Oncologia. Atualização para graduação
De Diego de Aragão Bezzera, Guilherme Peixoto Dourado, Vicente de Paula Teixeira Pinto e Lia Gomes da Frota
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Oncologia. Atualização para graduação - Diego de Aragão Bezzera
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AGRADECIMENTOS
O sonho de um livro de oncologia voltado para a graduação surgiu em uma da faculdade de medicina da Universidade Federal do Ceará – Campus Sobral, por discentes do sexto ao oitavo semestre, os quais não possuíam, talvez, o discernimento do tamanho desse projeto que acabara de ser sonhado.
A partir dessa semente semeada nesse dia, houve períodos de crescimento contínuo e, também, bastantes dias cinzentos que não possibilitavam essa planta crescer. No entanto, por meio da colaboração de cerca de 70 pessoas dentre acadêmicos, residentes e staffs, conseguimos cultivar esse plantio e fazê-lo desenvolver.
Em especial, é preciso proferir um muito obrigado ao Dr. Diego Bezerra, orientador-mor desse livro, por estar sempre acompanhando, depositando conhecimento e tempo, para a consumação desse projeto.
É importante mencionar e agradecer as instituições: Santa Casa de Misericórdia de Sobral (SCMS), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade Instituto Superior de Teologia Aplicada (UNINTA) por proporcionarem todo apoio necessário para a conclusão desse sonho.
O agradecimento a Deus é algo imprescindível por nos proporcionar saúde, capacidade de raciocínio e livre arbítrio, a fim de possibilitar a tomada de decisão de todos para a participação nessa conquista conjunta.
Por fim, gostaria de agradecer minha família pela colaboração, presença e suporte diários para a consumação desse sonho.
Sem a participação de todos os envolvidos, o livro Oncologia – Atualização para graduação
não seria possível.
Obrigado!
Guilherme Peixoto Dourado
PREFÁCIO
O Manual de Oncologia foi idealizado a partir da vivência dos autores que perceberam carência de um maior número de livros e manuais voltados para os acadêmicos em período de graduação em Medicina. Logo, esse manual busca agregar o trabalho previamente realizado, afim do aprimorar a construção profissional dos estudantes de medicina.
Visto que tanto a incidência e quanto prevalência das patologias oncológicas dentro da sociedade brasileira e mundial tendem a aumentar de modo proporcional ao envelhecimento da população, mostra-se fundamental para a formação dos novos médicos e médicas um conhecimento mais completo acerca desse tópico tão importante, para que possam auxiliar, principalmente, os brasileiros nesse momento de mudança que virá.
Além da proposta de debater acerca das patologias oncológicas, esse manual busca, de maneira humilde, expor ideias mais amplas sobre o tema Câncer
, pois, a nova proposta da medicina moderna, é o focar no paciente e como podemos auxiliar e melhorar sua vida, especialmente dentro de um contexto de doença.
Assim, nesse livreto, existem capítulos voltados a parte discutir sobre temas por vezes negligenciados dentro da área médica, como a repercussão psicológica em um paciente oncológico e os cuidados paliativos.
INTRODUÇÃO
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o câncer é computado como uma das doenças mais prevalentes na sociedade moderna e com altíssima taxa de incidência anual, permeando o número de 14 milhões de novos casos. A mortalidade anual dessa doença é altíssima, estando entre as principais causas o câncer de vias aéreas inferiores (5ª lugar – responsável por 1,69 milhões de pessoas /ano). Infelizmente, as perspectivas não são favoráveis a nós, havendo uma projeção no ano de 2030 de 21 milhões de casos novos surgindo anualmente.
Analisando tais fatos, podemos perceber a importância e presença desse tópico em nossa sociedade. Do ponto de vista financeiro, segundo estudo/pesquisa realizada pela BBC BRASIL, o câncer gerará um gasto necessário ao nosso país de 15 bilhões de reais.
De modo, os médicos como profissionais incumbidos de lidar diretamente com os pacientes possuidores de tal patologia, devem estar capacitados e hábeis para guia-los por esse árduo caminho de cuidados e tratamentos.
Logo, buscou-se debater sobre os principais tipos de patologias oncológicas dentro das subespecialidades médicas, utilizando as literaturas mais atualizadas e seguindo as resoluções dos conselhos / sociedade médicas as quais possuem a intenção de impactar de modo benéfico nas vidas das famílias que convivem de perto com essa doença.
Sendo assim, o Manual de Oncologia busca aprimorar o conhecimento dos acadêmicos de Medicina acerca dessa temática tão difundida, dolorosa – para os pacientes, acompanhantes e profissionais envolvidos – e desafiadora.
Curiosos, graduandos, médicos (as), mestres e doutores, sintam-se convidados a realizar uma leitura reflexiva acerca desse tema instigante e desafiador.
SIGLAS
5-FU – 5-Fluorouracil
A.C – Antes de cristo
ABRAPRECI – Associação Brasileira de Prevenção ao Câncer de Intestino
ACS – American Cancer Society
ACTH – Hormônio adrenocorticotrófico
ADH – Hormônio Antidiurético
AFT – Alfafetoproteína
AINEs: Anti-inflamatórios não-esteroidais.
AJCC – American Joint Comission on Cancer
ALT – Alanine aminotransferase
AMIU – Aspiração Manual intra-útero
AN – Avaliação Nutricional NA
Anti-VEGF – Anti-fator de crescimento endotelial vascular)
AR – Receptor de Androgênio
ART – Ablação de remanescentes tireoidianos
ASG – Avaliação Subjetiva Global
ASG-PPP – Avaliação Subjetiva Global Produzida pelo Próprio Paciente
ASPEN – American Society for Parenteral and Enteral Nutrition
AST – Aspartato aminotransferase
AVE – Acidente vasculo-encefálico.
BAP1 – BRCA1 associated protein 1 (gene)
BCG – Bacilo Calmette-Gúerin
BI-RADS – Breast Imaging Reporting and Data System
BRAINS – Brazilian Investigation of Nutritional Status in hospitalized patients
BRCA-1 – Breast cancer 1
BTA – Antígeno tumoral da bexiga
CA – 125 – Antígeno de câncer 125
CA 19-9 – Antígeno de câncer 19-9
CAT – Carcinoma anaplásico ou indiferenciado de tireoide
CBC – Carcinoma Basocelular
CCE – Carcinoma de Células Escamosas ou Carcinoma espinocelular
CCHP – Câncer Colorretal Hereditário sem Polipose
CCR – Câncer colorretal
CCR – Carcinoma de células renais
CCT – Carcinomas de células transicionais
CD34 – Grupamento de diferenciação 34
CDT – Câncer diferenciado de tireóide
CEA – Antígeno carcinoembrionário
CEC – Carcinoma de células Escamosas
CEP – Colangite esclerosante primária
CHC – Carcinoma hepatoceluar
CHG – Hibridação genômica comparativa
CIS – Carcinoma in situ
CLASS – Context, Listening, Acknowledge, Strategy, Summary (tradução: Contexto, escuta, conhecimento, estratégia, síntese)
CM – Melanoma Cutâneo
CMN – Nevo Melanocítico Congênito
CMT – Carcinoma medular de tireoide
COX – Ciclooxigenase.
CPER – Colangiopancreatografia endoscópica retrograda
CPRE – Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica
CPT – Carcinoma papilífero de tireoide
CSI – Irradiação craniospinal
CT – Níveis de calcitonina
DCC – Deleted in Colorectal Cancer
DCP – Desgamacarboxiprotombina
DES – Dietilestilbestrol
DIU – Dispositivo Intrauterino
DN – Nevos Displásicos
DNA – Ácido desoxirribonucleico
DNMT – DNA metiltransferase
DPOC – Doença Pulmonar obstrutiva Crônica
DRC – Doença renal crônica
DRCA – Doença renal cística adquirida
DRGE – Doença do Refluxo Gastroesofágico
DST – Doença sexualmente transmissível
E – Especificidade
EAPC – Associação Europeia de Cuidados Paliativos.
EED – Esôfago-estômago-duodeno
EGFR – Receptor do fator de crescimento epidérmico
EUA – Estados Unidos da América
FDG – Fluorodesoxiglicose
FICA – Acrônimo para Faith; Importance; Community; Address.
FIGO- Federação internacional de Ginecologistas e Obstetras
FNCLCC – French Federation of Cancer Centers Sarcoma Group .
FPS – Fator de proteção solar
FSH – hormônio folículo estimulante
G – Grau de diferenciação
Gama-GT – Gama glutamil transpeptidase
GBM – Grupo Brasileiro de Melanoma
GE – Gasto energético
GENE APC – Gene da polipose adenoatosa coli – Polipose adenomatosa familiar
GENE RB – Gene Retinoblastoma
GGT – Gamaglutamiltransferase
GH – Hormônio do crescimento
GIST – Tumor Estromal Gastrintestinal
GnRH – Hormônio liberador de gonadotrofina
Gy – Unidade Gray
HBV- Hepatitis B Virus
HCV- Hepatitis C Virus
HER2 – receptor tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
HNPCC – Câncer colorretal hereditário não poliposo
HOPE – Acrônimo para Hope; Organized Religion; Personal Spirituality; Effects of Care and Decisions.
HPB – Hiperplasia Prostática Benigna
HPV – Papiloma Vírus Humano
HSV – VÍRUS HERPES SIMPLEX
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IBRANUTRI – Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IGF-1 – Insulin Like Growth Factor
IHC – Avaliação imuno-histoquímica)
IMC – Índice de massa corpórea
INCA – Instituto Nacional de Câncer
IORT – Radioterapia intra-operatória
IPA- Injeção percutânea de alcool
IPVN – Índice de Prognóstico de Vun Nuys
IV – Intravenoso
JAMA – Journal of the American Medical Association
JEC – Junção escamo-colunar
KDE – Escala de Desempenho de Karnofsky
KDM5C – Lysine demethylase 5C (gene)
Kg – Quilograma.
KPS – Escore de Karnofsky
K-ras – Kirsten rat sarcoma viral oncogene homolog)
LANSS – Leeds assessment of neuropathic symptoms and signs.
LCR – Líquido Cefalorraquidiano
LDH – Desidrogenase lática
LH – Hormônio luteinizante
LND – Linfadenectomia
LSA – Limiar de sensação ao estímulo da agulha.
M – Metástase
MALT – Tecido linfoide associado a mucosa
MAP – Proteína cinase mitógeno-ativada
MASCC – Multinational Association of Supportive Care in Cancer
MBP – Methyl Binding Proteins
MC – Metástases Cerebrais
MEN – Neoplasia endócrina múltipla
Mg – Miligrama.
MLH1 (gene) – MutL Homolog 1
MPC – Mielinólise Pontina Central
MSH2 (gene) – MutS Homolog 2
MSH6 (gene) – MutS Homolog 6
MSI – Instabilidade de microssatélites
MSKCC – Memorial Sloan-Kettering Cancer Center
MTOR – Mechanistic target of rapamycin kinase (gene)
N – Extensão do câncer disseminado para linfonodos
NA – Neurinoma do acústico
NCCN – National Comprehensive Cancer Network
NCI- National Câncer Institute
NIC – Neoplasia intraepitelial cervical
NP – Nefrectomia parcial
OMS – Organização Mundial da Saúde
PAAF – Punção aspirativa com agulha fina
PAF – Polipose Adenomatosa Familiar
PAF – Polipose adenomatosa familiar)
PAF-EE – Punção com agulha fina guiada por ecoendoscopia
PaIN – Neoplasia Intra-Epitelial Pancreática
PBRM1 – Polybromo 1 (gene)
pCLE – Endomicroscopia confocal a laser
PCR – Reação em cadeia da polimerase
PCR – Proteína C Reativa
PET-TC – Tomografia computadorizada por emissão de pósitrons
PKD1 – Polycystic kidney disease 1 (gene)
PNET – Tumor neuroectodérmico primitivo supratentorial
PPS – Palliative Performance Scale
PREMM – Prediction Model for gene Mutations
PRL – Prolactina
PSA – Antígeno Prostático Específico
PSA – Antígeno Prostático Específico
PTEN – Phosphatase and tensin homolog (gene)
PTH – Paratormônio
PTHrP – Proteína Relacionada ao Hormônio da Paratireóide
QT – Quimioterapia
RCBP – Registros de Câncer de Base Populacional
RCT – Radioterapia Cerebral Total
RE – Receptor alfa de estrogênio
Ressecção R1 – Ressecção tumoral completa com margens positivas à microscopia
Ressecção R2 – Ressecção tumoral incompleta, persistindo tumor macroscópico ou margens macroscopicamente invadidas
RFA – Ablação por radiofrequência
rhTSH – TSH recombinante
RM – Ressonância Magnética
RN- Risco Nutricional
RNA – Ácido ribonucleico
RNM – Ressonância nuclear magnética
RP – Receptor de progesterona
RPA – Análise de Partição Recursiva
RT – Radioterapia
RTU – Ressecção transuretral
RTX – Radioterapia
S – Sensibilidade
SCCP – Polimorfismo de conformação de filamento único
SCM – Síndrome de compressão medular
SETD2 – SET domain containing 2 (gene)
SHH – Via Sonic Hedgehog
SIADH – Síndrome da secreção inapropriada do hormônio anti-diurético
SIM – Sistema de Informação sobre Mortalidade
SLT – Síndrome de Lise Tumoral
SNC – Sistema Nervoso Central
SND – Serviço de Nutrição Dietética
SPIRIT – Acrônimo para Spiritual Belief System; Personal Spirituality; Integration Within Spiritual Community; Ritualized Practices and Restrictions; Implications for Medical Care.
SUS – Sistema Único de Saúde
SVCS – Síndrome de Veia Cava Superior
T – Tamanho e extensão do tumor principal
T3 – Triiodotironina
T4 – Tiroxina
TAP – Tempo de ativação da protrombina
TC – Tomografia de Crânio
TC – Tomografia Computadorizada
TCMS – Tomografia computadorizada multi slice
Tg – Tireoglobulina
TgAb – Anticorpos antitireoglobulina
TGI – Trato Gastrintestinal
TLND – Dissecção Terapêutica do Linfonodo Total
TMC – Tratamento médico-comportamental.
TN – Terapia nutricional
TNE – Terapia Nutricional Enteral
TNF Alfa – Fator de Necrose Tumoral alfa
TNM – Tumor, Node and Metastasis
TNP – Terapia Nutricional Parenteral
TP53 – Tumor protein P53 (gene)
TR – Toque Retal
TRH – Hormônio Liberador de Tireotrofina
TRH – Terapia de Reposição Hormonal
TSH – Hormônio tireoestimulante
TTO – Tratamento
TTPa – Tempo de tromboplastina parcial ativada
UICC – União Internacional de Controle do Câncer
US – Ultrassonografia
USG – Ultrassonografia
USIO – Ultrassonografia intraoperatória
USTR – Ultrassonografia Transretal
UV – Radiação ultravioleta
VCS – Veia Cava Superior
VEGF – Fator de crescimento endotelial vascular
VHB – Vírus hepatite
VHL – Von hippel lindau
VHS– Velocidade de hemossedimentação
WNT – Via Wingless
HISTÓRIA DO CÂNCER E INTRODUÇÃO À EPIGENÉTICA
Felipe Dias Martins
Diego de Aragão Bezerra
1. INTRODUÇÃO
Em todo o mundo, o número previsto para casos de câncer por ano é de aproximadamente 12 milhões. Nos países desenvolvidos, tal doença é a segunda principal causa de morte, superada apenas por doenças cardiovasculares. No Brasil mais de 500 mil pessoas foram alvo de câncer no último ano, excluindo os casos de pele não melanoma¹. Essa estatística é muito preocupante se pensarmos em médio prazo, pois em menos de uma década o câncer será a causa mais comum de morte. Assim, deve-se considerar essa doença como problema de saúde pública sendo de fundamental importância que se tenha recursos disponíveis, profissionais qualificados, informação, pesquisa e inovação.
O conhecimento sobre as características biológicas do tumor, prevenção, diagnóstico, estadiamento e planejamento terapêutico são fatores que influenciam o prognóstico. Além da falta de sintomas nas neoplasias precoces e desinformação da população sobre o câncer, poucas escolas médicas têm a disciplina de oncologia como matéria obrigatória em sua grade curricular. Como consequência o despreparo dos profissionais de saúde pode gerar diagnóstico e tratamento tardio influenciando negativamente no prognóstico do paciente.
Esse manual de oncologia tem o intuito de ajudar o estudante da graduação durante a disciplina de oncologia e o período de estágio curricular, trazendo de forma concisa, prática e clara informações relevantes sobre a área básica do câncer e a parte clínica e terapêutica.
2. HISTÓRIA DO CÂNCER
Durante um grande período da história quase nada se sabia sobre a doença. O Câncer fazia parte de uma grande variedade de mazelas que causavam sofrimento e morte sem etiologia definida ou tratamento disponível, gerando agonia e muitas vezes execração social pelo temor de sua contagiosidade.
Egípcios, Persas e Indianos, 30 séculos antes de cristo, já se referiam a tumores malignos, existindo registro de um dos mais antigos tumores no ser humano datado de 4000 A.C. A escola de medicina de Hipócrates na Grécia (século IV a.c) foi que definiu melhor os tumores malignos. Estes foram caracterizados como tumor duro que, muitas vezes, reaparecia depois de extirpado ou que se alastrava pelo corpo levando a morte. A escola Hipocrática achava que os tumores surgiam pelo desequilíbrio dos fluidos corporais denominando o Câncer como Carcioma ou Cirro.
Essa ideia foi mantida na medicina ocidental até o século XV quando houve a descoberta do sistema linfático, o que fez com que a doença fosse correlacionada com o desequilíbrio da Linfa no organismo. Por conta dessa concepção, as terapêuticas que visavam o equilíbrio dos fluidos corporais eram as mais utilizadas, como por exemplo as sangrias².
Somente no século XVIII, com o desenvolvimento da anatomia patológica e do conhecimento sobre as células, o câncer passou a ser visto como uma doença local. Nesse contexto duas pessoas tiveram uma grande contribuição para essa mudança de entendimento. O anatomista italiano Giovanni Battista Morgagni (1662-1771), que enfatizou a localização corpórea das doenças, passando a se caracterizar como uma entidade específica localizada em determinado órgão do corpo. Já o médico francês Marie François Xavier Bichat (1771-1802) elaborou um tratado mostrando que os órgãos são formados por diferentes tecidos, cujas lesões apontavam a localização das várias patologias. A ideia de que a doença pode aparecer em diferentes localizações tissulares ajudaram a compreender as formas distintas de câncer. Joseph Claude Anthelme Recamier (1774-1852) introduziu a ideia de metástase ao observar um tumor secundário no cérebro de uma paciente acometida, inicialmente, por um câncer no seio².
A partir dos trabalhos da teoria celular de Virchow (1821-1902), no século XIX, foi possível a vinculação do câncer as células e seu processo de divisão celular. O anatomista Wilhem Waldeyer (1836-1921) foi o primeiro a mostrar que células cancerosas se desenvolvem a partir de células normais, e que o processo de metástase, como postulara Recamier, era resultado do transporte das células cancerosas pela corrente sanguínea ou linfática. Mesmo com o avanço do entendimento da doença ainda não havia tratamentos eficazes.
As primeiras cirurgias para tratamento de câncer de reto e útero datam da década de 1840, porém foi somente na década de 1960, com o desenvolvimento das técnicas de assepsia e antissepsia criadas por Joseph Lister (1827-1912) e com a aceitação dos trabalhos de Paster (1822-1895) é que diferentes tipos de cirurgia começaram a ser bem-sucedidas e diversas técnicas cirúrgicas foram introduzidas. O grande salto no tratamento do câncer ocorreu quando houve a aproximação da medicina a outros campos do conhecimento como física e química. Com o desenvolvimento dos tubos de raios catódicos deu-se início a radioterapia. Com esse conjunto de inovações houve grande interesse no estudo da doença e diversos trabalhos foram publicados. Em 1906 ocorreu a primeira Conferência Internacional contra o Câncer, em Paris, e em 1923 o primeiro Congresso Internacional do Câncer em Estrasburgo².
Mesmo com o desenvolvimento das técnicas cirúrgicas, possibilitando a retirada de tumores malignos em diversos órgãos, e da Radioterapia utilizada principalmente em tumores cervicais, mamários, uterinos e cutâneos, foi em meados do século XX, com o desenvolvimento da quimioterapia e outras terapias, que a possibilidade de cura em diversos tipos de câncer passou a ser uma realidade. Nesse contexto, sobre a ampliação de conhecimento sobre a doença e das possibilidades de tratamento, o câncer progressivamente passou a ser motivo de atenção dos institutos de pesquisa e dos médicos em geral.
3. INTRODUÇÃO À EPIGENÉTICA
Em 1953 Watson e Crick apresentaram o modelo tridimensional em dupla hélice do DNA. Foi um modelo revolucionário que ampliou o nosso conhecimento sobre o entendimento da genética, porém a ideia de que a informação genética é armazenada pura e simplesmente por sequências de nucleotídeos provou-se incompleta posteriormente.
O material genético dos eucariotos é constituído não só por DNA, mas também por RNA e proteínas (histonas) organizados de forma altamente compactada ao qual denominamos Cromatina. Durante o ciclo celular a cromatina se organiza de forma distinta e durante a divisão celular ela atinge o grau máximo de sua condensação apresentando-se como cromossomos.
As modificações genéticas podem ocorrer não só por alteração na sequência de DNA, mas também por alterações no processo de transcrição genética, particularmente por alterações nas histonas. Essas modificações se mantêm durante o processo de divisão celular fazendo com que as células-filhas mantenham o mesmo padrão das células-mãe. Nesse contexto, epigenética é definida como o estudo das modificações do DNA e das histonas que são herdáveis e não alteram a sequência de bases do DNA. Entre as modificações que as histonas podem sofrer estão: metilação, fosforilação e acetilação. Entretanto na molécula de DNA ocorre apenas a metilação. O epigenoma, então, é dinâmico e varia de célula para célula dentro de um mesmo organismo multicelular.
A metilação consiste em uma modificação covalente do DNA na qual um grupamento metil (CH3) é transferido da S-adenosilmetionina para o carbono 5 de uma citosina (5-MeC) que geralmente precede a uma guanina (dinucleotideo CpG) (CpG é a notação utilizada para indicar um resíduo de guanina por uma ligação que envolve um grupamento fosfato – uma ligação fosfodiéster: citosina-p-guanina), pela ação de uma família de enzimas que recebe o nome de DNA metiltransferase (DNMT)³.
As DNA metiltransferases estão divididas em duas classes de representantes: aquelas envolvidas na metilação de fitas hemimetiladas do DNA (fitas de DNA em processo de replicação), conhecidas como metilases de manutenção como a DNMT1; e outro grupo, responsável pela maioria dos processos de metilação que ocorre em sítios com nenhum tipo de indicação de metilação, ou seja, sem a presença de metilação prévia, como as DNMT2, DNMT3A e DNMT3B³. Os doadores de radical metil são provenientes da dieta e são principalmente a metionina, seguida do folato, colina e vitamina B12³. A metilação de citosinas em dinucleotídeos CpG é a mais prevalente alteração epigenética no genoma mamífero e influencia profundamente muitos processos, incluindo regulação transcricional, modulação da estrutura da cromatina, inativação do cromossomo X e silenciamento de elementos parasitas do DNA. Metilação de citosinas fora de dinucleotídeos CpG é um fenômeno incomum em mamíferos e ocorre somente em células tronco embrionárias, o que pode estar relacionado à pluripotência dessas células⁴.
A metilação do DNA controla várias funções do genoma, sendo essencial durante a morfogênese para que ocorra o desenvolvimento normal. Podemos citar algumas dessas funções: recombinação durante a meiose, controle de replicação, controle de DNAs parasitas
que se inserem no genoma humano (ex: DNA viral), estabilização e manutenção da expressão gênica, regulação da diferenciação celular e inativação do cromossomo X. Entretanto, a aberração no padrão de metilação no promotor de um gene pode levar à perda de função desse gene e ser muito mais frequente do que a mutação genética⁴.
A transcrição gênica pode ser fortemente inibida pela adição de radical metil em um processo denominado: silenciamento gênico. Esse processo pode ser regulado por diversos mecanismos. Proteínas chamadas Methyl Binding Proteins (MBP), com afinidade pelo grupo metil, se ligam a dinucleotideos CpG localizados nas regiões promotoras e impedem o acesso dos fatores de transcrição aos seus sítios. Essa família de proteínas é composta por pelo menos cinco membros, sendo que as mais estudadas são a MeCP1 e MeCP2 (Methyl Cytosine Binding Protein). A MeCP1 necessita de múltiplos sítios CpGs próximos para se ligar ao grupo metil, promovendo, assim, a condensação da cromatina para a forma inativa. Já a proteína MeCP2 necessita apenas de um simples sitio CpG para fazer a ligação, promovendo alterações na cromatina semelhantes as promovidas pela proteína MeCP1⁴,⁵.
As aberrações epigenéticas provocam síndromes (ex: Prader-Willi, Angelman, Beckwith-Wiedmann, Rett) e podem predispor ao câncer. Em tumores, alterações epigenéticas do tipo hipermetilação são mais frequentemente observadas do que hipometilação. Metilações em regiões ricas em Citosina-Guanina pode ocorrer em genes implicados com diferentes funções durante o desenvolvimento do câncer, como supressão de tumor, reparo do DNA, invasão e metástase. Assim padrões alterados de metilação têm sido identificados em diversos tipos de câncer⁴,⁵.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Hoff, Paulo Marcelo Gehm (ed). Tratado de oncologia. SÃO PAULO: ATHENEU, 2013. 2829p.
2. Luiz Antonio Teixeira; Cristina M. O. Fonseca De Doença desconhecida a problema de saúde pública: o INCA e o controle do Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2007.
3. Szyf M. The dynamic epigenome and its implications in toxicology. Toxicol Sci 2007 ;100(1):7-23.
4. Oliveira NFP, Planello AC, Andia DC, Pardo APS. Metilação do DNA e Câncer. Revista Brasileira de Cancerologia 2010; 56(4): 493-499
5. Lopes, Ademar, Chammas, Roger, Iyeyasu,Hirofumi. Oncologia para Graduação. 3º Ediçãom São Paulo. Lemar, 2013. 752p
EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS ONCOLÓGICAS
Micaele Esloane Soares
Pedro Gomes Cavalcante Neto
1. VISÃO EPIDEMIOLÓGICA GERAL
A relevância da epidemiologia de doenças oncológicas está em crescente destaque, sobretudo diante da elevada morbimortalidade acarretada por essas doenças, que têm reconhecido impacto social em todo o mundo, com custos econômicos e sociais exorbitantes, relacionados à prevenção, ao tratamento e à reabilitação.¹ Ademais, o câncer é uma barreira ao desenvolvimento humano sustentável, fato evidente devido à ênfase dada pela Organização das Nações Unidas às doenças não transmissíveis.² Nesse contexto, o estudo epidemiológico evidencia padrões que fundamentam bases científicas e direcionam o planejamento de ações de assistência à saúde.
O câncer é a segunda principal causa de morte no mundo, atrás apenas das doenças cardiovasculares. Em um estudo realizado com 195 países, entre 1990 a 2015, a estimativa foi de 17,5 milhões de casos incidentes de câncer, 8,7 milhões de mortes e 208,3 milhões de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, em 2015. O mesmo estudo revelou que, em homens, o câncer de próstata foi o mais comum (1,6 milhão de casos novos) seguido pelos cânceres de pulmão, cólon e reto, estômago e fígado, tendo o câncer de pulmão maior taxa de morbimortalidade (1,2 milhão de mortes e 25,9 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade). Em mulheres, o câncer de mama é o mais diagnosticado e de maior morbimortalidade, com 2,4 milhões de casos em 2015, seguido pelos cânceres de cólon e reto e pulmão.³
Em crianças, as doenças neoplásicas correspondem a 1% e 4% do total de casos nos países de alta e baixa renda, respectivamente. As taxas de incidência gerais estimadas por ano variam de 50 a 200 por milhão em crianças de até 15 anos de idade e entre 90 e 300 por milhão em adolescentes entre 15 e 19 anos, em 2012. Existem diferenças nos tipos de câncer mais incidentes em relação ao adulto: são principalmente neoplasias do sangue e do sistema linfático (leucemias ou linfomas), tumores embrionários (retinoblastoma, neuroblastoma, nefroblastoma) e tumores do cérebro, dos ossos e dos tecidos conjuntivos.²
A incidência e a morbimortalidade dos diversos tipos de câncer variam conforme fatores sociais, geográficos, econômicos e culturais. Mudanças na fertilidade e na expectativa de vida, que levam ao envelhecimento da população, bem como diferenças no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mostram relação direta com os tipos de câncer em cada população, as taxas de sobrevivência em cinco anos e as variações nas taxas de mortalidade, como se observa, na Figura 1. Os cânceres de próstata, mama, cólon e reto, pulmão e estômago foram os diagnosticados com mais frequência em áreas com IDH alto em 2015. Enquanto nas áreas de IDH baixo, os cânceres de mama, colo do útero e estômago foram os mais comuns em ambos os sexos combinados, em 2015, e alguns cânceres relacionados a infecções ainda são muito frequentes.³ A progressão dos cânceres em mulheres mostra um padrão muito marcante que inclui rápidos declínios na incidência de câncer de colo do útero, compensados por aumentos simultâneos de câncer de mama. O período em que ocorre intersecção entre as taxas dos dois cânceres remete à transição econômica da região.²
Figura 1. Mudanças relativas nas taxas de mortalidade por câncer padronizadas por idade em ambos os sexos para todos os cânceres em 195 países ou territórios de 2005 a 2015.
Fonte: JAMA Oncology, 2016
Apesar de mais casos serem diagnosticados em áreas de baixa renda, há mais sobreviventes em regiões mais desenvolvidas (17 milhões) do que em regiões menos desenvolvidas (15,6 milhões). Nesse cenário, percebe-se a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) tanto no diagnóstico quanto no tratamento do câncer, sobretudo no Brasil, em que a rede pública é a principal responsável pelo tratamento das doenças oncológicas. Destaca-se ainda a necessidade do fornecimento de atenção à saúde nos níveis primário, secundário e terciário, bem como uma articulação entre eles.
As variações geográficas de tipo, incidência e mortalidade por câncer, sobretudo em um mesmo país, são decorrentes de uma miscelânea de fatores de risco, conscientização, programas de rastreamento, detecção precoce e acesso ao tratamento adequado.²
Entre 2005 e 2015, a incidência de câncer aumentou em 33%, dos quais 12,6% decorreram do crescimento populacional, 16,4% devido ao envelhecimento da população e 4,1% devido ao aumento das taxas de incidência por idade. Baseado no crescimento e envelhecimento da população mundial, estima-se que a incidência de câncer aumente de mais de 17 milhões de casos novos em 2015 para aproximadamente 22 milhões em 2030. Os maiores aumentos, cerca de 70%, serão vistos na África, na Ásia e na América Latina, regiões em que os recursos contra o câncer são escassos. Esses dados mostram a importância do aumento da população e da expectativa de vida na incidência de doenças oncológicas, bem como na necessidade de planejar ações de cuidado que visem diminuir o aumento dos casos.³
2. PERFIL DAS DOENÇAS ONCOLÓGICAS
As doenças e agravos não transmissíveis representam importante ônus para a população brasileira, sobretudo as neoplasias malignas, responsáveis por mais de 15% de todas as mortes no país. Como segunda principal causa de morte na população, o câncer ceifa a vida de cerca de 225 mil pessoas por ano, além das sequelas e incapacidades que pode acarretar. A estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA) é que até os 75 anos de idade, um em cada cinco brasileiros desenvolva algum tipo de câncer.
2.1 TRANSIÇÃO EPIDEMIOLÓGICA
O Brasil tem passado por transformações demográficas, sociais e econômicas que refletem também nas principais formas de adoecimento e de mortalidade da população. Essas mudanças começaram a ser discutidas próximo à década de 60 e se estendem até hoje, além de ter características inerentes a países de baixa e alta renda concomitantemente, configurando o fenômeno da ‘polarização prolongada’ da transição epidemiológica, defendido por Frenk e colaboradores (1991). Essa mudança no perfil epidemiológico tem como principal responsável, dentre as doenças não transmissíveis, o câncer.⁶
Alguns fatores podem indicar a relação do câncer com as alterações no padrão de adoecimento da população. O envelhecimento, a urbanização, as mudanças socioeconômicas e a globalização impactaram o modo de viver, trabalhar e se alimentar dos brasileiros. Como consequência houve um aumento na exposição a agentes cancerígenos, na expectativa de vida – com maior probabilidade de mutações não corrigidas – na obesidade e no sedentarismo, dentre outros fatores de risco que serão discutidos adiante. Ademais, a melhora nos métodos diagnósticos e nos sistemas de notificação também influenciam no maior índice de doenças neoplásicas atual.
Na última década, têm-se registrado mais casos de cânceres relacionados ao melhor nível socioeconômico (mama, próstata e cólon). No entanto, também se observa incidência elevada de neoplasias geralmente associadas à baixa renda (colo de útero, estômago e cabeça), exemplificando a superposição de etapas relacionada ao aspecto prolongado da transição epidemiológica no Brasil, sobretudo quando se enfoca as disparidades entre as regiões do país.⁴,⁵
2.2 OS NÚMEROS DO CÂNCER NO BRASIL
Dados do INCA apontam uma estimativa para 2016/2017 de cerca de 600 mil novos casos de câncer no Brasil, incluindo os casos de câncer de pele não melanoma (cerca de 180 mil).
Vale ressaltar que esses dados são estimativas baseadas na incidência de câncer até 2012, com possibilidade de mudanças de perfil durantes os anos não analisados, sobretudo diante de mudanças socioeconômicas já discutidas. Assim, recomenda-se cautela na interpretação dos dados.
I. Análise por localização primária do tumor e sexo
Em homens, o câncer de próstata (61 mil) é o mais frequente, já em mulheres, o mais diagnosticado é o câncer de mama (58 mil), o que evidencia um perfil epidemiológico similar ao da América Latina e do Caribe. Para o biênio 2016/2017, estima-se que os tipos mais diagnosticados em homens serão próstata (28,6%), pulmão (8,1%), intestino (7,8%) e estômago (6,0%). Em mulheres, os cânceres de mama (28,1%), intestino (8,6%), colo do útero (7,9%), pulmão (5,3%) e estômago (3,7%) estarão entre os principais. Pode-se observar na Tabela 1 os principais tipos de câncer segundo localização primária e sexo:
Tabela 1. Estimativas para o ano de 2016 do número de casos novos de câncer, segundo sexo e localização primária*
* Números arredondados para múltiplos de 10.
Fonte: INCA, 2015
II. Análise por região geográfica
Como discutido acima, a incidência, a morbidade e a mortalidade por doença neoplásica sofre grande influência de fatores sociais, econômicos e culturais das diversas populações. No Brasil não é diferente, a grande disparidade existente entre as regiões é refletida nas diferenças entre incidência e tipo de tumor. Abaixo, pode-se observar na Tabela 2 a estimativas de casos novos nas regiões brasileiras e, na Figura 2, a representação no mapa da estimativa das taxas brutas de incidência por 100 mil homens e mulheres para 2016/2017.
Tabela 2. Número total de casos novos de câncer por regiões do Brasil, 2016/2017*
*Exceto câncer de pele não melanoma
Fonte: INCA, 2015
Figura 2. Representação espacial da estimativa das taxas brutas de incidência por 100 mil homens e mulheres para 2016/2017, por Estado, para todas as neoplasias.
Fonte: INCA, 2015
III. Câncer na criança e no adulto jovem
O câncer em crianças e adolescentes (de 0 a 19 anos) corresponde a cerca de 2% a 3% de todas as neoplasias registradas no Brasil. Apesar de raro, quando comparado ao câncer no adulto, deve ser estudado com especial atenção por apresentar diferentes locais primários, origens histológicas e comportamento clínico. Ademais, geralmente costuma ter menores períodos de latência, visto que cresce rapidamente e torna-se bastante invasivo.
Adolescentes adultos jovens (15 a 29 anos) compreendem uma faixa etária intermediária, com um espectro de diferentes tipos de câncer e padrão de incidência diferente do adulto e da criança. Na infância, o câncer mais frequente é a leucemia, já no adolescente e no adulto jovem, os linfomas e os carcinomas são os mais comuns. Além disso, essa faixa etária apresenta diferenças de incidência quanto ao sexo, sendo mais comum nos homens, os linfomas, depois carcinomas e tumores do SNC e, nas mulheres, os carcinomas, seguidos dos linfomas e das leucemias.⁸
O INCA estima, para 2016, a ocorrência de 12.600 casos novos de câncer em crianças e adolescentes até os 19 anos. Sudeste apresentará maior número de casos novos, 6.050, seguidos pelo Nordeste (2.750 casos novos), Sul (1.320), Centro-Oeste (1.270) e Norte (1.210).
2.3 MORTALIDADE POR CÂNCER NO BRASIL
O número de óbitos decorrentes de doenças oncológicas continua crescendo no Brasil. Em 2014, as neoplasias corresponderam à segunda causa de óbito na população, com 16,6%, atrás apenas das doenças cardiovasculares, como pode ser observado na Tabela 3.
Em relação à faixa etária de 0 a 19 anos, em 2014, ocorreram 2.724 óbitos por câncer, correspondendo à segunda causa (7%) de óbitos de crianças e adolescentes, ultrapassada somente pelos óbitos por causas externas. Vale ressaltar que esse padrão se diferencia na Região Norte, onde o câncer corresponde à quinta causa de morte na faixa etária de 1 a 14 anos. Para o grupo etário de 15 a 29 anos, o câncer também é a segunda principal causa de óbito, porém nas Regiões Nordeste e Norte, ocupa a terceira e a quartas posições, respectivamente.⁸
Tabela 3. Mortalidade proporcional, com evidência para as principais causas, 2014.
Fonte: SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade)
Quanto à localização do tumor primário, o câncer de traqueia, brônquios e pulmão apresentou maior taxa de mortalidade (12,41 óbitos/100 mil habitantes) para ambos os sexos, seguido pelo câncer de mama (7,10), estômago (6,70) e próstata (6,15), em 2014. Abaixo, na Figura 3, pode-se observar a progressão da taxa de mortalidade dos principais tipos de câncer de 1990 a 2014.
Figura 3. Taxas de mortalidade das 5 localizações primárias mais frequentes em 2014, ajustadas por idade, por 100.000 homens e mulheres, Brasil, entre 1990 e 2014.
Fonte: Atlas On-line de Mortalidade
Disponível em: https://mortalidade.inca.gov.br/MortalidadeWeb/pages/Modelo04/consultar.xhtml#panelResultado
2.4 IMPORTÂNCIA DA NOTIFICAÇÃO
As bases de dados para coleta de informação de incidência, morbidade e mortalidade encontram-se significativamente defasadas em todo o mundo, sobretudo nos bancos de dados brasileiros. O câncer, além do atraso na notificação, tem registro prejudicado por falta de informações quanto à localização do tumor – muitos registros com ‘causa não definida’ – e quanto à faixa etária.
As informações epidemiológicas sobre as doenças oncológicas são extremamente importantes para sustentar e direcionar a tomada de decisões para enfrentamento de problemas de saúde. A atualização é imprescindível para planejamento de ações em saúde focados em faixas etárias específicas, ações de prevenção de cânceres mais prevalentes e promoção de saúde, com diminuição de fatores de risco modificáveis, bem como para avaliar a eficácia de medidas tomadas. Ademais, os dados epidemiológicos servem como alerta para mudanças no padrão socioeconômico de uma população.
3. PREVENÇÃO
As intervenções para controle do câncer têm como base a prevenção dos fatores de risco, o diagnóstico precoce, o tratamento e até reabilitação e cuidados paliativos. Neste tópico serão abordadas medidas de prevenção em geral, que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), podem evitar 40% dos óbitos por câncer.
A importância de medidas preventivas torna-se mais evidente diante do fato de o maior fator de risco para câncer (tabaco) ser também o mais simples de ser evitado, por meio de aumento de impostos, proibição do ato de fumar e de propagandas pró-fumo, por exemplo.
Além disso, ações de promoção de saúde são imprescindíveis no combate ao câncer. O empoderamento dos indivíduos e a educação em saúde são medidas essenciais e devem estar incluídas na prevenção primária.
3.1 PREVENÇÃO PRIMÁRIA
A prevenção primária diz respeito às medidas para evitar exposição a fatores de risco, Dessa forma, vacinas, higiene pessoal, sanamento básico, uso de protetor, evitar exposição solar em horários críticos, efetivação de regras rigorosas quanto ao uso de equipamentos de proteção individual e exposições ocupacionais, dieta adequada, cessação do tabagismo, prática de exercícios físicos são medidas que diminuem o risco de desenvolver doença neoplásica.
É valido ressaltar que, diante da evolução científica e do desenvolvimento de técnicas de detecção de genes responsáveis por alguns tumores, surgem formas de prevenção mais invasivas, como a mastectomia profilática, em que há necessidade de pesar risco e benefício para evitar iatrogenias.
As medidas preventivas são melhor compreendidas quando se estuda os fatores de risco relacionados ao câncer e, a partir desse entendimento, se projetam ações de cuidado em saúde.
3.2 FATORES DE RISCO
Há décadas sabe-se da influência de alguns fatores de risco no desenvolvimento de neoplasias, que, portanto, podem ser prevenidos a fim de diminuir a incidência de câncer. No Brasil, a junção de áreas precárias com rápida transição demográfica e nutricional favorece o aumento da exposição a esses fatores e tem reflexo direto na localização das neoplasias mais prevalentes.¹¹ A exposição é cumulativa e a interação entre fatores de risco modificáveis e não modificáveis determina o risco individual.¹⁴
A. Fatores de risco modificáveis
Os fatores de risco modificáveis têm apresentado crescimento, sobretudo nas áreas de média e baixa renda, cuja onda de urbanização aumenta a exposição aos fatores de risco e responde por 80 a 90% dos casos de câncer.⁴ Alguns desses fatores dependem de mudanças de hábitos a nível individual, como uso de tabaco, já outros requerem mudanças populacionais, como o uso de vacina para prevenir ou erradicar agentes infecciosos, como o papiloma vírus humano (HPV).
Tabaco
O tabagismo é o principal responsável pela incidência de câncer e mortes esperadas para 2020 no Brasil. O uso de cigarro está associado principalmente aos cânceres de pulmão, cavidade oral, esôfago (escamoso e adenocarcinoma), estômago, fígado, pâncreas, laringe, ovário, rim e bexiga.¹¹ Destes, o mais relacionado é o câncer de pulmão; 80% dos casos ocorrem em fumantes. Vale ressaltar que, entre os indivíduos que sobrevivem a um câncer decorrente do tabaco, quase 10% continuam a fumar, aumentando o risco de outro câncer. Fumantes passivos também têm risco maior de câncer de pulmão e, possivelmente, de outros cânceres, com estimativa