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Pesquisa em Desenvolvimento, Ambiente e Conflitos
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E-book558 páginas7 horas

Pesquisa em Desenvolvimento, Ambiente e Conflitos

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Sobre este e-book

Este livro reflete um esforço de investigação nos últimos 10 anos do grupo de pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade – Temas (www.ufrgs.br/temas). Nele são empreendidas análises com abordagens no campo da Socioantropologia, com referenciais teóricos e empíricos variados. Perpassando todos os textos, são notórias as reflexões em torno das possibilidades de apreensão de questões que se situam na relação Sociedade – Natureza e que mobilizam o debate sobre a viabilidade de grandes projetos de desenvolvimento.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de abr. de 2020
ISBN9788547345808
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    Pesquisa em Desenvolvimento, Ambiente e Conflitos - Jalcione Almeida

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Agradecimentos

    Agradecemos ao Conselho Nacional de Pesquisa Científica – CNPq, no âmbito de uma bolsa de produtividade concedida ao organizador desta coletânea, e ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pelos aportes financeiros para a publicação deste livro.

    Quem me dera ao menos uma vez

    Que o mais simples fosse visto como o mais importante

    Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente.

    Renato Russo

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    A pesquisa em desenvolvimento, ambiente e conflitos: a perspectiva do Grupo de Pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade - Temas 11

    Jalcione Almeida

    PARTE 1 - Projetos de desenvolvimento e conflitos ambientais 17

    1

    Grandes projetos de desenvolvimento e suas consequências na pesca

    artesanal do sul do Espírito Santo, Brasil: disputas por justiça frente aos empreendimentos portuários 19

    Ana Cláudia Hebling Meira

    2

    Megaprojetos de mineração:

    conceito, contexto e efeitos socioambientais em Moatize, Moçambique 39

    Anselmo Chizenga

    3

    Da promessa de desenvolvimento à flexibilização das políticas ambientais: novas disputas e mobilizações em torno da silvicultura no Rio Grande do Sul, Brasil 67

    Patrícia Binkowski

    4

    Os discursos da produção de vazios no âmbito de um programa de

    desenvolvimento: o ProSAVANA 87

    Ângela Camana

    5

    Desterritorialização provocada por grandes projetos:

    o caso da ponte Maputo-Katembe, Moçambique 101

    Elmer Agostinho Carlos de Matos

    Ambrósio Joaquim Matsinhe

    6

    A mediação do conflito decorrente do rompimento da barragem de Fundão e a construção da comunidade tradicional no município de Rio Doce/MG 117

    Natan Ferreira de Carvalho

    Lorena Cândido Fleury

    PARTE II - Controvérsias tecnocientíficas no desenvolvimento 141

    7

    A produção do consenso tecnocientífico na viabilidade ambiental da Usina Hidrelétrica Belo Monte 143

    Camila Dellagnese Prates

    8

    A ciência da religião: verdade e fé nas mudanças climáticas 165

    Fabrício Monteiro Neves

    PARTE III - Ambiente e impactos 177

    9

    Ambientes entrelaçados:

    a conservação da biodiversidade como prática sensitiva 179

    Felipe Vargas

    10

    O sol mais quente: vidas ribeirinhas e mudanças climáticas na Amazônia 195

    Luciana Costa Brandão

    11

    Desalojados da Ribeira de Boaventura (Cabo Verde):

    modos de vida e identidades rompidas 209

    Vladmir Antero Delgado Silves Ferreira

    Ivete Helena Ramos Delgado Silves Ferreira

    12

    Desastres, uma questão no campo da sociologia 219

    Marize Schons

    Elenice A. Coutinho

    PARTE IV - Textos experimentais 233

    13

    Abordagens da crise ambiental e a categoria de ambiente:

    anotações preliminares 235

    Jalcione Almeida

    14

    Em meio ao conflito, o desejo:

    desafios teóricos e políticos da ambiguidade 241

    Ângela Camana

    Gabriela Dias Blanco

    Sobre os autores 257

    INTRODUÇÃO

    A pesquisa em desenvolvimento, ambiente e conflitos:

    a perspectiva do Grupo de Pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade - Temas

    Jalcione Almeida

    Este livro foi produzido alicerçado em várias pesquisas levadas a efeito no grupo de pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade – Temas (www.ufrgs.br/temas). Com quase 25 anos de existência, esse grupo teve origem em 1995, inicialmente vinculado ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Por intermédio dele, articulavam-se, no fim da década de 1990, diversos professores e pesquisadores dessa Universidade e de fora dela, ligados notadamente a organizações não governamentais e institutos públicos de pesquisa e extensão rural.

    Atualmente, o Temas está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) e ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS), ambos da UFRGS. Integra prioritariamente estudantes de mestrado e doutorado, pós-doutorandos e pesquisadores visitantes nacionais e estrangeiros que se dedicam a estudos e debates acadêmicos em torno da temática geral do desenvolvimento, ciência/tecnologia e ambiente.

    Como objetivos gerais, o grupo de pesquisa busca (i) aprofundar o debate e a reflexão multidisciplinares no campo das ciências sociais sobre as principais teorias contemporâneas que tratam da relação sociedade – natureza, (ii) identificar e analisar as influências e determinações do componente ambiental nas dinâmicas sociais e, particularmente, na agricultura e no desenvolvimento, (iii) incitar e sustentar a formação e o aperfeiçoamento de pesquisadores nas ações e pesquisas na temática do desenvolvimento, ciência/tecnologia e ambiente, (iv) fomentar a realização de produção científica, nas suas diferentes formas, que integre as ciências sociais na análise da temática geral e nos temas específicos de estudo, (v) incentivar as contribuições teóricas e metodológicas com a finalidade de subsidiar novos conhecimentos e novas práticas sociais compatíveis com os objetivos do grupo, (vi) organizar e participar de eventos acadêmicos visando a avaliar e difundir os avanços teóricos e metodológicos, com o enfoque multidisciplinar de pesquisa em ciências sociais, nos temas abrangidos pelo grupo, e (vii) estabelecer intercâmbios de cooperação acadêmica com outros grupos nacionais e internacionais que tratem dos mesmos temas ou congêneres.

    No momento, o Temas está articulado em torno de cinco eixos temáticos gerais de investigação: (a) diversidade e dinâmicas das relações sociedade-natureza em contextos sociais específicos; (b) conflitos ambientais em fricção com megaprojetos e empreendimentos civis; (c) controvérsias em torno de novidades e inovações tecnológicas; (d) mudanças climáticas e os estudos sociais das ciências e das tecnologias; e (e) práticas alimentares e a tecnociência. Os enfoques analíticos restringem-se à área das ciências sociais, particularmente por meio de uma socioantropologia da ciência e da tecnologia, dos conflitos ambientais e do desenvolvimento.

    As pesquisas mais recentes do grupo têm sido divulgadas de diversas formas¹. Em coletânea anterior (Almeida, 2016), o grupo divulgou uma série de pesquisas na temática dos conflitos ambientais e das controvérsias em ciência e tecnologia. A coletânea ora apresentada surge a partir da incitação da coletânea anterior. Nesta, a exemplo da coletânea de 2016, os autores empreendem análises desde abordagens e objetos distintos; perpassando todos os textos, está a reflexão acerca das possibilidades de apreensão da relação entre sociedade e natureza nas ciências sociais contemporâneas. Aqui estão contidos textos de pesquisas recentes, com referenciais empíricos brasileiros e africanos. Esta produção reflete esforços de pesquisa em projetos de cooperação que o grupo vem empreendendo nos últimos 15 anos, com resultados bastante animadores do ponto de vista científico e social².

    Entre 2001 e maio de 2019, o Temas abrigou 58 membros entre pesquisadores, estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado³ de diferentes nacionalidades (brasileiros, colombianos, moçambicanos, cabo-verdianos, peruanos e argentinos, entre outros). Destacam-se as áreas de formação acadêmica em nível de graduação e pós-graduação em ciências sociais, filosofia, ciências agrárias, biologia e desenvolvimento rural, entre várias outras, caracterizando um perfil multidisciplinar dos ingressantes. Os temas de pesquisa nesse período foram desenvolvidos nos cinco eixos temáticos mencionados acima, destacando-se: conflitos ambientais e controvérsias tecnocientíficas em torno de grandes projetos de desenvolvimento, biotecnologias agrícolas/organismos geneticamente modificados, estratégias socioprodutivas em regiões fragilizadas ambientalmente, mediação sociotécnica, proteção/conservação do ambiente, mudanças climáticas, desenvolvimento e agricultura, sustentabilidade em agroecossistemas.

    Além desta introdução, este livro está organizado em quatro partes: a primeira, intitulada Projetos de desenvolvimento e conflitos ambientais; a segunda, Controvérsias tecnocientíficas no desenvolvimento; a terceira, Ambiente e ‘impactos’; e a quarta, Textos experimentais, totalizando 14 capítulos.

    O capítulo que abre a primeira parte, de autoria de Ana Cláudia Hebling Meira, intitulado Grandes projetos de desenvolvimento e suas consequências na pesca artesanal do sul do Espírito Santo, Brasil: disputas por justiça frente aos empreendimentos portuários, trata de conflitos em torno de empreendimentos portuários no litoral do estado do Espírito Santo, que afetam especialmente pescadores artesanais em três comunidades. Apoiando-se no aporte teórico da pragmática da crítica e interpretando tais disputas como conflitos ambientais, a autora traz como argumento principal a ideia de que os conjuntos de críticas e justificativas presentes no referido conflito explicitam pontos de vista tão diversos que parece impossível alcançar reduzi-los a um único acordo. Ana Cláudia sugere, então, que não pode haver justiça nos conflitos ambientais; essa noção deve ser pensada como cosmojustiça para que seja possível a realização de acordos justos e justificáveis.

    O segundo capítulo trata de um megaprojeto de mineração da empresa Vale em uma região de Moçambique. Intitulado Megaprojetos de mineração: conceito, contexto e efeitos socioambientais em Moatize, Moçambique, o trabalho de Anselmo Panse Chizenga investiga este megaprojeto instalado no distrito de Moatize. O autor questiona como ocorrem as operações críticas e suas justificações nas contestações em torno deste megaprojeto e de que modo o ambiente molda e catalisa as contestações. Estas, juntamente com as novas gramáticas mobilizadas pelos afetados por meio de autoidentificação e da tipificação da empresa e da rede de relações com o lugar e com a natureza, ao mesmo tempo em que permitem tensionar e renovar conceitualmente a especificidade dos megaprojetos de mineração, desvelam que os projetos de geração de renda e os mecanismos de compensação propostos pela empresa Vale expressam a impossibilidade de coexistência da mineração com a diversidade e heterogeneidade de práticas sociais das comunidades locais.

    Patrícia Binkowski, no capítulo nomeado "Da promessa de desenvolvimento às flexibilizações das políticas ambientais: as novas disputas e mobilizações em torno da silvicultura no Rio Grande do Sul, Brasil", busca retomar brevemente o contexto de emergência do conflito ambiental em torno da silvicultura no Rio Grande do Sul (RS), em meados de 2004, descrever como o conflito se movimentou durante os anos subsequentes e identificar e analisar as novas disputas e mobilizações em torno da expansão da silvicultura de eucalipto na metade sul do estado do Rio Grande do Sul, a partir de 2016. O texto centra-se em um debate sobre a flexibilização das leis ambientais e seus impactos, bem como nas novas disputas e mobilizações envolvendo a silvicultura no RS. Além disso, analisa a (des)mobilização dos movimentos sociais diante da política florestal, utilizando-se como exemplo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), movimento social que, nos últimos anos, vem ampliando suas pautas e lutas em prol de uma política voltada à agroecologia. A autora constata que o conflito em torno da silvicultura no estado retorna, em diferentes tempos e espaços, trazendo basicamente os mesmos elementos constitutivos do conflito ambiental na sua origem. Assim, averigua que, a partir de 2016, emergem outras faces do conflito, suscitando novas manchetes.

    No capítulo seguinte, Os discursos da produção de vazios no âmbito de um programa de desenvolvimento: o ProSavana, Ângela Camana trata dos discursos sobre desenvolvimento que circundam o Programa de Cooperação Tripartida para o Desenvolvimento Agrícola da Savana Tropical em Moçambique - ProSavana, projeto de cooperação conjunta dos governos brasileiro, japonês e moçambicano. O objetivo é interpretar como a ideia de vazio é produzida e reforçada por esse Programa. A análise aponta para a (re)produção de uma ideia de que a savana moçambicana seria um lugar vazio, desabitado e à espera do desenvolvimento, a despeito dos sujeitos que lá́ estão e de suas formas próprias de existência no lugar. Ademais, ainda que o ProSavana não se pretenda formalmente um programa de desenvolvimento sustentável, a autora identifica um esforço institucional para narrá-lo como tal. No entanto, a despeito da inovação no discurso predominante, parece ser uma tentativa inócua, tendo em vista a repetição de práticas que pouco implicam em sustentabilidade.

    Desterritorialização provocada por grandes projetos: o caso da ponte Maputo-Katembe, Moçambique é o título do quinto capítulo dessa primeira parte do livro. De autoria de Elmer Agostinho Carlos de Matos e Ambrósio Joaquim Matsinhe, o texto analisa as implicações da construção da ponte Maputo-Katembe para as famílias atingidas pela infraestrutura e que foram reassentadas no bairro Chamissava, no distrito municipal de Katembe. Projetos dessa natureza, segundo os autores, são apresentados e legitimados como imprescindíveis, de importância nacional, cujo intuito é galvanizar a economia do país. Mas são projetos que se sobrepõem aos interesses sociais localizados, desafiando a manutenção dos territórios locais. A ação de deslocamento involuntário estaria embasada numa abordagem falsa que confunde terra (espaço) com território, quando, na verdade, a terra é um espaço a ser moldado para se transformar em território. A partir da análise das entrevistas realizadas, os autores constatam que o processo de reassentamento (ou reterritorialização) tem sido precário. Contudo, as famílias vão encontrando formas de (re)produção em um novo território.

    Finalizando a primeira parte, Natan Ferreira de Carvalho, em A mediação do conflito decorrente do rompimento da barragem de Fundão e a construção da ‘comunidade tradicional’ no município de Rio Doce/MG, faz uma contextualização da mediação social envolvida no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos da Samarco aos faiscadores e pescadores artesanais de Rio Doce (MG). A partir da participação em processos de mediação nesse município, no período de maio de 2017 a julho de 2018, foi possível ao autor observar uma perda de protagonismo da Fundação Renova na condução dos programas de reparação e um aumento do poder de interferência dos atingidos. A participação dos mediadores e porta-vozes nesse processo foi fundamental, o que demonstra a importância das disputas em torno da mediação e a centralidade das instituições atuantes, que constroem a nova realidade justamente a partir destas disputas e conflitos.

    O texto de Camila Dellagnese Prates, A produção do consenso tecnocientífico na viabilidade ambiental da Usina Hidrelétrica Belo Monte, inicia a segunda parte desta coletânea. Nele a autora tenta abrir a caixa-preta de duas controvérsias tecnocientíficas que disputam visões sobre as alterações do fluxo do rio Xingu com a construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte, durante o processo de definição da viabilidade ambiental da obra pelo Ibama e demais órgãos do governo. Analiticamente, esse trabalho é amparado na Teoria do Ator-Rede (ANT), cujos proponentes se empenham em demonstrar como controvérsias tecnocientíficas disputam modificações de dinâmicas relacionais entre sociedade e natureza em determinado contexto. Os dados foram coletados e analisados de forma a seguir as controvérsias enquanto elas estavam sendo disputadas no diagnóstico da viabilidade ambiental da obra. Como efeito das escolhas de pesquisa, o capítulo demonstra quais arranjos presentes nas redes das controvérsias privilegiam o fechamento das mesmas em caixas-pretas, mesmo que as disputas não atinjam o consenso entre os agentes envolvidos.

    Em A ciência da religião: verdade e fé nas mudanças climáticas, Fabrício Monteiro Neves busca compreender como o discurso científico do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC-ONU) foi veiculado pela Igreja Católica na Campanha da Fraternidade de 2011. Sendo o IPCC um órgão científico, com conteúdo formado pelas ciências naturais, o autor se questiona como esse discurso poderia ser utilizado por instituições religiosas, estruturalmente marcadas pelo apelo à transcendência. Seu intuito é mostrar mudanças no próprio uso do conteúdo científico pela Igreja à medida que as hipóteses do IPCC vão se tornando inequívocas. Para tanto, a pesquisa que embasa o capítulo comparou dois documentos emitidos pela Conferência de Bispos de dois países distintos, a saber, Estados Unidos (2001) e Brasil (2011) e mais a "Carta Encíclica Laudato si do Santo Padre Francisco sobre o cuidado da casa comum". O autor constatou o estabelecimento de um limite claro entre discurso científico e religioso somente na dimensão ética, com a Igreja reivindicando para si a fonte de sentido para a orientação das condutas de mitigação e adaptação climática.

    O capítulo Ambientes entrelaçados: a conservação da biodiversidade como prática sensitiva, de Felipe Vargas, abre a terceira parte deste livro, abordando o encontro de saberes entre biólogos, engenheiros florestais, ecólogos, ribeirinhos, indígenas e a mata no Norte amazônico brasileiro. Tem como pano de fundo o Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), e o surgimento, em 2005, de um novo método de medição, gestão e monitoramento da biodiversidade, o Rapeld, em duas expedições científicas: uma ao longo da BR 319, rodovia que liga Manaus/AM a Porto Velho/RO, e outra no Parque Nacional do Viruá, em Caracaraí/RR. A análise é direcionada ao modo como o ambiente é experimentado e entrelaçado por distintos modos de apreensão, exprimindo-se por um conjunto de variações isoláveis (relevo, solo, densidade vegetal etc.) que são ora reduzidas à mínima, ora elevadas à máxima ação. O autor conclui que os ambientes são composições de um agenciamento que coproduz paladares, cheiros, texturas e números sob o signo do dado científico; outro modo de engajamento entre cientistas, ribeirinhos, mata, instrumentos tornando-se possível em meio à produção de habilidades específicas mata adentro.

    Luciana Costa Brandão investiga experiências ribeirinhas diante das mudanças climáticas na Amazônia nas localidades de Manaus, Careiro da Várzea, São Francisco do Mainá e em algumas comunidades ao longo do Rio Unini. Em O sol mais quente: vidas ribeirinhas e mudanças climáticas na Amazônia, a autora destaca analiticamente uma das dimensões experimentadas e denunciadas pelas pessoas que entrevistou durante a pesquisa de campo para sua dissertação de mestrado, no caso, o aumento da temperatura, buscando delinear uma rede de responsabilização pelas modificações climáticas em curso na região. Partindo de uma tentativa de contestar esse tipo de posicionamento, a autora busca friccionar os depoimentos dos ribeirinhos com estudos e depoimentos tecnocientíficos sobre as mudanças do clima na Amazônia, de modo a identificar como essas múltiplas mudanças climáticas vêm a ser, seus pontos de convergência e de afastamento. Em termos de conclusões parciais, Luciana constata que, a partir das experiências ribeirinhas, essa rede de responsabilização sobre as mudanças climáticas inclui também nós relacionados à urbanização, industrialização e ao desenvolvimento. Acrescenta, por fim, a necessidade de refletir sobre o próprio fazer científico-sociológico no campo dos Estudos Sociais em Ciência e Tecnologia (ESCT), acerca tanto das práticas de purificação que perpassam as pesquisas e também da forma como se articula o conhecimento não científico.

    Em Desalojados da Ribeira de Boaventura (Cabo Verde): modos de vida e identidades rompidas, Vladmir Antero Delgado Silves Ferreira e Ivete Helena Ramos Delgado Silves Ferreira investigam efeitos em comunidades desalojadas em decorrência da construção de uma barragem em Cabo Verde e os resultados da política pública de realojamento conhecida como Casa para Todos. Entre o pessimismo, a indiferença e as ações de resistência – dois anos depois da mudança compulsória para o novo complexo habitacional –, os autores analisam os impactos e efeitos de dois grandes projetos incorporados no pacote de desenvolvimento de Cabo Verde (Barragem e Programa Casa Para Todos) sobre segmentos populacionais desfavorecidos. Concluem que os benefícios não estão sendo universalizados, e que emergem questionamentos em relação a esses grandes projetos, como, por exemplo, se eles efetivamente impulsionam transformações que trazem benefícios para a sociedade, se são traduzidos para a coletividade e se são incorporados por ela.

    Os desastres, de um modo geral, e seus impactos, cada vez mais despertam interesses teórico e prático em diversos campos da ciência, incitando debates acadêmicos (e públicos) em torno de suas interpretações. Marize Schons e Elenice Aparecida Coutinho, em Desastres, uma questão no campo da sociologia, questionam como a sociologia, a partir de diferentes teorias e perspectivas, e constantemente influenciada por seus contextos de produção, pode contribuir para as pesquisas nesse tema. A partir de revisão bibliográfica, as autoras fazem uma reflexão sobre o desenvolvimento da sociologia dos desastres como um campo conectado a diferentes abordagens sociológicas que, por conseguinte, produzem análises plurais sobre esses fenômenos. Os resultados apontam que essa sociologia consolida a perspectiva do social e, mais recentemente, tem trazido discussões importantes para compreender o ambiente como objeto sociológico nas pesquisas sobre os desastres.

    A quarta e última parte traz dois textos experimentais. O primeiro deles, de autoria de Jalcione Almeida, é o ensaio intitulado Abordagens da crise ambiental e a categoria de ambiente: anotações preliminares. O autor discute em torno de uma interrogação sobre a crise ambiental, interrogação essa movida pelo interesse em saber se ela é produto de uma crise de crescimento das sociedades modernas (como, por exemplo, parecem refletir o debate e as ações sobre a sustentabilidade do desenvolvimento), ou uma expressão direta (e inédita e maior) da modernidade em si mesma (representada pelo esgotamento do projeto moderno, iluminista, de sociedade, por exemplo). Nesse ensaio, o autor explicita brevemente as diferentes representações ou significados possíveis da crise ambiental, bem como os de ambiente.

    O capítulo que encerra esta coletânea é de autoria de Ângela Camana e Gabriela Dias Blanco, intitulado Em meio ao conflito, o desejo: desafios teóricos e políticos da ambiguidade. Ao assumir como pano de fundo o contexto de crise ambiental, que se revela mais intensamente em grandes programas de desenvolvimento e infraestrutura, esse texto se debruça sobre alguns impasses teóricos, metodológicos e políticos colocados para pesquisadores quando investigam os conflitos ambientais. De caráter ensaístico, o texto resulta de inquietações que emergiram dos trabalhos de campo no curso de doutorado das autoras, diante da constatação de que as experiências sentipensantes, face à ameaça ambiental de megaprojetos, não são unívocas, nem lineares. A partir uma proposição teórica, o objetivo é refletir sobre a ambiguidade dos sujeitos, expressada especialmente na dimensão do desejo.

    Referência

    ALMEIDA, Jalcione (org.). Conflitos ambientais e controvérsias em ciência e tecnologia. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2016.

    PARTE 1

    Projetos de desenvolvimento e conflitos ambientais

    1

    Grandes projetos de desenvolvimento e suas consequências na pesca artesanal do sul do Espírito Santo, Brasil: disputas por justiça frente aos empreendimentos portuários

    Ana Cláudia Hebling Meira

    Desde o início dos anos 2000, o desenvolvimento tem sido tema presente nos debates públicos no estado do Espírito Santo. Como consequência, uma série de iniciativas privadas e públicas têm apresentado propostas e projetos com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das pessoas, gerar empregos, renda, melhorar a infraestrutura logística, a infraestrutura urbana, entre outros. Em reação, emergiram várias críticas vindas de diversos grupos e agentes sociais afetados por essas ações, em diferentes níveis.

    Na microrregião litoral sul⁴ não é diferente. Essa microrregião figura em primeiro lugar no estado em valores de investimentos em grandes projetos⁵ para o desenvolvimento anunciados para os anos 2013-2018 – aproximadamente 54 milhões de reais – nas áreas de atividades petrolíferas, pelotização de minério de ferro, geração e transmissão de energia elétrica, atividades portuárias, transportes rodoviário e ferroviário, entre outras (Instituto Jones dos Santos Neves, 2014).

    A necessidade de desenvolvimento nessa região é propagandeada por meio de um discurso⁶ que constrói o litoral sul como subdesenvolvido e vazio. Subdesenvolvido porque ali predominam atividades agropecuárias e extrativistas, em pequenas propriedades rurais, com baixo índice de investimentos em modernas tecnologias e que resultam em baixas contribuições para o produto interno bruto (PIB). Vazio porque possui baixa concentração populacional, áreas naturais ainda preservadas, baixo índice de urbanização e industrialização, entre outras características. Assim, o discurso do desenvolvimento transforma o litoral sul em um lugar a ser desenvolvido.⁷

    Ao contrário do que propaga o discurso do desenvolvimento, o litoral sul não é um espaço vazio. Existem ali grupos sociais que estão sendo atingidos pelos projetos de desenvolvimento e que empreendem críticas⁸ aos mesmos e clamam por justiça. Diante da impossibilidade de abranger todo o espectro de críticas e justificações que atualmente ocorrem no litoral sul em torno dos grandes projetos para o desenvolvimento, faz-se aqui um recorte analítico cujo foco recai sobre as críticas aos investimentos do setor portuário empreendidas pelas comunidades de pescadores artesanais de Marobá (município de Presidente Kennedy), de Pontal (município de Marataízes) e de Itaipava (município de Itapemirim). Isso porque se verificou, nessas comunidades, um forte sentimento de que a chegada dos investimentos portuários significaria o fim da pesca, trazendo, como consequência, um clamor por justiça.

    Palavras como justo, justiça, certo, bem e bom são frequentemente repetidas nas críticas direcionadas aos empreendimentos, ora fazendo menção aos processos jurídicos que essas disputas envolvem, ora expressando indignação diante das imposições do desenvolvimento, que forçam algumas pessoas a mudar seu trabalho, sua profissão e, por vezes, seu local de residência.

    Considera-se que interpretar os significados de justiça presentes nesse processo de disputas em torno dos grandes projetos de desenvolvimento é fundamental, não apenas para compreender o conflito em si, como também para atentar aos processos de construção de acordos, ainda que provisórios, e a novos embates.

    A questão que se pretende problematizar neste texto é:será possível a construção de acordos pacíficos, justos e justificáveis, em situações de disputas como as que estão sendo vivenciadas no litoral sul capixaba? Esse questionamento tem como ponto de partida a ideia de que a justiça, do ponto de vista pragmático, está relacionada à forma como os indivíduos humanos vivem, relacionam-se entre si e com dispositivos não humanos e à capacidade desses indivíduos de construírem e promoverem a generalização de uma ideia de bem comum, capaz de unificar a humanidade em torno de uma noção de justiça, permitindo assim um acordo. Seria possível equacionar diferentes perspectivas, visões de mundo, para construir o bem comum sem que haja a imposição de uma perspectiva sobre a outra?

    Não, a gente não quer uma empresa aqui!⁹: críticas aos empreendimentos portuários do litoral sul do Espírito Santo

    A partir da pesquisa realizada junto às comunidades pesqueiras de Itaipava, Pontal e Marobá, onde foram realizadas observações com registro em diário de campo e entrevistas semiestruturadas, verificou-se uma variedade de críticas aos empreendimentos portuários. Para facilitar a análise, essas críticas foram classificadas por semelhança temática¹⁰. Como resultado, foram obtidos sete diferentes conjuntos de críticas e justificações, descritos a seguir.

    O primeiro conjunto refere-se ao aumento da movimentação de grandes embarcações e do número de plataformas de petróleo e à realização de pesquisas sísmicas que, de acordo com os pescadores, afastam, ou matam, os cardumes, aumentam o perigo de acidentes e a área de exclusão da pesca (tanto no entorno dos empreendimentos portuários como no entorno das plataformas de petróleo), entre outros problemas. Ainda no que se refere às disputas pela utilização do espaço, o sentimento de desigualdade também é expresso quando os pescadores afirmam que o pescador artesanal é proibido pelos órgãos ambientais de utilizar a rede de pesca para a captura de algumas espécies, sob a justificativa de colocá-las em risco de extinção. Por outro lado, o mesmo órgão ambiental autoriza a realização de pesquisas sísmicas no local, o que provoca, segundo mencionaram vários pescadores, a mortandade de peixes, além de estragar petrechos de pesca dos mesmos.

    Ó!! Você vai construir em cima de mim¹¹. Essa fala indica que os investimentos portuários no litoral sul do Espírito Santo serão instalados em áreas onde se localizam importantes pesqueiros, apesar das críticas e da posição em contrário dos pescadores locais. Essas críticas também são motivadas pelo sentimento de apropriação desigual do espaço e, mais do que isso, pelo sentimento de impotência diante do poder político e econômico dos grandes empreendimentos.

    Em resposta a esse conjunto de críticas, encontram-se justificativas técnicas como, por exemplo, "a escolha do local foi exclusivamente técnica¹²", e aí se consideram as características da carga, das embarcações, fatores como redução de custos e posição geográfica próxima às bacias petrolíferas de Campos e do Espírito Santo. Ainda por meio de justificativas técnicas, as empresas afirmam que a presença dos terminais portuários não impedirá a pesca, uma vez que as áreas de captura serão delimitadas segundo as exigências de segurança feitas pela Marinha e que, se atendidas tais determinações de segurança, os pescadores poderão seguir com suas atividades.

    Outro conjunto de justificativas baseia-se em argumentos econômicos como, por exemplo, a necessidade de melhorar a infraestrutura logística do Espírito Santo, possibilitando aumento nas exportações, maior arrecadação de impostos e royalties, maior capacidade de produzir energia para o Brasil e promoção do desenvolvimento.

    O segundo conjunto de críticas se refere aos sentimentos expressos pelos pescadores de que "querem acabar com a pesca". Os pescadores artesanais das comunidades pesqueiras de Itaipava, Pontal e Marobá demonstraram o claro sentimento de que há a intenção, por parte do poder público ou dos empreendimentos¹³, de que não haja mais a atividade de pesca artesanal no litoral sul capixaba. A crítica, nesse caso, dirige-se mais ao poder público que, em nome do desenvolvimento, trata pescadores artesanais, pescadores industriais e os empreendimentos petrolíferos e portuários de maneira claramente desigual. Enquanto, por exemplo, o governo estadual investe milhões na desapropriação do terreno para a instalação do Porto Central, não investe em infraestruturas para a pesca como, por exemplo, a construção de um píer para atracação na Praia de Marobá ou um canal para entrada dos barcos no Pontal.

    Essa recusa do poder público em realizar investimentos no setor pesqueiro, por um lado, ou a negativa das empresas em atender às solicitações dos pescadores em seus planos de compensação, por outro, causam nos pescadores o sentimento de que esses fatos ocorrem propositadamente para que, aos poucos, eles abandonem a pesca. Expressões como massacre, abandono e até mesmo morte demonstram os sentimentos de injustiça por parte dos pescadores que têm sua liberdade de escolher e existir e sua identidade enquanto pescador ameaçadas e, por vezes, impedidas em nome do desenvolvimento. As ações do desenvolvimento, quer sejam aquelas empreendidas pelas empresas privadas, quer sejam aquelas empreendidas pelo poder público, não estariam respeitando sua identidade, ou seu desejo de continuar existindo como pescador.

    As diversas ações que prejudicam a pesca, entre elas as constantes alterações na legislação que regula o setor, ou na legislação ambiental, a grande quantidade de instituições¹⁴ que interferem no setor e as constantes alterações em suas regras são interpretadas, por alguns pescadores, como uma tentativa de fazer com que eles abandonem a pesca. Dessa maneira, essas ações são vistas como sendo meios para desincentivar a atividade pesqueira, que tolhem sua liberdade de escolha e lhes impõem outro estilo de vida.

    Por outro lado, os argumentos a favor dos empreendimentos estão sempre relacionados à premissa de que o crescimento econômico poderá proporcionar a melhoria da qualidade de vida para os capixabas, ou para os brasileiros. Esses sacrifícios são vistos como meras consequências necessárias para ampliar o bem-estar das pessoas. Coloca-se sacrifício entre aspas porque assim parece aos pescadores. Acredita-se que, para os empresários, ou para o poder público, isso simplesmente seja visto como uma mudança necessária que melhorará a vida de todos. Falas como "nós não entendemos o que os pescadores querem, por que eles não querem mudar" pressupõem a ideia de que a mudança não só é necessária, como é vista como positiva. Aqui não há a compreensão da pesca artesanal como identidade cultural, como modo de vida, e sim meramente como atividade econômica ultrapassada que precisa se modernizar para que haja o desenvolvimento do estado ou do país.

    Diante das constantes mudanças impostas pelas ações de desenvolvimento, os pescadores artesanais sentem a necessidade de receber apoio do poder público, por meio de políticas públicas para o setor, para que seja possível se adaptarem à sua nova realidade, quer seja para permanecerem na pesca, quer seja para terem condições de migrar para outras atividades, se for o caso. Aqui reside o terceiro conjunto de críticas: segundo afirmam os próprios pescadores, "o governo não consegue acertar o caminho da pesca"¹⁵. Eles mencionam a necessidade de ter acesso à assistência técnica e aos financiamentos a baixo custo como tem, por exemplo, a agricultura familiar. Ainda na opinião dos pescadores, o poder público também se furta ao investimento em infraestrutura pesqueira como, por exemplo, a construção de piers para atracação, fábricas de gelo, locais adequados para a realização da limpeza, processamento e comercialização do pescado.

    O tratamento desigual por parte das instituições públicas também causa um sentimento de injustiça porque, claramente, a pesca industrial, a presença das embarcações pesqueiras estrangeiras de grande porte, o setor petroleiro e o setor portuário, embora estejam sob as leis do mesmo Estado – leis que, supostamente, devem ser iguais para todos –, recebem, por parte do poder público, um tratamento muito diferenciado. A ideia de desenvolvimento como crescimento econômico, modernização e urbanização induz o governo a agir de maneira a privilegiar ações nesse sentido. Essas, por vezes, não contemplam as atividades tradicionais e são opostas aos interesses dos pescadores artesanais. Contudo, mais uma vez, o discurso do desenvolvimento é utilizado para justificar essas ações.

    Outro conjunto de críticas – o quarto – refere-se àquelas críticas direcionadas aos procedimentos para que o empreendimento obtenha o licenciamento ambiental. A existência da pesca artesanal é reconhecida e evidenciada nos relatórios de impacto ambiental dos três empreendimentos analisados e ambos possuem, como condicionante, planos de compensação da atividade pesqueira. Entretanto, apesar da realização das audiências públicas, os pescadores apontam o fato de que não são ouvidos e seus anseios não são atendidos. Eles têm também o sentimento de que contra o empreendimento nada pode ser feito.

    O que se pôde verificar, ao analisar os relatórios de impacto ambiental dos três empreendimentos, os planos de compensação da atividade pesqueira de outros empreendimentos já em fase de execução das compensações e as ações em si, é que, embora estas últimas se apresentem como programas que visam a atender às solicitações das comunidades, são ações que as empresas impõem, trazem tudo pronto. Assim, é comum que as ações se repitam em várias comunidades, independentemente do que seja por essas solicitado. Um exemplo é a demanda pela compra de equipamentos de comunicação para instalar uma sala de rádio na sede da associação de pescadores de Marobá, ou a compra de um trator para que esses mesmos pescadores possam retirar os barcos do mar. Nenhum desses dois pedidos, feitos diretamente a representantes dos empreendimentos, foi atendido e, no lugar deles, o que foi realizado foram cursos de capacitação que as empresas já haviam oferecido em outras comunidades pesqueiras. Isso demonstra que as prioridades dos pescadores não são atendidas.

    Para esses casos, as justificativas são várias – por exemplo, argumentos técnicos, ambientais, financeiros ou jurídicos. Mais uma vez, o que parece importar para os empreendedores é o cumprimento da legislação e não o atendimento dos anseios dos moradores locais.

    O quinto conjunto de críticas se refere às ações de compensação ambiental. Há, por parte dos pescadores artesanais, sentimento de que as ações de compensação não atendem aos pescadores. Isso é expresso não apenas por meio da constatação de que "muito se fala e pouco se faz, como também por meio da crítica às indenizações direcionadas à comunidade por intermédio das associações, colônias, entre outras, e não aos pescadores. Muitas vezes, os recursos enviados para a compensação da atividade pesqueira não são efetivamente revertidos para a melhoria das atividades de trabalho dos pescadores que sofrem diretamente os impactos dos empreendimentos. Às vezes, esses recursos nem são direcionados para a pesca, quando, por exemplo, uma empresa exploradora de petróleo utiliza o recurso destinado ao plano de compensação pesqueira para a aquisição de uma farinheira" para uma comunidade quilombola que não tem relação com a pesca.

    A capacidade de organização social e a negociação política das comunidades locais também são elementos que contribuem para a configuração das negociações em torno das ações de compensação, como o caso acima deixa evidente. Vários outros exemplos poderiam ser mencionados para evidenciar as disputas por interesses específicos em relação aos recursos das compensações, como a aquisição de imóveis (terrenos ou casas) para a instalação de associações ou colônias de pesca, a aquisição de máquinas e equipamentos para a infraestrutura pesqueira (como fábrica de gelo, unidades de processamento de pescado) que nunca entraram em funcionamento e, portanto, não cumprem com o objetivo de compensar o pescador em seus prejuízos decorrentes da instalação dos empreendimentos. Sobre essa questão, mais uma vez, é utilizado o argumento jurídico para as justificativas: transferir ações de compensação para instituições, e não para pessoas privadas, é uma exigência da lei que os empreendedores simplesmente cumprem. Mesmo que os pescadores aceitem a ideia de deixar a pesca para a realização de outra atividade, ainda assim seria necessário um programa de indenizações. Só desse modo seria

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