Terra Marrom
De Nana Diogo
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Sobre este e-book
Uma médica bem estruturada precisou estourar a bolha que a cercava, cheia de ideias amplamente difundidas no mundo, ditando que o outro precisa ser julgado pelo que tem e não por quem é.
Ela se descobriu em um acervo no qual caráter, integridade e amor são constantemente imprensados com atitudes retrógradas (e, ainda assim, contemporâneas), alimentadas por seres que acreditam e defendem o horrendo estereótipo: se minha vida está tranquila, se sou bem sucedido, dane-se o outro.
É no coração do continente Africano que Lana se sente impelida a mudar seus princípios. É no âmago da pobreza extrema que ela descobre seu maior tesouro.
Em uma carta, escrita com o mais puro dos sentimentos já experimentado pelo homem, ela descreve sobre os conhecidos fatos que a humanidade escolheu fechar os olhos e ignorar.
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Terra Marrom - Nana Diogo
presenciou.
A carta
Estou, há horas, tentando escrever uma mensagem para você. Procurando no meu cérebro revestido por palavras abstrusas, uma forma de dizer-lhe que não irei voltar para ti.
No entanto, minha mente, incapaz de ser dominada nesse exato momento, vagueia em busca de um ensejo persuasório para convencer a mim mesma que essa é a decisão correta. Queria citar Platão, Aristóteles, Karl Marx e tantos outros filósofos que influenciaram teus preceitos estabelecidos, porém, nenhuma das alusões que tu tantas vezes proferiste numa conversa aleatória será capaz de produzir verdadeiramente o que necessito te contar.
Tu te surpreenderás com o que escrevi nesta carta, este papel gasto e amarelado assinado por essa mesma pessoa que agora se encontra aqui, do outro lado do mundo, sem nenhuma ideologia filosófica documentada, enquanto ainda desconheço minhas próprias ideologias.
Arrumando a bagagem para retornar para esse mundo impetrado por egoísmo, ambição e ódio, compreendi que, perdida no meio do nada, me reencontrei. Fui modificada junto a todos os meus aforismos. Não creio que minha felicidade dependa mais desse cerco pelotiqueiro, em que por trás de toda encenação, não exista nenhum fragmento de verdade.
Eu era apenas uma palhaça acreditando que, com meus conhecimentos teóricos e práticos, poderia mudar a vida de alguém, em um recinto projetado basicamente para isso: salvar vidas. Contudo, tu vais concordar comigo quando eu descrever: fomos picados pelo mosquito da ganância e do exclusivismo. Paramos de pensar no que realmente era bom para o outro e nos concentramos no que beneficiaria a nós mesmos.
Esquecemo-nos do juramento que enunciamos, publicamente, há dez anos: juro solenemente que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência. Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de honra. Nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, gozem para sempre a minha vida e a minha arte de boa reputação entre os homens; se o infringir ou dele afastar-me, suceda-me o contrário.
Nós nos distanciamos tanto disso, meu querido, que é vergonhoso citar essa promissão nesta missiva. Curar é verdadeiramente uma arte, mas nós simplesmente rabiscamos numa tela em branco pequenos esboços infantis e transformamo-los numa obra-prima
, contemplada nos museus, como um quadro autêntico de um pintor renomado.
A vida continua tendo o mesmo valor, Mauro, infelizmente nós é que supervalorizamos nosso dom. Deixamos de ser médicos e nos adaptamos a um sistema sanguessuga, que visa apenas lucrar com a existência do outro. O que houve? Onde aqueles dois jovens sonhadores se perderam? Queríamos mudar a lei e fazer uma sociedade egocêntrica enxergar além do umbigo. Entretanto, enterramos nossas mandíbulas tão profundamente contra o collum, que nossos umbigos
ganharam um acento de prestígio nos nossos próprios olhares.
Estando aqui, percebi como a vida é delicada e, nas mãos de um perito, torna-se o artefato infracto à espera de um restaurador hábil. São milhares de pessoas que confiam a um homem
o controle sobre seus frágeis corpos. Adultos e crianças clamam a todo instante por ajuda.
Preciso muito que leia com atenção cada linha dessa extensiva carta, pois pretendo convencer-te de que, se levantarmos um pouco nossos queixos, enxergaremos quantos indivíduos necessitam verdadeiramente de nossa ciência.
Diagnosticar uma doença e tratá-la é uma metodologia antiga e difundida por todo o mundo. Concentrei-me tanto nesse ofício que confiei que um