Os Professores, Seu Saber e o Seu Fazer
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Sobre este e-book
Ao longo deste livro, problematiza-se a formação de professores para uma sociedade em constante movimento, com velozes mudanças socioculturais, ambientais, políticas, tecnológicas e científicas. Nesse cenário complexo, torna-se imperiosa a existência de relações afetivas e da postura crítica e política dos professores de modo a analisar conscientemente as implicações sociais de suas ações, procurando, por meio de intervenções reflexivas, investigativas e colaborativas, desvelar valores, ideias e atuar na formação de jovens, crianças e adultos que também sejam assim.
Realça-se a importância de os professores terem uma postura transdisciplinar que se traduz pela sensibilidade afetiva e amorosa, abertura de olhar e sensibilidade diante de si e do outro, especialmente o aluno. Não basta saber sem o ser; não adianta possuir vários conhecimentos (do conteúdo, dos métodos de ensino, das várias Ciências da Educação, dentre outros) sem a postura sensível e amorosa, sem a sensibilidade afetiva para compreensão do aluno como pessoa e de suas diferentes formas de ser e aprender, sem a compreensão e o respeito para com as diferenças, com a vida e com a natureza.
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Os Professores, Seu Saber e o Seu Fazer - Rosenilde Nogueira Paniago
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Àqueles que contribuíram para a minha formação,
meu saudoso pai, Benones (em memória), e minha mãe, Leontina.
Aos meus queridos filhos, Markus Vinycius, Elvécio Neto, Gabriel e Vitória Marcela – razão de minha existência e fonte de motivação –, pela renúncia afetiva às longas horas dedicadas à produção deste livro.
Ao meu querido netinho, Miguel, o raiozinho de sol de minha vida.
Ao meu esposo, Marcelo, pela mais bela demonstração de amor:
a renúncia afetiva, a confiança e o apoio constante.
À doce, afetiva e comprometida professora Drª Teresa Sarmento, pela sensibilidade, olhar atento à leitura desta obra e sábios contributos.
Aos professores da Escola Apóstolo Paulo, Serrinha/Água Boa, Mato Grosso, pela participação efetiva nas práticas de investigação que serão aqui apresentadas.
Aos professores supervisores do Pibid e licenciandos do curso de Química e Biologia, bolsistas do Pibid do IF Goiano, pelo comprometimento e participação no projeto de investigação da horta como ferramenta pedagógica.
PREFÁCIO
Ao iniciar este prefácio, recordo como conheci a autora deste livro, Rosenilde Nogueira Paniago, no Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino (XVI Endipe) em Campinas, em 2012, no qual manifestou a sua postura atenta, com um pensamento crítico e de questionamento permanente. Das conversas que então tivemos, ficou patente o seu interesse em se desafiar, atravessar o atlântico para, na discussão com outros investigadores e na sede de ampliar o acesso a referenciais distintos, poder complexificar a sua interpretação do que é ser professor e de como se constrói o saber e a ação docente.
Na constatação de que partilhávamos preocupações e perspectivas comuns face à sociedade atual, ao mundo educacional e, nele, à formação de professores, percebi como seria para mim enriquecedor desenvolver um trabalho de reflexão conjunto a uma professora com uma grande experiência de uma realidade socioeducativa tão rica como a que a Rosenilde Paniago possuía. Das nossas conversas iniciais surgiram inúmeras questões: o que entendemos por educação? Como vemos a sociedade de hoje? É esta a sociedade que almejamos para as nossas crianças e jovens? Como podemos, a partir do nosso locus de ação, ou seja, como formadoras de professores, contribuir para pôr em discussão a formação de professores e a sua articulação com a sociedade desejada?¹ Quais os saberes de que os professores precisam? Como se selecionam esses saberes? Qual a participação dos professores na construção do conhecimento profissional?
Essas foram, assim, as questões com que partimos à descoberta; sim, esse foi um processo muito partilhado, colaborativo, em que demos forma à perspectiva de Paulo Freire²,segundo a qual Quem forma se forma e re-forma ao formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado
.
A discussão, agora partilhada com os leitores, é, então, a formação de professores para uma sociedade em constante movimento, com mudanças sociais constantes e com inquietações instigantes que não encontram resposta no imediato. Isto é, vivemos atualmente em uma sociedade líquida
³, sem podermos antecipar que percurso seguirá, mas em que temos a certeza de que os professores agora formados estarão no sistema educativo nos próximos 35, 40 anos, a acompanhar o processo educativo de crianças e jovens que esperam sentir nos seus educadores estruturas de apoio e mesmo alavancas que ajudem a suportar o seu crescimento pessoal. Ora, a formação de professores tem que atender a este aspecto: a formação de professores de hoje é uma base, logicamente não acabada, para a ação por muitos anos em uma sociedade em desenvolvimento não linear. Os saberes dos professores para essa realidade indefinida, para além de terem um fundo conteudístico próprio, sócio-historicamente situado, mas com uma temporalidade limitada, precisam, sobretudo, ser baseados em processos; ou seja, mais do que conhecer conceitos, o professor precisa aprender a aprender, aprender a ser, aprender a (re)construir permanentemente a relação com o outro (alunos, pares profissionais, investigadores, comunidades etc.).O compromisso político e social que daqui decorre é premente e não pode ser negligenciado.
Neste livro estão muito presentes e articuladas estas dimensões: 1) modelos de formação existentes; 2) questionamento crítico do valor intrínseco dessa formação; 3) relação da formação de professores com os saberes da docência e as responsabilidades sociais imanentes ao seu mandato profissional; 4) práticas de ensino colaborativas perspectivadas na reflexão e investigação.
A formação de professores pode realizar-se com base em diferentes modelos, ora seguindo uma racionalidade técnica, ora uma racionalidade crítica. Na base de uma racionalidade técnica, a formação de professores, segundo a visão crítica de Gómez⁴, assenta-se em três pressupostos: primeiro, a investigação acadêmica produz os conhecimentos necessários aos professores do ensino fundamental; segundo, o conhecimento acadêmico prepara os professores para situações problemáticas de sala de aula; terceiro, a ligação hierárquica e linear entre a produção do conhecimento científico e sua aplicação prática induz a uma percepção de que também há uma relação linear entre o ensino e a aprendizagem. Nesse modelo formativo há uma distância entre quem produz o conhecimento (os acadêmicos, considerados profissionais), e quem aplica o conhecimento (os professores da escola fundamental, considerados proletários). Essa ideia é reforçada por Tardif⁵ quando afirma que os professores são vistos como aplicadores dos conhecimentos produzidos pela pesquisa universitária, pesquisa essa que se desenvolve, a maioria das vezes, fora da prática do ofício de professor
.
Por sua vez, a formação de professores com base em uma racionalidade crítica
supera a prática, ao introduzir os ingredientes: autonomia, visão, reflexão crítica e envolvimento político, atitudes que o professor deve ter diante das questões desafiadoras de sua prática docente⁶.
Os professores formados em uma base de racionalidade técnica tendem a ser reprodutores de informações e de conteúdos previamente construídos, sem atenderem aos alunos enquanto sujeitos situados histórica e socialmente; o processo centra-se no ensino e na inculcação de conhecimentos. Em contraposição, os professores que se formam – entendendo nesse formar-se a ação direta do sujeito-formando na coconstrução da sua formação – em uma base de racionalidade crítica, têm mais possibilidades de reconhecerem e se assumirem como atores sociais comprometidos com a luta social pela justiça, em uma dinâmica permanentemente geradora de criação de possibilidades em que se viabilize a cidadania de cada um, ou seja, superando o tradicional ofício de aluno
⁷, cada criança ou jovem vive na escola e nos seus espaços de vida como cidadão.
Nesta produção, Rosenilde Paniago mantém diálogo com os muitos autores que mobiliza para sua sustentação teórica, ora identificando-se, ora contrapondo-se com as perspectivas de tais autores, assumindo assim que um investigador, mantendo indiscutivelmente um posicionamento rigoroso obrigatório para a validação do seu trabalho, não tem – nem pode, quando estabelece uma articulação interna entre a sua ação investigativa e a sua ação formadora – que ser neutro. Ao longo deste livro, amiudadas vezes nos deparamos com esse posicionamento interrogativo, ou melhor, reflexivo da sua autora: constatando que a formação de professores, seja no Brasil, seja em Portugal, ou em outro país, tem navegado em mares revoltos que direcionam os barcos ora para ondas mais tecnocráticas, reprodutoras, ora para ondas mais críticas, emancipadoras. A investigadora constantemente questiona: os formandos/alunos⁸ são entendidos como cidadãos? Como são respeitados os educandos na sua cultura e identidade? Como é abordada a questão da ética e da estética na formação de professores? Como se promove nos formandos a necessidade de manter ativa a curiosidade por novos saberes, a construção de estruturas de pensamento que os levem a identificar a pesquisa como uma área de ação profissional?
Nesta obra, Rosenilde Paniago dialoga com investigadores brasileiros e portugueses,entrevistando-os e analisando as suas obras escritas, mobilizando também obras de outros investigadores, sobretudo americanos e europeus, de diferentes áreas do saber – Sociologia da Educação, Políticas Educativas, Currículo, Pedagogia, Filosofia etc. –, afirmando a formação de professores como uma área transdisciplinar, que não se pode confinar a uma só especialidade conteudística.
Além disso, apresenta dados de pesquisa empírica com formandos, egressos e formadores no Brasil integrados na escola de educação básica e no Programa Instituticional de Iniciação à Docência (Pibid), descreve e reflete projetos específicos enquanto sujeito-professora no campo. Em síntese, nesta obra inspiradora para cada professor como profissional reflexivo, coconstrutor do seu conhecimento profissional, a autora, além teorizar e propor novas estratégias para a formação de professores, instiga-nos a assumir o compromisso sociopolítico que nos é conferido com a certificação profissional e com o mandato que nesse momento aceitamos assumir.
Teresa Sarmento
Doutora em Ciências da Educação,
Professora da Universidade do Minho, Portugal
Sumário
INTRODUÇÃO
capítulo 1
CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS QUE SUBJAZEM A FORMAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR
1.1 Modelos de formação de professores
1.1.1 A formação de professores como profissionais técnicos
1.1.2 A epistemologia da prática: racionalidade prática
1.1.3 A racionalidade crítica: a formação dos professores como intelectuais críticos
1.2 Tendências pedagógicas que subjazem a prática docente
1.2.1 A linha liberal
1.2.2 A linha progressista
1.2.3 Tendências pedagógicas contemporâneas a partir da década de 80
capítulo 2
OS SABERES DOS PROFESSORES EM TEMPOS DE MUDANÇAS
2.1 Saberes necessários ao exercício da docência profissional
2.1.1 A dimensão política e a participação como condição importante no exercício da docência
2.1.2 A abertura de olhar, escuta sensível e amorosa como condição essencial no exercício da docência
Capítulo 3
EDUCAÇÃO, PEDAGOGIA E DIDÁTICA
Capítulo 4
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO DOCENTE: DO PLANEJAMENTO ÀS ESTRATÉGIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS
4.1 Planejamento escolar
4.2 Componentes didáticos da aula
4.3 Estratégias didático-pedagógicas: como ensinar?
capítulo 5
A REFLEXÃO, A PESQUISA E A (RE)CONSTRUÇÃODE NOVAS PRÁTICAS DE ENSINO POR MEIO DO TRABALHO COLABORATIVO
5.1 Os professores pesquisadores e reflexivos: contribuições teóricas
5.2 Ainda faz sentido utilizar os termos professor reflexivo e pesquisador?
5.3 A pesquisa e a reflexão como possibilidade de (re)construção de novas práticas de ensino
capítulo 6
MEMÓRIAS PEDAGÓGICAS
6.1 Práticas colaborativas e possibilidades de pesquisa-ação em uma escola do campo
6.2 A horta pedagógica no contexto do Programa de Iniciação a Docência – Pibid
NOTAS FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A realidade educacional contemporânea se apresenta imersa em um emaranhado de situações complexas, desafiantes, resultantes das várias mudanças velozes, imprevísiveis e plurais que ocorrem com a globalização, no campo da tecnologia, dos meios de comunicação, da economia, ciência, dentre outros. A sociedade é cada vez mais multifacetada, heterogênea, e os professores são desafiados a lidar com situações cada vez mais diversas, seja no ambiente escolar, seja diretamente em sala de aula, o que exige novas atitudes, habilidades, metodologias, enfim, são vários os saberes a serem mobilizados em uma diversidade de situações de ensino-aprendizagem. Indiscutivelmente, as inúmeras mudanças, as tramas que ocorrem na sociedade contemporânea, marcada por inúmeros avanços e complexidade, tornam o exercício da docência uma atividade cada vez mais complexa e ambígua, o que requer dinamismo e atualização constante dos saberes necessários ao seu exercício.
Nesse cenário, torna-se fundamental questionar o papel social da educação, as intencionalidades do ensino: formar para quê? Daí a importância de provocar uma reflexão sobre quais os saberes necessários à docência profissional nesse contexto de mudança – um contexto que suscita transformações na formação e na prática docente dos professores, exigindo a superação de sistemas formativos consubstanciados em perspectivas da racionalidade técnica, em que os professores são apenas transmissores e reprodutores de conhecimentos produzidos por pessoas alheias ao seu contexto e são chamados a melhorar os standards do ensino⁹,em uma sociedade cada vez mais competitiva economicamente, para outros modelos formativos, que focalizam o desenvolvimento profissional dos professores, como profissionais reflexivos, investigativos, com capacidade de decisão em face das diferentes problemáticas singulares, ambíguas, incertas da sala de aula, contextos escolares e não escolares. Nessa última perspectiva, a educação, a escola e os professores são chamados ao desafio da educação de crianças, jovens e adultos, de forma a contribuírem para o seu desenvolvimento sociocultural, científico, tecnológico e humano.
As reflexões que compõem este livro se destinam a formandos, futuros professores, bem como aos que já estão atuando e objetivam provocar uma reflexão sobre a formação, os saberes e o fazer docente,sobre as concepções pedagógicas que dão suporte à formação e prática docente, sobre a organização do trabalho docente, focalizando primordiamente o papel do ensino, educação e as estratégias didático-pedagógicas do ensino-aprendizagem. Assenta-se em uma concepção pedagógica que pressupõe o papel da educação, do ensino, a preparação para o ser, para o conviver, para o posicionamento crítico e político, para o empoderamento substantivado na capacidade de tomada de decisões e participação ativa social e profissional. A tessitura é permeada pela problematização do papel social da educação.
As discussões propostas neste livro se originam de dois capítulos de minha tese de doutorado, As contribuições do Programa