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OS MELHORES CONTOS ITALIANOS
OS MELHORES CONTOS ITALIANOS
OS MELHORES CONTOS ITALIANOS
E-book292 páginas4 horas

OS MELHORES CONTOS ITALIANOS

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Sobre este e-book

Seja bem-vindo a mais um volume da Coleção Melhores Contos, uma seleção de contos escritos em épocas distintas por autores de diversas nacionalidades e com temáticas das mais variadas, mas que tem em comum uma enorme e talvez a mais importante qualidade literária: a de dar prazer ao leitor. Neste ebook o leitor será apresentado aos Melhores Contos Italianos, uma seleção de contos memoráveis escritos por grandes contistas italianos de várias épocas, bem como belos contos oriundos do riquíssimo folclore italiano.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de out. de 2020
ISBN9786586079876
OS MELHORES CONTOS ITALIANOS

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    OS MELHORES CONTOS ITALIANOS - Diversos

    cover.jpg

    Edições LeBooks

    OS MELHORES

    CONTOS ITALIANOS

    1a edição

    img1.jpg

    Isbn: 9786586079876

    LeBooks.com.br

    A LeBooks Editora publica obras clássicas que estejam em domínio público. Não obstante, todos os esforços são feitos para creditar devidamente eventuais detentores de direitos morais sobre tais obras.  Eventuais omissões de crédito e copyright não são intencionais e serão devidamente solucionadas, bastando que seus titulares entrem em contato conosco.

    Prefácio

    Prezado leitor

    Seja bem-vindo a mais um volume da Coleção Melhores Contos, uma seleção de contos escritos em épocas distintas por autores de diversas nacionalidades e com temáticas das mais variadas, mas que tem em comum uma enorme e talvez a mais importante qualidade literária: a de dar prazer ao leitor.

    Neste ebook apresentamos os Melhores Contos Italianos, uma seleção de contos memoráveis escritos por grandes contistas italianos de várias épocas, bem como belos contos oriundos do belíssimo folclore italiano.

    Uma excelente leitura

    LeBooks Editora

    SUMÁRIO

    OS MELHORES CONTOS ITALIANOS

    A ENGANADORA ENGANADA

    O FRADE E A CORTESÃ

    O ARQUIDIABO BELFEGOR

    PREOCUPAÇÕES DESEJÁVEIS

    CAVALLERIA RÚSTICA

    IDÍLIOS DESFEITOS

    O PEQUENO VIGIA LOMBARDO

    A CONCORRÊNCIA

    UMA FLORISTA

    A ARCA DE PÃO

    TUDO POR BEM

    O BEIJO DO ESCULTOR

    A BEBEDEIRA DE TONI BIANCHINI

    AVENTURAS DE TERRA E MAR

    O RETRATO PROFÉTICO

    SEM DIZER NADA

    PONTO NEGRO

    FEBO

    O DESTINO

    DON ARISTOTILE

    AQUELA MOÇA

    Apresentação dos autores

    OS MELHORES CONTOS ITALIANOS

    A ENGANADORA ENGANADA

    I

    Nas cidades marítimas era costume antigamente, como ainda o é hoje, levar-se a um grande armazém, conhecido em vários países com o nome de alfândega, todas as mercadorias desembarcadas, entregando-se às pessoas encarregadas de as receber, uma lista em que estava marcado seu preço. Os encarregados, depois de as registrar em seus livros, e receber as importâncias dos direitos, davam, a seguir, aos mercadores, um pequeno armazém separado para as custodiar. Os corretores informavam-se da qualidade e do preço das mercadorias de cada armazém, e do mercador, para procurarem vendê-las mediante certo lucro. Isto é o que se fazia, e ainda se faz em Palermo, porto marítimo dos mais frequentados da Sicília.

    As mulheres de Palermo são muito galantes, muito interesseiras muito corrompidas; não obstante, são tão astutas que quem não as conhece, toma-as pelas mulheres mais honestas do mundo. A maior parte é formosa e bem formada: geralmente se dedicam a caça dos forasteiros, porque os escorcham mais facilmente do que aos naturais do lugar. Assim que veem um recém-chegado, informam-se de seu nome e fortuna, e para ficarem mais ao corrente de suas riquezas, pedem aos encarregados da alfândega, que as deixem consultar seu registro, onde encontram a lista e o preço das mercadorias que lhe pertencem; a seguir fazem o que podem para atrair o homem às suas redes. Não se pode imaginar o número de comerciantes que elas levam à ruína. Felizes daqueles que saem aliviados, tão somente de suas mercadorias, sem deixar a pele e os ossos em Palermo.

    Depois destas minudências, que me pareceram necessárias, haverão de saber que, não faz muito tempo, um senhor florentino, chamado Salabetto, porém mais conhecido pela alcunha de Nicolau de Chignieno, foi enviado por seus patrões a Palermo, com um saldo de tecidos de lã, que não puderam vender na feira de Salerno e poderiam valer quinhentos escudos. Depois de dar a relação aos encarregados da alfândega e fechar a mercadoria em um armazém, procurou se divertir na cidade, sem mostrar muita pressa de se desfazer dos tecidos. O tal mancebo era muito galhardo. Uma das ditas mulheres, ávida de forasteiros, que ouvira falar do moço e bem depressa ficara informada de seus negócios, pôs os olhos nele, persuadida de que lhe não daria trabalho depená-lo. Era uma espertalhona, conhecida pelo nome de senhora Branca Flor. Não tardou em se fazer notar, e representou tão bem seu papel, que o florentino a tomou por uma dama distinta. Como tinha muito boa opinião de si mesmo, não duvidou que sua aparência a havia cativado e resolveu levar aquela cena até o fim. Procurou, assim, todos os meios de se ligar a ela, e passando e tornando a passar, continuamente, diante de sua porta, concluiu, com prazer, que não desagradava à dama. Depois de empregar o estratagema de incitá-lo bem, e de o convencer de que sentia por ele ternura igual, a bela enviou-lhe, secretamente, uma de suas mulheres, muito hábil na arte de negociar assuntos galantes. A encarregada assumiu o tom necessário para triunfar em sua missão e disse-lhe, quase com lágrimas nos olhos, que a sua presença de tal maneira impressionara sua senhora, que esta não tinha um momento de descanso e de bom grado concordaria em vê-lo, sem cerimônia, se o galante quisesse ir ao banho que ela lhe indicasse. Em seguida tirou da bolsa um anel, que lhe deu da parte de sua patroa, como prenda de seu amor.

    Salabetto estava no ápice da alegria. Tomou o anel, olhou-o de perto, beijou-o e colocando-o no dedo, respondeu à mensageira, que Branca Flor não lhe fazia senão justiça em lhe corresponder; que pensava nela dia e noite, que a amava acima de tudo e que não existia lugar aonde não estivesse disposto a ir, para proporcionar a si o prazer de vê-la. Basta que me diga o dia e a hora, para que eu vá.

    A dama, inteirada de sua disposição, torna a enviar imediatamente sua confidente, para lhe dizer a que banho deveria ir, para a ver, no dia seguinte, depois das vésperas.

    Chegada a hora do encontro, Salabetto que a ninguém se vangloriara de sua aventura, vai à casa do banhista e fica, com prazer, inteirado de que havia um quarto alugado para Branca Flor. Estava nele fazia apenas alguns minutos, quando viu chegar duas criadas, trazendo uma delas um lindo colchão de fustão, e a outra uma cesta cheia de provisões. Estenderam o colchão sobre uma cama, com lençóis de finíssimo tecido bordado de seda e ouro, e mais duas almofadas, também magnificamente bordadas. Depois disto, entraram as duas criadas no quarto de banho e o lavaram com esmero.

    Branca Flor não se fez esperar por muito tempo. Chegou acompanhada de duas outras criadas e fez mil carícias a Salabetto, enquanto esteve só com ele. Depois de muitos suspiros de um lado e de outro, e de muitos beijos dados e devolvidos, disse a dama:

    — Somente o senhor conseguiu fazer-me vir aqui. Não encontrei meios de me defender de seus encantos, amabilíssimo toscano; meu coração está abrasado.

    Após vários galanteios da mesma espécie, despiram-se e entraram no banho, auxiliados pelas duas criadas. A dama, sem permitir que alguém a tocasse, lavou-se a si mesma, com um sabão composto de diversos perfumes, dentre os quais predominava o do almíscar. Depois do banho, deixou as criadas enxugarem-na com toalhas muito finas e aromatizadas. Com o mesmo zelo cuidaram do florentino. Ambos foram levados, nos ombros das criadas, e bem envoltos, para a cama que já tinham preparado. Um instante depois tirou as toalhas e deixaram o casai amoroso sobre outros lençóis, que tinham borrifado com água de rosas, água de flor de laranjeira e de jasmim, todas tiradas de lindas bolinhas de prata. Por fim, foram servidos confeitos e vinhos finos, de sorte que Salabetto se julgava no paraíso; porém nada o encantava tanto quanto a beleza de Branca Flor. feria desejado, de todo o coração, que suprimissem tanta cerimônia, para permanecer só com a dama, pois não podia saborear a fruta, enquanto os criados lá estivessem. Falou disso à bela, que lhes ordenou se retirassem imediatamente para o outro aposento e deixassem na alcova unicamente uma vela acesa. Assim que se viram sozinhos, os amantes começaram a se beijar e a gozar os prazeres do amor. O florentino não cansava de repetir os gozos, tanto mais deliciosos quanto se julgava o mais amado de todos os homens. Quando a dama entendeu que era tempo de se levantar, chamou as criadas para que a vestissem e ordenou que novamente servissem vinho e confeitos, para tonificar o galã, que disso estava bem necessitado.

    — Meu querido amigo, — disse antes de se separarem — se quiser ser amável e dar-me um grande prazer, vem cear e dormir em minha casa esta noite.

    Salabetto, que estava realmente enamorado, e supunha dever unicamente ao amor os prazeres que gozara com ela, respondeu que seu mais ardente desejo seria fazer alguma coisa que lhe fosse agradável e que estava disposto a dormir com ela, não somente aquela noite, como também todos os dias de sua vida, se ela assim o desejasse. Depois desta resposta, separaram-se.

    A dama não deixou de mandar adornar sua alcova e de dar ordens para que preparassem uma magnífica ceia. O florentino foi divinamente recebido e maravilhosamente tratado, alegrando a ceia com mil coisas engenhosas. Da mesa passou à alcova. O cheiro de dulcíssimos perfumes, que respirou ao entrar, a riqueza dos móveis, o aspecto da decência e os modos corteses da dona da casa — tudo o convenceu de que tratava com uma pessoa de primeira ordem e muito rica. Conquanto tivesse ouvido contar coisas desabonadoras a respeito dela, considerava tudo consequência de calúnia e ciúmes e, admitindo-se mesmo que ela houvesse enganado alguém, não podia imaginar que fosse capaz de o enganar também. Dormiu aquela noite com ela, e teve mil motivos para se congratular. Julgava-se tão amado quanto amava, enquanto a bela nada omitia para alimentar tal ideia. No dia seguinte, Branca Flor fez presente de um cinturão de prata com uma bolsa, dizendo:

    — Meu caro amigo: pode dispor de tudo o que possuo, como se lhe pertencesse. Desde que lhe dei meu coração, sou mais sua do que minha; por conseguinte, pode considerar-se senhor aqui e mandar como em sua casa.

    A isto Salabetto respondeu com novas carícias e protestos de união eterna. Não se afastou da dama senão para ir à praça em que costumavam se reunir os comerciantes. Aproveitou todos os seus momentos livres para ir à casa da dama, à procura de prazer, sem que isso lhe custasse coisa alguma. Pouco tempo depois, aproveitou uma oportunidade que teve de vender seus tecidos com muito lucro. A bela, inteirada imediatamente, por meio de suas espias, lançou suas vistas à quantia que Salabetto havia apurado, e preparou-se para se apoderar dela. Poucos dias depois, o mancebo foi cear com ela; não houve carícias que não recebesse; Branca Flor mostrou-se tão apaixonada, que o florentino pensou que ia vê-la expirar em seus braços. Bastava que o galã elogiasse algo, para que ela o obrigasse a aceitá-lo. Quis fazê-lo aceitar duas lindíssimas xícaras de prata; mas como já tinha recebido presentes no valor de mais de trinta escudos, sem ter gasto com ela um único soldo, julgou que devia recusar aquele, por mais que a dama instasse. Esta não se preocupou com a negativa, porque estava bem convencida da sinceridade de seu amor, depois das medidas que tomara para o persuadir de que o amava com tanta paixão quanto desinteresse. Enquanto estavam ocupados em falar de sua mútua ternura, uma das criadas da dama foi dizer que tinha algo) a comunicar secretamente. Branca Flor saiu e voltou, passado um quarto de hora, prorrompendo em pranto. Atira-se à cama, e lamenta-se sem dizer uma palavra a seu amante. Este, surpreendido por tão súbita mudança, corre para o lado da bela, toma-a nos braços e põe-se a chorar com ela.

    — Que tem, querida amiga? Por que chora assim? Qual é a causa de seu pesar? Não me oculte, querida de minha alma!

    Branca Flor responde somente redobrando seu pranto. Salabetto continua lhe falando e, depois de muitas súplicas, disse a bela:

    — Ai! Meu caro amigo, não sei o que deva dizer nem fazer. Estou padecendo o maior sofrimento do mundo. Acabo de receber cartas de Messina, entre as quais há uma de meu irmão, que me súplica que lhe envie mil escudos dentro de oito dias, mesmo que tenha de empenhar e vender o que possuo, porque do contrário lhe cortarão a cabeça. Estou desesperada. Como hei de encontrar tal quantia em tão pouco tempo? Se ao menos me tivesse dado quinze dias, eu procuraria obtê-la. Venderia uma de minhas terras; porém prazo tão curto me tira todos os meios de o fazer. Sei que não poderei sobreviver à dor de saber a morte de meu irmão.

    Depois disto, recomeçou com suas lágrimas e lamúrias.

    Salabetto, que se estivesse menos enamorado teria visto mais claro, supondo que suas lágrimas fossem sinceras e realmente verdade o que ela dizia, começou a consolá-la:

    — Não me seria possível emprestar os mil escudos, porque não os tenho; não disponho de mais de quinhentos que lhe ofereço de todo o coração se puder devolvermos dentro de quinze dias. Por felicidade vendi os tecidos, pois sem isso não teria podido dispor de um soldo.

    — Oh, meu caro amigo! Terá necessitado de dinheiro, por isso que até agora não teve nenhum? Por que não me pediu? Pois, conquanto não tenha mil escudos, teria cem e até duzentos a seu dispor. Semelhante falta de confiança não me permite aceitar a oferta que me faz.

    Salabetto, mais comovido por estas palavras do que por tudo o que ela lhe fizera e dissera até então, respondeu:

    — É preciso, minha amiga, que isto não seja motivo que a impeça de aceitar meus quinhentos escudos, pois esteja certa de que, se eu tivesse precisado de dinheiro, não teria tido inconveniente em lhe dizer, dada a convicção íntima que tenho de seu amor para comigo.

    — Nesse rasgo, querido Salabetto, reconheço que me ama verdadeiramente e que não me enganei quando o escolhi por amigos. Isso é que se chama ser delicado e generoso, antecipando-se a meu pedido e oferecendo-me soma tão vultosa. Já me era muito caro, mas agora o é ainda mais por seu proceder. Nada existe de mais nobre. Quer que eu lhe seja devedora da vida de meu irmão; é um serviço que nunca olvidarei. Não obstante, aceito com pesar seus quinhentos escudos, porque sei que os comerciantes devem fazer o dinheiro produzir e não perder os bons negócios por falta de fundos; o que me anima, todavia, é a esperança de lhe devolver essa quantia em poucos. dias. Antes que faltasse, empenharia todas as coisas que me pertencem.

    Ao dizer estas palavras, deixa-se abater, chorando nos braços do florentino que, para a não deixar entregue à sua dor, passou a noite com ela. No dia seguinte, nada viu de mais urgente do que ir buscar os quinhentos escudos, sem esperar que ela lhe lembrasse. Entregou-os de bom grado, sem exigir outra garantia além da palavra, que lhe dera Branca Flor, de lhes devolver dentro de quinze dias. A dama os recebeu, rindo por dentro e chorando por fora. Como seria de supor, não deixou de renovar ao comerciante, antes de o deixar, o protesto de seu amor e justo agradecimento.

    Nos dias seguintes, a coisa foi diferente. Uma vez alcançado seu propósito, Branca Flor mudou de tática: Salabetto, que antes podia vê-la a qualquer hora do dia ou da noite, encontrava frequentemente a porta fechada. Já era muito se, de sete visitas que lhe fizesse, uma desse resultado, sem contar que não tinha o mesmo acolhimento, nem as mesmas deferências de antes. Além do mais, o prazo de pagamento fora excedido de um mês, sem que Branca Flor falasse de o satisfazer. Salabetto, vencendo sua timidez, resolveu pedir o dinheiro; mas como resposta, deu ela apenas vãs desculpas. Compreendeu então que fora enganado, e não podia conter-se de raiva, ao ver que o haviam burlado de semelhante forma; mas quem não teria feito o mesmo que ele? Como se poderia imaginar que uma mulher, que se portara com tanta arte e astúcia, não fosse senão uma comediante? O que o aborrecia, acima de tudo, era não ter exigido recibo de seus quinhentos escudos. Como recuperá-los? Queixar-se? Não tinha provas nem testemunhas, e compreendia perfeitamente que Branca Flor era capaz de negar. Nem sequer se atreveu a contar sua aventura a alguém, com receio que zombassem dele, especialmente depois que algumas pessoas o haviam advertido que desconfiasse da dama. O pior para ele, foi ter recebido ordem de seus patrões para que lhes remetesse os quinhentos escudos por meio de um banco, pois no mesmo dia em que vendera os tecidos, dera o necessário aviso. Para ocultar a asneira que tinha feito e evitar as censuras que merecia, em vez de ir a Pisa, como o haviam mandado, foi a Nápoles, onde vivia Pedro Cangiano, tesoureiro da imperatriz de Constantinopla, homem de talento e muita perspicácia, e muito amigo de Salabetto. Este lhe contou seu infortúnio, pediu conselho e rogou que lhe desse os meios de ganhar a vida, pois tinha o firme propósito de não voltar a Florença. Cangiano, depois de o repreender, fê-lo compreender o que sua imprudência lhe poderia custar, aconselhando-o que voltasse a Palermo. Indicou a atitude que deveria observar e emprestou dinheiro para conseguir os meios de triunfar no projeto que lhe sugeriu. Salabetto aceitou seus conselhos e resolveu segui-los. Mandou fazer vários pacotes bem arranjados e marcados, depois de comprar uns vinte tonéis, que tinham contido azeite, encheu-os de água, embarcou-os e voltou a Palermo com as instruções de seu amigo. Assim que chegou, entregou a lista, com o preço das mercadorias, aos encarregados da alfândega; mandou-as registrar em seu nome, pô-las no armazém e declarou que tencionava não as vender até que tivesse recebido outras de que esperava grande quantidade.

    Branca Flor não tardou em saber, e uma vez informada de que o que tinha levado valia cerca de dois mil escudos, sem contar o que ainda esperava, julgou que não faria mal em lhe devolver os quinhentos, na esperança de lhe tirar maior soma. Com este intuito, mandou chamá-lo; Salabetto, mais prudente e esperando já que o chamassem, não teve inconveniente em ir vê-la, felicitando-se, em seu íntimo, por não haver brigado com ela. Foi mais bem acolhido do que das últimas vezes, e Branca Flor fingiu ignorar que ele tinha recebido mercadorias novas. A bela apresentou imediatamente muitas desculpas por não lhe ter devolvido o dinheiro a tempo, acrescentando que não duvidava que a sua falta de palavra o tivesse posto de mau humor.

    — Confesso, senhora — respondeu ele rindo — que tive então algumas complicações que me aborreceram um pouco; porém o tempo e meus amigos, proporcionaram-me outros recursos. Tão contrariado estou com a senhora, e tanto a odeio, que vendi a maior parte de meus bens para me estabelecer nesta cidade. Tenho mais de dois mil escudos de mercadorias e estou esperando mais, no valor de três mil. Eu a quero tanto, e o amor que me inspirou está tão arraigado em meu coração, que não posso viver longe daqui. Sua companhia tornou-se necessária para minha felicidade. Em mais ninguém penso, dia e noite.

    — Muito me apraz saber, caro amigo, que tem intenção de estabelecer-se nesta cidade. Esteja certo de que meu amor não arrefeceu mais do que o seu; se pareci menos apaixonada nestes últimos tempos, deve atribuí-lo aos pesares domésticos que me sobrevieram. Quando a gente está aflita, é muito difícil fazer boa cara aos amigos. Agora, que terminaram meus sofrimentos, fique convencido de que serei mais amável que antes, sem por isso estar mais enamorada, porque, repito-lhe, não deixei de o querer. Além disso, uma de minhas maiores aflições foi não ter podido devolver, no prazo fixado, o dinheiro que tão generosamente me emprestou; assim que partiu, recebi os fundos necessários. Eu lhe teria enviado, se tivesse sabido de seu endereço; mas, como está de volta, dá-lo-ei pessoalmente.

    Dito isto, mandou trazer um saco em que se achavam os mesmos quinhentos escudos que tinha recebido, pô-los em suas mãos e pediu que os contasse. Sabe Deus como Salabetto ficou contente. Tomou o saco, contou os escudos e encontrou quinhentos, nem mais nem menos. Disse em seguida à dama que estava inteiramente convencido da verdade do que acabava de lhe dizer, e tão satisfeito dela ao mesmo tempo, que o que tivesse estaria sempre a seu dispor.

    — Disto poderei convencê-la em caso de necessidade, minha formosa dama, — acrescentou ele — mormente quando tiver minha casa na cidade.

    Separaram-se um do outro muito contentes, pelo menos a julgar pelas aparências. O florentino continuou a vê-la, e Branca Flor a fazer todos os obséquios que podia. Ambos tinham seus propósitos; mas o galã estava muito longe de se deixar enganar pela segunda vez.

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