O Ensino de Ciências e os Jogos de Linguagem
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O Ensino de Ciências e os Jogos de Linguagem - Sophia Sartini Fernandes de Oliveira
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2019 dos autores
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Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO ENSINO DE CIÊNCIAS
Para Humberto, companheiro nessa misteriosa jornada da vida, nessa profunda correnteza do tempo, nessas horas de tempestade e de poesia.
Para meu pai, Antônio (in memoriam) e para meu sogro, Márcio (in memoriam). Cada qual, à sua maneira, despertou-me o olhar para a singeleza que compõe o arabesco da vida.
Para meus queridos e amados amigos felinos que, por meio da linguagem interespecífica no convívio cotidiano, ensinaram-me o quanto é rico, sincero e maravilhoso o universo dos gatos.
Para todos que, com seus gestos generosos, aliviam a fome de amor e de alimentos dos inocentes animais abandonados, resgatando-os das violentas e frias ruas; espalhando, dessa forma, a compaixão pelo mundo.
Para todos que lutam pela preservação e proteção das espécies, pela conservação do meio ambiente e do planeta.
Para todos que, por meio de ações generosas, contribuem para aliviar o sofrimento de outras pessoas; espalhando, dessa forma, a esperança pelo mundo.
AGRADECIMENTOS
À Editora Appris, pela oportunidade de publicar este trabalho.
A todas as pessoas que colaboraram com este trabalho.
Na convivência, o tempo não importa.
Se for um minuto, uma hora, uma vida.
O que importa é o que ficou deste minuto,
desta hora, desta vida...
Lembra que o que importa é tudo que
semeares, colherás.
Por isso, marca a tua passagem,
deixa algo de ti,...
do teu minuto,
da tua hora,
do teu dia,
da tua vida.
QUINTANA
PREFÁCIO
A professora e mestra Sophia Sartini Fernandes de Oliveira, no livro que aqui temos disponível, procura facilitar a alfabetização científica de seus alunos por meio do uso de mídias sonoras.
O processo de alfabetização científica exige o uso de linguagem específica e essa linguagem tem suas características próprias: a alfabetização científica se inicia quando os alunos aprendem a dominar as suas regras e participar dos jogos de linguagem aí desenvolvidos. Conhecendo novas palavras e novos contextos, ampliarão sua compreensão do mundo, numa perspectiva científica. Ciência é saber ler a linguagem em que está escrita a natureza e expressar essa linguagem segundo normas próprias que facilitam o entendimento e a discussão.
Para o filósofo Karl Popper¹, a linguagem tem uma função expressiva, ou sintomática, segundo a qual, estados internos do organismo, físicos ou psicológicos, podem ser comunicados; animais e humanos a utilizam nesse sentido. Ao indicar e sinalizar esses estados, podendo provocar respostas do ambiente, a linguagem desempenha uma função sinalizadora; ao sustentar algum ponto de vista, sobre determinada situação, tem uma função descritiva. E, finalmente, ao fornecer razão em apoio a alguma concepção ou ideia, tem uma função argumentativa, que também se manifesta a partir da crítica e do diálogo intersubjetivo. Para a ampliação do conhecimento, a função mais significativa é a argumentativa. Somente por intermédio da crítica e da discussão, de modo intersubjetivo, o conhecimento humano pode abrir novos horizontes, no campo da vida em geral e, especialmente, da ciência.
A alfabetização científica depende da Filosofia, pois a educação para a ciência apoia-se em pressupostos filosóficos. Ela exige que o aluno passe da memorização à compreensão e utilização dos conceitos, a partir do domínio mais rico da linguagem. Isso também exige contextualização; nesse processo, o aluno deve romper as barreiras do que conhece, usando novos jogos de linguagem, criticando e argumentando.
Sob outro aspecto, o acesso ao conhecimento, inclusive ao saber científico, é um direito do cidadão, assegurado pelo Estado democrático. Sem conhecimento, a população é mais facilmente manipulada. A formação escolar é necessária para o exercício da democracia, pois a ciência, bem como a participação política, são processos públicos.
Os cientistas aprendem a fazer ciência em contextos sociais, a princípio observando e repetindo as práticas consagradas nos paradigmas vigentes. Indivíduos alfabetizados cientificamente também estão mais qualificados para participar ativamente como cidadãos em uma sociedade tecnológica, por meio de decisões mais bem informadas; podem discutir de forma mais tolerante e buscar melhores soluções para os problemas do mundo. Ler o mundo implica deixar a posição de mero expectador, para ocupar uma posição mais autônoma e ativa em relação à vida e ao espaço social.
A educação científica significa entender o processo pelo qual a ciência se faz: conjecturas (imaginação) e refutações (testes empíricos, criticidade). A razão crítica coloca novos problemas continuamente, transforma o homem em um peregrino em busca de uma verdade inatingível.
Um dos grandes divulgadores da ciência de nosso tempo, Carl Sagan², comenta que não se recorda de professores de Ciência inspiradores nos seus tempos de escola primária e secundária. Lembra-se da memorização automática da tabela periódica dos elementos, das respostas demarcadas que todos deviam obter. A extração da raiz quadrada era ensinada como se tivesse sido revelada, outrora, no Monte Sinai. Ele não foi ensinado a pensar, a discutir e a entender a ciência como um processo crítico e participante: foi educado a repetir e decorar, não a entender e criticar. Se a pseudociência é mais fácil de ser intentada, visto que não contraria nossos sonhos infantis e não possui padrões rigorosos de argumentação, a ciência, ao contrário, enfatiza sempre nossas limitações e aponta para nossas falsas ideias. Mostra que estamos sempre à beira dos erros.
O divulgador da ciência precisa deixar bem claro o caminho tortuoso das grandes descobertas e os equívocos e enganos cometidos, principalmente, pelos grandes mestres do pensamento. Enfatizar o trabalho árduo e desconfiar das intuições geniais e súbitas que costumam ser atribuídas aos gênios.
Ainda é Carl Sagan³ que afirma que a ciência é como a democracia. Comete erros, mas pode corrigi-los. Aceita mudanças, mas não cegamente. Aconselha-nos a ter prudência e a imaginar respostas alternativas. Como a democracia, propõe-se a experimentar e a criticar os resultados. Desconfiar das autoridades é um lema tanto para a ciência quanto para a vida política. O progresso da ciência costuma ser confuso e desordenado. Tal como nas democracias que consagram a liberdade de expressão e que repudiam a censura, a ciência exige o livre debate e a tolerância; ao invés de eliminarmos os oponentes, eliminamos as ideias inadequadas.
O trabalho da professora Sophia toca em todas essas questões. Aborda o contexto social em que a ciência é produzida; procura criar mecanismos para que os alunos se familiarizem com a linguagem da ciência, mostrando ainda que, contextualizar, discutir e criticar, práticas comuns na metodologia científica, também ajudam a formar cidadãos e pessoas mais racionais e mais felizes. É uma valiosa contribuição para os que se dedicam ao ensino básico e fundamental, em que os alunos precisam adentrar um mundo novo, o da ciência.
Luciano Caldas Camerino
Professor do Departamento de Filosofia
Universidade Federal de Juiz de Fora
Referências
POPPER, Karl R. Conjecturas e Refutações. Brasília: Editora da UnB. 1980.
SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
Sumário
INTRODUÇÃO
1
WITTGENSTEIN E A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA:
APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS
1.1. A práxis da linguagem em Wittgenstein e a mídia sonora: pensando
caminhos para a alfabetização científica
1.2. Uma perspectiva histórica da ciência
1.3. A alfabetização científica
1.4. A divulgação e/ou popularização da ciência
2
A LINGUAGEM, O MUNDO E A ESCOLA
2.1. Mídias sonoras e a educação
2.2. A linguagem da ciência no contexto atual
³
A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS EM CONTEXTO ESCOLAR
VIA MÍDIAS SONORAS
³.¹. O ambiente escolar da pesquisa
3.2. Mídias sonoras, linguagem, alfabetização científica: aspectos
metodológicos da pesquisa
4
EXPRESSÃO ORAL E TEXTUAL: UMA ANÁLISE DAS PRODUÇÕES DE TEXTOS (ESCRITOS E ORAIS)
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
APÊNDICE
INTRODUÇÃO
O papel da linguagem nas relações humanas e na construção do conhecimento é bastante relevante. Transpondo tal observação para dentro dos muros da escola, a experiência com a heterogeneidade histórico-social, cultural e cognitiva dos alunos suscita uma reflexão acerca dos sentidos que os alunos estariam atribuindo à ciência, por meio do contato que eles têm com a linguagem científica exibida por meio do gênero discursivo conhecido como divulgação científica, na sala de aula e fora dela. Diante da evidência de que este gênero discursivo, a divulgação científica⁴, estaria a cada dia mais presente na sociedade, assim como na escola e, considerando-se o discurso como processo social que denota contexto, ação e concretude, torna-se pertinente a investigação dos possíveis meios midiáticos que permitem a inclusão dos alunos na linguagem científica.
Diante desse contexto, este livro surgiu de uma pesquisa com uma abordagem no campo da Filosofia da Linguagem com interface no campo da Comunicação (mídias sonoras). Tal pesquisa foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro⁵. Esta pesquisa teve como objetivo descobrir recursos tecnológicos que pudessem ser utilizados como ferramentas pedagógicas no cotidiano escolar e que também pudessem possibilitar o processo de alfabetização científica nos alunos da turma do 8º ano do ensino fundamental de uma escola municipal em Juiz de Fora que apresentavam dificuldades no uso da linguagem oral e escrita. Além disso, outro objetivo foi investigar o desenvolvimento desse processo, a dinâmica de aplicação das ferramentas desenvolvidas e como os alunos apreendem a informação científica. Assim, procurou-se enfatizar também os elementos científicos em situações contextuais que pudessem suscitar nos alunos reflexões diante das situações-problemas que envolvessem o cotidiano deles e que eram apresentadas no decorrer da pesquisa educacional. Ademais, este estudo procurou verificar como os alunos apreendem a informação científica e como se inserem nos jogos de linguagem da ciência e que papel as mídias sonoras poderiam desempenhar no processo da alfabetização científica. A influência da linguagem no universo discursivo de cada um e as nuances de expressividade comunicativa (oral e escrita) nos mais variados jogos de linguagem apontam para as possíveis respostas para essas questões.
Esta pesquisa teve como pressuposto teórico, no campo da Filosofia da Linguagem, as reflexões do filósofo Ludwig Wittgenstein que aborda em sua obra, Investigações Filosóficas, o pragmatismo da linguagem, situando, dessa forma, as ações humanas nos jogos de linguagem
, dos quais fazem parte quaisquer ações humanas mediadas pela linguagem. A concretude da vida é permeada pela linguagem e as relações sociais estão intrinsecamente regidas pela comunicabilidade entre as pessoas. Sendo assim, tomando-se a linguagem científica como um jogo de linguagem na perspectiva wittgensteiniana, essa pesquisa procurou investigar a interface entre a comunicação (a mídia sonora) e a educação (alfabetização científica) como uma possibilidade de inclusão dos alunos nos jogos de linguagem da ciência.
A ferramenta tecnológica que foi utilizada para esta pesquisa apresentava-se como um recurso exequível, barato e de fácil acesso, pois se compunha apenas de um programa de computador de áudio (o Audacity, um software livre e gratuito), um netbook, um microfone e um amplificador sonoro. Esse equipamento possibilitou, então, a criação de um estúdio simples de áudio dentro da própria sala de aula, que guarda semelhança em alguns aspectos com um estúdio radiofônico escolar. Essa nova configuração midiática no ambiente da sala de aula permitiu que os alunos reelaborassem e gravassem alguns textos do gênero jornalístico-científico. Nesse novo ambiente e tempo escolar configurado por esse recurso midiático, a oralidade e a produção escrita emergiram num contexto diferenciado.
Pode-se dizer que, nesse contexto investigado na pesquisa, a capacidade comunicativa está diretamente relacionada à atenção ao uso correto do vernáculo. O constante exercício da escrita, da leitura e da fala permite a articulação do raciocínio para uma posterior transposição do pensamento ininteligível para o inteligível. Esse tripé (escrita/leitura/fala), que sustenta a comunicabilidade, exige também uma constante atenção às palavras (seu significado e seu sentido) no contexto em que elas estão inseridas. Sob essa perspectiva, o significado de uma palavra é resultante da complexidade do processo de associação entre diferentes domínios do conhecimento.
Assim, este livro apresenta a seguinte organização: o primeiro capítulo aborda a Filosofia da Linguagem e concentra-se na práxis da linguagem a partir das reflexões filosóficas de Wittgenstein sobre os jogos de linguagem e a sociedade. Além disso, é apresentada uma perspectiva histórica da ciência, em que as mudanças de conceitos e paradigmas são, em certa medida, o reflexo das mudanças da linguagem na práxis comunicativa que, por conseguinte, relaciona-se às mudanças de mentalidades que marcam a história humana. Discute-se, também, a alfabetização científica e sua relevância na contemporaneidade. Por fim, é feita uma abordagem da divulgação e/ou popularização da ciência a partir da discussão de alguns elementos históricos, com ênfase na questão da linguagem científica e seu acesso às demais partes da sociedade.
No segundo capítulo, são feitas reflexões a respeito das estreitas relações entre a linguagem, o mundo e a escola. Ademais, é feita uma abordagem das mídias sonoras como valiosas ferramentas pedagógicas no contexto escolar; e, no final do capítulo, é apresentada a linguagem da ciência no contexto jornalístico-científico no âmbito da produção discursiva.
No terceiro capítulo, são abordados elementos metodológicos e de análise da pesquisa, o campo investigativo e parte de sua história, além da descrição metodológica da pesquisa.
No