabendo? Ainda não divulgamos nenhuma informação sobre as mortes para o público - parecia irritado. 

    — Ele conhece alguém da família.

    — Claro, Juan Ximenéz Duran, da banda. É primo da garota morta, se não me engano.

    — Então já identificaram os corpos?

    — Sim, assim que percebemos que eram ciganos, entramos em contato com todos os patriarcas dos clãs da região, e foram rapidamente identificados. A mim, me parece ser um trágico suicídio.

    — Tipo Romeu e Julieta?

    — Possivelmente. Quem vai saber os motivos de alguém cometer suicídio?

    — Onde os corpos foram encontrados?

    — Na Reserva Natural do Guadalhorce. Estavam deitados juntos na grama perto da praia - fez uma pausa. — Que tantas perguntas são essas, Jacaranda. Qual o seu interesse?

    O primo da garota quer que a gente investigue as mortes. Ele não acredita que nenhum deles tenha se suicidado.

    — O Juan deveria saber tão bem quanto qualquer um, que não podemos investigar a menos que exista evidência muito clara de não ter sido suicídio. Além do mais, basta o patriarca proibir os membros do clã de falar conosco e todos se fecharão em copas. Aí ficará impossível desvendar qualquer coisa. Não te aconselho a assumir esse caso.

    — Mas, e se não foi suicídio? E se esses jovens foram assassinados sem motivo?

    — Sempre há um motivo, Jacaranda. Contudo, pode ser um que você não compreenda. Rafael Ximénez impõe regras rígidas aos membros do clã dele.

    — Acho que não to te entendendo direito, Federico. O que o homicídio de duas pessoas tem a ver com as regras arcaicas que esse velho criou? Pelo amor de Deus! Estamos em pleno século XXI e, até onde sei, as leis desse país se aplicam a todos, inclusive aos ciganos!

    — Por esse seu desabafo, presumo que vá aceitar o caso, não é?

    — Pelo menos não vou descartá-lo logo de cara, como você parece estar fazendo.

    — Vamos combinar o seguinte: pedirei ao legista que examine os corpos e veja se tem sinal de algo suspeito. O que acha?

    — Acho que parece um procedimento padrão mínimo que já deveria estar seguindo desde o início. E se a polícia não investigar as mortes, então não tem nada que nos impeça de fazê-lo.

    — Tá bem, Jacaranda, pare de me pressionar. Vou te fornecer o máximo de informações possíveis e aí fica por sua conta, mas não posso ser pego te dando suporte como fizemos no último caso. Nada disso pode ser oficial. Entendeu? Assim que o comandante soube que os mortos eram ciganos, deixou bem claro que não deveríamos interferir na forma como o patriarca vai lidar com a situação. Já tenho ordens para devolver os corpos à família o mais rápido possível.

    — Ué, encontre alguma razão para adiar essa liberação. Precisa fazer a equipe de medicina legal examinar as roupas deles e o local onde foram encontrados antes que qualquer evidência seja destruída.

    — Não me diga o que fazer, Jacaranda! Farei o que puder, mas já te expliquei que, seja suicídio ou assassinato, o comandante não quer que a gente se envolva. Espero que tenha ficado claro!

    — Perfeitamente - ela desligou. Não estava certo. Como Federico podia tratar essas mortes com tanto descaso? Ela pediria a Nacho que entrasse em contato com o primo para ver o que ele tinha a dizer. Deve ter um motivo para o Juan não acreditar que o primo se suicidou. Ela precisava de mais dados antes de decidir se investigaria ou não.

    CAPÍTULO 2

    Quando JD chegou de volta ao escritório, Nacho já havia atualizado Linda sobre o que sabia.

    — Então acha que esse pacto de suicídio na verdade pode ser um duplo homicídio? - Linda perguntou à JD.

    — No momento, não faço ideia, mas depois de ouvir o Nacho, tenho minhas dúvidas que seja mesmo suicídio - JD abriu o laptop e verificou as imagens das câmeras de segurança do escritório. Essa era a nova rotina diária desde que descobriu que o invasor da agência também tinha instalado um programa espião no computador dela.

    — Um acidente, então? - Linda cogitou.

    — Não adianta especular. Precisamos ver o relatório do patologista primeiro.

    — Quer que eu ligue pro Juan, chefe?

    — Sim, faça isso, Nacho. E veja o que acha online sobre qualquer um dos ciganos mortos, se é que existe algo para se achar - satisfeita por se certificar de que não houve intrusos na noite anterior, JD fechou o laptop. — Como tá indo o caso do cachorro desaparecido, Linda? Alguma pista dele?

    — Não, liguei para todos os abrigos de animais e serviços de resgate, e ninguém viu um São Bernardo macho. Nem fêmea também. O que não é de se espantar nesse calor. O pobre cachorro provavelmente desmaiou de exaustão pelo calor em algum lugar. Imagina andar por aí com um casacão de pele nessa temperatura de 32 graus!

    — Provavelmente foi roubado. Ligue para a dona e diga que não tem mais nada que possamos fazer. Melhor, antes disso, envie um e-mail a todos os veterinários da região informando que o cachorro está desaparecido, presumivelmente roubado. Tem uma foto dele?

    — Sim.

    — Anexe uma cópia aos e-mails.

    — Certo, chefe.

    — Tudo bem em casa? As meninas estão bem? - JD quis saber. A filha mais velha de Linda estava grávida.

    — Sim, a Jane está bem. Só não está curtindo esse calorão. E a Laura foi para Manchester ficar com os avós por umas semanas. Já é uma preocupação a menos.

    — E o Phil? - O marido de Linda estava prestes a começar um novo tratamento de quimioterapia em breve.

    — Está bem agora, mas precisarei tirar umas manhãs de folga essa semana porque ele tem consultas no hospital. Pensei em chegar por volta do meio-dia, se estiver tudo bem.

    — O que for melhor para você, Linda.

    — O Juan tá vindo agora mesmo - Nacho informou, desligando o telefone e voltando para o computador. — Vou ver o que consigo descobrir antes dele chegar.

    JD sentou-se. Seria bom ter outro caso para trabalhar, e esse parecia interessante. Ligou o computador e pesquisou sobre ciganos na Espanha. Apesar de ser metade espanhola, JD sabia muito pouco sobre os ciganos e sua cultura. Tudo que Nacho contou naquela manhã foi uma verdadeira surpresa. Ela não fazia ideia de que ainda seguiam o sistema patriarcal. Achava que esse tipo de coisa só existia, atualmente, em tribos de lugares remotos como a floresta amazônica. No entanto, ainda existia ali mesmo, na movimentada e moderna cidade de Málaga.

    O telefone dela tocou.

    — Jacaranda? Sou eu. Só para avisar que a equipe forense está na cena do crime agora e o patologista fará a autópsia nos dois corpos hoje. Devemos receber os resultados amanhã ou depois de amanhã. Só espero que o patriarca não

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