Lugar do eterno
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Lugar do eterno - Ilton de Oliveira Chaves Júnior
Ficha Técnica
Copyright © 2013 da Editora Jaguatirica Digital
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de
19/02/1998.
É proibida a reprodução desta obra, mesmo parcial, por
qualquer processo, sem prévia autorização por escrito da
Editora.
Capa e Diagramação: M.F. Machado Lopes
Edição: Paula Cajaty
Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Ch426 Chaves Júnior, Ilton de Oliveira.
Lugar do eterno : crônicas para ensolarar o
cotidiano / Ilton de Oliveira Chaves Júnior. — 1. Ed.
Rio de Janeiro : Jaguatirica Digital, 2013.
134p. ; 14x21cm. –
ISBN 978-85-66605-01-3 (e-book)
1. Ficção brasileira. 2. Literatura brasileira.
I. Título. CDD B869.3
Fale com o autor: iltonchavesjr@gmail.com
Editora Jaguatirica Digital
Rua da Quitanda, 86, 2o andar - Centro
Rio de Janeiro - RJ - CEP 20.091-902
Tel.(21) 4141-5145 | (21) 3787-1887
Email: jaguatiricadigital@gmail.com
Site: www.editorajaguatirica.com.br
Epígrafe
"Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira[...]"
(Ferreira Gullar)
Em memória de Manzar Moisés Chaves, Antenor de Oliveira Chaves, Maria de Jesus Freire dos Santos e Sebastião Máximo dos Santos
A ausência é um estar em mim.
(Carlos Drummond de Andrade).
Índice
Ficha Técnica
Prefácio
Crônica da crônica
Baú
Questão de obrigação
Ao lado da figueira
Nova Granada
Para tia Iolanda
O médico e a libanesa
Futebol de mesa
Tradição inventada
Pretendia, mas não disse
Democracia
Descascando laranja, apontando lápis
Fusca velho
Caminhos da vida
A menina e Schopenhauer
Bolhas de sabão
Das coisas findas
A lebre e a tartaruga
Conversa de compadre
Patropando
por aí
Criatura e Criador
Big-bang
Lição de Estudos Sociais
Conversando com Calvino
Quem quiser que conte outra
Eh! Minas!
Água Branca
Bichinho
Cada um é cada qual
Ambulantes originais
Na livraria
Corpolatria
Crônica da cidade
Uma questão de atitude
Encontro remendado
Prefácio
Imagine uma mesa mineira daquelas bem fartas de antigamente, capazes de acomodar no pouco espaço da toalha xadrez já gasta pelo tempo a broa de fubá, o café recém-coado, as brevidades, os biscoitos de polvilho, os pães de queijo saídos do forno, o bolo cortado em losangos, o queijo da fazenda do tio.
É numa dessas mesas, cada vez mais raras nestes tempos de dietas, que eu imagino o cronista Ilton Chaves conversando – costurando em voz alta, e sem pressa, as palavras que compõem suas crônicas. Porque ele escreve como quem conversa, como todo bom cronista. Mas seus textos, ou sua conversa, parecem feitos para cenários acolhedores.
Pedem para ser lidos (ou ouvidos) em espaços onde se exercita o afeto, fazendo de cada leitor alguém que se conhece há muito, gente de casa, como se diz em Minas, candidato sério a ser amigo.
Se eu tivesse que escolher uma palavra, apenas uma, para definir estes textos, eu diria ensolarados
. Mesmo quando fala de tristeza, ou de saudades, ou de perdas – mesmo quando esbarra no lado sombrio da existência – Ilton a ilumina. É uma daquelas pessoas que compartilham a mesa do lanche sem talhar o leite com a acidez dos problemas, sem falar além da conta, sem se colocar no centro dos acontecimentos, sem perder de vista um minuto sequer o valor da conversa, a riqueza do instante, a beleza desconcertante da vida. Li suas crônicas como se estivesse ouvindo relatos ou reflexões de alguém que ama as palavras, mas se recusa a usá-las, ou ostentá-las, num exercício vazio.
Dentro de cada frase há uma carga de sentimento – e é sentimento honesto, vivido, seja ele de esperança, de encantamento, de perplexidade, de alegria.
O exercício de apontar lápis ou descascar laranjas com arte, as conversas amorosas com os filhos, os figos em calda para distribuir entre os vizinhos, as peladas disputadas na infância, a Belo Horizonte de ontem e de hoje, as lições deixadas pelo sogro, as quitandas da Fiinha – não há nada que o olhar de Ilton Chaves não contemple com cuidado.
Ele escreve com o respeito de quem sabe que viver é colecionar miudezas e, para colecioná-las, é preciso estar atento a elas. A lupa do cronista, que é como ele se refere a esse olhar diferenciado, confere existência e sentido ao que nos cerca. E nós, leitores, somos levados a ver o que poderia passar despercebido. O invisível ganha contornos. E o que seria efêmero se eterniza. Sem alarde, sem palavras difíceis. Uma conversa de quem compartilha a mesa, o alimento e as memórias – elas, por excelência, o lugar do eterno. Ainda que o eterno não o seja. Ainda que o para-sempre não exista.
Leila Ferreira
da crônica
Ao lugar de interseção do tempo com o espaço e os registros dou o nome de eternidade.
Crônica da crônica
Não gosto de um gênero literário específico. Mas confesso que as crônicas são especiais. Penso que correspondem à forma literária mais de acordo com o mundo contemporâneo. A crônica trata de temas atuais, informa, é rápida e, melhor de tudo, incomoda a rotina. Faz algo corriqueiro, que a pouca sensibilidade cotidiana normalmente não estranharia, tornar-se momentaneamente especial. Das formas literárias, a mais jovem, por meio dela, quem escreve encontra uma ferramenta de expressão das coisas simples, uma maneira de encantar o mundo. Sobrepondo sua lupa particular às minúcias da vida, através da crônica pode-se fazer uma leitura pessoal das miudezas do dia a dia com o repertório que possuímos.
Fernando Pessoa afirmou que o poeta é um fingidor
. Para mim, o escritor é um mentidor. E não fui eu quem imaginou assim. Foi o próprio mestre de Pessoa, Alberto Caeiro, quem construiu essa imagem literária. Ao devolver a pergunta Que te diz o vento que passa?
a seu interlocutor, o guardador de rebanhos ouve a seguinte resposta:
Muita coisa mais do que isso
Fala-me de muitas outras coisas.
De memória e de saudades
E de coisas que nunca foram.
Ao que o guardador de rebanhos contesta:
Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira
E a mentira está em ti.
Interpretar a vida é uma forma de mentir. Apresentar a realidade através de uma história criada de acordo com a percepção pessoal é a forma mais corajosa e doce de mentir. Sabino nos deu a dica ao afirmar: Eu decidi que era escritor quando descobri a terrível vocação de mentiroso.
Agindo assim, fazendo com que o primeiro enganado seja o próprio autor, o escritor tenta fazer com que outros sintam como ele sente, percebam como ele percebe, ludibriando a racionalidade cotidiana. Combinando as palavras, aquele que escreve vai colocando na realidade o que não está lá, vai matizando a vida com os tons de sua aquarela particular contradizendo a razão dos leitores que encontram na realidade apenas a realidade. Sem fins utilitários, a literatura se transforma numa completa inutilidade necessária à sanidade das pessoas sensíveis. Sem ela, a magia do mundo ficaria empobrecida. Com as crônicas animamos o mundo, brincamos com a rotina, colocamos na vida os sinais dos milagres comuns de cada dia.
Com seu jeito particular de conversar com o leitor, Cony mostrou isso em um de seus textos – O fogão e a chuva
. Com um quê de Caeiro, Cony queria ser simples como a chuva que chove. Escrever, verbo intransitivo e impessoal, um delírio que tornaria sua vida mais fácil. O autor conta-nos da sua busca por ser uma terceira pessoa sem se preocupar com que os outros o entendessem. Quatro páginas somente para dizer tantas coisas, para fazer-nos sentir e perceber outras tantas. A magia da crônica!
Alguém disse que a característica do conto é que ele mata por nocaute. Se assim é, o